Última página No fim de semana seguinte ao meu retorno da viagem à In<strong>do</strong>china, retomei as caminhadas <strong>do</strong>mingueiras e parti em direção ao centro <strong>do</strong> Recife para matar a saudade. Qual não foi minha surpresa quan<strong>do</strong>, ao passar pela Rua <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, a caminho <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> de São José, no cruzamento com a Rua 1º. de Março, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito, vi estarreci<strong>do</strong> que um placa que havia si<strong>do</strong> afixada pela prefeitura na parede <strong>do</strong> prédio da esquina tinha desapareci<strong>do</strong> sem deixar nenhum vestígio. Dizia a placa desaparecida: “Primeiro Observatório Astronômico <strong>do</strong> Hemisfério Sul e das Américas. Neste local, onde foi edificada a primeira residência <strong>do</strong> Conde Maurício de Nassau-Siegen, no século XVII, foram realizadas as primeiras observações astronômicas <strong>do</strong> hemisfério sul e das américas, em 1638, pelo naturalista, médico, cartógrafo e astrônomo alemão, oficial <strong>do</strong> Príncipe de Nassau em Pernambuco, Georg Marcgrave. Aqui Marcgrave construiu o observatório em 1639 e realizou observações. Também utilizou pela primeira vez a luneta (tubus) para fins astronômicos no Novo Mun<strong>do</strong> em 1640. A Sociedade Astronômica <strong>do</strong> Recife, a Câmara Municipal e a Prefeitura <strong>do</strong> Recife perpetuam o acontecimento em comemoração aos 500 anos de 50 > > fevereiro 2011 Francisco Cunha franciscocunha@revistaalgomais.com.br twitter.com/cunha_francisco Menos uma Placa Do jeito como as coisas estão caminhan<strong>do</strong> na nossa combalida cidade, parece que nos restam cada vez menos alternativas <strong>do</strong> que isso: vigiar e orar descobrimento <strong>do</strong> Brasil e 361 anos <strong>do</strong> observatório de Marcgrave.” Sei <strong>do</strong> que dizia a placa porque já tinha feito seu levantamento para constar <strong>do</strong> livro “Recife Passo a Passo” que eu e Plínio Santos-Filho estamos finalizan<strong>do</strong> com os sete principais grandes roteiros de visitação <strong>do</strong> Recife, em continuação ao nosso guia “Um Dia no Recife” que trata só <strong>do</strong> centro da cidade. Crime de natureza semelhante já havia si<strong>do</strong> pratica<strong>do</strong> tempos atrás quan<strong>do</strong>, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio, Bairro <strong>do</strong> Recife, no Shopping Paço Alfândega, foi sumariamente fecha<strong>do</strong>, sem que absolutamente nada fosse comunica<strong>do</strong> ao público, o pequeno mas encanta<strong>do</strong>r museu sobre a história <strong>do</strong> bairro que existia no andar da praça de alimentação daquele estabelecimento. Até hoje não se sabe o que foi feito <strong>do</strong> acervo de excelente qualidade, boa parte dele prospecta<strong>do</strong> na pesquisa arqueológica realizada quan<strong>do</strong> da reforma <strong>do</strong> centro de compras que passou a ocupar o prédio originalmente construí<strong>do</strong> em 1732 para abrigar os padres da Ordem de São Felipe Neri <strong>do</strong> Convento <strong>do</strong>s Oratorianos, anexo à Igreja da Madre de Deus, depois readequa<strong>do</strong>, em 1820, para ser a Alfândega <strong>do</strong> Porto <strong>do</strong> Recife. Inclusive é desconheci<strong>do</strong> o padeiro <strong>do</strong> excelente conjunto de maquetes e pôsteres explicativos da evolução urbana <strong>do</strong> bairro desde que nele se instalou, na primeira metade <strong>do</strong>s anos 1500, a pequena população de marujos e pesca<strong>do</strong>res que viria dar origem à cidade <strong>do</strong> Recife. Se eu tivesse o <strong>do</strong>m da ficção já teria começa<strong>do</strong> a escrever uma novela de mistério e suspense sobre uma organização criminosa secreta chamada “Extermina<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Passa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Recife”, participante de uma rede nacional, cuja missão local é destruir silenciosa e paulatinamente, na calada da noite, to<strong>do</strong>s os vestígios da história da cidade para que seus habitantes passem a venerar apenas o presente e permaneçam convictos de que o que se está fazen<strong>do</strong> com a cidade é o melhor para ela. Como não tenho esse <strong>do</strong>m, só me resta lamentar profunda e indignadamente, da forma mais pública que puder... Embora não tenha o <strong>do</strong>m literário, nutro ainda uma parcela vital de otimismo que me impede de resvalar para o puro cinismo e ainda me permite considerar a hipótese de que, como o prédio onde estava afixada a placa está passan<strong>do</strong> por reformas para abrigar uma instituição financeira, a retirada tenha si<strong>do</strong> apenas temporária. Oremos. Porque <strong>do</strong> jeito como as coisas estão caminhan<strong>do</strong> na nossa combalida cidade, parece que nos restam cada vez menos alternativas <strong>do</strong> que isso: vigiar e orar.
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