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José Lourenço Cindra - SBHC

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1.Introdução<br />

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O INFINITO<br />

* JOSÉ LOURENÇO CINDRA<br />

Neste trabalho, pretende-se tecer algumas considerações sobre o infinito e seus paradoxos<br />

aparentes, apresentando aspectos filosófico-metafísicos e matemáticos do problema. Desde os<br />

pré-socráticos até Cantor, na segunda metade do século XIX, as preocupações com o infinito,<br />

de modo intermitente, sempre chocaram e estimularam o pensamento ocidental.<br />

Considerações de ordem filosófica e matemática estimularam a curiosidade acerca do infinito<br />

e seus paradoxos. O apeiron de Anaximandro e os paradoxos de Zenão parecem ter sido as<br />

primeiras abordagens de algo que parecia infinito ou paradoxal. Os antigos atomistas gregos<br />

também tocaram na questão do infinito. Para eles, os átomos em número infinito, se moviam<br />

em um espaço vazio infinito. Aristóteles, por outro lado, muito mais sistemático e metódico,<br />

concebeu duas espécies de infinito: o infinito potencial e o infinito atual. Ele fez ver que<br />

somente o infinito potencial poderia ter existência real. O outro, o infinito atual, não poderia<br />

corresponder a nada, realmente, existente. Parece que os gregos tinham uma espécie de horror<br />

ao infinito atual, o infinito acabado. Mesmo nos Elementos de Euclides não se afirma que<br />

infinitos são os números primos, senão que os números primos são mais numerosos que toda<br />

quantidade que tenha sido posta de números primos.<br />

Transcorreu-se mais de um milênio e, então, na aurora da ciência clássica, Galileu Galilei,<br />

com toda a sua perspicácia, voltou a comentar sobre os paradoxos do infinito, inerentes ás<br />

sequências dos números inteiros, quando confrontada com a sequência dos números pares, a<br />

sequência dos números ímpares ou a sequência dos números inteiros quadrados. Se todas<br />

estas sequências são infinitas, parecia a Galileu que poderia pensar na existência de um<br />

infinito maior que outro, mas ele concluiu que talvez o conceito de algo maior ou algo menor,<br />

válido para as coleções finitas, não seria aplicável às coleções constituídas de infinitos<br />

elementos. No aspecto metafísico filosófico, os séculos transcorridos entre Nicolau de Cusa e<br />

Georg Wilhelm Hegel, passando por Giordano Bruno e Baruch Spinoza, todos se<br />

preocuparam com o infinito em todas as suas manifestações. Em seu sistema dialético, Hegel<br />

fez a distinção entre o que ele chamou de infinidade má ou espúria (schlechte Unendlichkeit)<br />

e infinidade verdadeira (wahre Unendlichkeit). O mau infinito é a progressão sucessiva<br />

abordada pelo intelecto e que a todo instante permanece finita. Já o infinito verdadeiro seria<br />

uma totalidade concebida pela razão dialética. Mas foi no âmbito da matemática,<br />

propriamente dita, que a questão do infinito iria poder dispor de uma abordagem operacional,<br />

capaz de superar as aporias do infinito atual. Parece que o estudo das sequências e séries<br />

infinitas que podiam ou não convergir para um limite finito foi o ponto de partida promissor<br />

para se chegar a conclusões satisfatórias acerca do infinito. Esta abordagem do problema iria<br />

culminar nas considerações de Bernhard Bolzano acerca dos conjuntos contendo infinitos<br />

elementos e as investigações de Karl Weierstrass e Georg Cantor. Este último teve o mérito<br />

de atingir o coroamento de tudo isso, demonstrando aquilo que para Galileu era uma simples<br />

conjectura.<br />

* UNESP – Universidade Estadual paulista – Campus de Guaratinguetá, Doutor em Física.


2<br />

Juntas se encontravam todas as coisas, infinitas tanto em quantidade como em<br />

pequenez – pois que também o pequeno era infinito. E quando juntas se encontravam<br />

todas as coisas, nenhuma delas era distinguível em razão de sua pequenez; pois o ar e<br />

o éter prevaleciam sobre todas as coisas, sendo ambos infinitos – pois em todas as<br />

coisas estes são os maiores, tanto em quantidade como em dimensão (Anaxagoras,<br />

apud BARNES, 1997: 268)<br />

There is no smallest among the small and no largest among the large; But always something<br />

still smaller and something still larger (ANAXAGORAS, apud E. Maor, 1991:.2).<br />

2.Os Paradoxos de Zenon<br />

Os paradoxos ou aporias de Zenon são as aporias da continuidade, aporias da divisão infinita<br />

de uma grandeza extensa, Tornaram-se conhecidas cinco aporias de Zenon: a aporia da<br />

medida, a da dicotomia, a de Aquiles e a tartaruga, a da flecha e a do estádio.<br />

A primeira aporia, a aporia da medida, indica a impossibilidade de ser formada uma grandeza<br />

extensa a partir de elementos inextensíveis. Se os elementos são inextensíveis então a soma<br />

desses elementos será nula. Por outro lado, se os elementos possuem extensão não nula, então<br />

a soma de um conjunto infinito desses elementos será também infinita.<br />

A segunda aporia, o paradoxo da dicotomia, afirma que um corpo em movimento, antes de<br />

percorrer uma distância, tem de percorrer a sua metade, antes disso, percorre 1/4 , antes ainda,<br />

percorre 1/8 daquela distância, etc. Parece que a soma da série dessas frações nunca será igual<br />

à unidade.“Procuramos a primeira parte elementar do caminho percorrido e não a<br />

encontramos” (KOUZNETSOV, 1974: 58).<br />

A terceira aporia é a que traz o nome de Aquiles e a tartaruga. A distância entre Aquiles e a<br />

tartaruga diminui, mas nunca será nula. É impossível alcançar o último ponto de um caminho<br />

contínuo.<br />

Além da ausência do primeiro e do último elemento do caminho, deparamos com<br />

outra particularidade do infinito atual. Em toda a extensão da competição de<br />

Aquiles com a tartaruga o número de segmentos elementares percorridos por<br />

Aquiles coincide com o número de segmentos percorridos pela tartaruga, pois a<br />

cada elemento do caminho percorrido por Aquiles corresponde um elemento do<br />

caminho percorrido pela tartaruga. Mas Aquiles percorre um caminho maior que<br />

aquele que percorre a tartaruga. Sendo assim, segmentos desiguais contêm o<br />

mesmo número de elementos (KOUZNETSOV, 1974: 58-59).<br />

A quarta aporia é a da flecha. Uma flecha em movimento ocupa um espaço que é o mesmo<br />

durante todo o tempo em que está em movimento, ou seja, em cada instante, ela se comporta<br />

como se estivesse em repouso. A soma desses instantes constitui o tempo de movimento da<br />

flecha. No decorrer de todo esse tempo, a flecha esteve em repouso.<br />

A quinta aporia ou paradoxo do estádio. Neste paradoxo, aparece uma noção velocidade<br />

relativa. O intervalo de tempo será divisível ou indivisível, dependendo do referencial em<br />

relação à qual, o movimento é considerado.<br />

Boris Kouznetsov argumenta que a aporia do estádio indica mais uma particularidade do<br />

infinito atual. A aporia de Aquiles e a tartaruga mostrou que o número infinito possui uma


3<br />

propriedade paradoxal: α±β = α! Agora, a aporia do “estádio” mostrou que 2α = α!<br />

(KOUZNETZOV, 1974: 60).<br />

Eli Maor ressalta a ausência de uma notação algébrica adequada e o desconhecimento da<br />

operação de passagem ao limite como obstáculos intransponíveis para os gregos antigos<br />

conceber adequadamente os processos que envolviam o infinito.<br />

Entretanto, sem um bom sistema de notação – uma álgebra no sentido moderno da<br />

palavra – os gregos ficaram privados de sua mais vantagem: a capacidade de<br />

exprimir de modo conciso as relações entre quantidades variáveis. E isso inclui o<br />

conceito de infinito. Por não ser um verdadeiro número, não podemos lidar com o<br />

infinito num sentido puramente numérico. Além disso, o processo de passagem ao<br />

limite, para encontrar o valor várias formas indeterminadas também exige<br />

manipulações algébricas (MAORI, 2004:67-8).<br />

3. As Considerações de Aristóteles e de Outros Pensadores sobre o Infinito<br />

Em Physics, III, iv, p. 217-9, Aristóteles escreve que os pitagóricos e Platão consideraram o<br />

ilimitado ou indeterminado com existência própria, não como um acidente de algo mais. E<br />

que os pitagóricos chegaram a considerar o infinito (ilimitado, indeterminado) cognoscível<br />

pelos sentidos, pois eles não separavam os números das coisas. Os pitagóricos consideravam<br />

que o ilimitado se encontra além do ceu. Platão, pelo contrário, asseverava que nenhum corpo<br />

material estaria além do ceu. No tocante aos números inteiros, os pitagóricos identificaram o<br />

“indeterminado” com os números pares e o “determinado” com os números ímpares. Pois, a<br />

série dos números ímpares, começando com a unidade e terminado em 2n – 1 é igual a n 2 .<br />

Enquanto a série dos números, começando com dois e terminando em 2n é indeterminada.<br />

Aristóteles escreveu em Physics, III, iv, 1993: 223), que tudo é determinado por algum<br />

princípio ou é o próprio princípio, e que o indeterminado não pode ser determinado, não<br />

podendo, portanto, depender de algo como princípio. Além disso, não pode ter começo ou fim<br />

em sua existência, pois tudo que surge deve ter um fim. Comentando sobre as concepções de<br />

alguns filósofos pré-socráticos sobre o infinito, Aristóteles escreve que a crença na existência<br />

de algo “ilimitado” parece se apoiar sobre cinco considerações: 1) O tempo, considerado<br />

como sendo desprovido de limite, 2) A divisibilidade infinita das magnitudes, 3) A gênese e o<br />

perecimento dos seres, 4) Tudo o que é limitado alcança seu limite em algo mais, não<br />

existindo, portanto, limite absoluto, 5) A imaginação pode sempre conceber um “além<br />

fronteira”, de modo que a série dos números inteiros parece não ter limite (ARISTOTLE,<br />

1993: 225).<br />

Em “Sobre os Céus”, Aristóteles volta a tecer considerações sobre o infinito e conclui que “ é<br />

claro que o corpo que gira em círculo não é infinito, ele tem um limite” (ARISTOTLE, 2006,<br />

I, v: 43). E mais adiante “Não pode existir um corpo infinito, e, além disso, não pode existir<br />

um peso infinito” (ARISTOTLE, ibid: 47).<br />

“O mundo como um todo não foi gerado e não pode ser destruído, como alguns alegam, mas é<br />

único e eterno, não tendo princípio ou fim, o tempo é infinito” (ARISTOLE, 2006, II, i:. 131).<br />

Considerações de Copérnico sobre a grandeza do Universo


4<br />

No Capítulo VI do Revolutionibus, Copérnico escreve: “O Céu é imenso em<br />

comparação com a Terra e dá a impressão de um tamanho infinito, enquanto segundo o<br />

testemunho dos sentidos, a Terra é em relação ao Céu o que um ponto é em relação ao corpo,<br />

o finito em relação ao infinito” (COPÉRNICO, 1984: 34).<br />

No Capítulo VIII, Copérnico lembra o “axioma da Física” de que o infinito não pode ser<br />

percorrido nem movido de forma alguma – conclui que o Céu terá necessariamente<br />

permanecer imóvel. E por fim, ele escreve: “Deixemos pois que os físicos disputem sobre se o<br />

mundo é finito ou infinito, tendo nós como certo que a Terra é limitada pelos seus pólos e por<br />

uma superfície esférica” (ibid, p. 40).<br />

As considerações de Giordano Bruno sobre o infinito são arrojadas e concernem ao infinito<br />

atual. Já no Primeiro Diálogo Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, Filóteo, o portavoz<br />

do pensamento de Bruno, declara que “não há sentido que veja o infinito ou algum a que<br />

possa solicitar essa conclusão, pois o infinito não pode ser objeto dos sentidos” (BRUNO,<br />

2007: 32).<br />

Portanto, para Bruno, o infinito é objeto da razão. E de modo explícito, é afirmado o infinito<br />

atual: “Se o Universo é infinito, não é necessário procurar seu motor. Depois, que sendo<br />

infinitos os mundos que estão nele, como as terras, os fogos e outros tipos de corpos<br />

denominados astros, todos se movem pelo princípio interno que é a própria alma [do mundo],<br />

como em outra assertiva provamos” (ibid, p. 45).<br />

Spinoza é outro pensador que tratou de alguns aspectos do infinito e da eternidade, vistas do<br />

ponto de vista de sua filosofia monista e panteísta.<br />

Em Ética-I Definição 2, Spinoza escreve: Diz-e que uma coisa é finita no seu gênero quando<br />

pode ser limitada por outra coisa da mesma natureza. E a Proposição VIII diz que “toda<br />

substância é necessariamente infinita”.<br />

Três pilares nos quais sustentam a metafísica spinoziana: substância, atributos e modos.<br />

Enquanto os dois primeiros são o primado da eternidade e da permanência, os últimos são as<br />

mudanças e a transitoriedade das coisas corruptíveis. O mundo material é mutável, mas suas<br />

leis são imutáveis e devem ser consideradas, segundo Spinoza, “sub specie<br />

aeternitatis”(PONCZEK, 2009: 116).<br />

HEGEL faz a distinção entre a infinitude verdadeira e a má infinitude, quando escreve:<br />

Quando trata da infinitude em geral, é, sobretudo, no progresso quantitativo infinito<br />

que o entendimento reflexivo costuma deter-se. Ora, dessa forma do progresso<br />

infinito vale,, antes de tudo, o mesmo que antes se notou sobre o progresso<br />

qualitativo infinito: a saber, que não é a expressão da infinitude verdadeira, mas<br />

somente daquela má infinitude que não vai além do simples dever-ser, e assim, de<br />

fato, permanece no finito” (HEGEL, $ 104, Adendo 2 1995: 208).<br />

Em seguida, no mesmo Adendo 2, Hegel continua dizendo que no que concerne mais<br />

precisamente à forma quantitativa desse progresso infinito, que Espinosa com razão considera<br />

como uma infinitude simplesmente imaginada (infinitumimaginationis), também poetas se<br />

utilizaram não raramente dessa representação. E Hegel cita então o poema de Albrecht von<br />

Haller:


5<br />

“Eu amontôo números enormes e milhões de montanhas. Ponho tempos sobre<br />

tempos; e mundos e sobre mundos. E, quando, dessa altura, novamente-tomado de<br />

pavor e de vertigem –dirijo para Ti o meu olhar, todo o poder do número, ainda<br />

elevado à milésima potência, não forma uma só parte de Ti mesmo.Se os retiro,<br />

estás todo à minha frente” (HEGEL, 1995: 209).<br />

E Hegel conclui que estamos lidando com um “mandar-para-fora da quantidade, e mais<br />

precisamente do número, para além de si mesmo, que Kant caracteriza como arrepiante”. Mas<br />

Hegel escreve que arrepiante mesmo tinha de ser apenas a monotonia enfadonha de<br />

constantemente um limite ser posto e de novo suprassumido, e assim não se sair do lugar.<br />

Hegel vê significado apenas no último verso do poeta: “se os retiro, estás todo à minha<br />

frente”. O verdadeiro infinito, para Hegel, não pode ser considerado como um simples Além<br />

do finito. É para isso necessário renunciar ao “progressus ininfinitum”.<br />

4. Arquimedes e os grandes números<br />

No Arenário, Arquimedes escreveu: suponhamos que 10 mil grãos de areia cabem em uma<br />

pilha do tamanho de uma semente de papoula e que uma fileira de 40 sementes de papoula<br />

tenha a largura de um dedo. O volume ocupado por todas as sementes de papoulas em uma<br />

esfera com este diâmetro é da ordem de (40) 3 = 1.6 x 10 4 . Portanto, o número de grãos de<br />

areia contido neste volume é da ordem de 6,4x10 8 grãos. Podemos arredondar este número<br />

para 10 9 grãos de areia. Não precisamos preocupar com o exagero de todas as estimativas até<br />

agora feitas. O exagero faz parte do jogo de Arquimedes. Por outro lado, 10 4 larguras de um<br />

dedo formam um estádio (cerca 160 metros). Logo, uma esfera com o diâmetro igual a um<br />

estádio é aproximadamente igual a (10 4 ) 3 = 10 12 o volume de um dedo. Consequentemente, o<br />

número de grãos de areia contidos em uma esfera de diâmetro igual a um estádio é da ordem<br />

de 10 21 grãos.<br />

Em seguida, Arquimedes recorre ao trabalho do astrônomo Aristarco de Samos, que havia<br />

feito algumas considerações sobre a distância da Terra até o Sol. Seja E a esfera de raio igual<br />

à distância da Terra até o Sol. Arquimedes então supõe que o diâmetro T da Terra está para o<br />

diâmetro da esfera E assim como o diâmetro da esfera E está para o diâmetro do universo U.<br />

T/E = E/U<br />

Com estas estimativas, Arquimedes conclui que o diâmetro do universo é da ordem de 10 14<br />

estádios. Portanto, o volume da esfera cujo diâmetro engloba todo o universo é da ordem de<br />

(10 14 ) 3 = 10 42 vezes o volume de uma esfera de diâmetro igual a um estádio.<br />

Consequentemente, o número de grãos de areia capaz de encher todo o universo é 10 21 x10 42 =<br />

10 63 grãos de areia. Robert Kaplan escreve:<br />

Quando levamos em conta que na década de 1940 dois nova-iorquinos teimosos<br />

calcularam que o número de grãos de areia em Coney Island chegava a 10 20 , e que<br />

cálculos atuais do número total de partículas muito menores em nosso universo<br />

muito maior está entre 10 72 e 10 87 , temos de admitir que os cálculos de Arquimedes<br />

não eram tão ruins assim.Kaplan ainda acrescenta: “Esta é uma aplicação<br />

espetacular do insight grego de que o mundo lá fora pode ser compreendido em<br />

analogia ao mundo perto de nós. Ela é ainda mais espetacular quando percebemos<br />

que Arquimedes não possuía nossa conveniente notação de potência de dez, toda<br />

baseada no uso do zero”(KAPLAN, 2001: 41).


6<br />

Discorrendo oobre o método de exaustão de Eudoxo, Howard Eves (EVES, 2004: 418)<br />

comenta que, os gregos antigos sabiam que se pode construir um quadrado de área igual a de<br />

qualquer polígono. Seria então possível construir um quadrado de área igual à do círculo<br />

(quadratura do círculo. Antífon teria antecipado a ideia de que por sucessivas duplicações do<br />

número de lados de um polígono, seria então possível construir um quadrado de área igual à<br />

do círculo. A corajosa abordagem de Antífon continha o germe do famoso método de<br />

exaustão grega. Na realidade, o método de exaustão tinha por base o chamado axioma de<br />

Arquimedes: Dadas duas grandezas de mesma espécie, pode-se achar então um múltiplo da<br />

menor que supere a maior, demonstre a proposição básica do método de exaustão: se de uma<br />

grandeza qualquer subtrai-se uma parte não menor que a sua metade, e assim por diante, se<br />

chegará por fim a uma grandeza menor que qualquer outra predeterminada da mesma espécie.<br />

A Quarta Definição do Livro V dos Elementos de Euclides afirma: Magnitudes são ditas ter<br />

uma razão entre si, aquelas que multiplicadas podem exceder uma a outra. E no Livro X, a<br />

Primeira Definição afirma que Magnitudes são ditas comensuráveis as que são medidas pela<br />

mesma medida, e incomensuráveis, aquelas das quais nenhuma medida comum é possível<br />

produzir-se.<br />

Uma mudança radical ocorreu quando a discussão sobre o infinito atual entrou em cena no<br />

âmbito da matemática. Bolzano está formalmente na origem desta mudança, mesmo levando<br />

em conta que alguns pensadores já haviam expressado ideias que consideravam a existência<br />

do infinito atual. Leibniz foi um deles (WALDEGG, 2005: 563-564).<br />

Bolzano faz uma distinção entre agregado (Inbegriff), multidão (Vielheit) e conjunto (Menge).<br />

Bolzano chama de agregado uma coleção de objetos com determinada relação interna entre<br />

seus membros. Caso contrário, em se tratando de um grupo de objetos sem levar em conta<br />

qualquer relação entre eles, fala-se de conjunto (Menge, em alemão; insieme, em italiano). E,<br />

finalmente, quando os objetos de um agregado são vistos como indivíduos de uma dada<br />

espécie, Bolzano diz tratar-se de uma multidão (Vielheit, em alemão; moltitudine, em<br />

italiano). (ver Bolzano, § 4).Bolzano comenta (§ 10) fica a pergunta, se através de uma<br />

simples definição daquilo que é chamado multidão infinita, estaremos em condição de<br />

determinar o que é o infinito em si. Em seguida (§ 11) Bolzano escreve sobre Hegel e seus<br />

seguidores que chamam o infinito largamente utilizado pelos matemáticos como mau infinito<br />

(il cativo infinito), como grandeza crescente, mas que permanece finita em cada instante. Ao<br />

contrário, uma reta ilimitada em ambos os sentidos seria um verdadeiro infinito. No § 14<br />

Bolzano polemiza com aqueles que negam a existência de um conjunto infinito, porque seus<br />

elementos não podem ser reunidos e formar um todo, nem mesmo podem ser reunidos por<br />

meio do pensamento. Bolzano replica que isso não é verdade, pois, pode-se formar a ideia de<br />

um conjunto numeroso sem conhecimento de seus elementos individuas, como é o caso do<br />

conjunto dos habitantes de uma grande cidade, os habitantes da cidade de Praga, por exemplo.<br />

Este seria um exemplo de agregado, segundo Bolzano. Outra coisa que Bolzano refuta é a<br />

opinião de que um conjunto não existe, a menos que exista alguém para pensa-lo. Segundo<br />

Bolzano, existem conjuntos e totalidades sem a necessidade de alguém que as pensa<br />

(esistonoinsiemi e totalitáanchesenzache ci sai un essereche li pensi).


7<br />

Bolzano escreve: existe um infinito não apenas entre os objetos desprovidos de atualidade,<br />

mas também no domínio da atualidade mesma.<br />

Già il concetto di un calcolo dell´infinito há l´apparenza, lo ammetto, di contenere<br />

una contradizione. Infatti, voler calcolare qualcosa significa dopo tutto, tentare una<br />

determinazione di essa mediante numeri. Ma come si protrà tentare di determinare<br />

l´infinito mediante numeri – quell´infinito che, secondo la mostra própria<br />

definizione, deve essere un qualche cosa che possa essere riguardato come un<br />

insieme formato da infiniti membri, cioè un insieme che è più grande di un<br />

qualunque numero, e che quindi non pùo essere determinato mediante un semplice<br />

dato numerico? (BOLZANO, 2003: 65).<br />

Bolzano, em seguida, argumenta que, entretanto, uma determinação do infinito é possível.<br />

E no parágrafo 38 “Uma proprietà che manca in tutte le parti deve anche non appartenere al<br />

tuto? È piuttosto esattamente il contrario! Ogni tutto ha e deve avere molte proprietà che<br />

mancano nelle parti” (BOLZANO, 2003: 91).<br />

“Eine Beschaffenheit,die allenTeilen mangelt, soll auch dem ganzen nicht zu kommen<br />

dürfen? Gerade umgekehrt! Jedes Ganze hat und muss gar manche Eingenschaften haben,<br />

welche den Teilen mangelt” (BOLZANO, 1851).<br />

5.Números Primos, Sequências e Séries Infinitas<br />

Euclides no Livro I dos Elementos (ΣτοιχεΪα) entre os postulados apresentados está o de o<br />

todo é maior do que a parte. E no Livro IX, a Proposição 20 enuncia que “os números primos<br />

são maiores do que toda quantidade que tenha sido proposta de números primos”. Ele prova<br />

esta proposição. Mas Euclides não diz que os números primos são infinitos. Parece que ele<br />

está evitando o infinito atual, simplesmente declarando que os números primos são<br />

intermináveis (infinito potencial).<br />

Sobre os números primos, além da proposição de Euclides, há algumas conjecturas famosas,<br />

mas que ainda não foram provadas. Uma delas é a conjectura de Goldbach, proposta pelo<br />

matemático amador e amigo de Euler, Christian Goldbach em 1742. Ela sugere que todo<br />

número par maior que dois é a soma de dois primos. Buscas computacionais, concluídas até o<br />

ano 2000, confirmaram a conjectura de Goldbach para todos os números pares até 400 trilhões<br />

(4x10 14 ). A outra conjectura é a que pergunta se existem infinitos “pares de primos gêmeos –<br />

primos que distam 2 um do outro, tais como 5 e 7 ou 11 e 13. Com o emprego de<br />

computadores foram encontrados muitos exemplos destes pares. O maior par de primos<br />

descoberto até hoje são os números 4.648.619.711.502x2 60.000 ±1. Cada um destes dois primos<br />

tem 18.075 dígitos. Eles foram descobertos no ano 2000 com uso de um computador<br />

(DEVLIN, p. 46). A conjectura de Gauss, proposta em 1791 refere-se à densidade dos primos.<br />

Gauss percebeu que, para números mais baixos, a distribuição dos primos parece ser aleatória,<br />

mas que na medida em que os números naturais N crescem, a densidade dos números primos<br />

parece aproximar-se DN = P(N)/N é aproximadamente 1/ln(N). Gauss não conseguiu provar<br />

sua conjectura. Ela foi provada em 1896 por Jacques Hadamard, matemático francês, e pelo<br />

belga Charles de la Vallée Poussin, trabalhando independentemente. O resultado deles passou<br />

a ser chamado de Teorema dos Números Primos ((DEVLIN, 2004, p. 48).


8<br />

Antes de falar sobre sequências e séries, precisamos discutir um pouco sobre os conceitos de<br />

infinito e de passagem ao limite.<br />

Definição: Uma quantidade variável é dita aproximar-se do infinito se ela pode tornar-se<br />

maior do que qualquer número, não importado o quão grande ele possa ser. Como<br />

consequência disso, concluímos que o infinito não é um número, mas sim um conceito.<br />

Definição: Uma quantidade é o limite de outra, quando a segunda pode aproximar-se mais da<br />

primeira do que qualquer quantidade dada, quantidade tão pequena como se queira. Esta<br />

definição foi dada por Jean Le Rond D´Alembert (1717-1783) (MAOR, 1991:17).<br />

Expressões analíticas para o número π<br />

Fórmula de Viète (1540 – 1603)<br />

Este produto infinito foi descoberto por Viète em 1590. É a primeira vez que um processo<br />

infinito foi explicitamente expresso por uma fórmula.<br />

Série alternada: ∑ ∞<br />

n=1<br />

(- 1) n +1 = 1 – 1 + 1 -1 +1 ...<br />

Esta série diverge, visto que quando n tende ao infinito, a sequência corresponde não tem<br />

limite definido.<br />

Consideremos a sequência infinita do inverso dos números naturais N = {1,2,3,....}, ou seja, a<br />

sequência {an} = {1/1, 1/2 , 1/3, 1/4 , ...} e a série infinita ∑ ∞<br />

n=1<br />

1/n = 1/1 + 1/2 + 1/3 + ... Esta<br />

série é chamada de série harmônica. Embora, quandon →∞.a sequência tenha convergência<br />

para zero,ou seja, lim 1/n = 0, a série corresponde diverge, quando n →∞. Por outro lado, a<br />

série alternadado inverso dos números naturais:∑ ∞<br />

n=1<br />

(-1) n+1 1/n converge para ln2. Esta série<br />

só difere da série harmônica pela alternância de seus termos. Quando os termos são tomados<br />

em valores absolutos a série diverge. Por isso, ela é chamada de condicionalmente<br />

convergente.<br />

A série harmônica é notável. 1) Se removermos todos os termos cujos denominadores são<br />

números compostos, ainda assim a série dos inversos dos números restantes diverge.2) A série<br />

formada dos inversos dos números primos gêmeos converge.3) Se eliminarmos todos os<br />

números que contenham o dígito 9, tais como 9, 19, 92, 199, etc. a série resultante deve<br />

convergir para um número entre 22,4 e 23,4 (MAOR, 1991, p. 28).<br />

Outra série notável é a série geométrica da forma ∑ ∞<br />

para o limite S = a/1-q. Portanto, a série ∑ ∞<br />

n=0<br />

n=0<br />

aq n , onde q < 1. Esta série converge<br />

1/2 n = 1+ ½+ 1/4 + 1/8 + ...converge para 2


9<br />

Vejamos agora a sequência {an } = (1/1, 1/2 2 , 1/3 2 ...} para n →∞ converge para zero, e a<br />

série corresponde também converge, ou seja, ∑ ∞<br />

n=1<br />

1/n 2 , quando n →∞ , tende para π 2 /6. Em<br />

1736, Leonhard Euler (1707-1783) encontrou este valor para a convergência desta série. Um<br />

ponto importante é que Euler utilizou métodos incorretos do ponto de vista do rigor<br />

matemático. Outro dado relevante é a surpresa que a descoberta de Euler causou, ao deparar<br />

com o número π no limite de uma série envolvendo apenas números naturais (ver MAOR, p.<br />

35).<br />

Outra série convergente que se relaciona com o número π já era conhecida,trata-seda série<br />

alternada de Gregory, descoberta em 1671: ∑ ∞<br />

n=1<br />

(-1) n-1 1/2n-1 = 1 – 1/3 + 1/5 – 1/7 = π/4 .<br />

Sabe-se que todas as séries da família ∑ 1/n s converge para todos os valores de s maior que 1<br />

e diverge para todos os valores de s menor ou igual a um. Já vimos que, para n =1 temos a<br />

série harmônica, que é uma série divergente e para n =2 a série convergente cujo limite é π 2 /6.<br />

A série da forma ∑1/n s , quando considerada como função do expoentes, é chamada de função<br />

zeta, e, neste caso, é representada por ζ(s). Ela aparece em vários ramos da matemática, e,<br />

geralmente, de forma inesperada. Leonhard Euler descobriu em 1737 um notável produto<br />

infinito, relacionando esta função com os números primos (MAOR, 1995, p. 35), ou seja,<br />

onde p é um número primo.<br />

∑ ∞<br />

n=1<br />

1/n s = ∏1/(1 – 1/p s ) = ζ(s).<br />

Como ele conseguiu isso? Simplesmente, começando com a função ζ(s) e eliminando,<br />

camada após camada, todos os termos cujos inteiros no denominador são divisíveis por um<br />

primo. De modo que,<br />

(1 – 1/2 s )ζ(s) = 1+ 1/3 + 1/5 + 1/7 + ...<br />

(1 – 1/2 s ) (1- /3 s ) ζ(s) = 1 + 1/5 s + 1/7 s + 1/11 s + ...<br />

E assim sucessivamente, até obter o produto infinito, indicado acima. O resultado fornece<br />

uma prova evidente do fato já conhecido pelos gregos antigos de que o número de primos é<br />

infinito.<br />

Euler foi o matemático mais produtivo de todo o século XVIII e, talvez, um dos mais<br />

produtivos de todos os tempos.<br />

Uma descoberta fantástica de Euler foi a de estabelecer que todo número real não-nulo r tem<br />

uma infinidade de logaritmos (para uma dada base), todos imaginários se r 0 (ver EVES, 2004: 473)<br />

Dirichlet´stest .<br />

In mathematics, Dirichlet´s test is a method of testing for the convergence of a series,<br />

published by Johann Dirichlet in the Journal de Mathematiques Pures etAppliquées in 1662.


10<br />

The test states that if {an} is a sequence of real numbers and {bn} a sequence of complex<br />

numbers, satisfying<br />

Em matemática, o teste de Dirichlet demonstra a convergência de séries numéricas que<br />

podem ser escritas na forma:<br />

onde as duas propriedades são verificadas:<br />

1. para todo<br />

2.<br />

Teorema fundamental da aritmética<br />

Todo número natural é primo, ou possui uma única decomposição em números primos<br />

(exceto, possivelmente, pela ordenação)(DEVLIN, p. 34)<br />

Sobre a Hipótese de Riemann<br />

Riemann era um “intuitivo”. Durante sua carreira, Riemann trabalhou basicamente de forma<br />

intuitiva. “A abordagem conceitual e abstrata lançada por Dirichlet estava começando a<br />

substituir a antiga visão computacional-algorítmica. Pensar em conceitos” (Denken in<br />

Begriffen) era o lema da nova geração de matemáticos” (DEVLIN, 2004: 41).<br />

Na França, Augustin Cauchy desenvolveu suas famosas definições por episilons e delta. As<br />

contribuições de Cauchy indicavam, em particular, uma nova disposição dos matemáticos<br />

para se atracarem com o conceito de infinito..<br />

Aritigo de Riemann de 1859<br />

“On the number of primes less than a given magnitude” (Ueber die<br />

AnzahlderPrimzahlenuntereinergegebenenGrösse (B. Riemann, Nov. 1859 edition of the<br />

Monatsberichte des KöniglichPreuβischen Akademie der Wissenschaftenzu Berlin)”.<br />

Da função zeta de Euler à função zeta de Riemann.<br />

Riemann discute a relação entre ζ(s) e a distribuição dos números primos.<br />

6. Sobre os Números Transcendentais e os conjuntos infinitos<br />

Johann Heinrich Lambert (1725 – 1777) era dotado de imaginação extraordinária e esmeravase<br />

no aspecto do rigor ao estabelecer seus resultados. Lambert foi o primeiro a fazer uma<br />

demonstração rigorosa de que o número π é irracional. Ele, na realidade, mostrou que se x é<br />

racional e x = 0, então tgx não pode ser racional, e como tg π/4 = 1, logo π/4 não pode ser<br />

racional, ou seja, π é irracional. Lambert fez a conjectura de que π e também o número de<br />

Euler, o número e, seriam números transcendentais. Charles Hermite conseguiu demonstrar


11<br />

em 1873 que o número transcendental, portanto, irracional. A recíproca não é verdadeira.<br />

Todo número transcendental é, ao mesmo tempo, irracional, mas nem todo número irracional<br />

é transcendental. Por exemplo, √2 é um número irracional, mas não é transcendental, ele é<br />

algébrico. A natureza não algébrica de π demorou mais um pouco a ser demonstrada. Em<br />

1882, Ferdinand von Lindemann demonstrou que π é um transcendental. Tendo em vista que<br />

π e e são números transcendentais, eles não podem ser raízes de uma equação algébrica do<br />

tipo<br />

ao +a1x 1 a2 x 2 + ...+ anx n = 0, ao≠ 0<br />

quaisquer que sejam os coeficientes inteiros ao, ..., na e o índice n.<br />

Assim como existem infinitos números inteiros, há também infinitas frações. Há, entretanto,<br />

uma diferença fundamental entre estes dois conjuntos: o conjunto dos números inteiros é<br />

discreto, por excelência. Diríamos então que o conjunto dos inteiros é quantizado na unidade,<br />

ou seja, a diferença entre dois inteiros consecutivos é sempre igual a um. O mesmo não<br />

acontece com os números fracionais, entre duas frações quaisquer, por próximas que sejam<br />

uma da outra, sempre é possível encontrar outra fração entre elas. Por isso, dizemos que o<br />

conjunto dos números fracionais é denso.<br />

A primeira impressão que se tem é que este imenso conjunto dos números racionais,<br />

incluindo os números inteiros e todas as frações possíveis é absolutamente denso. Entretanto<br />

não é isso que acontece. Este conjunto, apesar de sua aparência densa, deixa gaps<br />

vazios,“buracos” vazios, entre seus elementos: pontos que não correspondem a nenhum<br />

número racional.<br />

O inesperado em tudo isso é que esses intervalos vazios são tão numerosos que ultrapassam<br />

em quantidade qualquer número por maior que ele seja. Este conjunto dos números irracionais<br />

é infinito. Dedekind já havia demonstrado que os números irracionais formavam um conjunto<br />

infinito. 1) Ainda mais: Cantor mostrou que o conjunto dos números irracionais não é<br />

numerável. Ao contrário do conjunto dos números racionais que é numerável, o conjunto dos<br />

números irracionais não é enumerável.<br />

A descoberta dos números irracionais é atribuída aos pitagóricos, ou talvez ao próprio<br />

Pitágoras de Samos. Em um quadrado de lados igual a um, sua diagonal é igual à raiz de dois:<br />

√2. Este número é irracional. Na divisão áurea: Se um todo é dividido em duas partes<br />

desiguais, tais que o todo está para a parte maior, assim como esta parte maior está para a<br />

menor, então, dizemos que este todo foi dividido segundo a razão áurea: Seja x esta parte<br />

maior, então 1/x = x/(1-x).<br />

Resolvemos então a equação x 2 + x -1 = 0, escolhendo a solução com x > 0, temos<br />

x = ½ (-1 + √5) ≈0,618, Ф = 1/x = 2/(√5 -1) ≈ 1,618<br />

Ф é chamado de número fi. Como ocorre com √2, Ф também é um número irracional.<br />

Definição de um conjunto infinito, segundo Dedekind.<br />

Um sistema S é dito ser infinito quando ele é semelhante a uma de suas partes; caso contrário,<br />

S é chamado de sistema finito.<br />

No domínio dos números reais é possível estabelecer os seguintes conjuntos infinitos:


12<br />

1.conjunto dos números inteiros positivos ou conjuntos dos números naturais,<br />

2. conjunto dos números racionais,<br />

3. conjunto dos números algébricos,<br />

4. conjuntos dos números reais.<br />

Todos esses conjuntos são infinitos. Entretanto, surge a questão que consiste em saber se é<br />

possível comparar a grandeza de cada um desses conjuntos. É possível fazer a pergunta se um<br />

desses conjuntos é maior, é menor ou é igual a outro dos conjuntos infinitos? Galileu já havia<br />

feito conjecturas sobre alguns conjuntos infinitos. Em Duas Novas Ciências, livro publicado<br />

em 1638, ele discute sobre algumas manifestações do infinito. Como temos certeza de<br />

encontrar linhas uma maior que a outra, contendo ambas infinitos pontos, ..., temos que<br />

admitir uma coisa maior que o infinito, argumenta Simplício. Ao que Salviati responde: Este<br />

tipo de dificuldade decorre do discurso que fazemos com nosso intelecto finito acerca do<br />

infinito, dando-lhes os mesmos atributos que damos às coisas finitas e limitadas. Infinitos são<br />

os números inteiros positivos, como também os números inteiros quadrados. Ele conclui que,<br />

embora ambos esses conjuntos tenham infinitos elementos, a impressão que se tem é que há<br />

menos números quadrados do que números inteiros, em geral. Para um conjunto finito desses<br />

números, não resta dúvida que o conjunto dos números inteiros quadrados é muito menor do<br />

que o conjunto dos números naturais no dado intervalo. Como exemplo, tomemos o conjunto<br />

dos números naturais entre 1 e 1000. O conjunto dos números que é quadrado de outro<br />

número entre 1 e 1000 é formado de apenas 31 elementos. Galileu, fazendo elucubrações<br />

sobre os conjuntos infinitos, teve a sagacidade de perceber que o que é válido para conjuntos<br />

finitos pode não ser válido para conjuntos infinitos. Sendo assim, ele escreveu que poderia ser<br />

que os atributos de igual, maior ou menor não se aplicassem aos conjuntos infinitos.<br />

Entretanto, passados mais de duzentos anos, Georg Cantor conseguiu fazer um estudo<br />

rigoroso dos conjuntos infinitos, e por meio de conceitos precisos, estabeleceu uma hierarquia<br />

desses conjuntos. Em outras palavras, segundo Cantor, há infinitos maiores do que outros. O<br />

que Cantor concluiu foi que os conjuntos dos números inteiros naturais, o conjunto dos<br />

inteiros quadrados, o conjunto dos números racionais, e até mesmo o conjunto dos números<br />

algébricos,todos são infinitos de mesma potência ou de mesma cardinalidade. Esses conjuntos<br />

são enumeráveis, são contáveis, é possível estabelecer uma correspondência biunívoca entre o<br />

conjunto dos números inteiros positivos e qualquer um desses conjuntos. Por outro lado, o<br />

conjunto dos números reais, o conjunto de pontos da reta numérica, tem uma cardinalidade<br />

maior do que a dos números reais. O conjunto dos números reais é conjunto do continuum. O<br />

inesperado em tudo isso é que existem muito mais números transcendentes que números<br />

algébricos. E é o conjunto dos números transcendentes que faz com que o conjunto dos<br />

números reais seja não enumerável.<br />

Em 1874,no artigo “Über eine Eigenschfat des Inbegriffes aller algebraischen<br />

Zahlen”, Cantor demonstrou que o conjunto dos números irracionais, tema que ocupava os<br />

matemáticos da época, especialmente Dedekind, não é enumerável. Está implícito neste<br />

resultado que existem conjuntos infinitos de “tamanhos” diferentes. A noção de potência<br />

{Mächtigkeit} foi introduzida para expressar o que intuitivamente seria chamado de


13<br />

“tamanhos” diferentes de conjuntos infinitos. A conclusão a que Cartor chegou foi que os<br />

conjuntos infinitos podem possuir potências diferentes. Em 1883, no mesmo ano em que<br />

morria Karl Marx, Cantor publicou a primeira versão dos números transfinitos, sob o título<br />

Grundlagen einer allgemeinen Mannigfaltikeitslehre. Vilela escreve:<br />

“Cantor admite ser conhecido o significado de potência de conjuntos quando inicia<br />

o artigo de 1883, definindo o “infinito atual”, conceito que merece longas<br />

discussões nesse texto. Ele define na primeira seção do artigo o infinito impróprio,<br />

ou infinito atual, que significa considerar o infinito como um todo ao lado da noção<br />

de infinito próprio, comumente aceita” (VILELA, 1995: 55).<br />

A autora ainda escreve: “... a primeira forma se apresenta como um infinito variável [o<br />

infinito potencial] e a segunda como um infinito absolutamente determinado [o infinito atual]<br />

(Cantor, 1883, s 1 p. 70, apud VILELA, 1995: 55).<br />

Felix Klein afirma o seguinte:<br />

Teorema sobre a função exponencial<br />

À primeira vista, parece natural considerar que a potência do conjunto dos números<br />

naturais é menor do que a potência de todos os números racionais. Esta última, por<br />

sua vez, parece ser menor do que a potência de todos os números algébricos. E, por<br />

fim, a potência de todos os números algébricos parece ser menor do que a potência<br />

de todos os números reais, pois, cada um desses conjuntos surge do anterior por<br />

meio do acréscimo de novos elementos. Contudo, na realidade, esta conclusão é<br />

falsa, embora, em se tratando de conjuntos finitos, qualquer conjunto tem potência<br />

maior do que qualquer uma de suas partes, esta propriedade não se aplica a<br />

conjuntos infinitos (KLEIN, 1987: 356).<br />

Na equação e β = b, os números b e β não podem ser algébricos ao mesmo tempo, exceto o<br />

caso trivial β = 0, b = 1. Em outras palavras, a função exponencial do número algébrico β e o<br />

logaritmo natural do número algébrico b, exceção feita ao caso trivial supra mencionado, são<br />

números transcendentais. Como caso particular, na equação e iπ = -1, π é um número<br />

transcendental. Felix Klein comenta que incrível que o gráfico da função y = e x , no conjunto<br />

(0 < x < ∞), apesar de representar uma curva contínua, não contenha sequer um número<br />

algébrico.<br />

Sétimo Problema de Hilbert (1900)<br />

Para um número algérbrico a ≠0 e 1, b um número algébrico irracional, mostrar que o número<br />

a b é transcendente. Este teorema foi demonstrado em 1934, pelo matemático soviético,<br />

Aleksander Gelfond; e logo, em seguida, demonstrado também pelo matemático alemão<br />

Schneider. Como todo número que seja raiz quadrada de um número primo é algébrico<br />

irracional, e existem infinitos números primos,então a função y = a x , onde a a ≠0 e 1, x um<br />

número irracional algébrico fornece um conjunto de infinitos números transcendentes.<br />

Já dissemos como Galileu se preocupou com a questão do infinito, em cogitando sobre alguns<br />

conjuntos numéricos. Outro aspecto do infinito presente nos trabalhos de Galileu, e em toda a<br />

ciência clássica moderna foi notado por Boris Kouznetsov.


14<br />

Kouznetsov escreve que a própria concepção de lei natural representada por uma função<br />

contínua faz corresponder de modo unívoco os elementos de um conjunto aos elementos de<br />

outro conjunto. Por outro lado, com o surgimento da noção de limite e do infinitesimal como<br />

quantidade variável, o infinito atual parecia ter desaparecido da matemática (KOUZNETSOV,<br />

1973: 250).<br />

Considerações Finais<br />

Neste pequeno trabalho procurou-se ressaltar algumas vicissitudes da concepção de infinito,<br />

seja o infinito visto como um processo (infinito potencial) ou com algo acabado (infinito<br />

atual). Não resta dúvida que o infinito potencial, desde Aristóteles, é mais fácil de ser<br />

concebido e aceito. No âmbito da realidade material é difícil imaginar algo infinito, existindo<br />

como uma substância, no sentido metafísico ou como uma substância física mesmo. Como foi<br />

visto neste texto, Bolzano esteve entre os primeiros a ressaltar a existência do infinito atual,<br />

em diversos conjuntos de objetos abstratos, a começar pelo conjunto dos números naturais.<br />

Cantor deu continuidade e aprofundamento, por meio de um maior rigor, à concepção de<br />

infinito atual. Entretanto, os paradoxos do infinito estão por toda a parte. Resta dizer que um<br />

dos aspectos da questão do infinito que não foi ressaltado neste texto, mas que talvez mereça<br />

atenção é a conotação dialética que o infinito parece ter. A particularidade dos conjuntos<br />

infinitos de possuírem propriedades inerentes, não compartilhadas pelos conjuntos finitos, a<br />

grande descoberta que o todo pode não ser maior que suas partes, tudo isso assemelha muito<br />

com uma das leis da dialética, a lei, segundo qual, a quantidade se converte qualidade. Novas<br />

qualidades e novas propriedades emergem no processo de variação quantitativa de matéria ou<br />

de movimento. Por que os aspectos contraditórios e às vezes paradoxais, inerentes aos grandes<br />

números e ao processo de passagem ao infinito, não possam ser vistos como mudanças de<br />

qualidades que acompanham as mudanças quantitativas?<br />

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Acessado em 04/06/2012

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