fontes e bibliografia - Arca - Fiocruz
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A referência dos memorialistas a estas manifestações é sempre pejorativa: em<br />
geral, são elas descritas como a expressão da ignorância vigente na sociedade,<br />
incluindo as classes altas. Vale reproduzir um destes textos que expressa tal posição<br />
e retrata a reação que se criou contra Oswaldo Cruz:<br />
Das diferentes armas, contudo, arremessadas contra o responsável-mor pela infrene<br />
matança dos mosquitos, uma havia que era a preferida. Era o ridículo, o ridículo em<br />
todas as suas modalidades: ora o epigrama acerbo ora o mordaz remoque; a chacota<br />
insulsa, ou a chufa de recoveiro; a maliciosa caricatura; a ironia sutil, tendenciosa; e<br />
até o convencido, grosserias, e a própria calúnia infanda. Tudo servia. Poetas e poetaços<br />
prestavam ótimo serviço à causa. Versos picantes não rarearam nas colunas humorísticas<br />
dos periódicos. (...)Tudo servia. A música, assim como a caricatura, cumpriu<br />
cabalmente o seu dever; e o gênero "modinha" ganhou mais de uma composição, que<br />
fazia as delícias até dos cordões carnavalescos. (...) De modo que a oposição não lhe<br />
dava tréguas nem quartel. Qualquer medicastro embelecado com ciência de fancaria,<br />
qualquer ignaro labrego, um parvajola qualquer se arrogava direitos de críticos, e<br />
assumia atitudes catedráticas, e compenetrava-se de que era homem para desfazer na<br />
reputação alheia ou idôneo para derrocar noções, fatos científicos, que nem por sombras<br />
lhe passavam no alcance do peco bestunto (Dias, 1972:115).<br />
O texto de Ezequiel Dias descreve bem a proporção que assumiu a reação<br />
provocada pelas idéias e a ação de Oswaldo Cruz entre a população carioca. Sem<br />
dúvida, as <strong>fontes</strong> a que Ezequiel Dias faz referência constituem material privilegiado<br />
para a compreensão do espírito que animava a crítica da época. Verificamos,<br />
contudo, que a hagiografia oswaldiana produziu um interessante fenômeno. Perce¬<br />
be-se que as qualidades atribuídas a Oswaldo Cruz - exaustivamente arroladas -, se<br />
lidas às avessas, constituem a antítese da imagem que foi difundida na época por<br />
parte de seus críticos. Como no processo fotográfico, os memorialistas revelaram o<br />
retrato de Oswaldo Cruz a partir de uma imagem negativa. Assim, criaram um<br />
paradoxo: ao mesmo tempo em que procuram fixar imagens idealizadas, pode-se<br />
compreendê-las como o oposto do que se dizia a seu respeito.<br />
Através desta leitura ao contrário, é possível compreender e conferir um<br />
sentido às qualidades que foram atribuídas ao saneador do Rio de Janeiro, principalmente,<br />
no que se referia à sua atitude ante a campanha oposicionista que intentava<br />
desmoralizá-lo. Exaltam-se a impassibilidade e a firmeza com que enfrentou a<br />
radicalização e a violência crescente que assumiram os ataques contra ele, não<br />
recuando em momento algum das medidas que adotara e demonstrando com isso<br />
uma convicção inabalável na teoria de Finlay, e, sobretudo, na ciência.<br />
Enquanto a oposição o chamava de prepotente e qualificava de autoritário o<br />
código sanitário - apelidado de Código de Torturas -, os defensores de Oswaldo<br />
Cruz o retratam como um homem resoluto que agia com serenidade e calma. Como<br />
a oposição o acusava de estar realizando uma experiência científica tendo a população<br />
como cobaia, os partidários de Oswaldo Cruz afirmavam que suas ações eram<br />
"refletidas, não era afoito, e, tampouco, leviano".