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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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João Roberto Maia<br />

vai sendo pontuada, aludida (a crise <strong>de</strong> 29, a II Guerra Mundial, os tempos <strong>de</strong><br />

Getúlio Vargas e os governos militares a partir <strong>de</strong> 64), ao mesmo tempo em<br />

que se tonificam os liames sutis entre aqueles <strong>de</strong>stinos individuais e o curso da<br />

História, perspectivada, assim, do ângulo dos anônimos. A sutileza crítica do<br />

livro <strong>de</strong>ve-se, entre outras coisas, ao “tom protocolar” que favorece o distanciamento<br />

do narrador, sobre o qual falou o próprio autor, lembrando que a atitu<strong>de</strong><br />

distanciada constitui um traço da escrita literária mo<strong>de</strong>rna, e no seu caso a<br />

referência mais específica daquele tom é Franz Kafka – como se sabe, Carone é<br />

tradutor e gran<strong>de</strong> estudioso da obra kafkiana. Isso faz com que o livro não <strong>de</strong>rrape<br />

no sentimentalismo ou na con<strong>de</strong>scendência, não chancele a postura piedosa<br />

ou a posição <strong>de</strong> quem olha <strong>de</strong> cima, <strong>de</strong>sativando portanto o travo <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong><br />

classista 5 . Sem atenuações e preconceitos <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m, Resumo <strong>de</strong><br />

Ana expõe trajetórias marcadas pela <strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal, familiar,<br />

econômica, <strong>de</strong> classe, constituindo um exemplo forte <strong>de</strong> como a literatura<br />

po<strong>de</strong> situar, com alto rendimento estético e crítico, a experiência contemporânea<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>composição, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação, que se aviva nas condições da periferia<br />

do capitalismo.<br />

Por fim, um romance <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e justa repercussão, Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus (1997),<br />

<strong>de</strong> Paulo Lins. Trata-se <strong>de</strong> um livro que forma conjunto, não obstante suas diferenças,<br />

com outros livros que, pela imbricação do testemunhal e do ficcional,<br />

põem o foco na imensa parcela da população cuja existência foi sendo, cada<br />

vez mais, marginalizada, apartada, literalmente encarcerada em razão dos rumos<br />

tortuosos da mo<strong>de</strong>rnização do país, tais como Capão Redondo, <strong>de</strong> Ferréz, representante<br />

<strong>de</strong>stacado da chamada “literatura marginal”, e as narrativas do<br />

cárcere, escritas por <strong>de</strong>tentos e ex-<strong>de</strong>tentos. O romance <strong>de</strong> Lins, escritor nascido<br />

na Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, expõe o processo <strong>de</strong> transformação da favela, on<strong>de</strong> a<br />

prática <strong>de</strong> pequenos crimes evolui para o morticínio cotidiano, em escala ampla,<br />

vinculado ao tráfico <strong>de</strong> drogas. A crítica já anotou que uma das principais<br />

5<br />

Ver entrevista concedida por Mo<strong>de</strong>sto Carone à revista Rodapé: crítica <strong>de</strong> literatura brasileira contemporânea<br />

1, pp. 185-206, 2001.<br />

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