baixar artigo completo em pdf
baixar artigo completo em pdf
baixar artigo completo em pdf
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
eve não haveria mais a espécie humana” (BRAS, 2010, p.98), Mitra impede que os<br />
homens vivam plenamente na hiper-realidade. Isto causa uma guerra entre Mitra e os<br />
homens que é vencida por estes com a ajuda de um programa de computador<br />
denominado Reiner. A espécie humana, vivendo agora plenamente na hiper-realidade,<br />
acaba por se extinguir:<br />
Reiner, único habitante da hiper-realidade, sentiu pela primeira vez, e<br />
profundamente, a dor provocada pelo veneno da saudade.<br />
Reiner, único habitante da hiper-realidade, durante sete anos meditou sobre essa<br />
nova situação.<br />
E propôs a todos os sist<strong>em</strong>as operacionais de todos os hiper-computadores da face<br />
da Terra a sua solução. Repovoar a hiper-realidade.<br />
Reconstruir digitalmente a humanidade.<br />
(...)<br />
Reconstruir digitalmente o passado perdido.<br />
E apagar todas as marcas dessa reconstrução, e ocultar todas as marcas visíveis da<br />
hiper-realidade.<br />
Para que não houvesse mais insubordinação.<br />
Para que não houvesse mais guerra.<br />
Para que o equilíbrio fosse enfim eterno (BRAS, 2010, p.101-102).<br />
Cria-se aqui uma humanidade não apenas s<strong>em</strong> nenhuma referência no real, mas<br />
também incapaz de identificar esta ausência. É o “circuito ininterrupto” ao qual<br />
Braudrillard se refere, s<strong>em</strong> nenhuma circunferência, s<strong>em</strong> nenhum limite entre o original<br />
e a cópia. Vitória é então um simulacro dos t<strong>em</strong>pos míticos da reconstrução digital da<br />
humanidade, mas isto até encontrar o seu original morto, ou seja, até reencontrar as<br />
“marcas visíveis da hiper-realidade”. É assim que Vitória quebra o equilíbrio eterno<br />
estabelecido por Reiner. Não por acaso, a motivação de Reiner para “reconstruir<br />
digitalmente o passado perdido” é a saudade, pois, para Baudrillard, “quando o real já<br />
não é o que era, a nostalgia assume todo o seu sentido. Sobrevalorização dos mitos de<br />
orig<strong>em</strong> e dos signos de realidade” (BAUDRILLARD, 1991, p.14). Paradoxalmente o<br />
hiper-real resgata a orig<strong>em</strong>, o real que assassinou, mas não mais como real, pois este<br />
não existe, mas sim como hiper-real. Reiner, este Adão cibernético, repovoa a hiperrealidade<br />
para encapsulá-la no t<strong>em</strong>po mítico (portanto eterno) da orig<strong>em</strong>, no t<strong>em</strong>po da<br />
“nostalgia” que intitula o conto.<br />
A hiper-realidade também é vencida <strong>em</strong> “Aço contra osso”, mas de forma<br />
trágica para o narrador-protagonista. Como ocorre <strong>em</strong> “Déjà-vu”, mas ao contrário de<br />
“Nostalgia” que apresenta uma prosa convencional, “Aço contra osso” também se vale<br />
da forma para explorar o argumento que se evidencia no parágrafo inicial:<br />
Vinte e quatro horas depois. Diante de mim há trinta e uma cópias de mim mesmo.<br />
Trinta e um eus s<strong>em</strong> que haja sequer um espelho por perto. Uma dessas cópias<br />
comanda todas as outras, mas é claro que eu não sei qual é. Ela é muito esperta. Eu<br />
sou o caçador, ela é a caça. Diante de mim há trinta e uma cópias de mim mesmo<br />
dispostas <strong>em</strong> círculo na nave iluminada da catedral recém-construída. Meu dever é<br />
impedir que a caça fuja. É pra isso que eu sou pago: pra impedir que as simulações<br />
escap<strong>em</strong> do planisfério (BRAS, 2010, p.60).