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Heráclio Duarte Tavares - SBHC

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Observações da natureza e interesse militar: expedições científicas para o estudo de<br />

eclipses do Sol e o aperfeiçoamento de misseis intercontinentais<br />

Eclipses do Sol usados como ferramenta geodésica<br />

HERÁCLIO DUARTE TAVARES *<br />

Em 1922, a Primeira Guerra Mundial havia acabado e os países ao redor do Mar<br />

Báltico que compunham a recém-criada International Union of Geodesy and Geophysics<br />

reuniram-se na conferência em que esta nova associação substituiu a International Geodetic<br />

Association, que deixou de existir durante a Grande Guerra. Neste encontro, ocorrido em<br />

1924, em Helsink, Capital da Finlândia, a Baltic Geodetic Commission foi fundada. Seu<br />

principal objetivo era conectar vários vértices geodésicos e formar uma rede de triangulação<br />

entre os países membros da Comissão, conseguindo, através destas ligações, conhecer com<br />

precisão as distâncias geodésicas dos países membros e, consequentemente, estabelecer<br />

limites territoriais e mapas mais precisos (BONSDORFF, 1949:45-46).<br />

A tradição finlandesa em medidas geodésicas remete às expedições científicas que, em<br />

meados do século XVIII, tinham como missão realizar medidas que resolvessem a questão<br />

sobre o formato da Terra: ela era um círculo ou uma elipse? Um dos locais que serviu de base<br />

para a realização de uma das medições foi o território finlandês, então província sueca<br />

(KAKKURI, 2011:22). A questão foi resolvida em favor do formato elipsóide da Terra e estes<br />

experimentos deixaram a semente da realização de pesquisas geodésicas nos países naquela<br />

região.<br />

Em 1924, o astrônomo finlandês Ilmari Bonsdorff, Diretor do Finnish Geodetic<br />

Institute, era o secretário da International Union of Geodesy and Geophysics e o astrônomo<br />

polonês Thaddeuz Banachiewicz, era o principal representante de seu país entre os cientistas<br />

envolvidos com pesquisas geodésicas. Estes investigadores estavam no grupo de trabalhos da<br />

Baltic Geodetic Commission, cuja chefia ficara com Bonsdorff, e, paralelamente aos trabalhos<br />

de mensuração de distâncias usando métodos tradicionais da Comissão a qual estavam<br />

vinculados, desenvolveram novas técnicas de medição de grandes distâncias terrestres. Entre<br />

as metodologias testadas por este grupo, existia uma que parecia ter um grande potencial, por,<br />

teoricamente, permitir a medida de distâncias intercontinentais. Esta técnica utilizava eclipses<br />

do Sol para sua realização.<br />

* Mestre em Historia Social pelo Programa de pós-graduação em Historia Social – UFRJ. E-mail:<br />

heracliodt@hotmail.com . Este artigo é um trecho adaptado do capítulo 3 de minha dissertação de mestrado:<br />

Conhecimento científico e interesse militar: a dinâmica das associações da National Geographic Society para<br />

observações de eclipses do Sol nas décadas de 1930 e 1940.


Na ocorrência do eclipse total do Sol de 29 de junho de 1927, visível na Noruega,<br />

Suécia e Norte da Finlândia, Banachiewicz liderou uma expedição polonesa para a realização<br />

de um experimento que consistiu na identificação precisa do segundo e do terceiro contatos<br />

do eclipse a partir de duas bases de observação afastadas uma da outra. Se fosse possível<br />

determinar os momentos em que o eclipse fosse entrar na sua fase de totalidade com um<br />

grande grau de exatidão em duas bases de observação situadas em dois pontos afastados na<br />

superfície terrestre, os pesquisadores usariam o intervalo de tempo entre as fases de totalidade<br />

observadas nestes pontos, o valor da velocidade da sombra da lua projetada na Terra e<br />

chegariam ao valor da distância que as separa. No quarto encontro da Baltic Geodetic<br />

Commission, que ocorreu em 28 de setembro de 1928, Banachiewicz falou da metodologia<br />

que usou durante as observações do eclipse de 1927 e a apresentou com o nome de<br />

chronocinematographical method, que tinha como instrumento um aparelho de filmagem<br />

acoplado a um cronômetro e registrava em um mesmo filme a imagem do eclipse e o passar<br />

do tempo. 1<br />

A utilização desta metodologia na ocorrência de eclipses do Sol continuou ao longo do<br />

tempo. Banachiewicz usou este método novamente durante o eclipse de 19 de junho de 1936,<br />

quando quatro bases de observação foram montadas desde a Grécia até o Japão (PIEGZA,<br />

1945). Apesar de a Segunda Grande Guerra Mundial ter atrapalhado o andamento de<br />

pesquisas científicas que eram conduzidas em diversas partes do Mundo, as observações de<br />

eclipses solares não desapareceram por completo. O eclipse total do Sol de 09 de julho de<br />

1945 foi importante nestas circunstâncias. Este eclipse foi visível em uma faixa que começou<br />

no Oeste dos EUA e terminou na região central da União Soviética, passando pela Finlândia.<br />

Ilmari Bonsdorff se baseou no método de Banachiewicz para medir a distância entre dois<br />

pontos distantes e, através da utilização de câmeras de filmagem emprestadas por companhias<br />

cinematográficas, adaptadas a receptores de sinais de rádio que marcavam o tempo (LÚCIO,<br />

1947), realizou observações dentro do território finlandês. O experimento foi feito, mas,<br />

apesar dos dados coletados terem sido de boa qualidade, Bonsdorff não publicou os<br />

resultados.<br />

As observações do eclipse de 1945 trouxeram à cena algumas dificuldades que já se<br />

apresentavam nos eclipses anteriores e continuaram nos eclipses seguintes, quando da<br />

realização deste experimento de medição geodésica. Os principais problemas eram a distância<br />

1 A utilização de “revólveres fotográficos” (câmeras de filmagem rudimentares) para o registro de eventos<br />

astronômicos foi motivada pelo trânsito de Vênus de 1874-1882 e precedeu a utilização deste instrumento com<br />

fins sociais. O que Banachiewicz fez foi adaptar esta ação para o registro dos contatos de um eclipse total do Sol<br />

(CANALES, 2002).<br />

2


entre a lua e a Terra, que não era conhecida precisamente, e a topografia lunar que, com suas<br />

montanhas e vales, afetava a determinação com uma grande precisão dos momentos de<br />

contato do eclipse. Ainda havia problemas com os marcadores de tempo orientados por sinais<br />

de rádio, que esbarravam na baixa qualidade do sinal que era emitido. De fato, é possível<br />

tomar o experimento durante o eclipse de 1945 como um ensaio para o próximo eclipse do<br />

Sol que ia ocorrer em 1947.<br />

O eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947 foi visível em uma faixa que começou no<br />

Oceano Pacífico, passou pelo continente sul americano e pelo Oceano Atlântico e terminou a<br />

Leste do continente africano. Este eclipse oferecia as condições ideais para a utilização do<br />

método de mensuração de distâncias, pois a faixa de totalidade ia ser vista em locais<br />

separados por um Oceano. Esta característica do eclipse de maio de 1947 atraiu as atenções de<br />

astrônomos de diferentes instituições pelo mundo, que instalaram diversas bases em cidades<br />

brasileiras e deviam compartilhar uma grande expectativa pelo fenômeno, já que a eclosão da<br />

Guerra atrapalhou sobremaneira a continuação de seguidas observações em territórios<br />

distantes, como as que foram realizadas nas décadas anteriores ao conflito. Entre as cidades<br />

brasileiras escolhidas para a instalação das bases científicas, Bocaiuva, no Norte de Minas<br />

Gerais, recebeu a maior expedição internacional, que foi organizada pela National<br />

Geographic Society (NGS) e pelo National Bureau of Standards (NBS), e uma outra missão<br />

menor enviada pelo Finnish Geodetic Institute. Os planejamentos de observação destas<br />

expedições científicas e das que foram instaladas em outras cidades cobriam uma grande<br />

variedade de experimentos. Contudo, a Geodésia tinha alcançado um status privilegiado no<br />

pós-Segunda Guerra e sua utilidade militar justificava financiamentos e uma atenção<br />

redobrada foi dada a ela pelas forças armadas dos EUA. Pois, com informações geodésicas<br />

era possível aumentar a precisão de mapas e de mísseis de longa distância, que estavam sendo<br />

desenvolvidos naquele tempo.<br />

Mísseis mais precisos e mais mortais<br />

O princípio de funcionamento de foguetes é bastante antigo, mas a visão deste artefato<br />

como uma arma de guerra foi concebida pelos norte americanos somente em 1916. Robert<br />

Goddard, professor de Física da Universidade de Clark, em Worcester, Massachussets,<br />

percebeu que os foguetes utilizados como sinais de iluminação podiam ser usados como<br />

armas, se lançados na direção do inimigo. O foguete tomado como arma, oferecia, também, a<br />

vantagem de causar danos ao oponente sem que o agressor se expusesse de forma muito<br />

próxima a um ataque. Com o suporte de C. G. Abbott, secretário do Smithsonian Institute, o<br />

3


especialista em aerodinâmica do NBS, Edgar Buckingham, reconheceu o valor militar que o<br />

foguete possuía e agiu para que uma verba de $5,000.00, do Signal Corps Funds, fosse<br />

destinada ao desenvolvimento do artefato em 1918. Apesar de Goddard ter conseguido outra<br />

liberação no valor de $10,000.00 nos anos seguintes, a dificuldade em encontrar assistentes de<br />

pesquisa e a urgência do desenvolvimento de outros projetos fizeram com que a pesquisa<br />

sobre foguetes, para sua utilização como armamento, fosse arquivada nos EUA<br />

(COCHRANE, 1974:205-206).<br />

Ainda na perspectiva militar, o coronel Karl Emil Becker, doutor em Engenharia e<br />

Chefe da seção de munições do Exército alemão, alimentou a ideia de usar foguetes como<br />

armas de artilharia e imaginou que o desenvolvimento deste artefato podia ser uma<br />

possibilidade de romper com as restrições militares impostas pelo Tratado de Versalhes à<br />

Alemanha, já que a investigação científica de foguetes não sofrera impedimentos. Com as<br />

pesquisa feitas inicialmente por grupos amadores – que incluíam Werner Von Braun –,<br />

movidos pela ideia de viagens espaciais, o desenvolvimento de foguetes na Alemanha ganhou<br />

impulso através das ligações de cientistas com grupos políticos que ascenderam ao poder em<br />

1933 e da manutenção do segredo de pesquisa ao longo de suas operações (NEUFELD,<br />

1995:6). A continuidade do desenvolvimento de foguetes na Alemanha com base no suporte,<br />

nem sempre constante, que os nazistas deram ao grupo inicial de cientistas e o interesse por<br />

parte da Luftwaffe criaram as condições para que em 1935 um passo importante fosse dado e<br />

um local apropriado para pesquisas, testes e lançamentos fosse oficializado. Obviamente,<br />

todas estas ações estavam encobertas pela necessidade de segredo militar. O sinal verde para o<br />

início das construções das instalações em Peenemünde, no Norte da Alemanha, fora dado,<br />

mas apesar de o projeto alemão de mísseis ter estado muito à frente dos projetos de outros<br />

países nos anos 1930 e 1940, o problema de navegação dos artefatos se mostrou presente em<br />

todo este período, mesmo após o final da Segunda Guerra Mundial.<br />

A historiadora norte americana Deborah Warner, em um artigo em que analisa o<br />

processo histórico do desenvolvimento de aplicações de técnicas de medição de distâncias<br />

intercontinentais, fez menção às visões de Von Braun e de W. A. Heiskanen, geodésico<br />

finlandês, sobre a falta de dados sobre grandes distâncias terrestres e suas implicações para o<br />

avanço dos programas de mísseis no pós-Guerra. Sobre as distâncias continentais, Von Braun<br />

afirmou que:<br />

One of the gravest handicaps in improving missile accuracy is the poor accuracy of<br />

the geodetic survey of a great portion of the globe [...] within continents the national<br />

4


survey grids are often poorly linked together [and this poor linkage alone] accounted<br />

for error in the V-2s of approximately 140 meters. 2<br />

Heiskanen tratou a questão das distâncias intercontinentais da seguinte forma:<br />

As recently as 1948 the coordinates of the Swedish system differed by more than 91<br />

meters from the Danish coordinates for the same control point, and the French<br />

differed from the English about 182 meters. [...] No one knows how great are the<br />

difference between the geodetic systems of different continents. 3<br />

O que está evidenciado é que havia uma grande necessidade de informações sobre<br />

distâncias intercontinentais para serem utilizadas nos sistemas de navegação, que estavam<br />

sendo desenvolvidos nos anos 1930 – 1950, dos mísseis de longo alcance. O desenvolvimento<br />

do chamado Intercontinental Ballistic Missile (ICBM) foi um processo lento, no qual o<br />

aperfeiçoamento de combustíveis apropriados e o sistema de direção foram os maiores<br />

problemas enfrentados pelas equipes de pesquisa, desde os protótipos iniciais de projéteis de<br />

curto alcance. Os ICBMs começaram a ser construídos em projetos dos anos 1950 e 1960 pela<br />

Air Force norte americana (desvinculada do Exército dos EUA em setembro de 1947), mas as<br />

pesquisas básicas que fundamentaram esses projetos tiveram início décadas antes, onde<br />

observações de eclipses solares foram usadas como forma de levantamento de dados<br />

geodésicos. 4<br />

O historiador norte americano Richard Hallion pôs o V-2 alemão na base dos<br />

programas de desenvolvimento de mísseis nos EUA e na União Soviética. Entretanto, as<br />

diferentes forças militares nos EUA apropriaram-se de forma distinta das experiências<br />

pessoais e materiais que o V-2 podia oferecer. Por outro lado, a recém-criada Air Force dos<br />

EUA teve um grupo importante em seus quadros que, no imediato pós-Guerra, trabalhou no<br />

desenvolvimento de mísseis intercontinentais nucleares (HALLION, 1981:116). Para além<br />

das questões sobre o aperfeiçoamento do sistema de direção dos ICBMs, havia a mudança na<br />

2 Uma das mais graves deficiências na melhoria da precisão dos mísseis é a baixa precisão do levantamento<br />

geodésico de uma grande parte do globo. [...] continentalmente, as redes nacionais de mapeamento são<br />

escassamente ligadas [e estas conexões ruins, sozinhas,] responderam por erros de aproximadamente 140 metros<br />

nos V-2s. (WARNER, 2000:393), tradução nossa.<br />

3 Recentemente, em 1948, as coordenadas do sistema sueco diferiram mais do que 91 metros das coordenadas<br />

dinamarquesas para o mesmo ponto de controle, e as francesas diferiram das inglesas cerca de 182 metros. [...]<br />

Ninguém sabe quão grande é a diferença entre os sistemas geodésicos de continentes diferentes. (WARNER,<br />

2000:393), tradução nossa.<br />

4 Os ICBMs têm um alcance de até 13.000 km. Já o raio de ação do IRBM, Intermediate Range Ballistic Missile,<br />

varia entre 2.400 km à 6.400 km, enquanto o MRBM, Medium range ballistic missile, podem alcançar de 800<br />

km à 2.400 km. (HALLION, 1981).<br />

5


natureza da guerra, que ia poder ser conduzida a distância, sem a necessidade da presença de<br />

tropas em campos de batalha e com a possibilidade de emprego das recém-criadas ogivas<br />

nucleares, que seriam levadas pelos misseis de longo alcance.<br />

Pelo exposto, fica evidente que o conhecimento de distâncias intercontinentais era<br />

bastante importante na visão militar. Isto ajuda a entender o grande envolvimento que<br />

militares dos EUA tiveram em observações de eclipses solares na década de 1940 e os<br />

problemas que eles herdaram dos pioneiros neste campo. Entre os problemas técnicos que os<br />

engenheiros enfrentavam no desenvolvimento de mísseis de longo alcance, a questão da<br />

precisão dos alvos aos quais os projéteis eram direcionados tinha relações com os dados<br />

fornecidos por estudos geodésicos. Nesta perspectiva, as aplicações dos resultados que o teste<br />

de Banachiewicz podia oferecer impulsionaram a criação de um projeto secreto por parte dos<br />

militares norte americanos envolvidos nas observações do eclipse em Bocaiuva.<br />

Em 01 de abril de 1947, o Chefe da Sessão de Engenharia do Exército dos EUA<br />

recebeu um ofício secreto do coronel William M. Garland, do Army Air Forces Headquarters,<br />

que dizia o seguinte:<br />

In view of the present military interest in a world-wide geodetic datum from the<br />

standpoint of guided missile employment, it is suggested that a joint Engineer-Air<br />

Force project be established to investigate the possibilities of intercontinental<br />

astronomical-geodetical work during solar eclipses and […] as is practicable during<br />

the 20 May solar eclipse. 5<br />

Ou seja, desde antes da ocorrência do eclipse total do Sol de 20 de maio de 1947,<br />

visível no Brasil, o Exército EUA já vislumbrava utilizar os dados de um experimento<br />

específico para o aperfeiçoamento de mísseis intercontinentais. Este interesse de militares<br />

norte americanos contou com a colaboração de uma rede de astrônomos e físicos, que<br />

prestaram auxílio dando sugestões quando consultados e se dispondo a se aproximar de<br />

astrônomos finlandeses, que possuíam a experiência e os equipamentos adequados para a<br />

realização desta observação.<br />

5 Na perspectiva do atual interesse militar em dados geodésicos mundiais, no ponto de vista do emprego de<br />

mísseis guiados, sugere-se que um projeto conjunto Engineer-Air Force seja estabelecido para investigar as<br />

possibilidades de um trabalho astronômico-geodésico intercontinental durante eclipses solares e, bem como, ver<br />

a possibilidade de sua realização, durante o eclipse do Sol de 20 de maio. Ver: Memorandum from Colonel<br />

William M. Garland to the Chief of Engineers. April 01, 1947. In: RG 342 – Entry P26 – Correspondence files –<br />

Box 3696, Folder: 361 – Geodetical Mission – (National Defense) – Solar Eclipse Expedition. NARA/ College<br />

Park – MD/ US, tradução nossa.<br />

6


Uma expedição para eclipsar a paz<br />

O processo de organização da expedição para o eclipse de maio de 1948 teve sua fase<br />

crucial na ocorrência de uma conferência para seu planejamento em 29 de setembro de 1947.<br />

A minuta da conferência revela que o grande número de militares e cientistas presentes sabia<br />

que a intenção de utilizar um eclipse do Sol para realizar medições geodésicas era uma técnica<br />

ainda em teste, mas que tinha grandes chances de ter resultados positivos. Ao menos era o que<br />

eles esperavam. Os participantes ouviram as impressões de Lyman Briggs, John O’Keef,<br />

astrônomo da Geodetic Division of Maps of the US Army, e do almirante L. O. Colbert, do<br />

United States Coast and Geodetic Survey. O’Keef externou sua preferência pela técnica de<br />

Banachiewicz (àquela altura já tomada como técnica de Bonsdorff) e considerou que os<br />

resultados das mensurações poderiam ter uma precisão de cerca de 50 metros.<br />

iniciais:<br />

A proposta preliminar que a conferência elaborou teve as seguintes considerações<br />

The development of new methods of warfare and of new methods of radio<br />

navigation involving very long distances has made it a matter of military necessity<br />

as well as of scientific interest to determine the distances between the great<br />

continental triangulation system of Europe, Asia and North America, as well as the<br />

lesser system in Africa, South America, and Asia. Two principal roads are open to<br />

us for such determinations: first, direct measurements; second, computation, using<br />

accurate values for the size and shape of the earth. The aim, in either case, is to<br />

make the determination of positions within a single triangulation system. At present<br />

relative positions over long distances within a single system are known with<br />

accuracy 6 – 9 meters. On the other hand, computed intercontinental distances may<br />

be in error by 182 to 213 meters, and possibly more, chiefly due to the inaccuracy of<br />

the present knowledge of the figure of the earth. 6<br />

O objetivo público desta expedição era determinar as distâncias entre os sistemas de<br />

triangulação continentais dos EUA, Japão e Índia, e os ligar, como afirmou John O’Keefe<br />

6 O desenvolvimento de novos métodos de guerra e de rádio navegação que envolvem grandes distâncias tornouos<br />

uma questão de necessidade militar, bem como de interesse científico, para determinar as distâncias entre o<br />

grande sistema de triangulação da Europa, Ásia, América do Norte, bem como o sistema menor que há na<br />

África, América do Sul e Ásia. Dois caminhos principais estão abertos para tais determinações: primeiro, as<br />

medições diretas; segundo, cálculos utilizando valores precisos para o tamanho e forma da Terra. O objetivo, em<br />

qualquer caso, é fazer a determinação de posições em um sistema único de triangulação. Atualmente, posições<br />

relativas de longas distâncias dentro de um único sistema são conhecidas com uma precisão de 6 a 9 metros. Por<br />

outro lado, cálculos de distâncias intercontinentais podem ter um erro de 182 a 213 metros, sendo possivelmente<br />

maior, devido principalmente à imprecisão do conhecimento sobre a figura da Terra. Ver: Preliminary proposals<br />

for observations of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29 Sept 47. In: RG 331,<br />

Box 7422, Folder: Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.<br />

7


(O’KEEFE, 1949:168). Mas, o uso que os resultados da ligação entre os sistemas de<br />

triangulação podiam oferecer estavam sob o véu do sigilo e era [...] to determine the relation<br />

of 1927 North American datum to the triangulation of the Far East without the necessity of<br />

connecting through eastern Siberia. 7 Nesta lógica, o método de Banachiewicz era importante<br />

tendo em vista que os métodos tradicionais não eram capazes de estabelecer com grande<br />

precisão a distância entre dois locais separados por oceanos. Os métodos tradicionais davam a<br />

distância entre dois pontos continentais com uma acuidade que variava entre 6,1 metros a 9,14<br />

metros de margem de erro. Já a precisão da distância entre dois pontos intercontinentais<br />

variava entre 213 metros ou mais de margem de erro. A expectativa era que o método<br />

Banachiewicz reduzisse a margem de erro para cerca de 50 - 60 metros. 8<br />

Os usos sociais da ciência – no nosso caso, o uso de um conhecimento construído a<br />

partir de observações de um eclipse solar – ficam evidenciados neste evento. Existe uma<br />

confluência de interesses, onde os cientistas envolvidos neste episódio podem ser entendidos<br />

em uma chave da Sociology of Scientific Knowledge (SSK) que foca a prática dos atores<br />

sociais. Segundo Andrew Pickering: [...] knowledge is for use, not simply for contemplation<br />

(PICKERING, 1992:4). 9 Pickering trata, também, a relação de condicionamento sofrida pela<br />

pratica cientifica por suas circunstancias históricas, onde a relação com os interesses e<br />

objetivos específicos de cada grupo influenciam na construção do conhecimento. O<br />

envolvimento dos homens de ciência do NBS com as observações de eclipses do Sol vai ao<br />

encontro de objetivos militares que este órgão possuía ao longo de sua história. Por mais<br />

distante e absurdo que seja pensarmos a possibilidade de utilização de resultados de algum<br />

estudo especifico na ocorrência de um eclipse solar, para aqueles investigadores esta relação<br />

(eclipses e misseis) fazia todo o sentido. Acredito que os condicionamentos históricos aos<br />

quais estavam sujeitos e as relações estabelecidas pelo estilo de pensamento (FLECK, 2009)<br />

que compunha parte da rede de astrônomos e físicos que estavam envolvidos nestas<br />

observações, tenham propiciado links de usos da ciência que outros grupos não vislumbraram.<br />

Neste sentido, epistemologicamente, não há a criação de outra lógica cientifica, distinta da<br />

que existia no período aqui tratado. O que há é um deslocamento da aplicação dos resultados a<br />

serem alcançados, em que foi criada mais uma relação entre eclipses do Sol e interesses<br />

7 [...] determinar a ligação do sistema de informações norte americanas de 1927 ao sistema de triangulação do<br />

Extremo Oriente sem a necessidade de conectá-los através da Sibéria. Ver: Preliminar proposals for observations<br />

of the 1948 eclipse to furnish a basis for discussion at conference of 29 Sept 47. In: RG 331, Box 7422, Folder:<br />

Eclipse of Sun 1947. NARA/ College Park – MD/ US, tradução nossa.<br />

8 Memorandum from Harry Kelly to General W. F. Marquat. January 12, 1948. In: RG 331 - Entry 2, Box 7431,<br />

Folder: Eclipse [26]. NARA/ College Park – MD/ US.<br />

9 [...] conhecimento é para o uso, não simplesmente para contemplação.<br />

8


militares. Esse deslocamento foi resultado do envolvimento de atores e instituições<br />

específicas que levaram a cabo as observações de eclipses do Sol na década de 1940.<br />

Com as observações do eclipse de maio de 1948, as autoridades científicas e militares<br />

dos EUA esperavam ser possível produzir conhecimento que podia ajudar a solucionar<br />

problemas no desenvolvimento de misseis. De todo modo, astrônomos norte americanos<br />

trabalharam em conjunto com astrônomos japoneses em Rebun Jima, em 1948, e os<br />

resultados alcançados das observações ionosféricas circularam por agências cientificas e<br />

militares dos EUA, salientando a importância das investigações ionosféricas durante eclipses<br />

solares. O resultado científico final que foi alcançado pela missão da NGS para observar o<br />

eclipse anular de 1948 não foi tão bom. Nem todas as bases tiveram sucesso na determinação<br />

precisa dos momentos dos segundo e terceiro contatos do eclipse. Problemas com o<br />

equipamento em algumas estações e com o mal tempo em outras frustraram as esperanças dos<br />

expedicionários dos EUA. Todavia, as observações em Rebun Jima e nas Ilhas Aleutas foram<br />

um sucesso. Esta foi a primeira e última situação em que o Exército dos EUA se envolveu<br />

com observações de eclipses para tentar alcançar medidas geodésicas mais precisas, enquanto<br />

que a Forca Aérea norte americana se aliou a astrônomos finlandeses e norte americanos para<br />

continuar a empregar o método de Banachiewicz nos eclipses que ocorreram no anos 1950.<br />

Bibliografia<br />

BONSDORFF, Ilmari. “Adjustment of the Baltic polygon of the Baltic Geodetic<br />

Commission.” In: Bulletin Geodesique. Vol. 22, Issue 1, 01/ 1949, pp. 45 – 46.<br />

CANALES, Jimena. “The ‘cinematographic turn’ and its alternatives in nineteenth-century –<br />

France.” In: Isis, Vol. 93, nº 4 (December 2002), pp. 585 – 613.<br />

COCHRANE, Rexmond C. Measures for progress: a history of the National Bureau of<br />

Standards. Washington D.C.: Department of Commerce, 1974.<br />

FLECK, Ludwik. Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico. Belo Horizonte:<br />

Fabrefactum, 2009.<br />

HALLION, Richard. “The development of American Launch Vehicles since 1945.” In:<br />

HANLE, Paul. CHAMBERLAIN, Von Del (editors). Space Science comes on age.<br />

Perspectives in the History of Space Sciences. Washington: National Air and Space Museum.<br />

1981, pp. 115 – 134.<br />

KAKKURI, Juhani. Geodetic research in Finland in the 20 th Century. Disponível em<br />

http://www.uni-stuttgart.de/gi/institute/ehrendoktor/kakkuri/festschrift.pdf Página da Internet<br />

consultada em 10 de novembro de 2011.<br />

9


LÚCIO, Álvaro. “O eclipse do Sol em Bocayuva.” In: Revista da Escola de Minas. Ano XII,<br />

nº 3, julho de 1947, pp. 31 - 35.<br />

NEUFELD, Michael. The Rocket and the Reich – Peenemünde and the coming of the Ballistic<br />

Missile Era. New York: The Free Press, 1995.<br />

O’KEEFE, John. “The National Geographic Society 1948 Eclipse Expedition to Rebun Jima.”<br />

In: Surveying and Mapping. Washington: Imprenta Washington, Number 9, 1949.<br />

PICKERING, Andrew. “From Science as Knowledge to Science as Practice.” In:<br />

PICKERING, Andrew (editor). Science as Practice and Culture. Chicago: The University of<br />

Chicago Press. 1992, pp. 1 – 28.<br />

PIEGZA J. “The use of Solar Eclipse for Investigations on the Figure of the Geoid.” In: The<br />

Observatory. 66, 77, June 1945.<br />

WARNER, Deborah. “From Tallahassee to Timbuktu: cold War efforts to measure<br />

intercontinental distances.” In: Historical Studies in the Physical and Biological Sciences.<br />

Vol. 30, Part 2, 2000.<br />

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