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O Algarve e o turismo da região na «Revista de Turismo» (1916-1924)

O Algarve e o turismo da região na «Revista de Turismo» (1916-1924)

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Miguel Godinho ///<br />

Câmara Municipal <strong>de</strong> Vila Real <strong>de</strong> Santo António<br />

Centro <strong>de</strong> Investigação e Informação do Património <strong>de</strong> Cacela<br />

Trabalho <strong>de</strong> investigação<br />

Realizado no âmbito do Projecto “Pioneiros do conhecimento científico”<br />

Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Museus do <strong>Algarve</strong><br />

Título<br />

O <strong>Algarve</strong> e o <strong>turismo</strong> <strong>da</strong> <strong>região</strong><br />

<strong>na</strong> <strong>«Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Turismo»</strong> (<strong>1916</strong>-<strong>1924</strong>)<br />

1


Índice:<br />

1. Introdução ………………………………………………………………………………………………………..…..3<br />

2. Contextualização, antece<strong>de</strong>ntes, institucio<strong>na</strong>lização do Turismo em Portugal……………….3<br />

3. O pioneirismo <strong>da</strong> <strong>«Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Turismo»</strong>: missão, estrutura, re<strong>da</strong>ctores e colaboradores……...5<br />

4. A rubrica «Paisagens Portuguesas»: o <strong>Algarve</strong>……………………………………………………………………...7<br />

5. A «Excursão ao <strong>Algarve</strong>» <strong>de</strong> 1921: objectivos, impressões, apontamentos dos re<strong>da</strong>ctores…....….9<br />

6. Vila Real <strong>de</strong> Santo António: uma “terra sem aroma”………………………………………………………………11<br />

7. As indústrias do <strong>Algarve</strong> e o <strong>turismo</strong>……………………………………………………………………………………12<br />

8. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um <strong>Algarve</strong> turístico………………………………………………………………………13<br />

9. Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is…………………………………………………………………………………………………..15<br />

Bibliografia resumi<strong>da</strong>…………………………………………………………………………………………..17<br />

2


1. Introdução<br />

O Turismo, como o concebemos actualmente, encontra a sua origem <strong>na</strong> época romântica. A<br />

própria palavra <strong>de</strong>riva do termo inglês «tour», cujos significados assentam, por um lado,<br />

<strong>na</strong> viagem que o jovem gentleman <strong>de</strong>via fazer pela Europa Oci<strong>de</strong>ntal a fim <strong>de</strong> legitimar a<br />

sua condição social ou, por outro, <strong>na</strong>s “esta<strong>da</strong>s estivais <strong>de</strong> puro <strong>de</strong>leite ou mesmo com fins<br />

terapêuticos” 1. Neste contexto e <strong>de</strong>corrente do <strong>de</strong>senvolvimento dos conhecimentos<br />

científicos que tiveram lugar um pouco por to<strong>da</strong> a Europa ao longo do séc. XIX, em<br />

Portugal, e a par do <strong>turismo</strong> <strong>de</strong> campo, “<strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s rurais, frequentado pelas elites<br />

urba<strong>na</strong>s que “possuíam, por herança, her<strong>da</strong><strong>de</strong>s” 2 para on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>slocavam principalmente<br />

no início <strong>da</strong> época estival, começam a surgir também várias estâncias<br />

termais/terapêuticas (<strong>na</strong> sequência, aliás, <strong>de</strong> uma prática proveniente <strong>de</strong> séculos<br />

anteriores), hotéis e espaços <strong>de</strong> lazer associados, quase sempre em locais junto ao mar,<br />

tomando partido <strong>da</strong>s águas oceânicas que se sabia serem possuidoras <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s sadias,<br />

num movimento a que Alain Corbin <strong>de</strong>signou <strong>de</strong> “invenção <strong>da</strong> praia” 3. É nesta altura que se<br />

começa a formar, timi<strong>da</strong>mente, o <strong>Algarve</strong> <strong>da</strong> forma que ele viria a ser mais tar<strong>de</strong><br />

precisamente reconhecido – a praia <strong>de</strong> Portugal, <strong>região</strong> turística por excelência, bem como<br />

a surgir as primeiras publicações que se ocupam exclusivamente do tema. A Revista <strong>de</strong><br />

Turismo: publicação quinze<strong>na</strong>l <strong>de</strong> <strong>turismo</strong>, propagan<strong>da</strong>, viagens, <strong>na</strong>vegação, arte e<br />

literatura, acompanha a tendência inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e foi, neste aspecto, pioneira no nosso<br />

país tendo <strong>de</strong>dicado várias pági<strong>na</strong>s ao <strong>Algarve</strong>, num período que antece<strong>de</strong> a fixação dos<br />

estereótipos que viriam a edificar-lhe uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Procuraremos <strong>de</strong> segui<strong>da</strong> perceber<br />

a abor<strong>da</strong>gem nela feita à <strong>região</strong> e ao <strong>turismo</strong> que ali começava a <strong>da</strong>r os primeiros passos.<br />

2. Contextualização, antece<strong>de</strong>ntes, institucio<strong>na</strong>lização do Turismo em Portugal<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento do Turismo está profun<strong>da</strong>mente ligado à evolução dos transportes e,<br />

no nosso país, encontra <strong>na</strong> base <strong>da</strong> sua institucio<strong>na</strong>lização a criação <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> Portugal (SPP), organização <strong>de</strong> iniciativa popular, <strong>de</strong> carácter<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>sassocia<strong>da</strong> <strong>de</strong> qualquer estrutura política ou religiosa. Forma<strong>da</strong> em 28 <strong>de</strong><br />

1 MATOS, A<strong>na</strong> e SANTOS, Maria, Os guias <strong>de</strong> <strong>turismo</strong> e a emergência do <strong>turismo</strong> contemporâneo em<br />

Portugal (dos fi<strong>na</strong>is do século XIX às primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX), Scripta Nova, Revista electrónica<br />

<strong>de</strong> geografia y ciencias sociales. Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Barcelo<strong>na</strong>, Barcelo<strong>na</strong>, 15 <strong>de</strong> junio <strong>de</strong> 2004, vol. VIII,<br />

núm. 167, p.2.<br />

2 HENRIQUES, Eduardo e LOUSADA, Maria, Férias em Portugal no primeiro quartel do século XX. A arte<br />

<strong>de</strong> ser turista in QUEIROZ, Maria Inês (coord.) (2010) – Viajar : viajantes e turistas à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

Portugal no tempo <strong>da</strong> I República, Comissão Nacio<strong>na</strong>l para as Comemorações do Centenário <strong>da</strong><br />

República, Lisboa, p.106.<br />

3 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

3


Fevereiro <strong>de</strong> 1906 e partindo <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Leonildo <strong>de</strong> Mendonça e Costa, fun<strong>da</strong>dor e<br />

director <strong>da</strong> Gazeta dos Caminhos <strong>de</strong> Ferro, esta instituição tinha comos objectivos,<br />

“promover, pela sua acção própria, pela intervenção junto dos po<strong>de</strong>res públicos e<br />

administrações locais (…) e pelas relações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que possam estabelecer, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento intelectual, moral e material do país e, principalmente, esforçar-se por<br />

que ele seja visitado e amado por <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e estrangeiros” 4. Pretendia, portanto,<br />

"promover e divulgar Portugal como <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> <strong>turismo</strong>” 5, obrigando-se para isso à<br />

“publicação <strong>de</strong> um Boletim, <strong>de</strong>pliants, guias <strong>de</strong> viagem, etc”, tendo o seu raio <strong>de</strong> acção<br />

abrangido a “mo<strong>de</strong>rnização <strong>da</strong> hotelaria, (…) o favorecimento <strong>da</strong>s ligações ferroviárias<br />

com o resto <strong>da</strong> europa (…) e a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s”, para além <strong>da</strong> criação <strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>legações <strong>na</strong>s principais ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s portuguesas e mesmo no estrangeiro” 6.<br />

O Congresso <strong>de</strong> Turismo <strong>de</strong> 1911 (IV), <strong>de</strong>corrido após a implantação <strong>da</strong> república e<br />

organizado em gran<strong>de</strong> parte por membros <strong>de</strong>stacados <strong>da</strong> SPP, foi fun<strong>da</strong>mental no que<br />

concerne à <strong>de</strong>cisão – <strong>da</strong>í <strong>de</strong>corrente – <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um organismo oficial para esta área,<br />

para lá <strong>da</strong>s resoluções que apontavam no sentido do absoluto e necessário<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s vias <strong>de</strong> comunicação e dos transportes <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Havia a perfeita<br />

consciência <strong>da</strong> relação óbvia entre <strong>turismo</strong> e mobili<strong>da</strong><strong>de</strong> e, em resultado <strong>de</strong>ssa relação, <strong>da</strong>s<br />

carências no que toca às (más) condições <strong>de</strong> circulação em Portugal, ao número<br />

insuficiente <strong>de</strong> estra<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s péssimas condições <strong>da</strong>s mesmas, para lá <strong>da</strong> efectiva<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que “todos os si<strong>na</strong>is avisadores <strong>de</strong> obstáculos <strong>na</strong>s estra<strong>da</strong>s [fossem] tanto<br />

quanto possível, idênticos em todos os países” 7. Diga-se, aliás, a título <strong>de</strong> curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, que foi<br />

<strong>da</strong>s conclusões <strong>de</strong>ste congresso que se aprovou, em Diário <strong>de</strong> Governo, o Regulamento<br />

sobre a Circulação <strong>de</strong> automóveis.<br />

Ain<strong>da</strong> em Maio <strong>de</strong>sse mesmo ano, o Governo Provisório <strong>da</strong> Republica viria a <strong>de</strong>cretar<br />

sobre esta matéria, propondo a constituição <strong>de</strong> um Conselho <strong>de</strong> Turismo, auxiliado por uma<br />

Repartição <strong>de</strong> Turismo, tor<strong>na</strong>ndo-se Portugal, assim, no terceiro país do mundo a produzir<br />

uma organização oficial <strong>na</strong> área.<br />

Será importante relembrar que tudo isto acontece numa altura em que, conforme<br />

informações proporcio<strong>na</strong><strong>da</strong>s pelo Censo <strong>de</strong> 1911, “cerca <strong>de</strong> 60% <strong>da</strong> população activa<br />

portuguesa pertencia ao sector agrícola. (…) Fora alguns lavradores mais abastados, que<br />

«iam a banhos» por conselho médico, o mundo rural, que era afi<strong>na</strong>l o essencial do país,<br />

4 MATOS, A<strong>na</strong> e SANTOS, Maria, Op. cit., p.5.<br />

5 MATOS, A<strong>na</strong>, BERNARDO, Maria e SANTOS, Maria (2011) – A Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> Portugal in<br />

Actas do I Congresso Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l I Republica e Republicanismo, Lisboa, p.394.<br />

6 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

7 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.402.<br />

4


<strong>de</strong>sconhecia quase totalmente o conceito <strong>de</strong> férias, ou algo que se lhe assemelhasse” 8. Era,<br />

portanto, uma peque<strong>na</strong> minoria, a elite abasta<strong>da</strong> e estrangeiros, maioritariamente<br />

ingleses, aqueles que podiam usufruir <strong>da</strong>s poucas condições que começavam agora a ser<br />

implementa<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> estrutura institucio<strong>na</strong>l que começava a ser cria<strong>da</strong>.<br />

A instituição <strong>de</strong> <strong>de</strong>legações locais distribuí<strong>da</strong>s pelo país, proposta aquando <strong>da</strong> criação <strong>da</strong><br />

SPP, foi o plano seguido pela nova Repartição <strong>de</strong> Turismo, que viu neste mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong>scentralizado uma forma eficaz <strong>de</strong> organização <strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> promoção e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s províncias. Assim, em 1921 e “por iniciativa <strong>de</strong> Ernesto Navarro,<br />

veio a ser aprova<strong>da</strong> uma lei que permitiu a criação, «em to<strong>da</strong>s as estâncias hidrológicas e<br />

outras, praias, estâncias climáticas, <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>, <strong>de</strong> repouso, <strong>de</strong> recreio e <strong>de</strong> <strong>turismo</strong>» <strong>de</strong><br />

Comissões <strong>de</strong> Iniciativa com o fim <strong>de</strong> promoverem o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s respectivas<br />

locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s” 9.<br />

3. O pioneirismo <strong>da</strong> <strong>«Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Turismo»</strong>: missão, estrutura, re<strong>da</strong>ctores e<br />

colaboradores<br />

Paralelamente à institucio<strong>na</strong>lização do <strong>turismo</strong>, surge em Portugal, numa iniciativa<br />

completamente pioneira no que toca à <strong>na</strong>tureza editorial, uma revista inteiramente<br />

<strong>de</strong>dica<strong>da</strong> ao sector e que veio a manter-se, durante to<strong>da</strong> a sua existência, como única no<br />

género 10. A Revista <strong>de</strong> Turismo: publicação quinze<strong>na</strong>l <strong>de</strong> <strong>turismo</strong>, propagan<strong>da</strong>, viagens,<br />

<strong>na</strong>vegação, arte e literatura, distribuí<strong>da</strong> em Portugal e Espanha, marca<strong>da</strong> pela tendência<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> temáticas e especialização 11, foi um quinzenário publicado em<br />

Lisboa, entre Julho <strong>de</strong> <strong>1916</strong> e <strong>1924</strong>. Na sua estrutura, tinha um director e um re<strong>da</strong>ctor<br />

principal, para além <strong>de</strong> um editor e um secretário e “era essencialmente escrita por<br />

apaixo<strong>na</strong>dos pela viagem e pela divulgação dos recursos turísticos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, <strong>na</strong><br />

8 HENRIQUES, Eduardo e LOUSADA, Maria, “Férias em Portugal no primeiro quartel do século XX. A arte<br />

<strong>de</strong> ser turista” in QUEIROZ, Maria Inês (coord.) (2010) – “Viajar : viajantes e turistas à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

Portugal no tempo <strong>da</strong> I República”, Comissão Nacio<strong>na</strong>l para as Comemorações do Centenário <strong>da</strong><br />

República, Lisboa.<br />

9 CUNHA, Lícinio, A republica e a afirmação do Turismo in QUEIROZ, Maria Inês (coord.) (2010) – “Viajar :<br />

viajantes e turistas à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Portugal no tempo <strong>da</strong> I República”, Comissão Nacio<strong>na</strong>l para as<br />

Comemorações do Centenário <strong>da</strong> República, Lisboa, p.134.<br />

10 MANGORRINHA, Jorge, Análise <strong>da</strong> revista <strong>de</strong> Turismo…CML. Lisboa, 2012, p.2. Como refere este autor,<br />

«ape<strong>na</strong>s a Gazeta dos Caminhos-<strong>de</strong>-ferro, que sempre <strong>de</strong>stacou o <strong>turismo</strong>, oferecia diversos artigos,<br />

específicos ou soltos, à volta <strong>da</strong> viagem, <strong>da</strong> hotelaria, do excursionismo, <strong>da</strong>s paisagens, <strong>da</strong>s estâncias<br />

termais e balneares, o que correspondia ao interesse crescente que estes locais tinham para os turistas<br />

e para o <strong>de</strong>senvolvimento do sector.», p. 2.<br />

11 IDEM, ibi<strong>de</strong>m, p.1.<br />

5


continui<strong>da</strong><strong>de</strong> dos múltiplos artigos que a gazeta dos Caminhos <strong>de</strong> Ferro fazia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

século XIX” 12.<br />

Contando com vários colaboradores, muitos <strong>de</strong>les precursores <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção e/ou<br />

institucio<strong>na</strong>lização do <strong>turismo</strong> em Portugal, nomea<strong>da</strong>mente Magalhães Lima (presi<strong>de</strong>nte<br />

do Conselho <strong>de</strong> Turismo), José <strong>de</strong> Athaí<strong>de</strong> (director <strong>da</strong> Repartição do Turismo),<br />

Vasconcelos Correia (director <strong>da</strong> SPP), Manuel Rol<strong>da</strong>n y Pego (director <strong>da</strong> SPP), Pedro<br />

d’Oliveira Pires (director <strong>da</strong> SPP e organizador dos núcleos <strong>de</strong> propagan<strong>da</strong> que a SPP<br />

conseguia instalar em Portugal), Bentes Castel-Branco (médico e proprietário <strong>da</strong>s termas<br />

<strong>da</strong>s Cal<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Monchique), apresentava ain<strong>da</strong> um conjunto mais extenso, <strong>de</strong>stacando-se<br />

algumas perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e/ou literatura portuguesa, <strong>de</strong>sig<strong>na</strong><strong>da</strong>mente e entre<br />

outros, Antero <strong>de</strong> Quental, António Botto, António Nobre, Cândido Guerreiro, Eça <strong>de</strong><br />

Queiroz, Fialho <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong>, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, João <strong>de</strong> Deus, júlio Dantas, ou<br />

ain<strong>da</strong>, Teixeira <strong>de</strong> Pascoaes 13.<br />

Preten<strong>de</strong>ndo ser o “produto <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al”, a revista teve como missão, <strong>na</strong>s palavras dos<br />

seus responsáveis, “um começo e uma fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>. Não [era] uma publicação vulgar para<br />

passatempo <strong>da</strong> ociosi<strong>da</strong><strong>de</strong>; tampouco (…) resultante d’um simples capricho. Ela<br />

representa, (…) o tributo que impuzémos [sic] a nós-mesmo pagar à nossa queri<strong>da</strong> Pátria,<br />

como obrigação in<strong>de</strong>clinável <strong>de</strong> contribuirmos d’algum modo para a sua felici<strong>da</strong><strong>de</strong>, para o<br />

seu bem-estar, para a tor<strong>na</strong>rmos gran<strong>de</strong>.” 14 O Turismo era visto, portanto, como um meio<br />

<strong>de</strong> engran<strong>de</strong>cimento <strong>da</strong> Pátria, não só uma forma <strong>de</strong> ultrapassar os problemas <strong>de</strong><br />

equilíbrio <strong>da</strong>s contas públicas que, ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>is do século XIX vinham sofrendo <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> instabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas também como uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento pessoal e<br />

social. Não foi por acaso que os republicanos prestaram especial interesse “à formidável<br />

expansão <strong>da</strong> indústria que se convencionou chamar <strong>de</strong> estrangeiros” sabendo, com ple<strong>na</strong><br />

certeza, que haveria <strong>de</strong> “chegar o dia em que as viagens estarão ao alcance <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

bolsas e em que todo o mundo viajará” 15. De facto, já em 1934, após cessarem as remessas<br />

provin<strong>da</strong>s do Brasil, as activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s económicas movimenta<strong>da</strong>s pelo <strong>turismo</strong> seriam já “a<br />

principal nova parcela para o equilíbrio <strong>da</strong> balança económica <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” 16.<br />

12 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

13 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.4.<br />

14 Revista <strong>de</strong> Turismo, nº97, Julho <strong>de</strong> 1920, p.1.<br />

15 ATAÍDE, José <strong>de</strong> (1912), Relatório <strong>da</strong>s Activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no Período <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong><br />

1911 a Junho <strong>de</strong> 1912, repartição <strong>de</strong> Turismo. A partir <strong>de</strong> CUNHA, Lícinio, Op. Cit., p.130.<br />

16 MELO, Daniel, (1996) – “Turismo” in ROSAS, Fer<strong>na</strong>ndo e BRANDÃO <strong>de</strong> BRITO, J. M. (dir.) – Dicionário<br />

<strong>de</strong> História do Estado Novo, Vol. II, Bertrand, Lisboa, p.984.<br />

6


Percebe-se claramente e como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, nos discursos <strong>da</strong> revista, uma<br />

apologia à viagem. Para lá dos evi<strong>de</strong>ntes objectivos <strong>de</strong> ócio, lazer ou <strong>de</strong>leite, e sendo a<br />

mesma entendi<strong>da</strong> como “um dos maiores prazeres <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>” 17 a viagem era, aos olhos dos<br />

re<strong>da</strong>ctores, entendi<strong>da</strong> principalmente enquanto instrumento <strong>de</strong> conhecimento. Não<br />

ape<strong>na</strong>s a viagem pratica<strong>da</strong> por aqueles que, principalmente oriundos <strong>da</strong> capital – Lisboa,<br />

numa atitu<strong>de</strong> provincia<strong>na</strong>, saem “em recreio para o extrangeiro [sic] sem conhecerem <strong>da</strong><br />

sua pátria mais do que – por assim dizer – a terra on<strong>de</strong> <strong>na</strong>sceram, como infelizmente<br />

acontece à gran<strong>de</strong> maioria (…)” e que vêm <strong>de</strong>pois “extasiados ante qualquer coisa quasi<br />

sempre inferior ao que cá temos, imagi<strong>na</strong>ndo que <strong>na</strong> nossa terra <strong>na</strong><strong>da</strong> há que se possa<br />

comparar com o que estão vendo”, mas também à tão ou mais importante viagem<br />

realiza<strong>da</strong> no seio do próprio país que, como se percebeu, po<strong>de</strong>ria e <strong>de</strong>veria ser feita por<br />

muitas mais pessoas que, ao invés, se “comprazem simplesmente em esta<strong>de</strong>ar, pelas ruas<br />

<strong>de</strong> Lisboa e no Campo Gran<strong>de</strong>, <strong>na</strong>s tar<strong>de</strong>s elegantes, o fausto que lhe proporcio<strong>na</strong> a sua<br />

fortu<strong>na</strong>, acumula<strong>da</strong>, muitas vezes por um simples espirito d’economia” 18.<br />

4. A rubrica «Paisagens Portuguesas»: o <strong>Algarve</strong><br />

O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> conhecimento do país era visto nesta altura e no período que se lhe seguiria,<br />

portanto, como uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, como uma obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong>; para que não acontecesse<br />

aquilo que, segundo os articulistas, muitas vezes sucedia: tantas vezes os portugueses, ao<br />

“serem interrogados sobre coisas <strong>da</strong> nossa terra, (…) o seu completo <strong>de</strong>sconhecimento<br />

obriga a falta <strong>de</strong> resposta ou a respostas menos ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras; tendo-se já <strong>da</strong>do o caso <strong>de</strong> se<br />

encontrarem, fora <strong>de</strong> Portugal, extrangeiros [sic] que conhecem mais e melhor as suas<br />

belezas, do que os portuguezes com quem trocam impressões” 19. Nesse sentido, é cria<strong>da</strong> a<br />

rubrica “Paisagens Portuguesas” que pretendia, ao longo dos vários números, ir retratando<br />

a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> paisagística do país.<br />

O <strong>Algarve</strong> é uma <strong>da</strong>s regiões frequentemente abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>na</strong> Revista, num tom que oscila<br />

entre a excitação causa<strong>da</strong> pelo exotismo, pelo pitoresco <strong>da</strong> condição <strong>de</strong> periferia e a<br />

consciência <strong>da</strong> absoluta necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> promoção turística, tendo em conta as suas<br />

potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. A “boa terra fértil dos árabes”, os “restos simoun do Deserto”, as muitas e<br />

“formosas paragens tropicaes”, <strong>de</strong> “velhas ruí<strong>na</strong>s on<strong>de</strong> dormem lin<strong>da</strong>s princesas d’outras<br />

eras”, a terra <strong>de</strong> “encanto e poesia, len<strong>da</strong> e sonho, ceo azul, clima doce e a alegria do filho<br />

17 Revista <strong>de</strong> Turismo, nº107, Maio <strong>de</strong> 1921, p.135.<br />

18 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

19 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.135.<br />

7


do sul”, repleta <strong>de</strong> “moças <strong>de</strong> tez more<strong>na</strong>”, on<strong>de</strong> é possível <strong>de</strong>scobrir “o perdido typo <strong>da</strong><br />

mulher arabe, cujos traços, <strong>de</strong> raça não cruza<strong>da</strong> persistiram” 20 sugerem já uma certa<br />

i<strong>de</strong>alização em torno <strong>da</strong> mesma, que se viria a acentuar no período que lhe suce<strong>de</strong>ria. Há<br />

também, por outro lado, como se disse, uma consciência já apura<strong>da</strong> em torno <strong>da</strong><br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> algumas <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s turísticas <strong>da</strong> <strong>região</strong>,<br />

nomea<strong>da</strong>mente no que toca às termas <strong>da</strong>s Cal<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Monchique, capazes <strong>de</strong> completar “a<br />

já consi<strong>de</strong>rável riqueza <strong>da</strong> província, como ain<strong>da</strong> produzia benefícios <strong>de</strong> incomparável<br />

valor para o paiz [sic] em geral, pelos resultados que o Estado d’ahi auferiria directamente<br />

e pela repercussão que esse facto assi<strong>na</strong>laria no melhor aproveitamento <strong>de</strong> outras thermas<br />

[sic]” 21. De igual forma, aponta-se a vocação <strong>de</strong> “todo o <strong>Algarve</strong>, [no sentido <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser]<br />

um gran<strong>de</strong> parque para repouso <strong>de</strong> convalescentes <strong>de</strong> enormes sa<strong>na</strong>tórios, que já ali<br />

<strong>de</strong>viam povoar as encostas, mas que ain<strong>da</strong> permanecem em boas vonta<strong>de</strong>s.” 22 São contudo,<br />

comparativamente com outras regiões do país, ain<strong>da</strong> poucas as referências aos «banhos»<br />

<strong>na</strong>s praias algarvias. Para lá <strong>da</strong>s inegáveis belezas <strong>na</strong>turais <strong>da</strong>s mesmas, <strong>da</strong>s alusões mais<br />

constantes à Praia <strong>da</strong> Rocha, “a mais lin<strong>da</strong> do paiz em belezas <strong>na</strong>turaes”, ou à orla “<strong>de</strong><br />

peque<strong>na</strong>s al<strong>de</strong>ias e praias d’aspecto singular, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s e exquintos rochedos” poucas<br />

mais referências se fazem. Diga-se mesmo que num artigo escrito por Guerra Maio<br />

intitulado “Praias portuguesas” 23, é muito maior o <strong>de</strong>staque <strong>da</strong>do às praias do Norte do<br />

que às praias do sul. Seja por efectivo <strong>de</strong>sconhecimento ou <strong>de</strong>vido à parca oferta turística<br />

algarvia ou ain<strong>da</strong> porque a prática dos banhos <strong>de</strong> mar fosse mais habitual acima do Tejo<br />

por estar mais liga<strong>da</strong> às classes mais instruí<strong>da</strong>s – distribuí<strong>da</strong>s pela capital e por algumas<br />

zo<strong>na</strong>s urba<strong>na</strong>s do Norte, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que «o <strong>Algarve</strong> dos banhos» só mais tar<strong>de</strong> será<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>scoberto.<br />

A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> resolução do problema dos transportes e meios <strong>de</strong> comunicação no país<br />

e no <strong>Algarve</strong> é, talvez o maior problema a resolver no que toca ao Turismo. Diz o<br />

conferencista A<strong>de</strong>lino Men<strong>de</strong>s, numa palestra realiza<strong>da</strong> <strong>na</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

Portugal e transcrita para um dos números <strong>da</strong> revista que “no dia em que a essa provincia<br />

bela e aprazível, que é o <strong>Algarve</strong>, nos ligarem comboios rápidos e cómodos, ella será a mais<br />

visita<strong>da</strong> <strong>de</strong> Portugal, por ser a mais estranha, a mais differente <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as outras e aquella<br />

que não tendo neve, consegue todos os anos, quando a primavera ain<strong>da</strong> vem longe, cobrir-<br />

se <strong>da</strong> branca flor <strong>da</strong> amendoeira (…)” 24.<br />

20 I<strong>de</strong>m, nº2, Julho <strong>de</strong> <strong>1916</strong>, p.15.<br />

21 I<strong>de</strong>m, nº123, Setembro <strong>de</strong> 1922, p.227.<br />

22 I<strong>de</strong>m, nº14, Janeiro <strong>de</strong> 1917, p.108.<br />

23 I<strong>de</strong>m, nº4, Agosto <strong>de</strong> <strong>1916</strong>, p.29.<br />

24 I<strong>de</strong>m, nº16, Fevereiro <strong>de</strong> 1917, p.126-7.<br />

8


5. A «Excursão ao <strong>Algarve</strong>» <strong>de</strong> 1921: objectivos, impressões, apontamentos dos<br />

re<strong>da</strong>ctores<br />

De facto, a questão dos transportes era um problema essencial que condicio<strong>na</strong>va em muito<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento do <strong>turismo</strong> e o viajante que se <strong>de</strong>slocava, em particular e por razões<br />

óbvias, ao <strong>Algarve</strong>. Principalmente o problema <strong>da</strong> ligação férrea, dos comboios, por ser<br />

este, então, o principal meio <strong>de</strong> ligação do <strong>Algarve</strong> ao país. Se não, veja-se a aventura que<br />

foi a realização <strong>da</strong>quela que ficou conheci<strong>da</strong> por «Excursão ao <strong>Algarve</strong>», realiza<strong>da</strong> em 1921<br />

por um grupo <strong>de</strong> pessoas liga<strong>da</strong>s à direcção <strong>da</strong> revista, com o propósito <strong>de</strong> <strong>da</strong>r a conhecer<br />

ao leitor “as belezas típicas [e os] atractivos a que as suas condições regio<strong>na</strong>is [têm para<br />

oferecer]” 25.<br />

Há uma vonta<strong>de</strong> expressa por parte dos envolvidos <strong>na</strong> excursão (o director, um secretário,<br />

o re<strong>da</strong>ctor chefe em propagan<strong>da</strong> e o editor <strong>da</strong> Revista) em objectivar as informações, em ir<br />

conhecer, em ver pelos próprios olhos “essa província do sul <strong>de</strong> Portugal on<strong>de</strong> nos diziam<br />

haver coisas inéditas”, ao invés <strong>de</strong> pensarem em apresentar a <strong>região</strong> em segun<strong>da</strong> mão,<br />

repetindo informações recolhi<strong>da</strong>s em velhos repertórios. Para tal, organizam um “plano <strong>de</strong><br />

viagem, condicio<strong>na</strong>do ao tempo <strong>de</strong> que [podiam] dispor, uns escassos oito dias (que<br />

viremos a perceber que acabarão por ser menos); tempo que [verificarão] <strong>de</strong>pois ser<br />

insuficiente para se correr essa província <strong>de</strong> lés-a-lés, e ficar conhecendo-a bem”. 26<br />

O plano previa que a viagem se fizesse em Fevereiro, por causa do espectáculo produzido<br />

pelas amendoeiras em flor, <strong>de</strong> comboio, “d’uma etapa, <strong>de</strong> Lisboa a Vila Real <strong>de</strong> Santo<br />

António, extremo oriental <strong>da</strong> província algarvia – correndo-a <strong>de</strong>pois, <strong>na</strong> linha oci<strong>de</strong>ntal,<br />

até à ponta <strong>de</strong> Sagres, que é o primeiro torrão <strong>da</strong> terra continental portugueza [sic] que<br />

recebe as carícias do Sul”, mas tendo esta viagem um propósito claro mais amplo – o <strong>de</strong><br />

«<strong>de</strong>screver», aquilo que <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ram <strong>de</strong> «viagem <strong>de</strong> <strong>Turismo»</strong>, ou seja, uma viagem <strong>de</strong><br />

estudo, uma viagem <strong>de</strong> observação, não pu<strong>de</strong>ram os membros <strong>da</strong> excursão “<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

abrir vários parenthesis para [aludirem] a coisas que merecem (…) especial reparo”. São<br />

também esses reparos que conferem à revista e à atitu<strong>de</strong> dos seus articulistas<br />

relativamente às consi<strong>de</strong>rações e propostas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento turístico por si<br />

apresenta<strong>da</strong>s, alguma novi<strong>da</strong><strong>de</strong> e interesse, que aqui preten<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>nciar.<br />

Começam então por apontar, logo no início <strong>da</strong> viagem – feita à custa dos próprios, uma vez<br />

que a Administração dos Caminhos <strong>de</strong> Ferro do Estado lhes “recusou a gentileza” <strong>de</strong><br />

custear a viagem – as miseráveis condições <strong>da</strong> estação <strong>de</strong> caminhos-<strong>de</strong>-ferro do Terreiro<br />

25 I<strong>de</strong>m, nº105, Março <strong>de</strong> 1921, p.136.<br />

26 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

9


do Paço que, tendo sido edifica<strong>da</strong> a título provisório, ali continua conforme então foi<br />

edifica<strong>da</strong>. Deve referir-se a excelência <strong>da</strong> ironia utiliza<strong>da</strong> pelo re<strong>da</strong>ctor ao apontar o <strong>de</strong>do<br />

aos respectivos administradores que infelizmente “não tenham d’embarcar n’ela todos os<br />

dias para saborearem as suas comodi<strong>da</strong><strong>de</strong> [sic] reaes e visuais, e o belo arôma <strong>da</strong>s flôres do<br />

Tejo que a envolvem quasi constantemente” 27. Feita a travessia do Tejo, há a apontar<br />

relativamente à estação do Barreiro que também esta é “muito inferior ain<strong>da</strong> para o que<br />

podia e <strong>de</strong>via sêr [por causa <strong>da</strong>] sua actual pouca ilumi<strong>na</strong>ção talvez proposita<strong>da</strong> para não<br />

se <strong>da</strong>r pelo seu pouco asseio”.<br />

Embarcados então num compartimento que outrora proporcio<strong>na</strong>va camas aos passageiros<br />

e que agora serve ape<strong>na</strong>s lugares sentados, motivou esse facto nova crítica pela ausência<br />

<strong>de</strong> conforto <strong>da</strong> solução que, mesmo a quem queira e possa pagar, não tem agora hipótese<br />

<strong>de</strong> usufruir <strong>de</strong>ssa comodi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Atravessa<strong>da</strong> “a ari<strong>de</strong>z d’essa improductiva província” que é<br />

o Alentejo, durante a noite, ei-los chegados a Beja, numa hora <strong>de</strong> caminho, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

jantarem pelo caminho, tomaram um chá, sofrendo no entanto uma <strong>de</strong>cepção já que o<br />

estabelecimento <strong>da</strong> gare, “imerso numa total escuridão – talvez pela aluvião <strong>de</strong><br />

zombeteiras moscas que, não só pela quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>, como pela côr, quebravam mais ain<strong>da</strong> o<br />

po<strong>de</strong>r ilumi<strong>na</strong>nte <strong>da</strong> frouxa luz, já <strong>de</strong> si impotente para tão gran<strong>de</strong> circulo” 28 oferecia<br />

preços proibitivos e uma quali<strong>da</strong><strong>de</strong> altamente questionável.<br />

Chegados a Tunes, passa<strong>da</strong> a “ingreme la<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> serra do Cal<strong>de</strong>irão”, era possível admirar<br />

já, ao <strong>na</strong>scer do dia, a “paysagem algarvia, tão interessante, tão origi<strong>na</strong>l, tão diferente <strong>da</strong>s<br />

outras províncias portuguezas”. Querendo os passageiros tomar pois o café <strong>da</strong> manhã,<br />

constataram que o locatário do restaurante do comboio havia <strong>de</strong>ixado expirar o prazo <strong>de</strong><br />

arren<strong>da</strong>mento, encontrando-se fechado, e sendo, por isso, novamente, alvo <strong>de</strong> críticas dos<br />

viajantes. Saídos <strong>de</strong> Tunes com duas horas <strong>de</strong> atraso, foram gozando, até Vila Real <strong>de</strong> Santo<br />

António “as atraentes origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> d’essa paysagem [que] é a extensa planície em que<br />

assenta to<strong>da</strong> a fértil provincia Algarvia” on<strong>de</strong> “embora não haja a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> terras e<br />

<strong>de</strong> aspectos que se encontram principalmente <strong>na</strong>s províncias do norte <strong>de</strong> Portugal, o<br />

panorama algarvio é sempre interessante”. Atravessando as várias ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s algarvias, e em<br />

passagem por Olhão, vila que lhes <strong>de</strong>spertou a atenção por ser muito antiga, com a “quasi<br />

totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s habitações antigas [sem] telhado, sendo sobrepostas por terraços (…)<br />

[atribuindo-se] este facto à domi<strong>na</strong>ção árabe, que ali ain<strong>da</strong> se faz sentir, como – <strong>de</strong> resto –<br />

alguns usos que são conservados por tradição. Diz-se que a classe marítima, que constitue<br />

uma gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong> população d’essa Vila, usa os cabelos crescidos, como recurso para<br />

27 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m.<br />

28 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.156.<br />

10


po<strong>de</strong>rem ser salvos n’um caso <strong>de</strong> <strong>na</strong>ufrágio.” 29 Não po<strong>de</strong>ndo os articulistas confirmar essa<br />

informação, dizem os mesmos que a mencio<strong>na</strong>ram ape<strong>na</strong>s a título <strong>de</strong> curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

certamente <strong>de</strong>sconfiando <strong>da</strong> veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> mesma. Chegaram então, por fim, a Vila Real <strong>de</strong><br />

Santo António, após uma jor<strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>zasseis horas e com pouco mais <strong>de</strong> hora e meia <strong>de</strong><br />

atraso. Era esta, em 1921, a duração <strong>da</strong> viagem <strong>de</strong> comboio para o <strong>Algarve</strong>: uma<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira eterni<strong>da</strong><strong>de</strong>, portanto.<br />

6. Vila Real <strong>de</strong> Santo António: uma “terra sem aroma”<br />

Em Vila Real <strong>de</strong> Santo António, a impressão foi “<strong>de</strong>sagradável. (…) A estação <strong>de</strong> caminho<br />

<strong>de</strong> ferro (…) por construir, embora já há tempo tenha sido projectado um edifício para esse<br />

fim. (…) O caminho que lhe dá acesso (…) pouco tentador; havendo um carreiro pelo meio<br />

d’um campo escalvado, fronteiro à estação, que, encurtando o espaço para a Vila – aliás a<br />

pequeníssima distância – mostra, to<strong>da</strong>via, ao viajante, um aspecto <strong>de</strong>solador.” 30 Curiosa é a<br />

<strong>de</strong>scrição do cronista relativamente à estética <strong>de</strong>spoja<strong>da</strong> <strong>da</strong>s construções pombali<strong>na</strong>s,<br />

ain<strong>da</strong> então com muito poucos vestígios <strong>de</strong> gente, como o mesmo bem refere. Diz este que<br />

“<strong>na</strong> travessia para o hotel [seguiram] por diversas ruas, to<strong>da</strong>s feias, <strong>de</strong> mau piso, la<strong>de</strong>a<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> casebres, sem vestígios <strong>de</strong> civilização. Quasi to<strong>da</strong>s as casas são térreas, não tendo<br />

nenhum pavimento superior a <strong>da</strong>r-lhes vislumbre <strong>de</strong> estética”. Enquadrando esta<br />

<strong>de</strong>scrição no contexto temporal em que é escrita, um período <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnismos, <strong>de</strong><br />

extroversão <strong>da</strong>s formas, <strong>de</strong> abertura à arte nova, às <strong>de</strong>corações e floreados próprios<br />

<strong>da</strong>quele tempo, compreen<strong>de</strong>-se perfeitamente o comentário.<br />

O hotel <strong>da</strong> Vila, o primeiro a que chegaram, não <strong>de</strong>spertou, como seria <strong>de</strong> esperar,<br />

surpresa positiva alguma, já que este estava “em justa relação com o valor <strong>da</strong> locali<strong>da</strong><strong>de</strong>” –<br />

não merecia mesmo “a mais simples referência”. Numa vila “importante pela sua industria,<br />

pela sua situação <strong>de</strong> porto <strong>de</strong> mar (…) e <strong>de</strong>mais fronteira a Espanha, (…) estes predicados<br />

constituíam suficientes motivos para tor<strong>na</strong>r a última Vila <strong>de</strong> Portugal n’uma interessante e<br />

atraente locali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer <strong>na</strong>ção que não fosse a nossa”. Sendo ela “parte do<br />

continente portuguez, por isso dá a impressão d’uma terra <strong>de</strong> pescadores selvagens no<br />

extremo Austral do Continente Africano” 31. A visita à vila confirmou <strong>de</strong>pois a <strong>de</strong>solação “a<br />

ca<strong>da</strong> passo”. Não fosse a gran<strong>de</strong> Aveni<strong>da</strong> à beira-mar, “on<strong>de</strong> se encontram as principaes e<br />

mais civiliza<strong>da</strong>s habitações, to<strong>da</strong>via em mistura com gran<strong>de</strong>s fabricas <strong>de</strong> conservas”, e<br />

29 I<strong>de</strong>m, nº108, Junho <strong>de</strong> 1921, p.189.<br />

30 I<strong>de</strong>m, nº109, Julho <strong>de</strong> 1921, p.15.<br />

31 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.15.<br />

11


seria uma total <strong>de</strong>cepção. Mesmo a praça principal (Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal) se<br />

apresentava aos olhos do re<strong>da</strong>ctor “tão simples como o obelisco que plantaram no seu<br />

meio. Em resumo – [a Vila] não possue um monumento, nem um edifício mais notável,<br />

nem um jardim; enfim, <strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong>”. Até no que toca à paisagem envolvente, “os seus<br />

arredores [eram] insignificantes”, com “uma paisagem ári<strong>da</strong>”, as gentes “pouco<br />

comunicativas” e, talvez por isso, não <strong>de</strong>scobriram os viajantes, em to<strong>da</strong> a sua curta visita,<br />

“nenhum exemplar feminino por on<strong>de</strong> [pu<strong>de</strong>ssem] aquilatar os dons que a <strong>na</strong>tureza<br />

dispensou às mulheres <strong>de</strong> Vila Real <strong>de</strong> Santo António”. Em suma, “<strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>de</strong> interessante<br />

[os] pren<strong>de</strong>u a esse triste rincão <strong>da</strong> Terra Portugueza, que ali emu<strong>de</strong>ceu os seus cânticos,<br />

os doces gorjeios pelas luarentas noites estivaes; terra sem aroma; sem mulheres, sem<br />

beleza, <strong>de</strong> homens sisudos e ru<strong>de</strong>s” 32. Uma <strong>de</strong>cepção total, portanto.<br />

7. As indústrias do <strong>Algarve</strong> e o <strong>turismo</strong><br />

Após uma visita a Aiamonte, vila que, aos olhos dos re<strong>da</strong>ctores, se apresentou com “os<br />

seus arruamentos são mais bem <strong>de</strong>lineados do que em Vila Real” – <strong>da</strong>do no mínimo<br />

curioso, tendo em conta a ortogo<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vila pombali<strong>na</strong> – e “uma vi<strong>da</strong> pouco intensa<br />

<strong>de</strong>vido, em especial, à pouca energia dos seus dois a três mil habitantes indíge<strong>na</strong>s”,<br />

regressaram novamente a Vila Real, que atravessaram “rapi<strong>da</strong>mente, para que o confronto<br />

não [os] conduzisse à tristeza que [<strong>de</strong>les] queriam separa<strong>da</strong>”, embarcando <strong>de</strong>pois no<br />

comboio para Faro, a caminho do Gran<strong>de</strong> Hotel, no qual viriam a confirmar as boas<br />

impressões que acerca <strong>de</strong>le tinham. Na capital <strong>da</strong> província, pu<strong>de</strong>ram observar uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

relativamente bem ilumi<strong>na</strong><strong>da</strong>, dota<strong>da</strong> <strong>de</strong> um teatro que tiveram oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

frequentar, visitando no dia seguinte o mercado, “pequeno mas suficiente”, o jardim e<br />

algumas ruas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e seus “estabelecimentos mo<strong>de</strong>rnizados e bem sortidos”,<br />

comprando <strong>de</strong>pois <strong>na</strong> gran<strong>de</strong> mercearia “Jeronymo Martins”, os saborosos “«D. Rodrigos»,<br />

os «Morgados» e outras espécies <strong>da</strong> primorosa doçaria Algarvia” e uma remessa <strong>de</strong> figos<br />

para a família, cuja industria, “no <strong>Algarve</strong>, se acha largamente <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, facilitando o<br />

respectivo comercio por forma atraente para o visitante (…), factor importante <strong>da</strong><br />

economia <strong>da</strong> provincia, [a par dos outros] (…) produtos <strong>da</strong> <strong>região</strong> que, por egual, teem<br />

muita procura, taes como a amêndoa, a alfarroba, o vinho, a cortiça (…) paralelamente à<br />

industria <strong>da</strong>s conservas” 33. Conheceram ain<strong>da</strong> “uma curiosa fabrica <strong>de</strong> moagem, cuja<br />

instalação se acha feita pelo systhema Suisso, servindo para <strong>de</strong>scasque e moagem <strong>de</strong> trigo,<br />

milho e arroz”, numa visita proporcio<strong>na</strong><strong>da</strong> por um amigo que foram encontrar em Faro,<br />

32 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.16.<br />

33 I<strong>de</strong>m, nº113, Novembro <strong>de</strong> 1921, p.66.<br />

12


“ocupado n’uma especial e curiosa industria <strong>de</strong> serração <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras e aproveitamento<br />

d’alfarroba para alimento animal”. Será importante apontar o interesse <strong>de</strong>stas pessoas em<br />

visitarem e terem gostado <strong>de</strong> conhecer as indústrias algarvias, indústrias essas que, hoje<br />

em dia, quase um século <strong>de</strong>pois, se viria a perceber apresentarem fortes potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

turísticas, numa altura em que gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sta indústria já se per<strong>de</strong>u…<br />

A questão <strong>da</strong> pretensão <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> autonomia administrativa, reivindica<strong>da</strong> nesta<br />

altura pelos algarvios, também não passa <strong>de</strong>spercebi<strong>da</strong> aos re<strong>da</strong>ctores que vêem nesta<br />

exigência a eventuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do <strong>Algarve</strong> po<strong>de</strong>r vir a ser “um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro encanto e a mais<br />

propícia <strong>região</strong> <strong>de</strong> <strong>turismo</strong>, [logrando] o seu progresso e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> sua<br />

laboriosa vin<strong>da</strong> intensificar[-se] <strong>de</strong> forma a assegurar-lhe uma completa in<strong>de</strong>pendência [e]<br />

nessa ocasião, certamente os seus portos serão facilmente acessíveis a uma razoável e<br />

proporcio<strong>na</strong>l <strong>na</strong>vegação; as suas estra<strong>da</strong>s convi<strong>da</strong>rão a agradáveis passeios; os bons hotéis<br />

estarão instalados em to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e vilas; os comboios oferecerão a rapi<strong>de</strong>z e as<br />

comodi<strong>da</strong><strong>de</strong>s indispensáveis; enfim – tudo quanto possa atrahir e fazer conservar <strong>de</strong>ntro<br />

dos seus limites, com consciencioso aprazimento, tanto os <strong>na</strong>turaes como os extrangeiros<br />

– estes principalmente, que são os melhores pioneiros <strong>da</strong>s ultimas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong><br />

civilisação” 34. Visão algo romantiza<strong>da</strong> mas não menos interessante por isso, visto que<br />

continua a ser reivindica<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> hoje em dia e pelas mesmas razões, por alguns<br />

<strong>de</strong>fensores <strong>da</strong> regio<strong>na</strong>lização.<br />

8. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um <strong>Algarve</strong> turístico<br />

Depois <strong>de</strong> admirarem do Alto <strong>de</strong> Santo António “as encostas <strong>da</strong> cordilheira on<strong>de</strong> se<br />

divisam os casaes ou quintas” do Barrocal e Serra Algarvias, e visitarem o Jardim (actual<br />

Alame<strong>da</strong>) e Matadouro municipais, jantaram e tomaram o comboio para Portimão, com<br />

<strong>de</strong>stino à Praia <strong>da</strong> Rocha, num compartimento <strong>de</strong> 1ª classe, sob muito mau tempo.<br />

Chegados a Portimão às 22h00 e tendo partido <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> jantar, “ao anoitecer”, é <strong>de</strong><br />

pensarmos que, em 1921, quando esta viagem é feita, a mesma não <strong>de</strong>moraria muito mais<br />

– se não o mesmo tempo – que <strong>de</strong>mora hoje em dia a viagem. Confirma-se, portanto, que o<br />

problema dos transportes – e muito concretamente, o comboio – é um problema que<br />

persiste, passados quase cem anos.<br />

Gozando <strong>da</strong> sorte <strong>de</strong> uma «carrinha» passar por ali fora <strong>de</strong> horas visto que, à hora que<br />

chegaram nenhum meio <strong>de</strong> transporte estava já disponível para os transportar para<br />

34 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m, p.67.<br />

13


Portimão ou para a Rocha, aproveitaram a boleia do velho cocheiro que se disponibilizou<br />

para, a custo, os transportar até à praia. Após percorrerem a ponte sobre a ria, em muito<br />

mau estado, chegaram por fim ao Hotel Viola, “único existente no sítio e cuja tradição<br />

percorre to<strong>da</strong> a orla algarvia”. Percebe-se assim que, em termos <strong>de</strong> alojamentos turísticos,<br />

um gran<strong>de</strong> caminho havia a percorrer. A Rocha apresentava-se como “uma praia [com]<br />

encantos muito origi<strong>na</strong>es durante a época própria, quando a assistência e a animação<br />

caracterizam a sua estonteante vi<strong>da</strong>”, [sendo que, no entanto], no inverno, a placi<strong>de</strong>z <strong>da</strong>s<br />

suas poucas ruas, o isolamento <strong>da</strong>s suas varia<strong>da</strong>s casas e a tristeza que, em geral, é timbre<br />

<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as praias fóra <strong>da</strong> estação própria, dão à Praia <strong>da</strong> Rocha os atractivos encantadores<br />

exigidos pelo nostálgico <strong>da</strong> solidão”. É possível perceber que o <strong>turismo</strong> <strong>de</strong> então era<br />

claramente sazo<strong>na</strong>l, tinha uma época própria – o Verão, e que, nessas alturas, se animava<br />

bastante. Contudo, a oferta turística era ain<strong>da</strong> bastante reduzi<strong>da</strong>.<br />

Tendo em conta o mau tempo que se fazia sentir, o regresso foi assim antecipado, tendo os<br />

viajantes <strong>de</strong>sistido <strong>de</strong> ir a Lagos, a Sagres e a Monchique, conforme previsto, havendo<br />

ain<strong>da</strong>, no entanto, tempo para voltarem à vila “pitoresca” <strong>de</strong> Portimão que, por ser<br />

domingo, “apresentava um aspecto pouco interessante”.<br />

Por fim, a comissão <strong>da</strong> Revista <strong>de</strong> Turismo resume a expedição dizendo que esta viagem<br />

“constitue uma <strong>da</strong>s mais agradáveis excursões que um bom turista po<strong>de</strong> fazer; porque<br />

além <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> especial, dos seus origi<strong>na</strong>es usos e costumes, <strong>da</strong> sua flora, mesmo muito<br />

própria, há as paysagens, a configuração corográfica absolutamente diferente <strong>da</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s<br />

as outras províncias portuguezas, (…) [e] que o <strong>Algarve</strong>, pelo seu conjuncto <strong>de</strong> predicados,<br />

<strong>de</strong>via ser o que, infelizmente ain<strong>da</strong> não é. E quando um dia os Algarvios compreen<strong>de</strong>rem<br />

to<strong>da</strong> a gran<strong>de</strong> riqueza <strong>da</strong> sua provincia – que é enorme e está ain<strong>da</strong> por explorar – então os<br />

benefícios espargir-se-hão quasi automaticamente, não só em pról d’essa <strong>região</strong>, mas<br />

inclusivamente, embora <strong>de</strong> forma menos directa, <strong>na</strong> economia do Paiz” 35.<br />

De facto, o <strong>Algarve</strong> turístico <strong>de</strong>sta altura era ain<strong>da</strong> bastante pobre, com poucas e más<br />

acomo<strong>da</strong>ções turísticas (o Guia <strong>de</strong> Portugal <strong>de</strong> <strong>1924</strong> haverá <strong>de</strong> referir isso mesmo poucos<br />

anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste relato) mas ain<strong>da</strong> havia <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver imenso, não nos anos<br />

imediatamente a seguir a estas palavras terem sido escritas mas algumas déca<strong>da</strong>s mais<br />

tar<strong>de</strong>, infelizmente nem sempre <strong>de</strong> uma forma que privilegiasse os interesses <strong>da</strong> <strong>região</strong> e<br />

<strong>da</strong>queles que aqui vivem. Nos anos sessenta <strong>da</strong>r-se-ia o boom turístico e a <strong>região</strong> apontaria<br />

<strong>de</strong>finitivamente no sentido do <strong>turismo</strong> <strong>de</strong> massas, auxilia<strong>da</strong> pela construção do aeroporto<br />

<strong>de</strong> Faro e impulsio<strong>na</strong><strong>da</strong> por uma voragem imobiliária que, rapi<strong>da</strong>mente trataria <strong>de</strong> alterar<br />

35 I<strong>de</strong>m, nº116, Fevereiro <strong>de</strong> 1922, p.115.<br />

14


por completo a paisagem tradicio<strong>na</strong>l e/ou rural <strong>da</strong> <strong>região</strong>, especialmente <strong>na</strong> orla costeira,<br />

<strong>de</strong>svirtuando por completo a essência <strong>da</strong> <strong>região</strong>, <strong>de</strong> certa forma ain<strong>da</strong> aqui bem retrata<strong>da</strong><br />

neste texto: aquele <strong>Algarve</strong> dos “casaes e <strong>da</strong>s quintas, no meio dos quaes, em alvinitente<br />

brancura, sobresahem as casitas maiores ou mais peque<strong>na</strong>s dos respectivos proprietários,<br />

n’uma doce poesia bucólica”, <strong>da</strong>s industrias tradicio<strong>na</strong>is, <strong>da</strong>s paisagens pontua<strong>da</strong>s pelas<br />

árvores <strong>de</strong> fruto que conferiam as características pelas quais a <strong>região</strong> era conheci<strong>da</strong>, para<br />

<strong>da</strong>r lugar aos al<strong>de</strong>amentos e aos campos <strong>de</strong> golfe, aos hotéis e prédios <strong>de</strong> segun<strong>da</strong><br />

habitação projectados <strong>na</strong>s falésias, sobre o mar.<br />

9. Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is<br />

Fica claro <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> análise aqui efectua<strong>da</strong> que esta Revista não sugere ain<strong>da</strong> a visão<br />

formata<strong>da</strong> que viria a constituir a <strong>região</strong> i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong> pelo Estado Novo mas aponta já<br />

caminhos nessa direcção. Elementos como as noras mouriscas, ou as casas pontua<strong>da</strong>s<br />

pelas chaminés rendilha<strong>da</strong>s <strong>de</strong> «estilo árabe» (estava-se a atravessar o período áureo <strong>da</strong><br />

sua edificação), ou o <strong>Algarve</strong> do corridinho, não são ain<strong>da</strong> referidos não só porque esse<br />

imaginário estava ain<strong>da</strong> a ser compilado e «construído» mas também porque os<br />

re<strong>da</strong>ctores <strong>de</strong>rivavam e faziam questão <strong>de</strong> permanecer associados a um estrato social que<br />

privilegiava o luxo, a tendência mo<strong>de</strong>rnista <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> cariz europeísta,<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que viajava em 1ª classe, e frequentava os restaurantes exclusivos e os<br />

Palace Hotels, muito em voga, <strong>na</strong> altura. Isso é perfeitamente evi<strong>de</strong>nte nos discursos e no<br />

olhar dos re<strong>da</strong>ctores que, sob o pretexto <strong>de</strong>stas «viagens <strong>de</strong> estudo» e <strong>na</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

grand tour do século XVIII, procuram legitimar um certo status social à classe burguesa em<br />

que se inserem e que constitui o conjunto dos leitores <strong>da</strong> revista. A própria excursão aqui<br />

apresenta<strong>da</strong> faz-se exclusivamente por zo<strong>na</strong>s urba<strong>na</strong>s, sendo a atenção presta<strong>da</strong> à<br />

rurali<strong>da</strong><strong>de</strong> concretiza<strong>da</strong> através <strong>de</strong> um olhar distanciado, algo <strong>de</strong>sinteressado ou<br />

secundário. Em todo o caso, e ain<strong>da</strong> que sem um objectivo <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, já se apresentam<br />

alguns elementos – o <strong>Algarve</strong> <strong>da</strong>s casas brancas, <strong>da</strong>s amendoeiras em flor, <strong>da</strong>s açoteias <strong>de</strong><br />

Olhão, o <strong>Algarve</strong> <strong>da</strong>s mouras encanta<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s gentes com a tez tingi<strong>da</strong> dos árabes, o<br />

<strong>Algarve</strong> dos <strong>de</strong>scobridores, <strong>da</strong>s praias <strong>de</strong> rochedos que lembram “formosas paragens<br />

tropicais” – que viriam, <strong>da</strong>í a uns anos, a constituir esse imaginário <strong>de</strong> estereótipos que<br />

serviria os propósitos do regime e que, ain<strong>da</strong> hoje, marcam a <strong>região</strong>.<br />

Por outro lado, o <strong>Algarve</strong> retratado <strong>na</strong> Revista e muito em concreto <strong>na</strong> excursão realiza<strong>da</strong><br />

em 1921 é um <strong>Algarve</strong> <strong>de</strong> impressões, é certo, <strong>de</strong> folhetim, um <strong>Algarve</strong> olhado <strong>de</strong> forma<br />

literária mas ao mesmo tempo representado num documento com algum caracter<br />

15


utilitário, contendo informações interessantes e verifica<strong>da</strong>s sobre os locais, as distâncias,<br />

os tempos <strong>de</strong> viagem, os alojamentos, a restauração, a paisagem huma<strong>na</strong> e <strong>na</strong>tural, a<br />

economia, e apresentando informações vali<strong>da</strong><strong>da</strong>s, frequentemente abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>de</strong> forma<br />

irónica, por vezes até com laivos <strong>de</strong> superiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, característico <strong>de</strong> quem preten<strong>de</strong><br />

satirizar uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não é a sua – principalmente no que toca às acomo<strong>da</strong>ções e<br />

aos transportes, <strong>da</strong>do o caricato que efectivamente seria viajar e ser turista no início do<br />

século XX em Portugal e no <strong>Algarve</strong>. Po<strong>de</strong>mos ain<strong>da</strong> dizer que este documento não se<br />

apresenta – nem preten<strong>de</strong> ser – o instrumento que viria a ser, por exemplo, o Guia <strong>de</strong><br />

Portugal <strong>de</strong> <strong>1924</strong>, <strong>da</strong><strong>da</strong> a dimensão, o alcance e os meios disponíveis para a realização <strong>da</strong><br />

tarefa. Em todo o caso, antece<strong>de</strong>-o, mostrando-se por isso inovador no sentido <strong>de</strong><br />

conseguir prestar um importante contributo em termos turísticos numa altura em que<br />

nenhuma outra publicação periódica o fazia.<br />

16


Bibliografia resumi<strong>da</strong><br />

CUNHA, Licinio (2010) - Desenvolvimento do Turismo em Portugal: Os primórdios in Fluxos<br />

& Riscos, nº1, pp-127-149.<br />

FERREIRA, David Mourão (s.d.) – O <strong>Algarve</strong>, Livraria Bertrand, Lisboa.<br />

MANGORRINHA, Jorge (2012) – Análise <strong>da</strong> Revista <strong>de</strong> Turismo, Hemeroteca Nacio<strong>na</strong>l –<br />

CML, Lisboa, disponível em:<br />

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/Revista<strong>de</strong>Turismo.pdf<br />

MATOS, A<strong>na</strong> e SANTOS, Maria, Os guias <strong>de</strong> <strong>turismo</strong> e a emergência do <strong>turismo</strong><br />

contemporâneo em Portugal (dos fi<strong>na</strong>is do século XIX às primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX),<br />

Scripta Nova, Revista electrónica <strong>de</strong> geografia y ciencias sociales. Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

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