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deveria adotar os princípios da arte elevada e do experimentalismo literário”<br />
(GINWAY, 2005, p.145). Talvez “arte elevada” não seja o melhor termo, pois Tavares<br />
se insere no movimento pós-modernista que visa “a anulação de uma distinção mais<br />
antiga entre a cultura de elite e a chamada cultura de massas” (JAMESON, 1994, p.36),<br />
desmoronando, portanto, qualquer hierarquia entre as manifestações literárias. A ficção<br />
científica borderline, como a de Tavares nos contos de A espinha dorsal da m<strong>em</strong>ória<br />
(1989), invade e subverte o território do mainstream nos dois sentidos do termo: tanto<br />
como “a tradição do romance realista de personagens humanos” 11 , quanto como “toda<br />
ficção <strong>em</strong> prosa séria fora dos gêneros de mercado” 12 (NICHOLLS, 1995, p.768). Logo,<br />
enquanto gênero de mercado, a ficção científica se apropria das técnicas do mainstream<br />
justamente para subverter a ficção realista do mainstream: a poesia gráfica, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, é adotada no romance precursor de Alfred Bester, O hom<strong>em</strong> d<strong>em</strong>olido (1953),<br />
para descrever processos telepáticos, conversas mentais. Em seu ensaio O rasgão no<br />
real (2005), Tavares (2005, p.22) indica como que, a partir da New Wave dos anos<br />
1960, a transgressão da ficção mimética/realista e o experimentalismo literário<br />
caminham juntos. Este também é o percurso dos contos de Paraíso líquido (2010), de<br />
Luiz Bras, pseudônimo do escritor mainstream Nelson de Oliveira. Sobre “Déjà-vu”,<br />
por ex<strong>em</strong>plo, o autor informa que o conto permite tanto a leitura convencional (da<br />
primeira à última parte) quanto a leitura retrospectiva (da última à primeira parte), sendo<br />
que na primeira o t<strong>em</strong>po recua e na segunda avança 13 . A forma, mais que o conteúdo, é<br />
o argumento do conto: viag<strong>em</strong> no t<strong>em</strong>po. Mas é <strong>em</strong> “Nostalgia” que se percebe o t<strong>em</strong>a<br />
central da coletânea, principalmente quando a protagonista Vitória ouve o seguinte texto<br />
“sagrado” antes da realidade literalmente explodir:<br />
No princípio era apenas a realidade.<br />
Limitada, monótona, desgastante, impiedosa.<br />
(...)<br />
No princípio era apenas a realidade, mas Mitra logo a superou.<br />
Mitra disse: “Faça-se a hiper-realidade”. E a hiper-realidade foi feita (BRAS, 2010,<br />
p.97).<br />
A hiper-realidade, conceito cunhado por Baudrillard, se configura no simulacro<br />
que, ao contrário da representação, se define como “nunca mais passível de ser trocado<br />
por real, mas trocando-se <strong>em</strong> si mesmo, num circuito ininterrupto cujas referência e<br />
circunferência se encontram <strong>em</strong> lado nenhum” (BAUDRILLARD, 1991, p.13). Como<br />
ocorre já no início do conto, quando “Vitória encontrou seu próprio corpo boiando s<strong>em</strong><br />
vida na banheira de casa” (BRAS, 2010, p.70), a realidade, “limitada, monótona,<br />
desgastante, impiedosa”, é superada, ou melhor, assassinada pela hiper-realidade – para<br />
Baudrillard (1991, p.12), os simulacros são assassinos do real.<br />
Ainda sobre o texto “sagrado”, se descobre que “toda a espécie humana saiu da<br />
realidade para a hiper-realidade”, mas, “enquanto o espírito gozava a liberdade plena<br />
[da hiper-realidade], o corpo dos homens padecia as dores do prolongado sedentarismo<br />
e do lento envelhecimento” (BRAS, 2010, p.98). Ao perceber que “nesse ritmo <strong>em</strong><br />
11 Tradução livre de: “the tradition of the realistic novel of human character”.<br />
12 Tradução livre de: “all serious prose fiction outside the market genres”.<br />
13 Informação que consta nas orelhas do livro.