1 PRESENÇA DO NATURALISMO FRANCÊS NO ... - Unesp
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X SEL – Seminário de Estudos Literários<br />
UNESP – Campus de Assis<br />
ISSN: 2179-4871<br />
www.assis.unesp.br/sel<br />
sel@assis.unesp.br<br />
<strong>PRESENÇA</strong> <strong>DO</strong> <strong>NATURALISMO</strong> <strong>FRANCÊS</strong> <strong>NO</strong> ROMANCE EPISTOLAR O MARI<strong>DO</strong> DA<br />
ADÚLTERA, DE LÚCIO DE MEN<strong>DO</strong>NÇA<br />
Ariane Carvalho (Mestranda – UNESP/Assis)<br />
RESUMO: No romance epistolar O marido da adúltera, publicado em 1882 pelo escritor e jornalista Lúcio<br />
de Mendonça, encontram-se traços marcantes e inequívocos da teoria naturalista desenvolvida por Émile<br />
Zola. Pretende-se verificar de que modo o idealizador da Academia Brasileira de Letras recebeu as ideias<br />
do Naturalismo e as inseriu em sua obra, verificando o processo de adaptação executado pelo autor<br />
brasileiro. Cabe observar, igualmente, o fato de que Lúcio de Mendonça optou pelo romance epistolar,<br />
gênero pouco utilizado no Brasil do século XIX. O trabalho buscará, portanto, analisar de que maneira o<br />
autor de O marido da adúltera utilizou-se do naturalismo francês para criar um romance epistolar<br />
brasileiro, publicado, originalmente, no periódico Colombo, em forma de folhetim; característica, aliás, que<br />
se conserva no momento da publicação do romance em livro, em 1882<br />
PALAVRAS-CHAVE: naturalismo francês; romance epistolar brasileiro; intertextualidade.<br />
No romance epistolar O marido da adúltera, publicado em 1882 pelo escritor e<br />
jornalista Lúcio de Mendonça, encontram-se traços marcantes e inequívocos da teoria naturalista<br />
desenvolvida por Émile Zola. É fato que o idealizador da Academia Brasileira de Letras recebeu<br />
as ideias do Naturalismo e as inseriu em sua obra, adaptando-as ao cenário brasileiro. O autor<br />
de O marido da adúltera utilizou-se do naturalismo francês para criar um romance epistolar<br />
brasileiro, publicado, originalmente, no periódico Colombo, em forma de folhetim; característica,<br />
aliás, que se conserva no momento da publicação do romance em livro, em 1882: “‘O folhetim é<br />
frutinha de nosso tempo’, disse Machado de Assis numa de suas deliciosas crônicas” (MEYER.<br />
1996, p. 57).<br />
Em O marido da adúltera, ainda na introdução vemos uma recepção planejada que<br />
conta com a adesão sentimental do leitor da narrativa (jogo da mulher burguesa que é<br />
essencialmente sentimental). O autor romântico quer que o leitor leia a sua história identificando<br />
a voz do narrador como sendo a do autor (visão centrada no “eu”). É assim que ocorre no<br />
romance–folhetim, o narrador conduz e instrui, uma função idealista, já que o artista, no<br />
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ANAIS <strong>DO</strong> X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DO</strong>S LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
romantismo, é o educador das almas; enquanto no narrador realista, tenta-se manter a isenção,<br />
Flaubert mesmo diz que o narrador deve ficar na narrativa como Deus fica na criação, presente<br />
nos personagens, mas fora de cena.<br />
O marido da adúltera foi publicado, originalmente, em folhetim no jornal catarinense<br />
Colombo, periódico crítico e literário, de propriedade de Manoel Lostada, João da Cruz e Virgílio<br />
Varzea. A prática era muito comum na época e numerosos romances como A Moreninha,<br />
Inocência e Memórias de um sargento de milícias foram publicados em capítulos nos jornais,<br />
antes do formato definitivo em livro.<br />
O feuilleton designava um espaço preciso no jornal, o rez-de-chaussée, rodapé,<br />
geralmente na primeira página e teria uma finalidade específica: a de ocupar “um espaço vazio<br />
destinado ao entretenimento” (MEYER, 1992, p. 96). Isso quer dizer, que ali eram publicadas<br />
piadas, receitas de cozinha, eram comentados crimes e livros recém lançados. Pouco tempo<br />
depois, surge o feuilleton dramatique e littéraire. Émile Girardin, dono do jornal La Presse,<br />
percebendo as vantagens financeiras do “continua amanhã”, associa-se a Dutacq, do Le Siècle,<br />
para publicar esse tipo de romance,<br />
adaptado às novas condições de corte, suspense, necessárias redundâncias para reativar memórias<br />
ou esclarecer quem pega o bonde andando, construção de tipos fortes e facilmente identificáveis,<br />
sentimentos em branco e preto, amor e ódio, pureza e perversão, espichamentos ou ressurreições a<br />
pedido, etc. (IDEM, p. 98)<br />
O primeiro romance do tipo foi La Vieille Fille, de Balzac, publicado em 1836. Em 1838,<br />
Le Capitaine Paul, de Alexandre Dumas, consagra o gênero e é o primeiro romance-folhetim a<br />
ser traduzido e publicado no Brasil, no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro nesse mesmo ano.<br />
O folhetim conquista numerosos leitores no país e passa a ser a “viga mestra do jornal”,<br />
sustentada por nomes como Macedo, Alencar e mais tarde, Machado de Assis.<br />
O marido da adúltera tem como protagonista a jovem Laura, que manipula quem a<br />
cerca para obter o que deseja. A moça, por meio de cartas escritas à redação do Colombo, conta<br />
que teve uma infância difícil e perdeu a virgindade ainda muito nova, após ter sido enganada por<br />
um homem mais velho. Depois de muito sofrer em um mundo cruel, encontra refúgio nos braços<br />
de Luís Marcos, um marido bom a quem Laura não soube, entretanto, respeitar e que passa a<br />
trair com um estudante rio-grandense, antigo vizinho que cuidara de seu pai como médico nos<br />
seus últimos dias.<br />
Ao descobrir o adultério da esposa, Luís Marcos suicida-se. Laura resolve suavizar a<br />
culpa que sentia, por ter transgredido as regras e não ter conseguido o perdão de seu marido,<br />
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enviando ao Colombo toda a história de sua vida. Esse seria o meio encontrado na tentativa de<br />
redimir seus erros, embora confesse também ser movida pelo sentimento da vaidade:<br />
Mísera de mim! Compreendo, com tristeza, que é ainda um sentimento vaidoso o que me move: não<br />
é só a necessidade irresistível de desafogar tanta angústia: é também uma remota esperança de<br />
persuadir, aos amigos dele, que cheguei a compreender, ainda que muito tarde, o homem honrado<br />
que foi meu marido- para sua desgraça sem remédio e para meu desesperado remorso<br />
(MEN<strong>DO</strong>NÇA, 1974, p.23).<br />
A obra de Lúcio de Mendonça foi muito bem recebida pela crítica da época. Segundo<br />
Pedro Lessa (Apud: PADILHA e PENAFIEL, 2004, p.28),<br />
O defeito capital d’O MARI<strong>DO</strong> DA ADÚLTERA foi não ter animado o autor a prosseguir no gênero.<br />
Escrito num estilo espontâneo, simples e atraente, o romance é a explanação de uma tese<br />
moral,[...´] todo composto sob a forma de cartas [...]. Há nele vários trechos de uma forma<br />
encantadora, pela [...] veracidade e pelo modo leve de revelar uma minuciosa análise penetrante.<br />
Poucos, melhor do que Lúcio, terão descrito o interior de uma família que, de um viver de relativo<br />
bem estar, se vai desempenhando na voragem do infortúnio econômico, predecessor do infortúnio<br />
moral [...]” (PEDRO LESSA- Elogio Acadêmico, na “Revista da Academia de Letras”, nº6, pág.327).<br />
Lúcio de Mendonça já era conhecido dos leitores como poeta e jornalista, antes de<br />
publicar seu primeiro e único romance: em 1872, Machado de Assis prefaciou o livro de poemas<br />
Névoas Matutinas, incentivando o jovem a aplicar seu “talento a um estudo continuado e severo”,<br />
a fim de corrigir os defeitos dos primeiros versos e perseverar nas qualidades que o<br />
compunham: “sentimento, versos cadentes e naturais, ideias poéticas” (ASSIS: 1953, p. 295).<br />
Esse seria o início de uma longa amizade, coroada com a fundação da Academia Brasileira de<br />
Letras em 1897, tendo Lúcio de Mendonça como seu idealizador e Machado de Assis, como seu<br />
primeiro Presidente.<br />
Para Lúcia Miguel Pereira (1988), Lúcio de Mendonça “se inclui entre os precursores<br />
do realismo” no Brasil, com “a novela O Marido da Adúltera e sobretudo com seus contos, obras<br />
da mocidade só mais tarde reunidos em volume” (p. 35).<br />
Naturalismo:<br />
O escritor brasileiro não exagerou em suas descrições, como fariam os adeptos do<br />
A estréia de L.M. no romance foi assaz prometedora [...] É um livro [...] que se lê de um só fôlego [...]<br />
A tese de que tratou foi o que havia de mais ousado. O estilo possui sobriedade e colorido.<br />
Sobriedade demais, talvez, pois o assunto comportava mais largo desenvolvimento [...] É um livro<br />
que convida à controvérsia [...] “URBA<strong>NO</strong> DUARTE - Gazetinha”, 21/05/1882. (Apud PADILHA e<br />
PENAFIEL, 2004, p.28).<br />
Entretanto, muitas características presentes no romance indicam a presença de<br />
elementos das ideias naturalistas de Émile Zola.<br />
Primeiramente, as epígrafes escolhidas por Lúcio de Mendonça anunciam o<br />
determinismo e a influência do meio, temas caros ao autor de Germinal: a primeira delas, “Não<br />
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há acidentes nem anomalias no universo: tudo acontece por uma lei e tudo atesta uma<br />
causalidade”, foi retirada do livro O Crime e a Loucura, do psiquiatra inglês Henry Maudsley<br />
(1835-1918). Essa citação deixa clara a presença do determinismo na obra que o leitor irá ainda<br />
conhecer. A segunda epígrafe, retirada da obra Os representantes da Humanidade, do escritor e<br />
filósofo americano Ralph Emerson (1803-1882) corrobora essa importância:<br />
Só a verdade ou a conexidade entre a causa e o efeito nos interessa. Estamos persuadidos de que<br />
todos os seres, todos os mundos, estão enfiados como pérolas, e que pelo fio que os atravessa vêm<br />
ter a nós os homens, os fatos e a vida que passam e tornam a passar-nos diante dos olhos para o<br />
fim único de nos dar a conhecer a direção e continuidade dessa linha de filiação. Um livro ou um<br />
raciocínio que tende a provar-nos que não existe outro encadeamento senão o acaso e o caos, que<br />
uma desgraça sucede sem causa, que uma felicidade surge sem motivo, que um herói nasce de um<br />
idiota ou um idiota de um herói, desanima-nos. Acreditamos nos laços de filiação, sejam ou não<br />
visíveis .<br />
E, finalmente, a terceira epígrafe parece não deixar dúvidas quanto aos princípios que<br />
serão adotados por Lúcio de Mendonça para criar a trama de O marido da adúltera: retirada do<br />
famoso livro L’Esthétique publicado em 1878 pelo filósofo, jornalista e diretor de revistas de arte<br />
Eugène Véron (1825-1889), ela adverte<br />
francês:<br />
O acaso é uma explicação demasiado cômoda, que tem, de resto, o inconveniente de nada explicar.<br />
O acaso não é sequer uma hipótese, é o nada. Não há acaso na História. Todos os fatos, pequenos<br />
ou grandes, ligam-se por uma cadeia contínua, cujos anéis podem passar-nos despercebidos, mas<br />
nem por isso existem menos.<br />
Há outras passagens no romance que parecem revelar o conhecimento do Naturalismo<br />
[...] a primeira e essencial condição é a escolha da mulher: desde que está conhecido, fora de toda<br />
dúvida, que a hereditariedade moral é uma das mais inflexíveis leis fisiológicas, não é tão difícil a<br />
escolha: se a observação pode iludir-se acerca dos atos de um indivíduo, tem 99 probabilidades de<br />
acerto contra uma de erro quanto aos atos de uma família, observáveis através de várias<br />
individualidades, em tempos, em lugares, em múltiplas circunstâncias diversas: ora, conhecida a<br />
família, está substancialmente conhecida a mulher (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 1974, p.77).<br />
Mais à frente, em um diálogo entre as personagens, exprime-se a possível causa de<br />
todo o mal ocorrido com Luís que, por não ter levado em conta a observação necessária para o<br />
entendimento dos fatos, teve um fim trágico:<br />
- Tu mesmo disseste um dia - ponderei - que se escolhe a mulher pela família; - é certo que o<br />
disseste em conversa de estudantes; - chegada à realidade, a tua vez de pôr em ação o preceito,<br />
parece que o inverteste - escolhendo a família pela mulher, ou o desprezaste de todo - namorandote<br />
da mulher e deixando o mais à boa vontade da sorte [...] (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 1974, p. 85).<br />
E, durante toda a obra, insiste-se no mesmo discurso determinista de que, visto ter<br />
tudo sido previamente observado e constatado, não há chances de mudanças e de uma fuga do<br />
próprio destino:<br />
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- Não, desculpa-me, tu que o sabes melhor do que eu - uma ruim família não é só uma infelicidade<br />
que merece proteção, é também, numa donzela, um destino fisiológico, de quem um rapaz solteiro<br />
deve afastar-se prudentemente, para que não lhe caia na cabeça o ramo da árvore suspeita [...]<br />
(MEN<strong>DO</strong>NÇA, 1974, p.94).<br />
Mais um aspecto aproxima O marido da adúltera dos romances naturalistas franceses:<br />
a preocupação com a moral e a instrução do povo.<br />
Lúcio de Mendonça escolheu uma personagem feminina transgressora como<br />
protagonista de sua intriga. Ela recusa o papel que a sociedade havia lhe destinado: o de esposa<br />
e mãe. Por essa razão, é severamente punida, para que as leitoras não sigam seu exemplo.<br />
Laura, a adúltera criada por Lúcio de Mendonça, lamenta:<br />
Se eu tivesse podido evitar, em meu passado, a noite de Natal de 1870! [...]Seria hoje, talvez, uma<br />
boa mãe de família, querida e respeitada, leal e companheira de um trabalhador honrado, rico de<br />
talento e de futuro, em vez do fúnebre isolamento em que se arrastam agora os dias vazios desta<br />
vida estéril, truncada e seca (Mendonça, 1974, p.47).<br />
Lúcio de Mendonça desejava, portanto, “instruir” seus leitores e, principalmente, suas<br />
leitoras. Logo na primeira carta escrita ao Colombo, Laura lamenta o fato de não ter tido uma<br />
educação familiar que a mantivesse longe do vício:<br />
[...] a triste mulher que sou eu, pode ser lição proveitosa a algumas outras, que meditem o meu caso<br />
infeliz e verdadeiro, e reflitam que todo o mal me veio, a mim e aos que dele mais sofreram de uma<br />
educação corruptora e falsa (MEN<strong>DO</strong>NÇA, 1974, p.24).<br />
O marido da adúltera abriga uma profunda moral, já que, na verdade, tem a função de<br />
denunciar as transgressões cometidas na época pela sociedade e condená-las, mostrando que o<br />
modo de vida escolhido pela personagem feminina transgressora certamente desembocaria em<br />
um fim trágico e doloroso.<br />
Parece, portanto, que Lúcio de Mendonça teve a intenção de escrever uma obra<br />
seguindo os moldes naturalistas. É curioso observar que ele optou pelo romance epistolar,<br />
gênero que “exclui, a priori, a presença e a intervenção do narrador” (LAFFONT & BOMPIANI,<br />
1994, p. 4104-4105). A função da forma epistolar, no romance, tende a ser um indicativo da<br />
situação enunciativa e garantia de uma não-ficcionalidade de origem, dando à obra uma<br />
característica mais real.<br />
Flora Süssekind (1993), em seu O romance epistolar e a virada do século: Lúcio de<br />
Mendonça e João do Rio, aponta na narrativa epistolar um caráter oscilante entre o “público e o<br />
privado, o fato íntimo e a opinião pública” (p. 212). O gênero epistolar indica ainda a<br />
preocupação de seus autores de eliminar o narrador e garantir o aspecto de não- ficcionalidade<br />
da trama. Não podemos deixar de focar para o grande risco que as personagens corriam, pois as<br />
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missivas após serem escritas, tornavam-se um registro, um documento propriamente dito, de<br />
suas vivências que poderiam ser reveladas à sociedade e usadas contra os seus autores.<br />
O romance se inscreve, portanto, na tradição do romance epistolar, muito apreciado no<br />
século XVIII na Europa e que, segundo Süssekind, estava muito em voga no final do século XIX<br />
no Brasil.<br />
Maria Cecília Queiroz de Moraes Pinto (1999, p. 73) explica o entusiasmo dos<br />
escritores brasileiros pelo gênero:<br />
O romance epistolar, o romance histórico, o romance da vida presente e quotidiana prepararam, em<br />
luta constante com o rocambolesco, o advento do realismo. O Romantismo não ficou alheio a um<br />
percurso que, no século XVIII, congregou as obras de Montesquieu, Foscolo, Rousseau, Laclos,<br />
Goethe, para citar apenas autores-editores de cartas famosas.<br />
Esse entusiasmo, entretanto, não rendeu muitos frutos. Como observa A. Cândido<br />
(1993), a produção de romances epistolares foi bastante rara no Brasil.<br />
Resta elucidar qual seria a importância atual de se estudar um autor considerado<br />
menor como Lúcio de Mendonça. Como demonstrou Glória Carneiro do Amaral (1996) em<br />
Aclimatando Baudelaire, o “desinteresse pelo autor menor e a concentração das pesquisas em<br />
torno dos principais nomes da literatura” pode deixar de lado “elos importantes” (p. 32). Uma<br />
primeira leitura de O marido da adúltera parece indicar que Lúcio de Mendonça estava muito<br />
atento às discussões europeias, sobretudo francesas, a respeito do Realismo e do Naturalismo.<br />
Embora Lúcia Miguel Pereira o tenha considerado precursor do Realismo, encontram-se, no<br />
romance do escritor brasileiro, elementos da escola de Zola, como as teorias do meio e da<br />
hereditariedade, o que pode indicar a extensão do movimento liderado pelo autor de Thérèse<br />
Raquin.<br />
Andrade Muricy (1973), ao tratar do movimento simbolista no Brasil, defende a inclusão<br />
dos autores chamados “menores” para se conhecer com profundidade a fisionomia de um<br />
movimento: “Os seus escritos são testemunhos excelentes das correntes de seu tempo,<br />
lembrando esses rochedos que, colocados na superfície das geleiras, permitem pela sua<br />
deslocação verificar o movimento lento e infalível da massa que os arrasta” (MURICY, 1973, p.<br />
31).<br />
A análise da obra de Lúcio de Mendonça pode contribuir com os estudos das Relações<br />
Culturais Brasil-França no século XIX, produzir reflexões a respeito da repercussão do<br />
Naturalismo no país, destacando as semelhanças e diferenças observadas na teoria<br />
desenvolvida por Zola e aquela aplicada de maneira efetiva do outro lado do Atlântico:<br />
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nessa exploração não se trata sempre de verificar as razões de tais semelhanças, possivelmente<br />
interligadas por uma problemática de recepção e influência – mesmo que este estudo seja também<br />
do domínio da Literatura Comparada; é interessante, sobretudo, pesquisar os pontos de contato<br />
temáticos que se podem encontrar na obra de escritores de origens diferentes, analisando as<br />
estruturas comuns e relevando as diferenças (CUNHA, 2000, p. 17).<br />
Buscamos uma análise do romance epistolar O marido da adúltera de Lúcio de<br />
Mendonça, tendo em vista a presença inequívoca de elementos do Naturalismo francês na obra:<br />
a influência do meio, a hereditariedade, o determinismo e a instrução moral.<br />
Pretende-se verificar de que modo Lúcio de Mendonça incorporou a teoria naturalista<br />
em O marido da adúltera, e como ele buscou inserir em seu romance elementos nacionais, que o<br />
tornassem obra original e brasileira.<br />
Com a finalidade de analisar a presença de elementos do Naturalismo francês no<br />
romance de Lúcio de Mendonça, apontando suas semelhanças e diferenças, devemos nos deter,<br />
principalmente, na avaliação de textos crítico-analíticos sobre o Naturalismo e O marido da<br />
adúltera. Tal abordagem pretende extrair desses textos o que já foi estudado pelos críticos, de<br />
modo a estabelecer um ponto de partida buscando originalidade e uma fundamentação teórico-<br />
analítica consistente.<br />
Além disso, deverão ser consultadas as obras teóricas a respeito da Literatura<br />
Comparada e de Intertextualidade, que fornecerão as bases para a análise das semelhanças e<br />
diferenças entre o Naturalismo de Zola e o romance de Lúcio de Mendonça, pois todo “texto é<br />
absorção e transformação de outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, se instala a<br />
de intertextualidade, e a linguagem poética se lê, pelo menos, como dupla” (CARVALHAL, 1986,<br />
p.50).<br />
Acredita-se, igualmente, ser necessário consultar obras referentes às teorias da<br />
narrativa, principalmente no que concerne ao foco narrativo e à personagem.<br />
Voltemo-nos por alguns instantes para o gênero do romance-folhetim.<br />
No século XIX, passa-se a ter um esquema sério de produção do texto ficcional,<br />
influenciando o modo de agir do público leitor. É o social influindo no cultural com o romance de<br />
folhetim, que sai semanalmente e provoca uma verdadeira revolução na criação de romances.<br />
O romance de folhetim começa no século XVIII com o feuilleton, que ficava, como já<br />
mencionado, no rez-de-chaussée, lugar do rodapé do jornal, na primeira página, espaço nobre,<br />
primeiramente de entretenimento. Façamos um pequeno esboço de sua trajetória.<br />
O primeiro texto ficcional publicado como romance de folhetim é também a primeira<br />
novela picaresca: O Lazarilho de Tormes (1554). Aqui, já temos a estrutura de suspensão da<br />
ação e a criação de expectativa.<br />
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Por volta de 1840, temos a receita desse novo romance, o de folhetim com corte,<br />
suspense e redundância, que despertavam o desejo do querer saber - perversão da alma<br />
humana- no leitor, o grande segredo da narrativa. Notemos o fato de a redundância precisar<br />
existir para que o leitor não tenha dúvidas, é preciso esclarecer todos os pontos e, por isso,<br />
torna-se comum também a retomada. Lúcio de Mendonça, por exemplo, trata o leitor como uma<br />
leitora ingênua e inocente, em todo momento, dirigindo-se, inclusive, concretamente a esse<br />
narratário. A retomada e a sua explicitação são tradicionais no romance, pois nada deve ficar na<br />
obscuridade para o leitor.<br />
O jornal precisava sobreviver àquele momento e a saída foi a ficção, objetivo baixo<br />
para os grandes ideais literários. Assim, tornou-se possível o surgimento do romance-folhetim e<br />
este ficou responsável pela sobrevivência do gênero romance.<br />
Uma crítica ferrenha surge: Sainte-Beuve, crítico conservador da época, diz que se<br />
trata de uma “literatura industrial”, primeiro contato da arte com a realidade do mercado cultural.<br />
Assim, o texto perde a áurea do processo artístico como um todo. Tem-se o tom cru do<br />
capitalismo, mas, em contraponto, a ausência da hipocrisia, pois quem trabalhava arduamente, e<br />
conseguia cumprir com o compromisso de publicar semana a semana um pedaço da história,<br />
vendia e tinha seu lugar no jornal, ao contrário, quem não se preocupava com os capítulos<br />
semanais, logo era descartado – eram as fatias seriadas.<br />
Como já dito, Alexandre Dumas lança O capitão Paulo, romance-folhetim francês de<br />
1838 que é traduzido no Brasil no mesmo ano, mostrando que a cultura de massa mantém a<br />
atual e rápida disseminação; o que tem aí sua virtude e perversão, pois não há o tom<br />
hegemônico e homogêneo de cultura. É Dumas quem descobre o essencial da técnica, ele<br />
mergulha o leitor in media res, diálogos vivos, personagens tipificados e senso do corte de<br />
capítulo. Todas essas técnicas são tiradas da linguagem teatral, do teatro burguês, o<br />
melodrama, que necessita da atenção constante do expectador, o que acontece também com<br />
esse leitor. Desta forma, é possível notar o caráter híbrido do romance-folhetim entre o drama e<br />
o narrativo.<br />
Na segunda metade do século XIX, o romance vai olhar o romance-folhetim de modo<br />
desdenhoso para afirmar a sua importância (Luíza, de O primo Basílio e Ema de Madame<br />
Bovary, por exemplo, liam romance-folhetim- o que representa uma crítica interna de Eça e de<br />
Flaubert). Quer-se um romance sério, de investigação, e o rompimento, a separação da cultura<br />
erudita com a massa burguesa. É um momento de autocrítica, feita pelos escritores engajados<br />
em causas socialistas.<br />
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ANAIS <strong>DO</strong> X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DO</strong>S LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
O ponto de vista histórico assumido então é o de atrelar o romance-folhetim no<br />
caminho das lutas operárias do século XIX (ascensão das camadas mais evidente que no século<br />
XVIII). O século XIX assiste a uma organização dos proletários em função dos desejos de<br />
respeito de algumas reivindicações, de poder figurar no cenário social (século do surgimento do<br />
marxismo e do socialismo).<br />
O romance trata seriamente os personagens das classes menos favorecidas, os<br />
lugares menos nobres da cidade, e os incorpora na literatura, que os passa a considerar como<br />
temas literários, o que é fundamental para a formação do romance e o difere da tradição anterior;<br />
o que caracteriza o romance moderno é o seu ambiente, já que ele se passa na cidade.<br />
O folhetim não complica formalmente a estrutura da sua lógica, temos uma moldura,<br />
uma espécie de enquadramento com introdução (antes do início da história) e desfecho (após o<br />
fim da história) que cerca o romance de história ou historicidade. As datas precisas presentes na<br />
introdução são a tentativa de ancoragem da história que será contada. O romance histórico<br />
romântico existe, mas é motivo para as peripécias do herói. A preocupação de ligar a história<br />
com o contexto histórico não era prevalecente, embora que idealisticamente a história fosse mais<br />
importante para o romantismo.<br />
Quanto ao Naturalismo, surgiu na França e foi difundido por Émile Zola em numerosos<br />
textos, articles de combat, des manifestes, publicados entre 1866 e 1880. Já no prefácio de<br />
Thérese Raquin, de 1867, o escritor manifestava sua fundamentação teórica; mas foi em 1880,<br />
com a publicação de Le Roman Experimental, que ele demonstrou sua tese e seus métodos.<br />
Nessa obra, Zola definia as características dos escritores naturalistas que partem à la<br />
recherche d'une vérité. Eles observam, experimentam e<br />
toute leur besogne naît du doute où ils se placent en face des vérités mal connues, des phénomènes<br />
inexpliqués, jusqu’à ce qu’une idée expérimentale éveille brusquement un jour leur génie et les<br />
pousse à instituer une expérience, pour analyser les faits et s’en rendre les maîtres (ZOLA, 1971, p.<br />
12);<br />
Entusiasmado com o determinismo, que domine tout, o escritor combate a postura dos<br />
idealistas e românticos e afirma que a investigação é um dever.<br />
Zola não estava sozinho em suas experimentações: nos últimos anos do decênio de<br />
1870, havia se formado um grupo de seguidores do naturalismo, dentre os quais se destacavam<br />
Guy de Maupassant e J. K. Huysmans, que se reunia em sua casa em Médan, e se tornou<br />
conhecido como Le Groupe de Médan. O grupo publicou, como resultado das discussões<br />
realizadas nesses encontros, a coleção Les Soirées de Médan. O movimento naturalista<br />
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ANAIS <strong>DO</strong> X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DO</strong>S LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
influenciou personalidades como Alphonse Daudet, Octave Mirbeau e Henry Becque, que fez<br />
uso de seus princípios no teatro.<br />
Na França, do mesmo modo que o naturalismo se desenvolveu, desapareceu<br />
rapidamente: Huysmans foi o primeiro a se desviar para outra tendência, antes mesmo do<br />
Manifeste des Cinq em 1887, em que cinco discípulos de Zola assinam um manifesto contra os<br />
excessos cometidos por seu mestre em La Terre.<br />
Em 1891, os intelectuais franceses já consideravam o naturalismo extinto. O autor de<br />
Les Rougon-Macquart, entretanto, sobreviveria ao movimento que ajudara a criar e a difundir,<br />
tornando-se um dos maiores escritores da literatura francesa.<br />
O naturalismo pretendia ser uma reação à escola romântica que privilegiava a<br />
imaginação em detrimento da observação, e a sensibilidade idealista em prejuízo da razão. Zola<br />
propõe que façam parte da literatura “d’abord et surtout les méthodes des sciences de la nature,<br />
ensuite les données nouvelles apportées par ces sciences” (THIEGUEM, 1957, p. 229).<br />
Recusando a ideia de escola naturalista e o título de chefe dessa escola, o escritor francês<br />
afirma tratar-se do fruto de uma evolução normal, resultado da importância incontestável que a<br />
ciência possuía no século XIX. Zola buscou aplicar na literatura os mesmos métodos científicos<br />
desenvolvidos por Lucas, Darwin e Claude Bernard, ou seja, da observação e da<br />
experimentação. A base do naturalismo literário seria, então, considerar que o mundo humano<br />
era submetido ao mesmo determinismo que o resto da natureza.<br />
viveu:<br />
Zola via o escritor como um analista do homem, comparando-o a um cientista:<br />
La science entre donc dans notre domaine, à nous, romanciers, qui sommes à cette heure des<br />
analystes de l’homme, dans son action individuelle et sociale. Nous continuons par nos observations<br />
et nos expériences, la besogne du physiologiste, qui a continué celle du physicien et du chimiste [...]<br />
En un mot, nous devons opérer sur les caractères, sur les passions, sur les faits humains et sociaux<br />
comme le chimiste ou le physicien opèrent sur les corps bruts, comme le physiologiste opère sur les<br />
corps vivants. (ZOLA, 1971, p. 16)<br />
Afrânio Coutinho justifica esse ponto de vista, como sendo fruto da época em que Zola<br />
Esse foi, pois, o zeitgeist, o espírito da época, a concepção geral da vida que a dominou e lhe deu<br />
fisionomia espiritual típica: culto da ciência e do progresso, evolucionismo, liberalismo, iluminismo,<br />
determinismo, positivismo, contra-espiritualismo, naturalismo. Esse é o complexo espiritual que<br />
caracterizou a “geração do materialismo” ( COUTINHO, 1997, p.8).<br />
Mas, segundo Thieguem (1957, p. 231), Zola cometeu um erro primordial ao crer que<br />
as conquistas da ciência deviam ser vistas como definitivas e irrefutáveis. O crítico relata a<br />
surpresa do criador de Vautrin ao saber que o conhecimento das leis de hereditariedade (base<br />
científica dos Rougon-Macquart) era incerto e precisava ser revisto. De toda forma, Zola não<br />
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ANAIS <strong>DO</strong> X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DO</strong>S LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
excluiu de sua teoria a individualidade, marca mais preciosa da obra de arte que leva a um<br />
caráter original, a uma interpretação pessoal do mundo, a uma expressão única das emoções.<br />
Os intelectuais brasileiros não poderiam ficar indiferentes à discussão estabelecida na<br />
França a respeito do Naturalismo. Entretanto, segundo João Roberto Faria em seu artigo “A<br />
Recepção de Zola e do Naturalismo nos Palcos Brasileiros”,<br />
Foi por meio de Eça de Queirós, não de Émile Zola, que os brasileiros entraram em contato com o<br />
naturalismo. É claro que numa pequena roda de intelectuais o escritor francês já era conhecido entre<br />
nós. Mas foi a publicação de O primo Basílio, em 1878, que desencadeou a primeira discussão<br />
importante em nossa imprensa sobre o novo movimento literário. Como se sabe, até mesmo<br />
Machado de Assis envolveu-se na contenda, escrevendo dois artigos nos quais desferiu críticas<br />
contundentes ao romance e à filiação naturalista de seu autor. Nos meses de abril, maio e junho de<br />
1878, O primo Basílio foi um dos assuntos prediletos da imprensa do Rio de Janeiro. 1<br />
Três anos depois, surge no Brasil, o romance O Mulato, de Aluísio Azevedo, que<br />
causou imenso alvoroço por sua temática anti-clerical e abolicionista com fortes críticas à<br />
sociedade da época.<br />
Ainda que tenha chegado ao Brasil por intermédio de Portugal, o movimento brasileiro<br />
foi intensamente marcado pelo naturalismo francês, principalmente por Émile Zola. Segundo<br />
Veríssimo (1977, p.208), essa influência “foi excessiva, dominadora e exclusiva”, apesar de ter<br />
chegado aqui apenas catorze anos após o início da escola na França, onde já se arrastava para<br />
o fim. Ela seguia, basicamente, a mesma linha francesa, segundo a qual o romancista deve ser<br />
um experimentador e o homem é apenas um ser determinado pelas condições do meio, da raça<br />
e do momento, ligado a um destino inescapável.<br />
Para Lúcia Miguel Pereira (1988, p. 136), o naturalismo no Brasil foi “imposto pela<br />
moda”, pois foi “mal assimilado” por nossos escritores e “permaneceu estranho às exigências<br />
mais profundas do meio e às reações da sensibilidade. Assumiu um caráter de imposição, de<br />
disciplina formal.” A pesquisadora explica desse modo o fenômeno:<br />
O artista, por mais que se esforce, não se pode conduzir como um homem de ciência. O<br />
seu domínio é mais a sensibilidade do que o raciocínio. Mas a moda impunha o exame da<br />
criatura humana como se fosse um animal de laboratório (PEREIRA, 1988, p.128).<br />
Apesar da imposição e do estranhamento, vários escritores brasileiros tornaram-se<br />
adeptos do Naturalismo e produziram obras que seguiam as teorias de Zola. Josué Montello<br />
(1997, p. 74) destaca os problemas que mais de perto os interessaram: “a luta contra a Igreja, a<br />
reação ao preconceito de cor e a questão sexual” e ainda a “exploração do homem pelo<br />
homem”.<br />
1 Disponível em http://www.iea.usp.br/iea/textos/index.html, consultado em 14/02/2010.<br />
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ANAIS <strong>DO</strong> X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DO</strong>S LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Tal gênero de romance foi cultivado por figuras representativas como Inglês de Sousa,<br />
que escreveu O missionário (1888), Júlio Ribeiro, autor do escandaloso A Carne (1888), Adolfo<br />
Caminha, criador de A Normalista (1892), e ainda o caso singular de Raul de Pompéia com O<br />
Ateneu, que denota características tanto realistas, como naturalistas. Entretanto, Aluísio<br />
Azevedo permanece como o chefe do movimento, pela qualidade inquestionável de suas obras<br />
naturalistas, como afirma Afrânio Coutinho em História da Literatura Brasileira (1955, p.57): “A<br />
principal figura do romance naturalista brasileiro é incontestavelmente, pelo valor e pela<br />
extensão de sua obra, Aluísio Azevedo”.<br />
Não obstante ter seguido os conceitos do Naturalismo, Azevedo criou uma obra<br />
original, porque pretendeu “reproduzir e interpretar a realidade que o cercava, e sob este aspecto<br />
elaborou um texto primeiro” (CANDI<strong>DO</strong>, 1993, p. 125). Em outras palavras, as ideias francesas<br />
foram seguidas pelo autor de O Cortiço, mas a elas o escritor acrescentou sua marca pessoal,<br />
sua visão da sociedade brasileira, representando seu país e seus problemas.<br />
Com a publicação de O Mulato, em 1881, Aluísio Azevedo conquistou a atenção “dos<br />
letrados e do público” (PEREIRA, 1988, p. 142) e impôs-se graças ao êxito do livro.<br />
no jornal Colombo.<br />
Um ano depois, Lúcio de Mendonça começa a publicar o folhetim O marido da adúltera<br />
Lúcio Eugênio de Menezes e Vasconcelos Drummond Furtado de Mendonça nasceu<br />
em 1854 no Rio de Janeiro. O homem de origem simples, que ficou órfão de pai aos cinco anos,<br />
era autodidata: “se ouvia ler um pequeno trecho de carta, ou de jornal, retinha-o na memória e<br />
depois ia casando os sons com os caracteres gráficos. Foi assim que aprendeu a ler e a<br />
escrever sozinho” (PADILHA e PENAFIEL, 2004, p.7). O esforço não foi inútil: Lúcio de<br />
Mendonça tornou-se um dos mais importantes jornalistas republicanos do século XIX.<br />
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