1 O MONÓLOGO INTERIOR NO ROMANCE “AS MENINAS ... - Unesp
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X SEL – Seminário de Estudos Literários<br />
UNESP – Campus de Assis<br />
ISSN: 2179-4871<br />
www.assis.unesp.br/sel<br />
sel@assis.unesp.br<br />
O <strong>MONÓLOGO</strong> <strong>INTERIOR</strong> <strong>NO</strong> <strong>ROMANCE</strong> <strong>“AS</strong> <strong>MENINAS</strong>” DE LYGIA FAGUNDES TELLES<br />
Synailla Nayara da Silva (Graduanda – UFGD – PIBIC/CNPq)<br />
RESUMO: O Romance As meninas, de Lygia Fagundes Telles, fala sobre a vida de três jovens, que,<br />
juntas, atravessam vários problemas em meio à ditadura militar; as três amigas colocam seus pontos de<br />
vista sobre o período em que estão vivendo e isso nos leva a entrar em seu universo. O romance<br />
evidencia as consciências dessas meninas através do fluxo de consciência, em que elas ganham a<br />
subjetividade através de uma interiorização (LUKÁCS) intensa que é a base do romance.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Monologo interior; As Meninas; Lygia Fagundes Telles.<br />
A obra de L.F. Telles narra à história de três jovens universitárias de mundos diferentes<br />
que se cruzam ao conhecerem-se no pensionato nossa senhora de Fátima, provavelmente na<br />
cidade de São Paulo, nos fins dos anos 1960. Tornam-se muito amigas e compartilham suas<br />
vidas. O interessante neste livro é que estas “meninas” contam sua própria história<br />
compartilhando com o leitor segredos, projetos e planos. A mistura de falas, recordações e<br />
críticas se dá pelo fluxo de consciência, pelo fato de que essas meninas revivem intimamente<br />
muito do que viveram em seu passado, muitas vezes, turbulento. Em meio ao caos da ditadura<br />
militar a história começa com um Brasil que passava por repressão política e censura, além de<br />
muitas mudanças econômicas.<br />
No decorrer da obra, vemos que a autora, através da linguagem, mistura realidade e a<br />
imaginação da vida de suas personagens. A evocação do passado no presente torna essas<br />
meninas narradoras de suas próprias histórias/estórias. Apesar dessa mistura de imaginação<br />
com “realidade”, podemos perceber aspectos muito concretos da vida das três meninas, as<br />
personagens principais, que são também amigas. A seguir faremos algumas comparações entre<br />
elas.<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Lorena estuda direito, Lia estudava ciências sociais e Ana Clara estudava psicologia.<br />
Isto porque Lorena se insere melhor nas normas estabelecidas pela sociedade, Lia se interessa<br />
pelo aspecto social do país, e Ana Clara não consegue se desprender do passado. Lia e Ana<br />
Clara trancaram as matrículas, Lia porque quer agir sobre a sociedade mais diretamente, Ana<br />
Clara porque seu passado impede qualquer tentativa de inserção. A história ocorre durante um<br />
período bem crítico: a faculdade está em greve. No decurso da narração a vida das três<br />
protagonistas muda, elas são recuperadas ou eliminadas pela sociedade. O fim da narrativa<br />
coincide com o fim da greve.<br />
Um primeiro aspecto se refere ao engajamentos político delas. De um lado, as<br />
personagens Lorena e Ana Clara, não querem decidir de que lado político estão, ao contrário da<br />
personagem Lia, que, por outro lado, era assumidamente ativista de esquerda, e que acaba<br />
fazendo parte do grupo de resistência militar contra o Regime Militar chamado “aparelho”.<br />
No romance de Telles, é possível se observar mais de uma vez, o quanto as<br />
personagens se referem à sociedade, e o quanto os acontecimentos reais influenciaram na<br />
ambientalização da obra. Lia terá de se esconder da polícia. Seu amante é preso, e depois solto,<br />
de um refém. Nesse espaço de tempo, teve uma relação frustrada com Pedro, jovem tímido e<br />
indeciso.<br />
Segundo Pereira, “em fragmentos, essa violência vai penetrando a tessitura do<br />
romance. De repente, ela ultrapassa as barreiras da intimidade das personagens e se deixa<br />
entrever. No quarto, nas consciências, nos discursos, eis que os signos da violência surgem<br />
como o reprimido que retorna (Cf. AM, p. 17, p. 54), manchando nas meninas sua intimidade que<br />
se queria pura e resguardada da realidade externa. Isso vai num crescendo, até que explode na<br />
descrição da tortura, no meio do romance. Trata-se da carta de um preso político relatando a sua<br />
própria tortura no “pau de arara”, nos porões do regime (Cf. AM, p. 146 e 147)”.(PEREIRA,2007)<br />
A força da ditadura militar mostra não só o drama de Lia neste romance, mas o de<br />
milhões de brasileiros que foram obrigados a se curvar sobre um governo rígido. Em História da<br />
Vida Privada no Brasil, afirma-se ser impossível saber de que lado os brasileiros estavam<br />
naquele primeiro de abril [...], e outro fato importante, era de que em torno de 60% dos que foram<br />
processados pelo Estado, tinham alto grau de escolaridade, além do que, deixaram uma rica<br />
herança cultural e ainda viva no país. (p.326).<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Segundo Alfredo Bosi, "As Meninas, de 1973, desenhou o perfil de um dos momentos<br />
da vida brasileira, em que o fantasma das guerrilhas é apreendido no cotidiano de estudantes<br />
burguesas". (BOSI, 1994, p.420) .<br />
Lia parece muito diferente das amigas. Comecemos falando dela. Lia era, segundo a<br />
amiga Lorena, muito desleixada e não cuidava da aparência. O diálogo abaixo mostra<br />
claramente as diferenças entre elas:<br />
- Suas meias estão caindo.<br />
- Ou enforcam os joelhos ou ficam desabando. Olha aí.<br />
- No começo, este elástico apertava de deixar a perna roxa.<br />
- Mas que idéia, querida, usar meia com este calor. E sapatões de alpinista, por que não<br />
calçou a sandália?<br />
- Aquela marrom combina com a sacola.<br />
- Hoje tenho que camelar o dia inteiro, putz. E sem meia, dá bolha no pé. [...]<br />
Tenho umas meias tão bacanas, ainda nem usei, quer ir com elas?<br />
- Só se forem francesas, entende.<br />
- São suíças, minha queridinha.<br />
- Não gosto da Suíça, é limpa demais.<br />
- E nem vão servir, imagine, ela deve calçar quarenta.<br />
- Que idéia usar meias que engrossam os tornozelos, a coitadinha está com patas de<br />
elefante. Ainda assim, emagreceu, subversão emagrece (TELLES, 1985,p.11).<br />
Economicamente falando, Lorena é o oposto das outras duas personagens. Por ser<br />
filha de fazendeiro, teve uma vida de princesa, vida boa e estável. É aluna na universidade<br />
pública, provavelmente a USP, no curso de direito. É esforçada e bem estudiosa. A morte<br />
acidental do irmão Rômulo faz com que sua vida mude radicalmente:<br />
E a morte em violência. Rômulo com o furo no peito borbulhando sangue, um furo tão<br />
pequeno que se mãezinha tapasse com um dedo, hein mãezinha? Foi sem querer, Remo<br />
não podia adivinhar que o Diabo escondera a bala no cano da espingarda [...] não chora<br />
meu irmãozinho, ninguém é culpado, ninguém. Papai tirou as balas todas, não tirou? [...]<br />
Remo querido, passou tudo. Passou. Mas às vezes, está vendo?, preciso lembrar<br />
(TELLES,1985,P.55)<br />
Mas, em um momento da história a mãe de Lorena, conhecida como “mãezinha”, dá<br />
uma outra versão dos fatos de como Rômulo veio a falecer. Em uma conversa com Lia, diz que<br />
ele morreu quando ainda era bebê. Isso leva o leitor a ter uma dúvida de quem realmente está<br />
falando a verdade.<br />
– Aquela arvorezinha de retratos, o menino é Rômulo ou Remo?<br />
– Remo. Rômulo não podia estar ali.<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
– Não?<br />
– Morreu nenenzinho, querida.<br />
– Nenenzinho?<br />
– Não tinha nem um mês, não chegou nem a isso. O médico disse que ele<br />
não tinha viabilidade. Um sopro no coração.<br />
[...]<br />
– Um momento: o Remo deu um tiro nele enquanto brincavam, não foi isso? Um tiro no<br />
peito, teria uns doze anos, não foi isso que aconteceu? Milhares de vezes Lorena contou<br />
essa história com detalhes, ele era alourado. Vestia uma camisa vermelha, vocês moravam<br />
na fazenda.<br />
Ela está sorrindo dolorida, olhando o teto.<br />
– Minha pobre filhinha. Nem conheceu o irmão, é a caçula. Era menininha ainda quando<br />
começou a inventar isso, primeiro só aos empregados que vinham me perguntar, eu nem<br />
negava, disfarçava, que mal tinha? Continuou falando, na escola, nas festas, o caso<br />
começou a ficar mais sério, oh Deus, o mal-estar que eu sentia quando queriam saber se...<br />
Não queria que pensassem que ela estava mentindo, foi sempre uma criança tão<br />
verdadeira.<br />
Os médicos nos acalmaram, que não tinha gravidade, ia passar com o tempo, imaginação<br />
infantil rica demais, quem sabe na adolescência? Não passou (TELLES, 1975, p. 219).<br />
Em decorrência dos fatos, o pai de Lorena vende a fazenda, fica louco e acaba<br />
internado em um sanatório. A morte do irmão marca muito sua vida, a mãe fora da sua realidade,<br />
se envolve com um homem mais jovem que a explora. Segundo Pereira, “é uma tragédia familiar<br />
com grande alcance. A família de Lorena, rica e semi- aristocrática, conviverá do seu modo com<br />
as conseqüências dessa morte acidental” (PEREIRA, 2007).<br />
Lorena vive uma “paquera” com um amigo de faculdade, Fabrizio, com quem quase<br />
perde a virgindade. Depois de Fabrízio ela conhece o misterioso ginecologista, Marcos<br />
Nemésius, M.N., com quem vive um amor platônico, nunca correspondido. Lorena queria se<br />
manter virgem, esperando seu amado. Todas as pequenas paixões que teve no passado não<br />
foram tão intensas diante do que ela sentia por esse médico. Sonha até em se casar com ele, no<br />
entanto isso não acontece: “Adoraria me casar com M.N., não existe uma idéia mais jóia, queria<br />
me casar com ele, sou frágil, insegura. Preciso de um homem em tempo integral”. (TELLES,<br />
1985, p. 64)<br />
Lorena é, como se vê, extremamente sonhadora. Apesar de tudo, ela é a mais<br />
equilibrada das três. Lorena faz o tipo “filha exemplar” – Sua espiritualidade, vivida,<br />
solitariamente, em seu quarto, no qual se mantém alheia ao mundo, leva a personagem a<br />
profundas reflexões sobre si mesma:<br />
Como ninguém toca nesse livro, ficou sendo o guardião das cartas que escrevo para M.N.<br />
E que acabo não mandando, ai meu pai. Escrevi que toda minha vida convergia para ele e<br />
que era só dele que iria se irradiar de hoje em diante. Quero te dizer também que nós, as<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações<br />
geradas pelo nosso medo. Imaginamos conseqüências, censuras, sofrimentos que talvez<br />
não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A<br />
verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões. Não<br />
nos esqueçamos das cicatrizes feitas pela morte. Nossa plenitude, eis o que importa.<br />
Elaboremos em nós as forças que nos farão plenos e verdadeiros (TELLES, p.65-66)<br />
Lia é outra personagem muito influente no romance. Em sua adolescência, teve um<br />
relacionamento homossexual, onde acaba confessando isso no decorrer do livro:<br />
- Você já teve experiência com mulher?<br />
- Já.<br />
- Que genial! E então?<br />
- Não sei o que você quer saber – digo e fico rindo por dentro porque sei muito bem o que<br />
ele quer saber. – Nada de extraordinário, Pedro. Tão simples. Foi na minha cidade, eu<br />
ainda estava no ginásio. A gente estudava junto e como nos achávamos feias, inventamos<br />
namorados. Quando lembro! Como era bom se sentir amada mesmo por meninos que não<br />
existiam. Traçávamos bilhetes de amor, ela ficou sendo Ofélia e eu era Richard de olhos<br />
verdes e um certo escárnio no olhar, ô! Como ela sofria com esse escárnio. Mas era<br />
preciso um pouco de sofrimento. Não sei bem quando o nome de Richard foi<br />
desaparecendo e ficou o meu. Acho que foi numa noite, botei um disco sentimental e tirei-a<br />
pra dançar, me dá o prazer? Saímos rindo e enquanto a gente rodopiava qualquer coisa foi<br />
mudando, ficamos sérias, tão sérias. Éramos demais envergonhadas, entende. Nos<br />
abraçávamos e nos beijávamos e nos beijávamos com tanto medo. Chorávamos de medo.<br />
[...]<br />
-Foi um amor profundo e triste, a gente sabia que se desconfiassem íamos sofrer mais.<br />
Então era preciso esconder nosso segredo como um roubo, um crime. Tanto susto.<br />
Começamos a falar igual. Rir igual. Tão íntimas como se tivesse me apaixonado por mim<br />
mesma (TELLES,1985, p.117-8).<br />
Ana Clara era uma jovem sonhadora, e namorava Max, apesar de manter um<br />
relacionamento sexual com vários homens, dizia ser ele o seu verdadeiro amor, no entanto, é fria<br />
em suas relações sexuais com ele. Além disso, dizia ter um noivo que nunca apareceu, e que iria<br />
se casar no próximo ano. Ela faz tantos planos para o futuro mas acaba entrando em suas<br />
lembranças que a faz ficar triste. Além de ser viciada e muito confusa contraia muitas dívidas.<br />
Mas não se contentava, gastava sempre mais do que podia:<br />
Algum noivo perguntando por Ana Turva, impressionante como Aninha faz noivos. Antes<br />
desses já teve uns três. Noivos e dívidas, abre conta emtudo quanto é butique, montes de<br />
vestidos. Quilos de quinquilharias. Uma aflição de se cobrir de coisas que ficam bem nas<br />
vitrinas. Nas revistas. E não precisa disso, uma cara maravilhosa. Podia se vestir como as<br />
gregas, apenas uma leve túnica. Mais nada.” (TELLES, 1985, p. 93).<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Conseguimos observar que Ana Clara é uma moça sem responsabilidades de seus<br />
atos chegando até a engravidar várias vezes para fugir disso acaba abortando todas as vezes<br />
que engravida: “- Max, estou grávida. Que é que eu faço, que é que eu faço! “ (TELLES, 1985, p. 77).<br />
interesse:<br />
Em uma conversa com Max, ela acaba descrevendo seu noivo com uma certa ironia, e<br />
-Você tem um noivo, Coelha?<br />
-Tenho. Meu noivo é um saco, mas tem orienhnid.<br />
- Ele é bonito que nem eu?<br />
- É um anão.O corpo é coberto de escamas, as escamas começam aqui na barriga e vão<br />
subindo, subindo e quando chegam debaixo do braço, está vendo? – [...] Aqui tem escama<br />
à beça... (TELLES,1985 p.89-90).<br />
A tradição da cultura masculina em alguns trechos, faz com que a realidade se choque<br />
com a ficção de Telles, isso de tal forma, que Ana Clara pode nos retratar realidade da época de<br />
64, não só para ela que teve uma vida turbulenta, mas para todas as mulheres que sonhavam<br />
em se casar e ter uma vida melhor. “Com dinheiro e casada não precisaria mais de nenhuma<br />
ajuda, ora, análise. Nenhum problema, mas à vista. Livre. Destrancaria a matrícula, faria um<br />
curso brilhante. Os livros que teria que ler. As descobertas sobre si mesma. Sobre os outros”.<br />
(TELLES, 1985, p.31-32).<br />
Quando ainda criança, era molestada sexualmente, e isso trazia em sua memória algo<br />
muito profundo, o resultado de tudo isso era a sua frieza pelo qual ela tinha com Max. “Infância.<br />
Na realidade tudo se simplifica quando se descobre lá longe uma tia querendo enfiar o dedo no<br />
olho da gente. Em mim enfiaram em outro lugar” (TELLES, 1985, p.36).<br />
Ana não suporta toda essa pressão, seu final é trágico, acaba morrendo de overdose.<br />
E diante da morte da amiga, Lorena se mostra muito corajosa, fazendo de tudo para que o nome<br />
do pensionato não fique comprometido e abalado com toda essa loucura, que havia acontecido.<br />
Isso mostra o que dizíamos no começo, isto é que Lorena sempre se mostrou a mais tranqüila e<br />
equilibrada das três meninas:<br />
Por favor, Lião, não começa com ironia, pense um pouco, Ana Clara não pode morrer<br />
drogada num quarto do Pensionato Nossa Senhora de Fátima. Não pode. Sabe o que isso<br />
pode significar para as freirinhas? Para Madre Alix, não havia de querer comprometê-la<br />
num escândalo desses, estou fazendo tudo como Aninha gostaria que fosse feito, Deus me<br />
inspirou, pedi inspiração e Ele me deu, depois que tive essa idéia cheguei a sentir uma<br />
certa paz. Posso mudar, querida. Se a morte não tem remédio, posso ao menos salvar as<br />
circunstâncias! (TELLES,1985, p. 252).<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Podemos observar também, que Lorena aparenta ser uma jovem introvertida e ao<br />
mesmo tempo sensível quando está fora de seu quarto. Quando está dentro dele ela se sente<br />
protegida e é nele que se solta. Isso é mostrado na receptividade que tem com relação às<br />
amigas, quando entram para vê-la: “Por que essa pressa? Suba, venha ouvir o último disco de<br />
Jim Hendrix, faço um chá, tenho uns biscoitos maravilhosos [...]” (TELLES, 1985, p.12)<br />
O prazer que encontro neste simples ritual de preparar o chá é quase tão intenso quanto o<br />
de ouvir música. Ou ler poesia. Ou tomar banho. Ou ou ou. Há tantas pequeninas coisas<br />
que me dão prazer quando chegar a coisa maior. Será mesmo maior, M.N.? (TELLES,<br />
1985, p.20)<br />
Lorena faz muitas reflexões e, seu quarto, ela basicamente vive tudo sozinha, isolada<br />
das pessoas por isso la ela faz muitas revelaões sobre seu interior carente:<br />
Como ninguém toca nesse livro, ficou sendo o guardião das cartas que escrevo para M.N.<br />
E que acabo não mandando, ai meu pai. Escrevi que toda minha vida convergia para ele e<br />
que era só dele que iria se irradiar de hoje em diante. Quero te dizer também que nós, as<br />
criaturas humanas, vivemos muito em função das imaginações geradas pelo nosso medo.<br />
Imaginamos conseqüências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim<br />
fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a<br />
vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões. Não nos esqueçamos das cicatrizes<br />
feitas pela morte. Nossa plenitude, eis o que importa. Elaboremos em nós as forças que<br />
nos farão plenos e verdadeiros (TELLES, 1985, p.65 - 66).<br />
Vê-se, portanto, que os três destinos marcham para a dispersão. Isso configura, como<br />
vimos, uma síntese entre o drama cultural e o drama pessoal. Que é, aliás, o drama da menina<br />
em sua passagem para mulher. É o drama da definição e da busca de um caminho. Um caminho<br />
que passa necessariamente pela esfera masculina. Pois é sempre o homem (esse ausente) que<br />
decide sobre as coisas.<br />
Podemos dizer também que o leitor acaba “entrando” na intimidade dessas jovens,<br />
sem precisar perguntar nada, uma espécie de “psicólogo” que apenas ouve, mas não opina. Esta<br />
obra de L.F. Telles mostra na maior parte do texto, o tempo subjetivo, ou seja, o tempo<br />
predominante ao psicológico. O subjetivo está na memória e na auto-análise dessas garotas. O<br />
texto em si gira em torno da subjetividade. As meninas vivem voltando no passado, em busca de<br />
uma solução para seus problemas do presente. Desejam uma vida de princesa e que tudo acabe<br />
bem. A ação do livro é baseada a interioridade, e quase nada acontece na realidade do mundo<br />
exterior. Tudo é rememorado nas vidas dessas meninas e com isso elas acabam vertendo-se a<br />
si mesmas diante do leitor.<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
De acordo com o que Bosi escreve em História concisa da literatura, trata-se de “um<br />
romance de tensão interiorizada, o herói não se dispõe a enfrentar o paradoxo ou o mundo pela<br />
ação: evade-se, subjetivando o conflito” (BOSI, 1999, p.392). As transformações históricas<br />
levaram à necessidade uma nova forma para o romance do século XX. Goldmann observa que<br />
“é bastante notável no romance contemporâneo o desaparecimento progressivo do personagem<br />
ao lado de um reforço na autonomia dos objetos; em decorrência disso, a ação se encerra na<br />
esfera subjetiva e a interioridade acentuadamente desenvolvida, emerge ao primeiro plano”.<br />
(Goldmann, 1966, p. 59). Ainda segundo Goldmann, existe uma homologia entre estrutura da<br />
obra literária e a estrutura social, e mesmo grupal, em que se insere o autor.<br />
Na sociedade moderna, é visível que a literatura épica teve sua expressão mais<br />
desenvolvida na forma de romance, este gênero quanto as suas finalidades e propriedades:<br />
Apresenta todos os elementos característicos de forma épica: a tendência a adequar a<br />
forma da representação da forma, ao seu conteúdo; a universalidade e amplitude do<br />
material envolvido; a presença de vários planos; a submissão do principio da representação<br />
plástica, em que homens e acontecimentos agem, na obra, quase por si mesmos, como<br />
figuras vivas da realidade exterior. (LUKÁCS, 2000, p.89).<br />
Mesmo com tantos momentos que deixam claro a ambição da jovem, algumas<br />
heranças culturais masculinas, vêem a tona como neste trecho, que resume o pensamento de<br />
uma época não tão distante:<br />
Fluxo de consciência<br />
O fato de os homens se casarem com mulheres mais jovens é uma constante praticamente<br />
universal e, segundo parte significativa das interpretações, deve-se às relações de poder<br />
entre os sexos [...] São raros em nosso meio os estudos sobre as “moedas de troca”<br />
oferecidas pelas mulheres e aceitas pelos homens no mercado matrimonial, além da<br />
juventude. (SCHWARCZ, 1998, p.417).<br />
O livro mostra claramente além do diálogo a presença dos fluxos de consciências das<br />
personagens e monólogos interiores. Um exemplo de monólogo interior no início da história é<br />
que Lorena está em seu quarto e faz várias reflexões, muitas vezes coisas embaralhadas do seu<br />
interior e acabam sendo reveladas para o mundo exterior:<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
SENTEI NA CAMA [sic]. Era cedo para tomar banho. Tombei para trás, abracei o<br />
travesseiro e pensei em M.N., a melhor coisa do mundo não é beber água de coco verde e<br />
depois mijar no mar, o tio da Lião disse isso mas ele não sabe, a melhor coisa mesmo é<br />
ficar imaginando o que M.N. vai dizer e fazer quando cair meu último véu.(TELLES, 1985,<br />
p.3)<br />
No trecho acima, além do uso de primeira pessoa, observa-se um ritmo vertiginoso -<br />
típico do fluxo de consciência. A noção de ulterioridade está confirmada no uso de verbos no<br />
tempo passado.<br />
Nádia Florentino mostra que “a principal característica do monologo interior é a<br />
proposital falta de articulação lógica e sintática dos períodos e sentenças, característica do<br />
processo mental que esse artifício almeja produzir, onde idéias, impressões, sensações e<br />
pensamentos aparecem em uma ordem caótica e desconcertante”(FLORENTI<strong>NO</strong>,2010, p. 871).<br />
O complemento interior faz com que o complemento exterior desprenda monólogo<br />
interior do monólogo tradicional, pois, ao contrário deste, o monólogo interior não se articula<br />
gramaticalmente a ouvintes, “exprime sempre o discurso mental, não pronunciado, das<br />
personagens”, e representa “um discurso sem ouvinte, cuja enunciação acompanha as idéias e<br />
as imagens que se desenrolam no fluxo de consciência das personagens” (REIS & LOPES,<br />
1988, p. 266,267).<br />
Walter Benjamin, em “O narrador”, mostra a idéia do monólogo interior ao colocar que<br />
“a origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas<br />
preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los” (BENJAMIN,<br />
1986, p. 201). Mostrando nisso o recurso narrativo do monólogo interior ser tão utilizado na<br />
contemporaneidade atual.<br />
REIS & LOPES, em Dicionário de Teoria da Narrativa, coloca que o monólogo interior<br />
“é uma técnica narrativa que viabiliza a representação da corrente de consciência de uma<br />
personagem” e que é através dele que “abre-se a diegese à expressão do tempo vivencial das<br />
personagens,diferente do tempo cronológico linear que comanda o desenrolar das ações” (REIS<br />
& LOPES,1988, p. 266).<br />
Massaud Moisés (2004, p. 146), em seu Dicionário de termos literários, coloca dois<br />
tipos diferentes de fluxo de consciência: direto ou indiretamente. No monólogo interior direto, não<br />
há a “intervenção ostensiva do escritor” e a personagem tem a liberdade de abrir sua vida ao<br />
leitor sem obedecer às leis gramaticais ou lógicas. A “intromissão do consciente e suas leis,<br />
fundadas na lógica e no decoro social” (MOISÉS, 2004, p. 146).<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Já no monólogo interior indireto, o autor intervém na questão de organizar o discurso a<br />
fim de dar uma coerência. A função é realmente tornar de forma mais ordenada o mundo<br />
psicológico da personagem sem desfigurá-lo.<br />
[...] o monólogo interior indireto marca-se pela interferência patente do ficcionista na<br />
transcrição da correnteza mental da personagem, como se detivesse o privilégio de<br />
sondar- lhe e captar-lhe o tumultuado mundo psíquico sem deformá-lo, ao menos<br />
aparentemente. (MOISÉS, 2004, p. 146).<br />
Outro engajamento no romance é que “boa parte do livro se passa dentro de quartos e<br />
todo o romance é configurado a partir da exposição das consciências e da intimidade daquelas<br />
jovens. Tal escolha não é acidental, como vimos, ela faz homologia com uma sociedade que<br />
está em processo de privatização e individualização – que é a sociedade brasileira dos anos 70”<br />
(PEREIRA,2007).<br />
Nesse percurso, podemos desenvolver a idéia de que o quarto nesse sentido seria um<br />
porto seguro, um refúgio em mediante as transformações que a sociedade passava naquele<br />
momento. A falta da figura masculina, representada pelo pai inclui em um dos fatores pelos quais<br />
essas meninas se refugiam em seus quartos, como forma de desabafo de seus medos, é nele<br />
que podemos dizer que elas se sentem protegidas de todos os fantasmas do passado e é lá que<br />
elas confrontam o seu “eu” interior, procurando uma solução para o desenrolar do presente.<br />
Conforme Pereira mostra “O principal desses quartos: o da protagonista Lorena,<br />
localizado num pensionato próximo a uma grande universidade paulistana possivelmente a USP.<br />
Nesse quarto, deitada na cama, de pernas para o ar, pretextando fazer exercícios físicos, Lorena<br />
pedala uma bicicleta imaginária.Há no romance outros quartos: onde Ana Clara se encontra com o<br />
namorado Max, e onde se encontrará com um amante fortuito (AM, p. 188 e ss); ou onde Lia e um<br />
“companheiro” se encontram, o “aparelho” da organização guerrilheira, improvisado em alcova de<br />
amantes(AM, p. 127 e ss); ou ainda onde Lia conversa com “Mãezinha”, a mãe de Lorena, de que<br />
ouve longa confissão (AM, p.227 e ss). Todos esses quartos acabam sendo metáforas e<br />
desdobramento de uma concepção de mundo privado e interiorizado. O quarto aparece como<br />
metáfora do refúgio último da subjetividade ante uma realidade efetivamente hostil.”(PEREIRA,2007)<br />
Considerações finais<br />
Podemos concluir que o monólogo interior esta ligado diretamente ao discurso mental,<br />
não pronunciado das personagens, ou seja , “não há ouvinte e as enunciações acompanham as<br />
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
idéias e as imagens se desenrolam no fluxo de consciência das personagens”. (REIS &<br />
LOPES,1988, p .267). Ele pode ser considerado “indireto na medida em que apresenta uma<br />
sequência ou concatenação de imagens, sensações e anseios” (FLORENTI<strong>NO</strong>, 2010, p. 872).<br />
Podemos concluir que, o romance As meninas ao ser escrito principalmente em forma<br />
de monólogo interior, já revela um fluir temporal subjetivo, intimamente ligado ao ser feminino.<br />
Conseguimos perceber no romance de Telles que, neste efeito de presente, ou de<br />
acontecimentos acontecendo, a personagem lembra o que aconteceu, mas seu discurso não se<br />
volta somente para a lembrança. A partir de sua fala, é possível depreender sua situação no<br />
presente da enunciação. Ela também mostra um recurso gráfico para mostrar que passamos de<br />
uma consciência para outra, no caso isso é nitidamente mostrado quando temos um espaço em<br />
branco no livro.<br />
Referências bibliográficas<br />
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura. São Paulo. Editora Pensamento,1994.<br />
BENJAMIN, Walter. O narrador. In: ______. Magia e técnica, arte e política. São Paulo:<br />
Brasiliense, 1986, pp. 197-221.<br />
FLORENTI<strong>NO</strong>, Nádia Nelziza Lovera. Memórias, Confidências E Lembraças:Mar Paraguayo, De<br />
Wilson Bueno. ANAIS DO SETA: 2007.<br />
GOLDMANN, Lucien. O noveau roman e a realidade. In: Velho, G. (org.), Sociologia da arte. Rio<br />
de Janeiro: Zahar 1966.<br />
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 2004<br />
REIS, Carlos e LOPES, Ana Cristina. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.<br />
PEREIRA, Rogério Silva Pereira (UFGD). Violência e Repressão em As Meninas, de Lygia<br />
Fagundes Telles. Encontro Regional da ABRALIC: USP – São Paulo, 2007.<br />
SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da Vida Privada no Brasil: Contrastes da intimidade<br />
contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; v.4<br />
TELLES, Lygia Fagundes. As meninas. [1973]. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.<br />
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