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Folha de rosto - Arca - Fiocruz

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Fundação Oswaldo Cruz<br />

Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira<br />

Pós Graduação em Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher<br />

Re<strong>de</strong>s Sociais <strong>de</strong> Suporte aos Pais dos Bebês<br />

Internados na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Terapia<br />

Intensiva Neonatal<br />

Maria Christina <strong>de</strong> Almeida Braga<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Novembro <strong>de</strong> 2006


Fundação Oswaldo Cruz<br />

Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira<br />

Pós Graduação em Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher<br />

Re<strong>de</strong>s Sociais <strong>de</strong> Suporte aos Pais dos Bebês<br />

Internados na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Terapia<br />

Intensiva Neonatal<br />

Maria Christina <strong>de</strong> Almeida Braga<br />

Dissertação apresentada à Pós Graduação em<br />

Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher, como parte dos<br />

requisitos para obtenção do título <strong>de</strong> Mestre em<br />

Ciências.<br />

Orientadora: Dra. Suely Ferreira Deslan<strong>de</strong>s<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Novembro <strong>de</strong> 2006


III<br />

Para Maria e Miguel, por todas e por tudo...


Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

Este trabalho só se tornou possível graças ao auxílio mais do que precioso<br />

que recebi dos meus parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s.<br />

Em primeiro lugar, quero agra<strong>de</strong>cer às companheiras <strong>de</strong> batalhas na área <strong>de</strong><br />

neonatologia. Suas palavras <strong>de</strong> incentivo e seu carinho foram fundamentais para<br />

que eu não <strong>de</strong>sistisse quando <strong>de</strong>parei-me com um problema sério <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, bem<br />

no ano em que ingressei no mestrado. A solidarieda<strong>de</strong> da Bebeth, da Carmem, da<br />

Denise, da Maria, da Marta, da Nicole, da Olga e da Suzane reforçou meu<br />

compromisso para com a produção <strong>de</strong>ste estudo.<br />

Tampouco posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar e agra<strong>de</strong>cer a maneira amistosa com<br />

que fui recebida no hospital em que fiz a pesquisa para esta dissertação. A<br />

paciência do Arnaldo, da Ceci, da Maria Helena, da Odila, da Valéria e da Virgínia<br />

foi <strong>de</strong>cisiva. Assim como a dos pais entrevistados os quais - em meio ao seu<br />

sofrimento - ainda encontravam disposição para respon<strong>de</strong>r às minhas dúvidas<br />

sobre questões que lhe eram, por vezes, incômodas.<br />

Em todas as ocasiões em que procurei os funcionários e os professores do<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Saú<strong>de</strong> da Criança e da Mulher encontrei portas<br />

e braços abertos, como os da Maria Alice, da Maria Auxiliadora e da Maria Helena.<br />

Graças aos seus préstimos pu<strong>de</strong> valer-me também da bolsa inicialmente<br />

concedida pela <strong>Fiocruz</strong>, posteriormente substituída pela da Capes.<br />

Nesta trajetória também contei com o indispensável apoio da minha família.<br />

Além dos meus filhos, meus pais e minhas irmãs sempre tentaram compreen<strong>de</strong>r e<br />

acolher minhas <strong>de</strong>mandas e necessida<strong>de</strong>s, que nunca foram poucas.<br />

IV


Também consi<strong>de</strong>ro-me uma privilegiada por dispor <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> amigos<br />

extensa e intensa. Mais <strong>de</strong> uma vez <strong>de</strong>spejei minhas angústias e hesitações nos<br />

ouvidos sempre solícitos e atentos da Andréia, do Bruno, da Ingrid, da Mariana, da<br />

Marina, do Miguel e da Renée, <strong>de</strong>ntre outros que tanto me ajudaram nesta<br />

caminhada.<br />

De valor inestimável foram os cuidados recebidos <strong>de</strong> duas amigas e<br />

profissionais da maior competência: Margareth Dalcolmo e Regina Brandão, com<br />

quem certamente tenho uma dívida sem fim.<br />

O mesmo posso dizer <strong>de</strong> Elisabeth Ribeiro que tanto me apoiou quando<br />

comecei a enveredar pelo campo acadêmico e que, sobretudo, me apresentou a<br />

uma pessoa absolutamente especial que é a minha parceira Denise Morsch. Não<br />

guardo a menor dúvida <strong>de</strong> que tenho muita sorte por conviver e trabalhar com<br />

quem enten<strong>de</strong> como poucos <strong>de</strong> psicologia neonatal, sem, contudo, em nenhum<br />

momento <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado sua modéstia e generosida<strong>de</strong> ímpar. Portanto, minha<br />

gratidão para com Denise também é infinita e espero, sinceramente, sempre ter a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar e incrementar nossos canais <strong>de</strong> trocas.<br />

Por fim, quero agra<strong>de</strong>cer à minha querida orientadora Suely Deslan<strong>de</strong>s. Nossa<br />

convivência ao longo <strong>de</strong>stes anos <strong>de</strong> mestrado confirmou minha suposição inicial<br />

<strong>de</strong> que eu dispunha <strong>de</strong> uma orientadora que é um “sonho <strong>de</strong> consumo”. De fato, o<br />

conteúdo e a forma <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> suas contribuições e críticas - sempre<br />

precisas, elegantes e enriquecedoras - não só reiteraram como, mais ainda,<br />

superaram qualquer expectativa. Sinto-me agraciada por ter sido orientada por<br />

uma profissional que tanto admiro e por ter compartilhado <strong>de</strong> vários momentos<br />

V


com uma pessoa <strong>de</strong> tamanho valor. Daí meu agra<strong>de</strong>cimento para sempre e minha<br />

esperança <strong>de</strong> que nossa parceria se perpetue.<br />

VI


Resumo<br />

O objetivo <strong>de</strong>sta pesquisa foi o <strong>de</strong> estudar as ações <strong>de</strong> suporte em torno da<br />

hospitalização neonatal realizadas pelas re<strong>de</strong>s sociais que são significativas para<br />

os pais dos bebês, examinando sua composição, <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e funções.<br />

Para tanto, foi realizada - numa maternida<strong>de</strong> municipal - uma investigação <strong>de</strong><br />

natureza qualitativa através <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas cujos sujeitos eram<br />

os pais <strong>de</strong> bebês internados na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento intensivo neonatal (UTIN) e<br />

os médicos neonatologistas, enfermeiros, técnicos <strong>de</strong> enfermagem, assistente<br />

social, psiquiatra e psicólogas. Foram entrevistados quatorze pais e nove<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Os resultados obtidos <strong>de</strong>monstram que, tanto as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte<br />

preexistentes quanto aquelas que se formam por causa da internação do recém<br />

nascido, exercem <strong>de</strong> diversas maneiras suas ativida<strong>de</strong>s solidárias para com os<br />

pais. Os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> lidam <strong>de</strong> maneira diferenciada com estas re<strong>de</strong>s,<br />

sendo que as compostas <strong>de</strong>ntro do espaço hospitalar encontram mais dificulda<strong>de</strong>s<br />

para exercer suas práticas. Neste sentido, o presente estudo sugere a<br />

implantação <strong>de</strong> algumas medidas <strong>de</strong> modo a favorecer a adoção <strong>de</strong> uma<br />

perspectiva <strong>de</strong> re<strong>de</strong> por parte dos profissionais <strong>de</strong> modo a minimizar os entraves<br />

criados e multiplicar as parcerias com estas matrizes <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong> fundamental<br />

importância para todos os que circulam por uma ambiente tão estressante como o<br />

<strong>de</strong> uma UTIN.<br />

Palavras-chaves: re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte e UTI neonatal.<br />

VII


Abstract<br />

VIII<br />

The aim of this research was to study the supportive actions taken by the social<br />

networks during newborn hospitalization that are significant for the parents,<br />

analyzing their structure, <strong>de</strong>nsity and functions.<br />

Therefore a quality oriented analysis took place in a municipal maternity<br />

hospital, where semi-structured interviews were conducted with the parents of the<br />

infants in the Newborn Intensive Care Unit – NICU, and inclu<strong>de</strong>d the doctors,<br />

nurses, nursing technicians, social services assistant, psychiatrist and<br />

psychologists. Fourteen parents and nine health professionals were interviewed.<br />

The results obtained showed that the existent support networks already in<br />

place, as well as those that are <strong>de</strong>veloped due to the hospitalization of the<br />

newborn, bring different types of support activities for the parents. The health<br />

professionals <strong>de</strong>al differently with these networks; those that are created within the<br />

hospital space have more difficulties to put their methods in practice. Bearing this<br />

in mind, the present study suggests the implementation of certain measures that<br />

would favor the adoption of a future network perspective by the professionals, in<br />

or<strong>de</strong>r to diminish the existent barriers and multiply the partnerships with these<br />

support matrixes that are of essential importance for the staff at an environment as<br />

stressful as that of a NICU.<br />

Key-words: Social support networks and Newborn Intensive Care Unit


Capítulo 1 - Introdução<br />

Índice<br />

1- Apresentação 11<br />

1.2.-Objetivos 11<br />

1.3.-Justificativa 15<br />

Capítulo 2 - Marcos teóricos - conceituais<br />

2.1.- O conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong> social 11<br />

2.2.- Re<strong>de</strong> social <strong>de</strong> suporte 23<br />

Capítulo 3 - Metodologia<br />

3.1.- Representação social: categorias metodológicas. 29<br />

3.2.- Desenho do estudo 32<br />

3.3.- Perspectiva <strong>de</strong> análise 37<br />

3.4.- Consi<strong>de</strong>rações éticas 40<br />

Capítulo 4 - As re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte aos pais dos recém nascidos em<br />

UTIN<br />

4.1- Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte existentes antes da internação do recém nascido 41<br />

4.1.1- Expectativas e sentidos atribuídos pelos pais ao suporte recebido 42<br />

4.1.2 - Re<strong>de</strong>s das relações locais 49<br />

4.1.2.1. - Re<strong>de</strong>s das relações <strong>de</strong> vizinhança 50<br />

4.1.2.2.- Re<strong>de</strong>s das relações <strong>de</strong> parentesco 54<br />

4.1.3.- Re<strong>de</strong>s das relações <strong>de</strong> trabalho 59<br />

IX


4.1.4 - Ações das re<strong>de</strong>s preexistentes <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês 61<br />

4.1.4.1. - Eixo emocional 61<br />

4.1.4.2. - Eixo informativo 67<br />

4.1.4.3.- Eixo material 70<br />

4.2 -Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte que se formam a partir da internação do bebê na UTIN<br />

4.2.1. - As re<strong>de</strong>s sociais compostas pelos pais dos bebês internados 74<br />

4.2.2. - Como atuam as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pais formadas a partir da internação 78<br />

Capítulo 5 - Os profissionais da UTIN e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais dos<br />

bebês<br />

5.1.- Relações entre os profissionais e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais 87<br />

5.2.- As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês compostas por profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> 103<br />

Capítulo 6: Consi<strong>de</strong>rações finais 114<br />

Referências bibliográficas 118<br />

Anexos 127<br />

X<br />

73


1. Apresentação<br />

Capítulo 1 - Introdução<br />

O ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>ste estudo foi a constatação <strong>de</strong> que a hospitalização<br />

<strong>de</strong> um recém nascido numa UTIN (unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento intensivo neonatal)<br />

acarreta, inevitavelmente, uma situação <strong>de</strong> muito sofrimento. Para fazer frente<br />

às vicissitu<strong>de</strong>s ocasionadas pela internação <strong>de</strong> um filho no início da vida, os<br />

pais do recém nascido necessitam recorrer a todo apoio possível, o qual,<br />

muitas vezes, po<strong>de</strong> estar disponível sob a forma <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte.<br />

Estas re<strong>de</strong>s constituem fontes alternativas <strong>de</strong> ajuda aos pais dos bebês e suas<br />

fronteiras po<strong>de</strong>m ultrapassar as <strong>de</strong> um grupo permanente na medida em que<br />

são configuradas a partir <strong>de</strong> conexões ocasionalmente passageiras e informais.<br />

A perspectiva <strong>de</strong> re<strong>de</strong> é bastante utilizada no campo <strong>de</strong> estudos sobre a<br />

saú<strong>de</strong>, especialmente a que diz respeito às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Diversos<br />

trabalhos abordam esta temática (Agadjanian, 2002; Andra<strong>de</strong> e Vaitsman,<br />

2002; Bronfman, 2000; Chor et al., 2001; Faber e Wasserman, 2002; Haines et<br />

al., 2002; McLaughlin et al., 2002; Pescosolido e Levy, 2002; Robles et al,<br />

2000; Sluzki, 1997; Silva e Coutinho, 2005), indicando a importância da<br />

existência <strong>de</strong>stas composições para a prevenção, preservação e recuperação<br />

do bem estar e da saú<strong>de</strong>. As ações <strong>de</strong> apoio levadas a cabo pelos membros<br />

<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> re<strong>de</strong> concretizam-se através <strong>de</strong> múltiplas formas <strong>de</strong> ajuda em<br />

diferentes aspectos tanto da sua vida cotidiana quanto em momentos<br />

excepcionais ou <strong>de</strong> emergência.<br />

A internação <strong>de</strong> um bebê numa UTIN mobiliza, em potencial, muitas<br />

<strong>de</strong>stas formações. O foco <strong>de</strong>ste trabalho voltou-se para as ações <strong>de</strong> suporte<br />

11


aos pais dos recém nascidos empreendidas por seus parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s que já<br />

existiam tanto antes da hospitalização do recém nascido quanto as das re<strong>de</strong>s<br />

que são formadas por conta da internação perinatal. Ao longo <strong>de</strong>sta trajetória,<br />

foram encontrados eventuais entraves para o exercício <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

apoio aos pais. A composição e, por conseguinte, a importância das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

suporte nem sempre são i<strong>de</strong>ntificadas e aceitas da mesma maneira pelos<br />

diferentes participantes do ambiente intensivista. Entretanto, há um consenso<br />

entre todos acerca das dificulda<strong>de</strong>s que envolvem esta situação para as<br />

famílias dos bebês.<br />

Os laços afetivos iniciais - consi<strong>de</strong>rados como “protótipo <strong>de</strong> todas as<br />

relações sociais futuras” (Brasil, 2002: 35) - entre pais e filhos correm o risco <strong>de</strong><br />

não serem a<strong>de</strong>quadamente fortalecidos. Há uma ameaça à construção <strong>de</strong><br />

vínculos entre o bebê e sua família, prejudicando o <strong>de</strong>vir <strong>de</strong> um recém nascido<br />

já que a construção da sua subjetivida<strong>de</strong> é, em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong>terminada pela<br />

sua interação com as pessoas que o ro<strong>de</strong>iam. Para contornar tais dificulda<strong>de</strong>s<br />

e pavimentar caminhos que levem ao <strong>de</strong>senvolvimento do apego com seu filho,<br />

muitos pais sentem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar com suas fontes habituais <strong>de</strong><br />

amparo que são as re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte. Mesmo porque estas têm como<br />

característica comum a expectativa <strong>de</strong> um auxílio mútuo entre seus membros.<br />

O apoio po<strong>de</strong> se dar tanto no plano objetivo quanto subjetivo como, por<br />

exemplo, ter alguém para cuidar dos irmãos mais velhos do bebê enquanto os<br />

pais permanecem no hospital e/ou oferecer suporte emocional.<br />

Para os profissionais <strong>de</strong> UTIN estas tramas – as quais po<strong>de</strong>m assumir<br />

diversas faces como, <strong>de</strong>ntre outras, a <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s compostas por vizinhos ou por<br />

colegas <strong>de</strong> trabalho - oferecem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alianças estratégicas <strong>de</strong><br />

12


modo a minimizar o <strong>de</strong>sgaste <strong>de</strong> todos num ambiente pleno <strong>de</strong> tensões e<br />

conflitos. Para tanto, torna-se necessário que estes cuidadores <strong>de</strong>senvolvam<br />

um olhar, uma escuta e uma observação que os capacitará a perceber os<br />

meandros <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s.<br />

Contudo, diversas instituições hospitalares – e, conseqüentemente, seus<br />

representantes - estabelecem uma equivocada correspondência entre estas<br />

matrizes <strong>de</strong> apoio e as famílias consangüíneas dos pacientes. As fronteiras<br />

das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte não estão dadas por traços biológicos ou composições<br />

conjugais. São estabelecidas a partir <strong>de</strong> escolhas pessoais e, por vezes,<br />

po<strong>de</strong>m ser similares às do grupo familiar. Mas freqüentemente têm uma<br />

amplitu<strong>de</strong> maior, sendo que a importância <strong>de</strong>stas teias é tão acentuada que<br />

seus membros tratam-se e <strong>de</strong>nominam-se entre si como parentes <strong>de</strong> fato.<br />

Importa mais a prática leal e solidária dos indivíduos do que as pessoas em si,<br />

apontando para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um questionamento a respeito da<br />

plasticida<strong>de</strong> da composição das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio. Tampouco, são contempladas<br />

com uma ótica <strong>de</strong> re<strong>de</strong> - por parte dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - as que se<br />

formam no âmbito do hospital.<br />

Assim sendo, os profissionais dos serviços <strong>de</strong> neonatologia não logram<br />

estabelecer rotinas na instituição que favoreçam a participação das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

suporte. Exemplos <strong>de</strong>stas práticas restritivas às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos pais<br />

são os horários durante os quais são autorizadas as visitas <strong>de</strong> parentes. Na<br />

maioria dos estabelecimentos hospitalares o acesso <strong>de</strong> visitantes é permitido<br />

apenas em período diurno, ou seja, quando gran<strong>de</strong> parte da população ainda<br />

está nos locais <strong>de</strong> trabalho. Logo, um estudo sobre as relações entre re<strong>de</strong>s<br />

sociais <strong>de</strong> apoio e os agentes da assistência hospitalar remete a uma<br />

13


discussão em torno da negociação da or<strong>de</strong>m num tipo <strong>de</strong> instituição<br />

caracterizada pela assimetria <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre as instâncias <strong>de</strong>cisórias<br />

responsáveis pela rotina e pelos procedimentos a serem adotados por seus<br />

profissionais face às <strong>de</strong>mandas do público.<br />

Portanto, o objeto <strong>de</strong>sta dissertação <strong>de</strong> mestrado foi a análise das<br />

práticas <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong>sempenhadas pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos pais dos bebês<br />

por ocasião da internação neonatal. Foram apontadas as re<strong>de</strong>s que são<br />

significativas para a dupla <strong>de</strong> genitores do recém nascido e as estratégias<br />

encontradas para enfrentar esta situação crítica, compreen<strong>de</strong>ndo que o<br />

exercício <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s não está territorialmente <strong>de</strong>finido, ou seja, estas<br />

ativida<strong>de</strong>s não se encontram <strong>de</strong>limitadas pelo espaço físico do hospital. E este<br />

estudo não se restringiu às re<strong>de</strong>s pré-existentes ao período <strong>de</strong> hospitalização.<br />

Também foram abordadas as teias <strong>de</strong> suporte aos pais que eventualmente se<br />

formam durante a internação neonatal.<br />

Por sua vez, examinou-se a legitimida<strong>de</strong> das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte também para<br />

os profissionais que trabalham no ambiente intensivista e, concomitantemente,<br />

as maneiras encontradas por eles para lidar com as tramas que são acionadas<br />

pelos pais para fazer frente aos problemas inerentes à hospitalização no início<br />

da vida <strong>de</strong> seu filho. Verificou-se também se, eventualmente, estes<br />

profissionais <strong>de</strong>senvolvem ações em re<strong>de</strong> para ajudar aos pais. Na medida em<br />

que o foco <strong>de</strong>ste estudo foram as ações espontâneas <strong>de</strong> suporte que são<br />

ativadas por causa da internação neonatal, optou-se por não abordar as re<strong>de</strong>s<br />

sociais institucionalizadas <strong>de</strong> apoio. Foram analisados os critérios institucionais<br />

que facilitam, por um lado, o exercício <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> suporte por parte dos<br />

14


membros <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>stas matrizes <strong>de</strong> apoio e, por outro, aqueles que<br />

eventualmente dificultam as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio por parte <strong>de</strong> outras re<strong>de</strong>s.<br />

Para tanto a redação <strong>de</strong>sta dissertação foi or<strong>de</strong>nada em cinco capítulos,<br />

além da presente introdução. No capítulo subseqüente são apresentados os<br />

caminhos da pesquisa, ou seja, a metodologia. Em seguida, são expostos os<br />

marcos teóricos que orientaram o trabalho <strong>de</strong> campo. O quarto e o quinto<br />

capítulo expõem os resultados obtidos a partir da contraposição do material<br />

coletado face às referências conceituais e, para terminar, o último traz as<br />

consi<strong>de</strong>rações finais.<br />

1.2. - Objetivos<br />

O objetivo geral <strong>de</strong>sta pesquisa foi o <strong>de</strong> estudar as ações <strong>de</strong> suporte em<br />

torno da hospitalização neonatal realizadas pelas re<strong>de</strong>s sociais que são<br />

significativas para os pais dos bebês.<br />

Os objetivos específicos foram:<br />

- Caracterizar as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais pré-existentes e as formadas<br />

durante a internação neonatal.<br />

- Estudar a composição, <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e relevância das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte para os<br />

pais dos bebês.<br />

15


- Examinar as ações <strong>de</strong> suporte – <strong>de</strong>ntro e fora do hospital - das re<strong>de</strong>s<br />

atuantes durante o período <strong>de</strong> hospitalização do recém nascido.<br />

- Analisar as concepções a respeito <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte do ponto <strong>de</strong> vista<br />

das equipes que trabalham na UTI.<br />

- Investigar a ocorrência ou não <strong>de</strong> tratamentos diferenciados adotados pelos<br />

profissionais face às diversas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos pais.<br />

- Verificar se os profissionais chegam a compor re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte à dupla<br />

parental e, em caso positivo, se conseguem perceber-se como integrantes<br />

<strong>de</strong>stas tramas.<br />

1. 3.- Justificativa<br />

No Brasil, a cada ano, cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento dos bebês nascidos vivos<br />

são internados em UTI neonatal. Em números absolutos trata-se <strong>de</strong> um<br />

universo <strong>de</strong> quinze mil recém nascidos. Diversas são as causas que levam à<br />

internação no início da vida. Porém, comum a todas, há o fato <strong>de</strong>stas<br />

hospitalizações serem experimentadas como um período <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s não<br />

só para o bebê como também para os que acompanham e compartilham seu<br />

sofrimento (Brazelton,1988; Klaus e Kennel, 2000). Os pais costumam sentir-<br />

se incompetentes, dilacerados por uma "ferida narcísica" (Mathelin,1999: 17) já<br />

que não conseguiram aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda generalizada e interiorizada <strong>de</strong><br />

colocar no mundo um filho com saú<strong>de</strong>. Incomodam-se com a sua própria<br />

crença <strong>de</strong> que seu bebê só esteja vivo graças aos méritos dos profissionais da<br />

16


UTIN, sobre os quais são projetadas suas angústias (Cresti e Lapi, 1997). Por<br />

conseguinte, <strong>de</strong>senvolvem uma ambigüida<strong>de</strong> para com estes cuidadores do<br />

“seu” recém nascido, aliada a uma sensação <strong>de</strong> atordoamento diante <strong>de</strong> um<br />

ambiente tão “estranho” e supostamente hostil.<br />

Em meio a esta turbulência dispor <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> referência e apoio é, no<br />

mínimo, auspicioso. Os pais do recém nascido contam e esperam – com<br />

exceção daqueles poucos que não estão inseridos em nenhuma re<strong>de</strong> - pela<br />

ajuda dos seus parceiros para atravessar este período pleno <strong>de</strong> percalços.<br />

Caso contrário, correm o risco <strong>de</strong> não conseguirem estabelecer com seus filhos<br />

o indispensável vínculo, como indicado anteriormente. E os <strong>de</strong>sdobramentos<br />

são nefastos, <strong>de</strong> acordo com diversos relatos (Blau et al. 1963 apud Klaus e<br />

Kennel, 1992; Mathelin, 1999). No entanto, as re<strong>de</strong>s significativas representam<br />

uma alternativa para evitar um <strong>de</strong>sfecho tão prejudicial ao crescimento<br />

psicossocial dos bebês por conta da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas aglutinações <strong>de</strong><br />

amparar os pais e, por extensão, os próprios recém nascidos. Daí a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se conhecer melhor estas ações <strong>de</strong> suporte, em<br />

consonância com o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>sta dissertação. Trata-se, <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong><br />

uma contribuição para que o potencial <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong>stas tramas não seja<br />

<strong>de</strong>sperdiçado. Com isso, há <strong>de</strong> se favorecer a interação entre a tría<strong>de</strong> pai-mãe-<br />

bebê. Ou, em outras palavras, incrementar sua saú<strong>de</strong>. Logo, po<strong>de</strong>-se afirmar<br />

que este trabalho preten<strong>de</strong> ter repercussões positivas para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

das relações primárias entre o bebê e sua família.<br />

Em contrapartida, não serão ajudados por este estudo exclusivamente os<br />

parentes do recém nascido. Ao <strong>de</strong>bruçar-se sobre os potenciais <strong>de</strong> suporte<br />

oferecido pelas tramas <strong>de</strong> apoio aos pais, este trabalho po<strong>de</strong> fornecer<br />

17


subsídios aos profissionais da UTI para planejarem suas ações terapêuticas <strong>de</strong><br />

modo a contar com eventuais parceiros - reunidos em re<strong>de</strong>s - numa luta em<br />

comum pelo bem estar do recém nascido e dos pais.<br />

Além disso, a relevância <strong>de</strong>ste trabalho encontra-se também no seu<br />

propósito <strong>de</strong> investigar em que medida <strong>de</strong>terminadas iniciativas institucionais<br />

contribuem ou não para a eventual implosão das matrizes <strong>de</strong> apoio que já<br />

existiam antes da internação do recém nascido. E, com isso, evitar<br />

<strong>de</strong>sdobramentos para além do período <strong>de</strong> internação.<br />

Ao lado <strong>de</strong>stas questões que dizem respeito ao impacto <strong>de</strong> um olhar mais<br />

apurado sobre as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte que este estudo preten<strong>de</strong> construir para o<br />

aprimoramento do atendimento em neonatologia, há uma motivação pessoal.<br />

Anos <strong>de</strong> prática profissional em UTIN levaram-me a buscar alternativas para<br />

minimizar a dor dos pais dos recém nascidos que lidam com o ambiente<br />

intensivista. Tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> testemunhar o apelo <strong>de</strong> vários pais que<br />

tanto queriam que outras pessoas -além <strong>de</strong> seus parentes consangüíneos - lhe<br />

acalentassem e ajudassem naquele momento. Escutei, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

psicóloga, inúmeros lamentos <strong>de</strong> pais <strong>de</strong> filhos internados que tinham<br />

dificulda<strong>de</strong>s em compreen<strong>de</strong>r porque as normas ditadas pela direção da<br />

maioria das instituições impediam que uma amiga substituísse, por exemplo,<br />

uma mãe (avó do bebê) que por diversos motivos não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> modo algum<br />

acompanhar e ajudar seus filhos – pais <strong>de</strong> recém nascidos – naquelas<br />

circunstâncias. E, aos poucos, fui direcionando minha atenção para as<br />

múltiplas inserções da família do bebê, percebendo a importância <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> suporte para o manejo <strong>de</strong> uma situação crítica.<br />

18


Outrossim, a pertinência <strong>de</strong>sta dissertação também está ancorada na<br />

originalida<strong>de</strong> da sua área <strong>de</strong> estudo. Foi possível localizar no banco <strong>de</strong> dados<br />

Lilacs 79 referências a re<strong>de</strong>s sociais, enquanto que no Medline foram<br />

encontrados 1659 estudos no período compreendido entre 1966 e 1992. Entre<br />

os anos <strong>de</strong> 1993 e 2005 foram registrados 2573 trabalhos sobre re<strong>de</strong>s sociais.<br />

Logo, po<strong>de</strong>-se notar um interesse crescente sobre este assunto. Entretanto, ao<br />

associar os termos “re<strong>de</strong>s sociais e UTI neonatal’, “re<strong>de</strong>s sociais e<br />

neonatologia” a busca por estes dois bancos <strong>de</strong> dados foi infrutífera. Tampouco<br />

foi encontrado qualquer material bibliográfico com esta temática.<br />

Contudo, a importância <strong>de</strong>ste trabalho não se limita à originalida<strong>de</strong> do seu<br />

campo <strong>de</strong> investigação. Ou à sua aplicabilida<strong>de</strong> para a melhoria do<br />

atendimento em UTI neonatal. Ou a um empenho pessoal para minorar o<br />

sofrimento dos que enfrentam um período atribulado como o da hospitalização<br />

logo após o início <strong>de</strong> uma vida. Preten<strong>de</strong> também contribuir para o<br />

aprofundamento do <strong>de</strong>bate sobre o potencial <strong>de</strong> suporte intrínseco às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

apoio, introduzindo questões ainda não exploradas nesta área <strong>de</strong><br />

conhecimento. Exemplos <strong>de</strong>ste questionamento seriam indagações acerca das<br />

maneiras através das quais os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> intervêm nas relações<br />

entre os pais e suas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte, seja as que já existiam antes da<br />

hospitalização do bebê, seja as que se formam ao longo <strong>de</strong>ste período<br />

atribulado. Afinal, freqüentemente os agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> atribuem<br />

exclusivamente a si mesmos a prerrogativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre a quem é ou não<br />

permitido o acesso ao hospital ou facilitado o exercício <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> suporte.<br />

Por conseguinte, esta problemática inscreve-se no <strong>de</strong>bate sobre a<br />

produção <strong>de</strong> cuidados humanizados em saú<strong>de</strong>, a qual tem como marco o<br />

19


“reconhecimento da humanida<strong>de</strong> do outro, <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong><br />

interagir, <strong>de</strong> ter lógica e se manifestar e <strong>de</strong> expressar intencionalida<strong>de</strong>”<br />

(Minayo, 2004a:19). Ao negar aos pais a opção <strong>de</strong> contarem neste momento<br />

<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> com quem lhes é significativo, os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

caminham, inclusive, na contramão das recentes políticas públicas para o<br />

atendimento em neonatologia as quais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m um diálogo entre os<br />

participantes do ambiente intensivista que <strong>de</strong>veria ser transformado em um:<br />

“espaço mais saudável, capaz <strong>de</strong> colaborar para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do bebê. Isso só vai ocorrer por<br />

meio <strong>de</strong> vivências afetivas seguras e estáveis entre<br />

família, bebê e Equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> durante a<br />

internação. Estas vivências <strong>de</strong>vem ser baseadas<br />

numa interação contínua, que privilegia cada<br />

indivíduo nela envolvido, com sua história,<br />

sentimentos, <strong>de</strong>sejos e intenções” (Brasil, 2002:<br />

51).<br />

20


Capítulo 2 - Marcos teóricos - conceituais<br />

2. 1.- O conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong> social<br />

Vários autores (Haines et al., 2002; Marques, 2000; Martins, 2004;<br />

Pescosolido e Levy, 2002) atribuem a origem do conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong> social - cujo<br />

pressuposto seria o <strong>de</strong> um ”individualismo relacional” (Marques, 2000:36) - aos<br />

estudos clássicos <strong>de</strong> sociologia como os <strong>de</strong> Durkheim (2003) e Simmel (1976).<br />

Entretanto, data <strong>de</strong> meados do século passado o primeiro trabalho que <strong>de</strong>fine<br />

re<strong>de</strong> social, contrapondo-a à noção <strong>de</strong> grupo permanente (Barnes, 1987). Ao<br />

<strong>de</strong>bruçar-se sobre as formas <strong>de</strong> organização dos habitantes <strong>de</strong> uma ilha na<br />

Noruega, Barnes notou que muitas das aglomerações não seguiam as <strong>de</strong><br />

qualquer conjunto mais formal e hierarquizado. A partir <strong>de</strong> então, suce<strong>de</strong>ram-<br />

se diversos estudos (Bela-Feldman, 1987; Boissevain,1987; Bott,1976;<br />

Lemieux, 1982; Mayer, 1987) no âmbito das ciências sociais que também<br />

tinham como objeto <strong>de</strong> investigação as “relações interpessoais concretas que<br />

vinculam indivíduos a outros indivíduos” (Barnes, 1987: 167).<br />

A produção <strong>de</strong>stes conhecimentos pioneiros sobre re<strong>de</strong>s sociais foi<br />

realizada no contexto <strong>de</strong> um embate entre a corrente funcionalista–estrutural e<br />

a teoria da ação. Para a abordagem funcionalista-estrutural a contribuição<br />

mais relevante <strong>de</strong> uma pesquisa seria a construção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

funcionamento e a “análise <strong>de</strong> sistemas sociais em equilíbrio” (Bela-Feldman<br />

1987: 8), partindo do pressuposto <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> seria composta por<br />

estruturas cuja <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m seria prejudicial ao seu <strong>de</strong>senvolvimento. O enfoque<br />

21


maior é em torno da estrutura e respectiva forma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>terminada formação social do que seu conteúdo, isto é, os indivíduos e<br />

mudanças levadas a cabo por eles.<br />

Por outro lado, o foco da teoria da ação inci<strong>de</strong> sobre o estudo do<br />

comportamento concreto protagonizado por atores sociais. O conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />

social é utilizado como um instrumento analítico apto a apreen<strong>de</strong>r o dinamismo<br />

dos atos <strong>de</strong> agentes sociais dotados <strong>de</strong> estratégias próprias. De acordo com<br />

esta <strong>de</strong>finição, adotada também pela autora <strong>de</strong>sta dissertação, os indivíduos<br />

são “empreen<strong>de</strong>dores sociais” (Boissevain, 1987: 128) que aglutinam-se em<br />

re<strong>de</strong>s por meio <strong>de</strong> alianças que po<strong>de</strong>m ou não ser temporárias. A natureza<br />

<strong>de</strong>stas conexões interpessoais <strong>de</strong> – amiza<strong>de</strong>, parentesco, mercado,<br />

clientelismo, <strong>de</strong>ntre outras - entre os agentes respon<strong>de</strong> pelo conteúdo assim<br />

como o formato da re<strong>de</strong> é perceptível através da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>, isto é, número <strong>de</strong><br />

“relações possíveis” (Lemieux, 1999: 10) e freqüência das expressões <strong>de</strong> tais<br />

laços.<br />

Há uma relação <strong>de</strong> correspondência entre <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> das interconexões e<br />

fechamento da re<strong>de</strong> porque po<strong>de</strong>-se observar que quanto maior for a<br />

freqüência <strong>de</strong> contatos e trocas entre os parceiros menor é a probabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sta re<strong>de</strong> se abrir e aceitar a participação <strong>de</strong> novos elementos. Estas re<strong>de</strong>s<br />

mais refratárias à incorporação <strong>de</strong> novos membros po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>nominadas<br />

como “impermeáveis”, ou seja, não apresentam muita “porosida<strong>de</strong>” (Bronfman:<br />

2001: 155). Nestes casos entra em cena o “princípio <strong>de</strong> coesão” (Lemieux,<br />

1999: 63), o qual aumenta na medida em que diminui o contato com um<br />

universo externo ao da re<strong>de</strong>.<br />

22


E "o grau <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina os fatores que unem<br />

seus integrantes e lhes permite um melhor e maior intercâmbio <strong>de</strong><br />

reciprocida<strong>de</strong> e, fundamentalmente, a continuida<strong>de</strong> e estabilida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong>"<br />

(Bronfman, 2001: 151). Tanto que para as formações sem conectivida<strong>de</strong> direta<br />

entre seus atores – como os <strong>de</strong> parentesco distante – é atribuído o status <strong>de</strong><br />

“quase-re<strong>de</strong>” (Lemieux, 1999: 37).<br />

Outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificação das re<strong>de</strong>s é a que recorre à conotação -<br />

culturalmente <strong>de</strong>lineada - positiva ou negativa das interações as quais<br />

equivalem respectivamente aos laços <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>ntificação” ou <strong>de</strong> “diferenciação”<br />

(Simmel 1955 apud Lemieux, 1999: 15). Esta distinção permite introduzir a<br />

questão das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte, compostas por entrelaçamentos <strong>de</strong> caráter<br />

positivo ou <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação.<br />

2.2.- Re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte<br />

Para apreen<strong>de</strong>r e compreen<strong>de</strong>r as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte torna-se necessário<br />

privilegiar o enfoque sobre as funções das mesmas, ao invés <strong>de</strong> se ater às<br />

suas estruturas. Dentre suas atribuições po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar as seguintes:<br />

“companhia social; apoio emocional; guia cognitivo e conselhos; regulação<br />

social; ajuda material e <strong>de</strong> serviços e acesso a novos contatos” (Sluzki, 1997:<br />

48; Lemieux, 1999: 58). Por “companhia social” enten<strong>de</strong>-se ativida<strong>de</strong>s<br />

realizadas em conjunto; “apoio emocional” representa sustentação, lealda<strong>de</strong>,<br />

simpatia e solidarieda<strong>de</strong>; “guia cognitivo” significa compartilhar e/ou esclarecer<br />

informações e conhecimentos, expondo mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> comportamentos; por<br />

23


“regulação social” compreen<strong>de</strong>-se a evocação das normas da socieda<strong>de</strong> e da<br />

própria re<strong>de</strong> e conseqüente neutralização ou mesmo reprovação <strong>de</strong> condutas<br />

anti-sociais; “ajuda material e <strong>de</strong> serviços” refere-se ao auxílio para solucionar<br />

um <strong>de</strong>terminado problema seja <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> outra<br />

espécie; e, finalmente, “acesso a novos contatos” supõe a ampliação da “re<strong>de</strong><br />

social pessoal” (Sluzki, 1997: 48-52). Ou, <strong>de</strong> acordo com as palavras <strong>de</strong><br />

Bronfman - que estudou as relações entre re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte e mortalida<strong>de</strong><br />

infantil no México - as funções são <strong>de</strong> “fazer frente a um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

problemas da vida diária: cuidados com a prole, crises na economia familiar,<br />

ajuda em casos <strong>de</strong> emergência, suporte moral em caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes ou<br />

<strong>de</strong>sgraças, etc” (2001: 146).<br />

Portanto, torna-se possível <strong>de</strong>finir uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte como um<br />

emaranhado <strong>de</strong> interações moldadas pelo compromisso moral entre seus<br />

atores. São formações marcadas por “laços fortes” (Mardsen apud Fontes,<br />

2004: 59) ou “cerrados” (Lemieux, 1999: 31). Assim, seus membros acumulam<br />

em conjunto o que Bourdieu <strong>de</strong>nomina como “capital social”, isto é, a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunir um quantum <strong>de</strong> contatos ou conexões que os habilita a<br />

dominar o campo no qual circulam, incidindo sobre seu posicionamento na<br />

socieda<strong>de</strong> (1983: 21). Neste sentido, as relações diretas adquirem maior valor<br />

do que as “intermediadas” (Lemieux, 1999:127). Trata-se <strong>de</strong> um atributo<br />

construído através <strong>de</strong> entrelaçamentos pessoais cujo <strong>de</strong>sdobramento é o<br />

alcance <strong>de</strong> metas que dificilmente seriam atingidas por meio individual.<br />

A “previsibilida<strong>de</strong>” das práticas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> orienta as estratégias dos<br />

parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> (Bronfman, 2001: 145). A ponto <strong>de</strong> que, por vezes, é<br />

preferível a inexistência por completo <strong>de</strong> uma teia <strong>de</strong> apoio do que sua<br />

24


inoperância enquanto pólo <strong>de</strong> suporte num momento crítico porque,<br />

entrementes, sem expectativas, po<strong>de</strong>ria haver por parte <strong>de</strong> quem está<br />

precisando a busca por fontes alternativas <strong>de</strong> ajuda (Bronfman, 2001).<br />

Outro elemento norteador das estratégias dos agentes sociais é sua<br />

compreensão a respeito das iniciativas <strong>de</strong> suporte levadas a cabo pelos <strong>de</strong>mais<br />

membros das re<strong>de</strong>s. Esta cognição refere-se à crença <strong>de</strong> que suas <strong>de</strong>mandas<br />

<strong>de</strong> apoio estariam sendo atendidas por seus companheiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>. Ou, em<br />

outros termos, que as “re<strong>de</strong>s latentes” estariam sendo acionadas e,<br />

conseqüentemente, “reativadas” (Lemieux,1999: 32). Isto porque estas re<strong>de</strong>s<br />

latentes seriam, basicamente, formadas por “relações estabelecidas” aptas a<br />

serem atualizadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ocorra - numa <strong>de</strong>terminada situação - uma<br />

convergência <strong>de</strong> propósitos. Exemplo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> atualização po<strong>de</strong> ser<br />

observado quando há um problema mais grave <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que acaba por<br />

sensibilizar parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s construídas em passados remotos e distantes<br />

como, <strong>de</strong>ntre outros, colegas dos bancos escolares. Solidárias com a dor <strong>de</strong><br />

quem está enfrentando dificulda<strong>de</strong>s para manter-se vivo, pessoas que há<br />

muitos anos não se viam ou se falavam manifestam-se e colocam-se à<br />

disposição para ajudar àquele que encontra-se adoentado.<br />

Ao alcançar ou, ainda, ao mobilizar-se em torno <strong>de</strong> objetivos comuns os<br />

parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> tecem uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que lhes é fundamental. Caso a<br />

percam <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> contar com uma espécie <strong>de</strong> um manto protetor no qual<br />

estariam envoltos em trocas afetivas e em cuidados recíprocos. O<br />

dilaceramento <strong>de</strong>ste tecido conduz à sensação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />

precarieda<strong>de</strong> – como a vivenciada pelos pais do recém nascido internado em<br />

UTIN - e aponta para a correspondência existente entre re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social<br />

25


e matriz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Em outras palavras, a perda da teia <strong>de</strong> apoio inci<strong>de</strong><br />

sobre a <strong>de</strong>nominada “experiência individual <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>” (Sluzki, 1997: 42),<br />

evocando a metáfora da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sugerida por Latour, isto é, a da “assinatura<br />

(abonnement)” segundo a qual cada pessoa é moldada por variadas<br />

assinaturas, com histórias e inscrições diferentes. (Latour 1994 apud Men<strong>de</strong>s,<br />

2001: 507). Afinal, “a subjectivida<strong>de</strong> e a corporalida<strong>de</strong> são activadas e<br />

constituídas numa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e processos. As i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s não são<br />

essências <strong>de</strong>sincarnadas, mas teias complexas <strong>de</strong> relações, materiais e<br />

<strong>de</strong>sejos” (Men<strong>de</strong>s, 2001: 508).<br />

Neste sentido, po<strong>de</strong>-se afirmar que as re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte oferecem<br />

uma referência <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> (Bott, 1976) para seus participantes os quais<br />

conseguem <strong>de</strong>sta maneira minimizar sua ”insegurança social”, uma vez que<br />

“não possuem os meios <strong>de</strong> assegurar sua existência pela proprieda<strong>de</strong> privada”<br />

(Castel: 2003: 11 e 31). De fato, pon<strong>de</strong>ra Castel, torna-se estratégica a<br />

transformação <strong>de</strong>stes indivíduos em proprietários <strong>de</strong> “equivalentes sociais das<br />

proteções que antes somente eram propiciadas pela proprieda<strong>de</strong> privada”<br />

(2003: 33). E esta aquisição, diz o mesmo autor, <strong>de</strong> proteções sociais seria<br />

empreendida através <strong>de</strong> pertenças em re<strong>de</strong>s protetoras.<br />

Para evitar a perda <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> as pessoas recorrem àquelas que,<br />

no seu enten<strong>de</strong>r, estariam aptas a lhe prestar ajuda, não importando se são ou<br />

não, por exemplo, parentes consangüíneos (Agadjanian 2002; Bronfman, 2001;<br />

Klovdhal et al., 2002). Apelam para seus “companheiros moralmente<br />

significantes” (Mayer 1964 apud Menezes, 2002:160) e com eles compõem<br />

uma re<strong>de</strong> social que é consi<strong>de</strong>rada por seus integrantes como “significativa” na<br />

medida em que “constitui uma das chaves centrais da experiência individual <strong>de</strong><br />

26


i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, bem estar, competência e agenciamento ou autoria” (Sluzki, 1997:<br />

42). Em muitas situações o apoio <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> conjunturas suscetíveis a<br />

constantes transformações como relações <strong>de</strong> vizinhança, composições<br />

conjugais e posições no ciclo <strong>de</strong> vida (Bronfman, 2001). Os laços<br />

consangüíneos não garantem - por si só - suporte em toda e qualquer<br />

circunstância.<br />

E, por sua vez, as re<strong>de</strong>s formadas por familiares com laços consangüíneos<br />

comportam interações <strong>de</strong> conotação positiva e negativa (McLaughlin et al.,<br />

2002). Por vezes “são ativadas mais por expectativas e pressões sociais do<br />

que por impulsos <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong>” (Sluzki, 1997: 31). Outro fator <strong>de</strong> distinção face<br />

às <strong>de</strong>mais re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte é o <strong>de</strong> que há uma tendência <strong>de</strong> que nestas<br />

tramas ocorra, com mais freqüência do que nas <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> composição,<br />

a circulação <strong>de</strong> bens materiais. Ou seja, ao lado do suporte emocional e afetivo<br />

propiciado pelas tramas compostas por parentes próximos po<strong>de</strong>-se acrescentar<br />

também eventuais contribuições para o sustento material <strong>de</strong> seus familiares.<br />

Entretanto, é consenso que a ineficácia <strong>de</strong> qualquer das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte<br />

do universo relacional do indivíduo representa uma ameaça ao seu bem estar.<br />

Diversas pesquisas – realizadas no Brasil, Estados Unidos, México,<br />

Moçambique e Suécia (Agadjanian, 2002; Andra<strong>de</strong> e Vaitsman, 2002;<br />

Bronfman, 2001; Faber e Wasserman, 2002; Klefbeck, 1995; Sluzki,1997) –<br />

atestam a correlação existente entre as presenças das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ajuda mútua e<br />

a saú<strong>de</strong> dos indivíduos, fazendo com que a “pobreza relativa <strong>de</strong> relações<br />

sociais” seja encarada como um “fator <strong>de</strong> risco” (Sluzki,1997: 68).<br />

Por sua vez, o adoecimento também po<strong>de</strong> ocasionar a diminuição da<br />

freqüência <strong>de</strong> contatos sociais, favorecendo uma sensação <strong>de</strong> isolamento e <strong>de</strong><br />

27


precarieda<strong>de</strong> experimentada por muitos dos que são afastados<br />

involuntariamente <strong>de</strong> suas re<strong>de</strong>s, comprometendo assim uma vinculação<br />

(Agadjanian, 2002). Por isso, inclusive, é que muitos pacientes e seus<br />

acompanhantes <strong>de</strong>senvolvem no âmbito do hospital as chamadas “re<strong>de</strong>s<br />

internas” <strong>de</strong> modo a auxiliarem -se mutuamente e diminuírem a sensação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>samparo (Pescosolido e Levy, 2002: 17).<br />

Por fim, po<strong>de</strong>-se afirmar que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio constituem um locus<br />

privilegiado <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> interações, sendo que estas po<strong>de</strong>m levar<br />

seus agentes ao reverso <strong>de</strong> uma posição <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> e mesmo à<br />

vivência <strong>de</strong> uma sensação <strong>de</strong> empo<strong>de</strong>ramento (empowerment). Este conceito<br />

diz respeito a “um processo <strong>de</strong> ação social no qual os indivíduos tomam posse<br />

<strong>de</strong> suas próprias vidas pela interação com outros indivíduos” (Andra<strong>de</strong> e<br />

Vaitsman, 2002:928). Com isso tornam-se capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um olhar<br />

crítico sobre a socieda<strong>de</strong>, buscando protagonizar iniciativas aptas a alterar em<br />

seu benefício a realida<strong>de</strong>. E é justamente com esta perspectiva <strong>de</strong><br />

transformação e dispondo <strong>de</strong>ste referencial teórico que se preten<strong>de</strong>u elaborar<br />

este estudo sobre as re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês internados<br />

em UTI neonatal.<br />

28


Capítulo 3 - Metodologia<br />

O ponto <strong>de</strong> partida para a escolha da metodologia empregada nesta<br />

dissertação foi a seguinte pergunta básica sobre método: “O quanto ele é útil<br />

para arar o terreno empírico que temos em frente?” (Perrone, 1977 apud<br />

Serapioni, 2000: 189). Ao ter como objeto <strong>de</strong> estudo as ações <strong>de</strong> suporte<br />

realizadas por membros das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos pais dos bebês hospitalizados,<br />

esta pesquisa <strong>de</strong>mandou um instrumental metodológico capaz <strong>de</strong> lidar com o<br />

significado <strong>de</strong>stas práticas necessariamente contextualizadas. A abordagem<br />

qualitativa foi consi<strong>de</strong>rada a mais indicada na medida em que colocou à<br />

disposição <strong>de</strong>sta investigação ferramentas aptas a “explicar os meandros das<br />

relações sociais” (Minayo, 2004b: 11). Graças à este método tornou-se menos<br />

estéril a busca pela compreensão acerca dos sentidos dos atos <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong> postos em prática por agentes sociais reunidos em re<strong>de</strong>s. Foram<br />

levadas em consi<strong>de</strong>ração as concepções, vivências, valores e atitu<strong>de</strong>s<br />

daqueles que são seus beneficiários e, simultaneamente, protagonistas.<br />

3.1.- Representações sociais: categoria metodológica<br />

Dentre as escolas teóricas importantes - como a positivista, a da sociologia<br />

compreensiva, a marxista e a da psicologia social - que se <strong>de</strong>bruçaram sobre o<br />

conceito <strong>de</strong> representações sociais, não há um consenso sobre a pertinência<br />

operacional <strong>de</strong>ste conceito. Na presente dissertação foram adotados os<br />

pressupostos da sociologia compreensiva. Neste sentido, trabalhou-se com as<br />

29


epresentações sociais como recursos metodológicos que facilitam o acesso ao<br />

mundo intersubjetivo, assim como ao universo intrapsíquico. São “categorias<br />

<strong>de</strong> pensamento que expressam a realida<strong>de</strong>, explicam-na, justificando-a ou<br />

questionando-a” (Minayo, 1994: 89). Muitas vezes é no âmbito do conjunto <strong>de</strong><br />

representações sociais que adquirem sentido algumas das dimensões das<br />

ações dos agentes sociais. Entretanto, o campo das ativida<strong>de</strong>s concretas ou<br />

as condutas dos sujeitos não po<strong>de</strong> ser encarado como uma mera transposição<br />

do que se passa ao nível das representações. Como indica o próprio termo, a<br />

representação representa, ou seja, não é a realida<strong>de</strong> e tampouco é um mero<br />

reflexo da mesma. É, antes <strong>de</strong> tudo, um:<br />

“tipo <strong>de</strong> saber, socialmente negociado, contido no<br />

senso comum e na dimensão cotidiana que permite<br />

ao indivíduo uma visão <strong>de</strong> mundo e o orienta nos<br />

projetos <strong>de</strong> ação e nas estratégias que <strong>de</strong>senvolve<br />

em seu meio social. “(Queiroz, 2000: 27)<br />

Logo, as representações sociais não se prestam a serem avaliadas como<br />

responsáveis exclusivas pelo comportamento humano (Herzlich, 1991). É<br />

preciso levar em conta que sua autonomia é relativa porque dispõem <strong>de</strong> uma<br />

relação dialética com a realida<strong>de</strong>. As representações sociais não são<br />

construções abstratas <strong>de</strong> sujeitos, mas sim <strong>de</strong> seres sociais inscritos em<br />

<strong>de</strong>terminadas socieda<strong>de</strong>s perpassadas por diferentes interesses <strong>de</strong> classes,<br />

relações <strong>de</strong> gênero, etnia e geração. A posição ocupada por um indivíduo na<br />

estrutura social influencia sua visão <strong>de</strong> mundo sem, contudo, <strong>de</strong>terminá-la<br />

inteiramente. E as crenças e valores compartilhados, como afirmou Queiroz no<br />

trecho reproduzido acima, orientam - sem <strong>de</strong>terminar - as ações <strong>de</strong> agentes<br />

sociais. Tanto que representações semelhantes po<strong>de</strong>m atualizar-se através <strong>de</strong><br />

30


comportamentos distintos, enquanto que condutas idênticas po<strong>de</strong>m coexistir<br />

com categorias <strong>de</strong> pensamento diferentes (Herzlich, 1991).<br />

Por conseguinte, a utilização como categoria metodológica do conceito <strong>de</strong><br />

representações sociais torna possível enten<strong>de</strong>r os elementos norteadores das<br />

estratégias adotadas por atores sociais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não seja estabelecida uma<br />

relação mecânica <strong>de</strong> causa e efeito entre fatos e representações sociais.<br />

Através <strong>de</strong> um estudo sobre esta gama <strong>de</strong> saberes compartilhados tornou-se<br />

exeqüível a tarefa <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> uma compreensão dos sentidos<br />

atribuídos pelos pais dos bebês às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte, assim como <strong>de</strong> suas<br />

vivências. Ou <strong>de</strong> lidar com sua intencionalida<strong>de</strong> ao aglutinarem-se em re<strong>de</strong>s<br />

sociais. E <strong>de</strong> situar os valores atribuídos, por parte <strong>de</strong> alguns dos seus<br />

protagonistas e seus interlocutores, às ações <strong>de</strong> suporte. Em outras palavras,<br />

através da análise das representações sociais dos diversos agentes - pais dos<br />

bebês e equipes <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - preten<strong>de</strong>u-se traçar um quadro<br />

dos códigos <strong>de</strong> pensamento nos quais adquirem significados as condutas<br />

individuais e coletivas adotadas em torno da internação neonatal.<br />

Para melhor compreen<strong>de</strong>r as representações sociais acerca das ações <strong>de</strong><br />

suporte perpetradas pelas re<strong>de</strong>s sociais, esta pesquisa utilizou as seguintes<br />

categorias <strong>de</strong> análise:<br />

1. Para os pais dos bebês:<br />

Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte significativas<br />

Expectativas <strong>de</strong> suporte<br />

Ações <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong>ntro e fora do hospital<br />

Re<strong>de</strong>s presentes ou participativas / Re<strong>de</strong>s ausentes ou omissas<br />

31


Re<strong>de</strong>s integrais<br />

Re<strong>de</strong>s latentes<br />

2. Para os profissionais da UTIN:<br />

Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte significativas para os pais<br />

Ações <strong>de</strong> suporte aos pais <strong>de</strong>ntro e fora do hospital<br />

Legitimida<strong>de</strong> das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais<br />

Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte preexistentes<br />

Re<strong>de</strong>s internas<br />

3.2. - Desenho do estudo<br />

A pesquisa foi realizada através <strong>de</strong> entrevistas semi-estruturadas,<br />

conjugando perguntas previamente formuladas com <strong>de</strong>poimentos livres. O<br />

objetivo <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> comunicação foi o <strong>de</strong> facilitar a exposição, por parte do<br />

entrevistado, <strong>de</strong> seus pontos <strong>de</strong> vista e <strong>de</strong> suas vivências. Os roteiros (anexos<br />

1 e 2) das questões foram elaborados <strong>de</strong> modo a ativar uma “conversa com<br />

finalida<strong>de</strong>” (Minayo, 2004b: 99). Para tanto, buscou-se montar roteiros <strong>de</strong><br />

entrevistas flexíveis <strong>de</strong> modo a absorver tópicos novos que ocasionalmente<br />

vieram à tona durante as conversas. Foram incorporados na medida em que<br />

foram percebidos como significativos para os entrevistados e para a temática<br />

<strong>de</strong>sta dissertação (Souza et al., 2005).<br />

Os sujeitos entrevistados foram os pais dos bebês e médicos, enfermeiros,<br />

técnicos <strong>de</strong> enfermagem, psicólogas e assistente social. Foi feita uma opção<br />

32


por uma amostra representativa do universo pesquisado, privilegiando: “os<br />

sujeitos sociais que <strong>de</strong>tém os atributos que o investigador preten<strong>de</strong> conhecer”<br />

(Minayo, 2004b: 102) e que “consi<strong>de</strong>ra que o tamanho da amostra é suficiente<br />

a partir da reincidência das informações”, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado “informações<br />

singulares” (Minayo et al., 2005: 95).<br />

Logo, foram entrevistados apenas os pais dos recém nascidos que estavam<br />

internados há pelo menos vinte dias. Consi<strong>de</strong>rou-se, baseado em anos <strong>de</strong><br />

prática profissional em UTIN, que este seria o tempo mínimo para que as ações<br />

<strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> por parte das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte ocupassem o lugar daquelas<br />

que costumam espontaneamente ocorrer <strong>de</strong> maneira efêmera logo após o<br />

impacto inicial provocado pelo nascimento <strong>de</strong> um bebê que precisa <strong>de</strong><br />

cuidados médicos para sobreviver. Assim, entrevistou-se treze mães e um pai<br />

cujos filhos tinham entre vinte e dois e setenta dias <strong>de</strong> hospitalização.<br />

Tampouco foram selecionados para entrevistas, <strong>de</strong>ntre os leigos, outros<br />

integrantes das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio que não os próprios pais dos bebês. Um dos<br />

fatores responsáveis por esta opção foi o fato <strong>de</strong> que o foco <strong>de</strong>sta pesquisa<br />

voltou-se para as ações <strong>de</strong> suporte aos pais. E, são eles, ao lado dos seus<br />

filhos, os principais contemplados ou beneficiados - <strong>de</strong>ntre os cuidadores não<br />

profissionais - com as ações das re<strong>de</strong>s. A outra razão que justificou esta<br />

seleção foi a limitação <strong>de</strong> prazo inerente à toda e qualquer elaboração <strong>de</strong><br />

dissertação <strong>de</strong> mestrado.<br />

O critério <strong>de</strong> seleção dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> foi a constatação <strong>de</strong> que<br />

eram integrantes das equipes que <strong>de</strong>tém, <strong>de</strong>ntre as <strong>de</strong>mais em ação na UTIN,<br />

po<strong>de</strong>r normativo sobre as formas <strong>de</strong> atuação das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais no<br />

âmbito do hospital e que, ao mesmo tempo, têm contato direto e freqüente com<br />

33


estes usuários <strong>de</strong> seus serviços. Foram escolhidos profissionais em cargos <strong>de</strong><br />

chefias dos serviços relacionados ao setor <strong>de</strong> neonatologia, mas também<br />

outros profissionais que não exercem as funções <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação da<br />

assistência. Dentre os nove entrevistados, três eram médicos neonatologistas,<br />

incluindo o diretor da UTIN; três do serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, sendo duas<br />

psicólogas e uma psiquiatra-chefe do serviço; uma assistente social; uma<br />

enfermeira-chefe da enfermagem em neonatologia e uma técnica em<br />

enfermagem.<br />

A pesquisa teve lugar numa maternida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong> pública do município<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro: o Hospital Maternida<strong>de</strong> Osvaldo Nazareth (HMON), também<br />

conhecido como hospital da Praça XV. O primeiro parâmetro <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong>ste<br />

campo foi o fato <strong>de</strong> ser uma maternida<strong>de</strong> pública que lida com uma clientela<br />

cujo perfil sócio-econômico é similar ao <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da população. O<br />

mesmo po<strong>de</strong> ser dito a respeito das condições <strong>de</strong> trabalho dos profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>, semelhantes às encontradas na maioria das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Em<br />

segundo lugar, foi levado em consi<strong>de</strong>ração uma particularida<strong>de</strong> do público<br />

atendido por esta maternida<strong>de</strong>. Centro <strong>de</strong> referência para a gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong><br />

adolescentes, caracteriza-se também por um elevado índice <strong>de</strong> internação <strong>de</strong><br />

prematuros - com menos <strong>de</strong> 37 semanas <strong>de</strong> gestação - cujo baixo peso ao<br />

nascer (inferior a 1.500 gramas) faz com que permaneçam na UTI por períodos<br />

prolongados.<br />

Outrossim, outro critério <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong>ste hospital foi o fato <strong>de</strong> ser uma<br />

instituição que investe na adoção <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> humanização da assistência.<br />

Tanto que a gran<strong>de</strong> maioria da equipe <strong>de</strong> enfermagem e parte das equipes <strong>de</strong><br />

médicos, da assistência social e da saú<strong>de</strong> mental já passou por cursos <strong>de</strong><br />

34


treinamento em atendimento humanizado. Des<strong>de</strong> a década passada recebeu o<br />

titulo <strong>de</strong> “Hospital Amigo da Criança”, atribuído pelo Ministério da Saú<strong>de</strong> às<br />

instituições que adotam uma série <strong>de</strong> medidas que beneficiariam o<br />

aprimoramento da assistência materno-infantil. O aleitamento materno é uma<br />

priorida<strong>de</strong> e com isso são instituídas condutas <strong>de</strong> cuidados centrados na<br />

família. Os pais não são consi<strong>de</strong>rados como visitas, sendo que a mãe tem livre<br />

acesso à UTIN à qualquer hora do dia e da noite. Os pais tem o dia todo para<br />

visitar o filho, mas sua entrada não é permitida após o encerramento do<br />

expediente da portaria, isto é, às 22 horas. A chefia do setor <strong>de</strong> neonatologia<br />

também tem uma nítida empatia com as propostas <strong>de</strong> humanização na área da<br />

saú<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nte através <strong>de</strong> seu aval às iniciativas precursoras listadas no<br />

parágrafo abaixo. Logo, consi<strong>de</strong>rou-se - na seleção do local <strong>de</strong> pesquisa - que<br />

este processo seria, potencialmente, favorável à reflexão dos profissionais<br />

referente às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos usuários.<br />

De acordo com informações prestadas pela assistente social - que trabalha<br />

há mais <strong>de</strong> trinta anos nesta maternida<strong>de</strong> - esta instituição, inicialmente uma<br />

unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral, teria em pauta a questão da humanização <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />

inauguração, em 1975. Durante os primeiros quinze anos <strong>de</strong> funcionamento foi<br />

dirigida por um mesmo diretor cujo lema era o <strong>de</strong>, ainda segundo a mesma<br />

informante: “humanizar do porteiro ao parteiro”. Foi pioneira em diversas<br />

iniciativas cujo objetivo era o <strong>de</strong> melhor acolher à sua clientela. Exemplo foi a<br />

criação do primeiro grupo <strong>de</strong> gestantes da extinta Previdência Social, no qual<br />

eram discutidos assuntos tanto assuntos objetivos quanto subjetivos. E o<br />

atendimento - precursor na re<strong>de</strong> municipal <strong>de</strong> assistência à saú<strong>de</strong> - ao público<br />

realizado por uma equipe multidisciplinar. Há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos comporta um<br />

35


alojamento para as mães dos bebês internados na UTIN. Também dispõe <strong>de</strong><br />

uma enfermaria para mães que estão adaptadas ao Método Mãe - Canguru<br />

instalada num local bastante a<strong>de</strong>quado porque praticamente contíguo à<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados neonatais intensivos. Todas as gestantes, puérperas e<br />

suas famílias têm à disposição serviços <strong>de</strong> assistência social e um setor <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> mental bastante ativos. Há atendimento <strong>de</strong> todas as equipes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

período pré-natal até o perinatal. As formas são diversas pois po<strong>de</strong>m ter lugar<br />

através <strong>de</strong> reuniões <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> apoio, atendimentos individuais, distribuição<br />

<strong>de</strong> auxílios para transporte, <strong>de</strong>ntre outras.<br />

Além <strong>de</strong>stas iniciativas, há uma ativida<strong>de</strong> que é <strong>de</strong> suma importância para a<br />

presença das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês preexistentes - a serem<br />

analisadas no próximo capítulo - que é a rotina <strong>de</strong> visita à UTIN <strong>de</strong> pessoas<br />

escolhidas pela dupla parental. Tem lugar todas as tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dias úteis durante<br />

uma hora e recebe a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> “Rotina <strong>de</strong> visita da família ampliada”,<br />

cujas regras estão reproduzidas no anexo 4 <strong>de</strong>sta dissertação . Apesar <strong>de</strong>sta<br />

<strong>de</strong>nominação qualquer indivíduo - não é exigido que seja um parente<br />

consangüíneo - po<strong>de</strong> visitar o recém nascido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esteja acompanhado -<br />

ou autorizado - pelos pais da criança a ser vista. Durante o período <strong>de</strong><br />

realização <strong>de</strong>sta pesquisa, foi notado que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visita dos irmãos dos<br />

bebês estava suspensa e, mais ainda, ao final do trabalho <strong>de</strong> campo percebeu-<br />

se que esta rotina <strong>de</strong> visita da “família ampliada” não mais tinha uma<br />

freqüência diária face à diminuição do quadro <strong>de</strong> membros das equipes<br />

encarregadas <strong>de</strong> supervisionar esta prática, isto é, a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental e <strong>de</strong><br />

serviço social. Este encolhimento <strong>de</strong> pessoal foi provocado tanto por motivos<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal - licença médica para alguns cuidadores - quanto por<br />

36


questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m institucional como afastamento <strong>de</strong> cargo <strong>de</strong> chefia <strong>de</strong> uma<br />

profissional egressa do serviço público fe<strong>de</strong>ral e a qual, a rigor, não po<strong>de</strong>ria<br />

exercer essa função numa unida<strong>de</strong> municipalizada. Dada a exigüida<strong>de</strong> do<br />

tempo <strong>de</strong> duração do trabalho <strong>de</strong> campo - três meses - não foi possível avaliar<br />

as conseqüências oriundas <strong>de</strong>sta redução do número <strong>de</strong> funcionários e, por<br />

conseguinte, das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acolhimento ao público.<br />

3.3. - Perspectivas <strong>de</strong> análise<br />

A análise foi feita pela adaptação do método <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> conteúdo cuja<br />

intenção não é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o texto, mas sim a “inferência <strong>de</strong> conhecimentos<br />

relativos às condições <strong>de</strong> produção”. Em outras palavras: “se a <strong>de</strong>scrição é a<br />

primeira etapa necessária e se a interpretação (a significação concedida a<br />

estas características) é a última fase, a inferência é o procedimento<br />

intermediário, que vem permitir a passagem, explícita e controlada, <strong>de</strong> uma à<br />

outra” (Bardin, 1979: 38-9). Neste sentido, buscou-se contextualizar as falas<br />

dos entrevistados como práticas sociais (Gill, 2002). Os <strong>de</strong>poimentos foram<br />

examinados à luz da sua pertinência numa instituição marcada pelo “po<strong>de</strong>r-<br />

saber” médico (Carapinheiro, 1998: 75) ou pela “subordinação da perspectiva<br />

do leigo face à perspectiva do profissional” (Freidson, 1970 apud Hak, 1994:<br />

77); às condições encontradas e criadas para o exercício <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> suporte e,<br />

por fim, às relações dos pais dos bebês com as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio na vida<br />

cotidiana, seja <strong>de</strong>ntro ou fora do hospital. Preten<strong>de</strong>u-se com isso ultrapassar o<br />

nível dos “conteúdos manifestos” (Gomes, 1994:74).<br />

37


Portanto, usou-se a análise temática, enten<strong>de</strong>ndo a fala como resultante <strong>de</strong><br />

um processo social e como um produto inacabado ou “como um momento <strong>de</strong><br />

criação <strong>de</strong> significados com tudo que isso comporta <strong>de</strong> contradições,<br />

incoerências e imperfeições” (Minayo, 2004b: 236). Neste sentido, foram<br />

investigados os “núcleos <strong>de</strong> sentido” <strong>de</strong> modo a lidar com as lógicas culturais e<br />

os “mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> comportamento presentes no discurso” (Minayo, 2004b: 209).<br />

As etapas operacionais <strong>de</strong> análise foram as seguintes:<br />

1) Pré - análise - leitura do material coletado durante as entrevistas tendo<br />

como foco os objetivos da pesquisa. Para tanto a pré- análise foi subdividida<br />

em três etapas:<br />

- leitura flutuante que consistiu numa leitura exaustiva e interrogativa do<br />

material para apreensão das idéias centrais e para uma prévia organização das<br />

categorias encontradas. Através <strong>de</strong>sta leitura ou <strong>de</strong>ste primeiro contato com o<br />

que foi recolhido durante o trabalho <strong>de</strong> campo foi feita uma or<strong>de</strong>nação<br />

preliminar dos dados.<br />

- constituição <strong>de</strong> Corpus que foi composta por uma tentativa <strong>de</strong> organizar<br />

os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> modo a contemplar os objetivos propostos por esta<br />

pesquisa. Dada a heterogeneida<strong>de</strong> dos sujeitos entrevistados - pais dos bebês<br />

e diversos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - foi feita uma leitura transversal <strong>de</strong> cada<br />

corpus.<br />

- formulação <strong>de</strong> objetivos <strong>de</strong> interpretação que ocasionou a <strong>de</strong>limitação das<br />

palavras chaves, a contextualização dos discursos e a caracterização <strong>de</strong><br />

acordo com os referenciais teóricos indicados no segundo capítulo.<br />

38


2) Exploração do material que implicou na or<strong>de</strong>nação das categorias<br />

empíricas do texto em núcleos <strong>de</strong> sentido através do alinhamento do material<br />

empírico face às categorias teóricas pré-estabelecidas. Enten<strong>de</strong>u-se que<br />

trabalhar com categorias significava “agrupar elementos, idéias ou expressões<br />

em torno <strong>de</strong> um conceito capaz <strong>de</strong> abranger tudo isso” (Gomes, 1994: 70).<br />

3) Tratamento dos resultados e interpretação. Nesta fase <strong>de</strong> trabalho foram<br />

<strong>de</strong>stacadas as informações relevantes coletadas ao longo da pesquisa e<br />

interpretadas segundo as questões teóricas. Por fim, foi elaborada uma síntese<br />

entre as categorias empíricas e analíticas.<br />

A matéria prima <strong>de</strong>sta análise foram os discursos dos sujeitos<br />

entrevistados. Para tanto foram transcritas as fitas gravadas, sendo que foi feita<br />

uma escuta complementar das gravações <strong>de</strong> modo a perceber eventuais<br />

dissonâncias entre o material gravado e o transcrito. Também foram levados<br />

em consi<strong>de</strong>ração as pausas ocasionais e respeitados os silêncios dos<br />

<strong>de</strong>poentes. O objetivo foi o <strong>de</strong> se ater ao máximo às versões oferecidas pelos<br />

sujeitos, bem como às suas formas <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> pensamentos.<br />

Ao cabo <strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> análise, constatou-se a pertinência dos caminhos<br />

adotados por esta pesquisa na medida em que este método analítico<br />

possibilitou a contextualização <strong>de</strong> discursos <strong>de</strong> origens diversas, tanto do ponto<br />

<strong>de</strong> vista profissional quanto <strong>de</strong> pertinência sócio-cultural e <strong>de</strong> interação com a<br />

instituição hospitalar. Lidou-se com variações individuais <strong>de</strong> representações<br />

sociais comuns e, com isso, logrou-se efetuar comparações <strong>de</strong> significados<br />

atribuídos a condutas individuais e coletivas.<br />

39


3.4. - Consi<strong>de</strong>rações éticas<br />

Esta pesquisa foi realizada após sua aprovação pelo Comitê <strong>de</strong> Ética da<br />

Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. O intento <strong>de</strong>ste estudo -<br />

segundo indicado - foi o <strong>de</strong> trazer como benefícios subsídios para uma melhor<br />

compreensão sobre os papéis cruciais <strong>de</strong>sempenhados pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte<br />

aos pais dos bebês internados em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuidados intensivos, indicando<br />

a plasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas tramas serem compostas<br />

também por profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Foi avaliado que esta pesquisa não gerou<br />

nenhum tipo <strong>de</strong> risco para todos os sujeitos envolvidos.<br />

Os entrevistados foram <strong>de</strong>vidamente esclarecidos quanto aos objetivos e<br />

metodologia a ser usada na pesquisa, assim como lhes foi assegurado o livre<br />

acesso aos seus respectivos <strong>de</strong>poimentos e total privacida<strong>de</strong> relativa a todas<br />

as informações fornecidas, em qualquer circunstância. Também lhes foi<br />

garantido o direito <strong>de</strong> se retirar do estudo <strong>de</strong> acordo com sua conveniência e/ou<br />

a qualquer momento que fosse do seu interesse.<br />

Todas as entrevistas foram realizadas após a leitura e assinatura do termo<br />

<strong>de</strong> consentimento por parte dos entrevistados. As i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>poentes<br />

foram preservadas através da utilização <strong>de</strong> nomes fictícios. Os roteiros <strong>de</strong><br />

perguntas formuladas aos pais dos bebês estão no anexo 1 e as en<strong>de</strong>reçadas<br />

aos profissionais encontram-se no anexo 2. O mo<strong>de</strong>lo do Termo <strong>de</strong><br />

Consentimento - anexo 3 - foi semelhante para os pais e os profissionais,<br />

sendo <strong>de</strong>vidamente lido e assinado antes <strong>de</strong> cada entrevista.<br />

40


Capítulo 4 - As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais dos recém-nascidos<br />

em UTIN<br />

41<br />

“cada fio sensível da re<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser ferido<br />

ou afagado em todo seu comprimento”<br />

Di<strong>de</strong>rot<br />

4.1. - Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais existentes antes da internação do recém<br />

nascido<br />

A hospitalização <strong>de</strong> um recém nascido é um evento que ten<strong>de</strong> a mobilizar<br />

as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte que já existiam em torno dos pais do bebê. A internação<br />

neonatal é encarada como uma situação excepcional a qual <strong>de</strong>manda, ou<br />

mesmo, exige dos integrantes das suas re<strong>de</strong>s a prática <strong>de</strong> atos solidários. A<br />

lealda<strong>de</strong> entre parceiros e a reciprocida<strong>de</strong> - como indicado em outras partes<br />

<strong>de</strong>sta dissertação - são componentes fundamentais para toda e qualquer teia<br />

<strong>de</strong> apoio.<br />

Logo, torna-se possível antever a entrada em ação dos seus membros<br />

para ajudar aos seus companheiros. Tanto que esta previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio -<br />

em consonância com o que foi indicado no capítulo sobre os marcos teóricos<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa - norteia os caminhos adotados por parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s e torna-<br />

se <strong>de</strong>cisiva para a <strong>de</strong>limitação dos contornos das tramas <strong>de</strong> suporte aos pais<br />

dos bebês hospitalizados. Isto porque a não satisfação - como será mostrado -<br />

das expectativas po<strong>de</strong> suscitar o <strong>de</strong>smantelamento ou, no mínimo, o<br />

enfraquecimento <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s formadas antes da hospitalização, ocasionando<br />

uma re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas fronteiras.


E, sendo assim, aponta para a necessida<strong>de</strong> da presente investigação<br />

acerca das re<strong>de</strong>s preexistentes ter início a partir <strong>de</strong> uma abordagem sobre as<br />

expectativas <strong>de</strong> suporte e os apoios registrados pelos pais entrevistados. Será<br />

o primeiro passo <strong>de</strong> um caminhar cujo objetivo final é o <strong>de</strong> analisar os<br />

conteúdos e as formas <strong>de</strong> ajuda recebida por este contingente <strong>de</strong> pais para<br />

enfrentar as dificulda<strong>de</strong>s inerentes à hospitalização <strong>de</strong> um filho recém nascido.<br />

4.1.1 - Expectativas e sentidos atribuídos ao suporte recebido pelos pais<br />

Não há como analisar as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> apoio por parte dos pais dos recém<br />

nascidos hospitalizados sem levar em consi<strong>de</strong>ração seu perfil sócio-<br />

econômico. Sem dúvida, as características da população estudada, isto é, a <strong>de</strong><br />

pobres urbanos (Sarti, 2003a; Valladares, 1991) influenciam tanto os tipos <strong>de</strong><br />

expectativas <strong>de</strong> suporte quanto a própria composição das teias <strong>de</strong> apoio. Com<br />

isso não se preten<strong>de</strong> atribuir qualquer <strong>de</strong>terminismo às condições materiais dos<br />

pais dos bebês internados capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>finirem por si só as aspirações <strong>de</strong>stes<br />

indivíduos para com as re<strong>de</strong>s sociais da qual participam. Isto porque se<br />

enten<strong>de</strong> que há uma relação dialética entre a inserção social do indivíduo e sua<br />

visão <strong>de</strong> mundo. Sempre há margens para reinterpretações individuais do que<br />

não é “um sistema simbólico fechado e bem <strong>de</strong>limitado [...] pois seus limites<br />

estão abertos e em contínua transformação histórica” (Gue<strong>de</strong>s e Lima, 2006:<br />

132).<br />

Entretanto, uma vez tendo feito esta ressalva quanto ao risco <strong>de</strong> uma<br />

análise reducionista, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se contextualizar as expectativas,<br />

42


as compreensões e as práticas <strong>de</strong> suporte. Mesmo porque toda re<strong>de</strong> social<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como um sistema cuja constelação é construída a partir da<br />

confluência <strong>de</strong> “objetos pessoais (pessoas), funções (ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas<br />

pessoas) e situações (contexto)” (Lewis, 1987: 443-4). Ou seja, torna-se<br />

necessário dimensionar tanto as formas empíricas do apoio recebido pelos pais<br />

quanto suas <strong>de</strong>mandas e concepções em relação ao <strong>de</strong>sempenho das re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> suporte preexistentes sob a ótica da posição ocupada na socieda<strong>de</strong> por este<br />

segmento populacional. Neste sentido, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> levar em conta<br />

que a maior parte dos pais entrevistados tem renda média mensal <strong>de</strong> 487 reais<br />

por unida<strong>de</strong> doméstica e mora na periferia do município do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Em<br />

outras palavras, não dispõe <strong>de</strong> muitos bens materiais para enfrentar<br />

vicissitu<strong>de</strong>s da or<strong>de</strong>m do cotidiano ou emergenciais, como a hospitalização<br />

neonatal.<br />

Por conseguinte, os pais dos bebês internados fazem parte <strong>de</strong> um<br />

contingente populacional que ten<strong>de</strong> a se unir em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> modo a tornar<br />

menos estéril a “competição por recursos escassos e valiosos” (Boissevain,<br />

1987: 202). O exercício <strong>de</strong> sua cidadania é precário e, na prática, são<br />

con<strong>de</strong>nados ao <strong>de</strong>sterro cívico. Têm dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso aos serviços<br />

públicos mais básicos como assistência gratuita em saú<strong>de</strong>. Os pais<br />

entrevistados - tal qual a maioria da população brasileira - não po<strong>de</strong>m pagar<br />

por atendimento médico. E, para fazer frente às estas “situações <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong>s” (Escorel, 1999: 74) estrategicamente aglutinam-se em re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> apoio, as quais:<br />

“se convertem assim numa ação chave para as<br />

famílias <strong>de</strong> escassos recursos, não apenas para<br />

resolver problemas cotidianos mas sim,<br />

fundamentalmente, para contar com um reforço em<br />

43


momentos excepcionais ou <strong>de</strong> emergência”<br />

(Bronfman, 2001:123).<br />

Logo, po<strong>de</strong>-se afirmar que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte têm em comum a<br />

expectativa <strong>de</strong> uma ajuda mútua entre seus membros, como ilustra a fala <strong>de</strong><br />

José a respeito <strong>de</strong> dois amigos que não lhe acompanharam ao longo da<br />

permanência <strong>de</strong> sua filha no hospital:<br />

“Eu esperava mais dos dois como meus amigos, eu<br />

esperava bastante <strong>de</strong>les, eles até nem vieram me<br />

visitar, não sei... eu só senti que po<strong>de</strong>ria ter sido<br />

mais... porque eu fui muito presente na vida dos<br />

dois e quando precisei não tive apoio”.<br />

No capítulo sobre marcos teóricos, pon<strong>de</strong>rou-se - graças às contribuições<br />

<strong>de</strong> Bronfman (2001) - que a ausência ou a omissão, por parte <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

suporte, é consi<strong>de</strong>rado um problema mais nocivo do que sua inexistência por<br />

completo. O fato <strong>de</strong> não ter a quem recorrer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes da internação po<strong>de</strong> -<br />

como será <strong>de</strong>monstrado ainda neste capítulo - levar os pais a criarem novas<br />

teias como alternativas para melhor atravessar o período <strong>de</strong> hospitalização dos<br />

seus filhos.<br />

Outrossim, as expectativas e os sentidos atribuídos ao suporte variam <strong>de</strong><br />

acordo com a composição das re<strong>de</strong>s e, conseqüentemente, dos vínculos<br />

existentes entre seus participantes. Em geral sempre se espera dos parceiros<br />

<strong>de</strong> “re<strong>de</strong>s integrais” (Lemieux, 1999: 54) ou <strong>de</strong> “malha estreita” (Bott, 1976:<br />

105) - cuja principal característica é justamente a intensa freqüência <strong>de</strong><br />

interações entre seus membros - suporte em qualquer circunstância, como<br />

ilustram as palavras <strong>de</strong> Laís: “as pessoas que eu sabia que iam me ajudar<br />

mesmo é que estão me ajudando”.<br />

E vale lembrar, conforme indicado no início <strong>de</strong>ste capítulo, que a<br />

internação neonatal nada tem <strong>de</strong> corriqueiro ou banal. Em outras palavras, a<br />

44


excepcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta situação suscita ainda mais expectativas em relação à<br />

prática <strong>de</strong> ações solidárias. Logo, torna-se possível dimensionar a indignação e<br />

a surpresa presente numa fala como a <strong>de</strong> Rosa:<br />

“Eu não entendo, eu já estou aqui há vinte e seis<br />

dias que estou aqui, elas [tias maternas] nunca<br />

vieram assim, não me ligam. Eu vou em casa, mas<br />

não vejo elas... não tenho contato assim com<br />

minhas tias, antes eu tinha”.<br />

O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>sta mãe expressa sua <strong>de</strong>cepção diante do que consi<strong>de</strong>ra<br />

como uma ‘traição’ e evi<strong>de</strong>ncia a relevância que a família consangüínea<br />

assume para esta entrevistada. Resi<strong>de</strong>nte no Rio <strong>de</strong> Janeiro há menos <strong>de</strong> um<br />

ano, oriunda do Maranhão aon<strong>de</strong> permaneceu a maior parte dos seus<br />

familiares, Rosa não tem condições <strong>de</strong> aceitar a omissão daqueles que<br />

comporiam uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio crucial diante <strong>de</strong> seu reduzido escopo <strong>de</strong><br />

matrizes <strong>de</strong> suporte. Diversos estudos como o já mencionado trabalho <strong>de</strong><br />

Bourdieu (1979) ou o <strong>de</strong> Durham (1978), <strong>de</strong>ntre outros, indicam que os<br />

migrantes, uma vez distantes do seu habitat original, ten<strong>de</strong>m a reforçar os<br />

laços entre si <strong>de</strong> modo a buscar preservar traços <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Conseqüentemente, pessoas com histórias e situações <strong>de</strong> vida similares à<br />

<strong>de</strong>sta mãe entrevistada ten<strong>de</strong>m a participar <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sociais mais resistentes<br />

ao ingresso <strong>de</strong> novos integrantes. A re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rosa, por exemplo, incorporou<br />

somente o pai <strong>de</strong> seu filho e uma vizinha.<br />

As palavras <strong>de</strong> Rosa - emblemáticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos similares <strong>de</strong> outros<br />

pais entrevistados - também po<strong>de</strong>m ser compreendidas à luz da hipótese<br />

segundo a qual a flexibilida<strong>de</strong> ou mesmo a relativa transitorieda<strong>de</strong> das alianças<br />

conjugais, prevalente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período colonial entre as classes menos<br />

abastadas em nosso país (Fonseca, 1997), favoreceu o estreitamento <strong>de</strong><br />

vínculos entre parentes consangüíneos que habitam próximos uns dos outros.<br />

45


E este parece ser o caso <strong>de</strong>sta mãe que mora perto <strong>de</strong> suas tias maternas com<br />

seu companheiro com quem convive há menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z meses.<br />

E, mais ainda, a fala <strong>de</strong> Rosa <strong>de</strong>monstra como que, no Brasil, família é<br />

mais do que uma instituição social na medida em que “constitui também e,<br />

principalmente, um valor” (Da Matta, 1987: 125). Exemplar também é o<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Joana, surpresa com o apoio recebido por parte <strong>de</strong> uma<br />

vizinha: “que a pessoa não é nada, não é nada, não é seu sangue...”. A<br />

compreensão ou, melhor, a incompreensão que as mães têm a respeito do<br />

<strong>de</strong>sempenho - aquém do esperado - <strong>de</strong> parentes consangüíneos vai <strong>de</strong><br />

encontro à concepção <strong>de</strong> que para muitos o “sangue” é um símbolo através do<br />

qual é transmitida uma moral capaz <strong>de</strong> moldar o caráter (Abreu Filho, 1981).<br />

Por vezes há exceções. São os casos em que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> familiares<br />

consangüíneos não apresentam tamanha importância para seus membros e<br />

suas atuações são, <strong>de</strong> certa forma, inesperadas. O fator <strong>de</strong>cisivo é o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da história <strong>de</strong> cada família. Exemplo é o relato <strong>de</strong> Luiza, outra<br />

mãe entrevistada, a respeito da sua surpresa para com o apoio recebido “até<br />

<strong>de</strong> uma irmã... até ela” com quem não mais tinha contato. Diz Luisa que<br />

provavelmente esta irmã reaproximou-se porque “minhas outras irmãs foram lá<br />

falar com ela”.<br />

Há uma correspondência direta entre frustração e pressuposição <strong>de</strong> apoio.<br />

Se o nível <strong>de</strong> expectativa <strong>de</strong> ajuda for muito elevado certamente será<br />

expressivo o impacto <strong>de</strong> sua carência (McLaughlin et al., 2002), o qual inci<strong>de</strong><br />

sobre o potencial <strong>de</strong> implosão ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>smantelamento das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte<br />

preexistentes à hospitalização dos bebês caso as <strong>de</strong>mandas por apoio não<br />

sejam atendidas por seus pares. Neste sentido <strong>de</strong>põe Joana:<br />

46


“A pessoa em que eu mais confiava, que eu mais<br />

gostava, que eu tinha mais afinida<strong>de</strong> era minha<br />

cunhada, minha cunhada foi e virou as costas prá<br />

mim, falou assim: ‘Ah eu não vou porque amanhã<br />

eu tenho <strong>de</strong> acordar cedo pra ir trabalhar’. Estava<br />

mentindo. Ela não quis ir não sei porque”.<br />

Na fala <strong>de</strong> Joana também está presente a questão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma explicação para evitar a quebra da “confiança” (Lomnitz, 1981: 28) entre<br />

os parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>. A pressuposta lealda<strong>de</strong> da parte <strong>de</strong> seus companheiros<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong> não comporta mentiras. Neste sentido, Fernanda <strong>de</strong>nuncia o<br />

comportamento ambíguo do pai <strong>de</strong> seu filho: “ele falou que ia ajudar, que ia dar<br />

as coisas a ele, <strong>de</strong>pois ele fala que não vai ajudar, ele fala duas coisas, eu fico<br />

meio assim”, sendo que um eventual rompimento <strong>de</strong> promessa<br />

necessariamente requer uma explicação plausível como diz Ana sobre a<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua patroa: “Ela não veio porque não estava po<strong>de</strong>ndo mesmo, eu<br />

entendi... porque vida <strong>de</strong> médica é corrida assim”. O limiar <strong>de</strong> tolerância para<br />

com o que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como uma falha imperdoável comporta uma<br />

variação individual entre os pais entrevistados.<br />

Não obstante, há <strong>de</strong>terminadas atitu<strong>de</strong>s por parte <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>veria lhes<br />

ajudar que são percebidas como irremediáveis pelos pais dos bebês, os quais<br />

sequer computam como positivas certas iniciativas a posteriori empreendidas<br />

por quem não lhes apoiou num momento <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>. Isto porque os<br />

entrevistados compartilham a crença <strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar na mão”<br />

quem está precisando <strong>de</strong> ajuda, como ilustra mais um trecho da entrevista <strong>de</strong><br />

Rosa no qual ela con<strong>de</strong>na a postura <strong>de</strong> sua ex-patroa que a <strong>de</strong>spediu quando<br />

tomou conhecimento <strong>de</strong> sua gravi<strong>de</strong>z: “ela sabia que eu precisava muito <strong>de</strong>sse<br />

trabalho porque eu não tenho ninguém por mim”. Daí não adianta que esta<br />

mesma ex-patroa compareça ao hospital ou lhe dê dinheiro para comprar<br />

47


oupas para o bebê. O registro <strong>de</strong>sta mãe sobre o comportamento atual <strong>de</strong> sua<br />

ex-patroa é o <strong>de</strong> que ela “finge que está ajudando, eu acho que é porque ela<br />

tem medo <strong>de</strong> eu fazer alguma coisa”.<br />

O significado atribuído por Rosa à atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ex-patroa também po<strong>de</strong><br />

ser dimensionado à luz do conceito <strong>de</strong> patronagem, o qual comporta um<br />

sistema <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>. E, conseqüentemente, ocasiona a “existência <strong>de</strong><br />

expectativas culturais compartilhadas” cujos pólos seriam o “bom patrão” e o<br />

“mau patrão” (Velho, 2004). Sem dúvida, pon<strong>de</strong>ra o mesmo autor, as relações<br />

<strong>de</strong> patronagem não mais são hegemônicas nas metrópoles brasileiras. No<br />

entanto, as consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Rosa <strong>de</strong>monstram que para alguns dos seus<br />

habitantes - especialmente os recém chegados <strong>de</strong> áreas rurais - os valores<br />

intrínsecos à patronagem ainda são relevantes. A tal ponto que não há perdão<br />

possível para a ex-patroa ou, melhor, “má patroa” <strong>de</strong> Rosa porque sua atitu<strong>de</strong><br />

teria sido “<strong>de</strong>sumana”, ou seja, não foi capaz <strong>de</strong> “zelar por sua subordinada”<br />

(Velho, 2004).<br />

Em suma, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>duzir que os diferentes sentidos que os pais dos<br />

bebês atribuem ao apoio eventualmente recebido e, sobretudo, as variadas<br />

expectativas face ao suporte que <strong>de</strong>veria estar sendo disponibilizado ou que<br />

estão <strong>de</strong> fato recebendo dizem respeito também aos tipos <strong>de</strong> tramas<br />

preexistentes e suas práticas. E serão estes os objetos das próximas partes<br />

<strong>de</strong>ste capítulo.<br />

48


4.1. 2 - Re<strong>de</strong>s das relações locais<br />

Para analisar as composições das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte preexistentes torna-se<br />

necessário, mais uma vez, invocar o perfil sócio-econômico dos pais<br />

entrevistados. Sua condição <strong>de</strong> pobres urbanos - apontada no início <strong>de</strong>ste<br />

capítulo - ou “metropolitanos” (Escorel, 1999: 31) compreen<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

marcos específicos que os diferencia das classes economicamente mais<br />

privilegiadas. Dentre estes traços distintivos há <strong>de</strong> se prestar atenção -<br />

particularmente nesta investigação acerca das composições das teias <strong>de</strong><br />

suporte - ao papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque assumido pelas re<strong>de</strong>s sociais enredadas<br />

localmente. Vários autores como Fonseca (1997), Gue<strong>de</strong>s e Lima (2006),<br />

Lomnitz (1981) e Sarti (2003a) apontam a importância da sociabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvida entre aqueles que moram por perto. Distantes do mercado formal<br />

<strong>de</strong> trabalho e negligenciados pelo Estado, os pobres urbanos constroem em<br />

torno <strong>de</strong> suas casas uma importante matriz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social.<br />

Em consonância com os relatos coletados ao longo <strong>de</strong>sta pesquisa, po<strong>de</strong>-<br />

se afirmar que é ao redor <strong>de</strong> sua morada que os pais dos bebês internados na<br />

UTIN do HMON encontram o locus privilegiado <strong>de</strong> suas interações sociais. A tal<br />

ponto que mesmo as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte cuja tessitura se dá por outros<br />

parâmetros que não exclusivamente os <strong>de</strong> vizinhança - como os <strong>de</strong> parentesco<br />

e os das relações <strong>de</strong> trabalho - são reforçadas em caso <strong>de</strong> dupla inscrição <strong>de</strong><br />

seus membros como, por exemplo, parentes que são vizinhos ou colegas <strong>de</strong><br />

trabalho que resi<strong>de</strong>m próximos uns dos outros. De fato, alguns estudos sobre<br />

as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong>stacam que os vínculos entre parentes consangüíneos<br />

permanecem estreitos quando suas residências não são distantes (Bott, 1976,<br />

49


Bronfman, 2001 e Lomnitz, 1981). E, por sua vez, vários entrevistados<br />

indicaram como parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> certos vizinhos que eram também colegas<br />

<strong>de</strong> trabalho, ao passo que <strong>de</strong>monstraram sua surpresa quando eventualmente<br />

receberam ajuda <strong>de</strong> pessoas com quem apenas trabalhavam. Ou seja, o fator<br />

espacial ou geográfico tem um peso <strong>de</strong>terminante na composição das teias <strong>de</strong><br />

suporte, como será explicado a seguir.<br />

Entretanto, antes <strong>de</strong> prosseguir, há <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar registrado que não foi<br />

encontrado nas entrevistas referências significativas às re<strong>de</strong>s eventualmente<br />

constituídas por companheiros <strong>de</strong> prática religiosa. Provavelmente porque seus<br />

integrantes seriam pessoas que guardam a particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma aliança<br />

baseada também em laços <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m espiritual, mas que, antes <strong>de</strong> tudo,<br />

moram próximas uma das outras. Tanto que a única mãe entrevistada que<br />

mencionou espontaneamente a ajuda prestada por “irmãs” <strong>de</strong> igreja durante o<br />

período <strong>de</strong> internação neonatal observou que eram vizinhas que já lhe<br />

ajudavam antes <strong>de</strong>la começar a compartilhar <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s religiosas.<br />

Logo, po<strong>de</strong>-se dizer que estes entrelaçamentos também são engendrados<br />

localmente.<br />

4.1.2.1 - Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> vizinhança<br />

Em meio à escassez <strong>de</strong> vínculos com o resto da socieda<strong>de</strong> os pais<br />

entrevistados - pobres urbanos - estreitam os laços com seus vizinhos cujas<br />

condições <strong>de</strong> vidas são semelhantes e com os quais se i<strong>de</strong>ntificam. Têm em<br />

comum um “ethos” - compreendido como o “tom, o caráter e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sua vida” (Geertz: 1978: 143) - que comporta atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> para<br />

50


com as necessida<strong>de</strong>s alheias. São capazes <strong>de</strong> compor <strong>de</strong>terminados arranjos<br />

que atenuem a precarieda<strong>de</strong> material <strong>de</strong> sua existência. Dada a carência <strong>de</strong><br />

mercadorias ou <strong>de</strong> bens materiais, a moeda em circulação passa a ser a<br />

prática <strong>de</strong> atos solidários como ilustra a fala <strong>de</strong> Marli: “os vizinhos me<br />

apoiaram, me incentivaram”. Ou a <strong>de</strong> Sara: “lá perto <strong>de</strong> casa o pessoal também<br />

ajudou”.<br />

Mas, sem dúvida, a fala que mais exemplifica o exercício <strong>de</strong> ações <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong> entre vizinhos é a <strong>de</strong> Joana:<br />

“eu recebo uma ajuda...do dono do mercado lá<br />

perto <strong>de</strong> casa. Pro meu vizinho assim que é o<br />

cozinheiro já pedi dinheiro, ele arrumou emprego<br />

pra mim, o cartão <strong>de</strong>le do ônibus está comigo”.<br />

No <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>sta mãe transparece a generosida<strong>de</strong> dos que têm um<br />

pouco mais para com os que têm menos ainda. Joana não tem companheiro e<br />

não mais do que trezentos reais por mês para arcar com todas suas <strong>de</strong>spesas<br />

e a <strong>de</strong> seus três filhos. Mora em condições precárias numa favela localizada na<br />

Zona Sul do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ro<strong>de</strong>ada por gente também em situação <strong>de</strong><br />

penúria. No entanto, em contrapartida, tem vizinhos que se <strong>de</strong>sdobram para<br />

ajudá-la mesmo que para tanto tenham <strong>de</strong> sacrificar seu próprio conforto o<br />

qual, por si só, já é tão rarefeito. Exemplo é o apoio daquele que - além <strong>de</strong> lhe<br />

“arrumar emprego” - é altruísta e solidário o suficiente para lhe ce<strong>de</strong>r seu vale-<br />

transporte para ônibus e ter <strong>de</strong>, por sua vez, ir a pé até o local <strong>de</strong> seu trabalho.<br />

Atitu<strong>de</strong>s como esta ou as <strong>de</strong> outros vizinhos - os quais, <strong>de</strong>ntre outras<br />

maneiras, auxiliam Joana com doações <strong>de</strong> alimentos - solidificam as alianças<br />

entre alguns indivíduos que são vizinhos. Tanto que Joana afirma: “eu recebo<br />

ajuda, eu moro numa comunida<strong>de</strong>” para, em seguida, enumerar variadas<br />

formas <strong>de</strong> apoio postas em prática por quem resi<strong>de</strong> perto <strong>de</strong> sua casa.<br />

51


Para <strong>de</strong>screver as interações indicadas por Joana - e por outros pais<br />

entrevistados - torna-se mais a<strong>de</strong>quado utilizar o termo “cuidado vicinal”<br />

(neighbourhood care) (Baldwin, 1993 apud Serapioni 2005: 250) o qual refere-<br />

se a relações estabelecidas entre certas pessoas que moram próximas uma<br />

das outras e <strong>de</strong>senvolvem ações <strong>de</strong> suporte entre si. Mesmo porque uma das<br />

leituras possíveis do controverso conceito <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> que “implica<br />

relação, participação e solidarieda<strong>de</strong> entre as diversas células <strong>de</strong> um âmbito<br />

geográfico” (Serapioni, 2005: 250). Ou seja, não inclui o processo <strong>de</strong> seleção<br />

presente na composição das re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte. Os integrantes das<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vizinhos, por exemplo, são escolhidos em meio a um “conjunto<br />

potencialmente muito mais amplo” (Gue<strong>de</strong>s e Lima, 2006: 141) que é o arco <strong>de</strong><br />

interações do indivíduo ou seu “universo relacional” (Sluzki, 1997: 41).<br />

Os critérios <strong>de</strong> seleção dos parceiros das re<strong>de</strong>s composta por vizinhos<br />

passam necessariamente pelo exercício da solidarieda<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>monstra<br />

mais um trecho da entrevista <strong>de</strong> Joana no qual ela <strong>de</strong>screve como duas<br />

vizinhas se revezam com a mãe <strong>de</strong>la para, por exemplo, cuidar dos seus filhos<br />

gêmeos quando eventualmente a mãe <strong>de</strong> Joana tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-los para resolver<br />

assuntos fora <strong>de</strong> casa: “tem umas vizinhas, Telma, a Lia, se minha mãe tem<br />

alguma coisa pra fazer <strong>de</strong>ixa um com uma, se tem consulta outra vai junto prá<br />

levar um menino”.<br />

Em outras palavras, as re<strong>de</strong>s formadas por vizinhos são construções<br />

arbitrárias mo<strong>de</strong>ladas pela prática <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> ajuda mútua que adquirem uma<br />

importância ímpar para seus integrantes como ilustra o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong><br />

Fernanda: “quem me apóia mais é essa minha colega [vizinha]”. Ou <strong>de</strong> Rosa:<br />

52


“vizinha minha que é colega mesmo me ajuda muito, minhas tias não ligam pra<br />

mim, meus pais moram longe”.<br />

E, mais ainda, este último <strong>de</strong>poimento - o <strong>de</strong> Rosa - indica que, por vezes,<br />

uma vizinha po<strong>de</strong> ocupar um espaço que está vago por conta do<br />

comprometimento do relacionamento da mãe do bebê com outras instâncias <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> que lhe são relevantes como, neste caso, sua família<br />

consangüínea. Neste sentido, corrobora reflexões anteriores acerca da<br />

plasticida<strong>de</strong> das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio e sua conseqüente capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar<br />

os indivíduos que exerçam as funções <strong>de</strong> suporte in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente se são<br />

ou não ligados por outros laços ou que as <strong>de</strong>sempenhem <strong>de</strong> forma permanente<br />

(Bronfman, 2001). Ou seja, importa mais o preenchimento <strong>de</strong>stas funções do<br />

que as próprias pessoas que as ocupam (Braga: 2006). Para tornar mais clara<br />

esta argumentação po<strong>de</strong> -se recorrer ao exemplo - um pouco diferente do<br />

citado por Rosa - <strong>de</strong> uma avó biológica jovem, ainda às voltas com seu<br />

trabalho, a qual dificilmente teria condições <strong>de</strong> funcionar como uma “avó”, ao<br />

contrário <strong>de</strong> uma vizinha mais velha e aposentada.<br />

Contudo, ao consi<strong>de</strong>rar que as re<strong>de</strong>s constituídas por vizinhos não estão<br />

<strong>de</strong>limitadas por um contorno espacial ou geográfico, mas sim por um processo<br />

<strong>de</strong> recrutamento <strong>de</strong> parceiros que moram por perto e ajudam em momentos <strong>de</strong><br />

“precisão” há <strong>de</strong> se pensar nos limites <strong>de</strong>stas tramas sempre suscetíveis a<br />

conjunturas em constantes transformações como, por exemplo, <strong>de</strong>terminada<br />

posição no ciclo <strong>de</strong> vida. E, ao buscar traçar os marcos fronteiriços das re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> relações <strong>de</strong> vizinhança, é preciso atentar para o fato <strong>de</strong> que muitas vezes<br />

estes companheiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s são <strong>de</strong>signados pelos pais dos bebês<br />

entrevistados com termos semelhantes aos que são utilizados para nomear<br />

53


parentes consangüíneos. Isto porque várias das relações existentes entre os<br />

parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte “são expressas no idioma do parentesco”<br />

(Gue<strong>de</strong>s e Lima, 2006: 140), como será examinado a seguir.<br />

4.1.2.2 - Re<strong>de</strong>s das relações <strong>de</strong> parentesco<br />

Muitos são os pais entrevistados que qualificam seus vizinhos com<br />

<strong>de</strong>signações geralmente <strong>de</strong>stinadas a parentes consangüíneos, mostrando que<br />

as fronteiras das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> parentesco estão sobrepostas com as <strong>de</strong> vizinhança.<br />

A utilização <strong>de</strong> termos tais como “prima” ou “irmã” serve para nomear as<br />

pessoas que os pais dos recém nascidos incluem em suas “re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong> primárias” (Serapioni, 2005: 249) e integrais já que são<br />

caracterizadas por trocas constantes entre seus integrantes. Exemplar é a fala<br />

<strong>de</strong> Laís: “minha comadre, fomos criadas quase juntas, tenho ela como irmã... a<br />

gente mora próximo”. Ou a <strong>de</strong> Joana:<br />

“Minha prima é assim... a minha mãe conheceu<br />

minha madrinha, que quando minha mãe veio para<br />

cá, minha mãe é do Norte, ela estava grávida <strong>de</strong><br />

mim... aí ela conheceu essa minha madrinha,<br />

ajudou muito minha mãe... minha mãe começou a<br />

trabalhar e ela ficou cuidando <strong>de</strong> mim até já<br />

gran<strong>de</strong>... minha mãe botou ela para me batizar e as<br />

primas eu chamo <strong>de</strong> primas mas não são não, são<br />

filhas <strong>de</strong>la...”.<br />

Portanto, po<strong>de</strong>-se afirmar que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> parentesco são compostas<br />

também por parentes <strong>de</strong> “consi<strong>de</strong>ração” (Gue<strong>de</strong>s e Lima, 2006: 141) ou<br />

“fictícios” (Bronfman, 2001: 113) que seriam aqueles incluídos por mérito, isto<br />

é, próximos e leais o suficiente para serem encarados pelos pais dos bebês<br />

54


como legítimos familiares. Na maioria das vezes estes vizinhos - amigos são<br />

assim agraciados por conta <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> confiança já cristalizadas e<br />

<strong>de</strong>senvolvidas a partir da reciprocida<strong>de</strong> ou da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar-e-receber.<br />

Por vezes, o parentesco fictício ou <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração é reforçado pelo<br />

compadrio, como ilustra a fala <strong>de</strong> Luisa a respeito <strong>de</strong> uma amiga: “é tipo uma<br />

irmã, eu não sabia que ia po<strong>de</strong>r contar tanto com ela neste ponto, vou dar a ela<br />

pra batizar meu filho”. Ou seja, esta parceira tanto ajudou a mãe do bebê que<br />

<strong>de</strong>la receberá em troca a honra <strong>de</strong> se tornar madrinha do recém nascido. Esta<br />

assertiva vai <strong>de</strong> encontro a estudos que indicam que o compadrio serve para<br />

reforçar vínculos sociais já estabelecidos (Gue<strong>de</strong>s e Lima, 2006). E, mais<br />

ainda, mostra como são relações construídas a partir da troca <strong>de</strong> favores,<br />

especialmente entre populações que não dispõem <strong>de</strong> muitos recursos<br />

materiais, como os pobres urbanos (Lomnitz, 1981). Há uma expectativa <strong>de</strong><br />

protecionismo por <strong>de</strong>ntre aqueles que são compadres (Souza, 1981). Trata-se<br />

<strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> cooperação bilateral (Greenfield, 1980), permeada por um<br />

código <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres entre os pares.<br />

Outrossim, nota-se que está em pauta a concepção <strong>de</strong> família. “Ao<br />

contrário do que se faz crer - inclusive pelo uso do artigo <strong>de</strong>finido - a família<br />

assume uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas” (Rocha-Coutinho, 2006: 92). Não há “uma<br />

família”, mas sim “vários tipos <strong>de</strong> família” (Velho, 1987: 80) mesmo porque a<br />

“família é um organismo mutável, que transforma e é transformado pela<br />

socieda<strong>de</strong>” (Benincá e Gomes: 1998: 199).<br />

Para os pais dos bebês internados na UTI a noção em uso é a da “família<br />

vivida” (Szymanski, 2003: 26) ou as “formas empíricas <strong>de</strong> família” (Vaitsman,<br />

1999: 67). Sua extensão não se restringe ao núcleo conjugal e supera qualquer<br />

55


critério biológico para firmar seus limites. Diversos estudos indicam a falácia do<br />

mo<strong>de</strong>lo nuclear (Gueiros, 2002; Hotimski e Alvarenga, 2002; Serapioni, 2005).<br />

A família dificilmente está restrita ao núcleo domiciliar, uma vez que faz parte<br />

<strong>de</strong> um agrupamento maior que é o do parentesco.<br />

Esta assertiva acerca da amplitu<strong>de</strong> da família é particularmente pertinente<br />

quando se está lidando com populações <strong>de</strong> escassos recursos materiais<br />

(Fonseca, 1997 e Sarti, 2003b) como os pais dos recém nascidos<br />

hospitalizados. Mesmo porque, muitas vezes, constituem o que po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>scrito como “casas muradas e famílias abertas” (Gue<strong>de</strong>s e Lima: 2006: 133).<br />

Ou exemplificado pela fala <strong>de</strong> Fernanda: “é um quintal, lá todo mundo é família,<br />

minhas tias, meu avô, todo mundo mora num quintal”. Ou por Ana: “no meu pai<br />

é um terreno gran<strong>de</strong>, então eu tenho minha casa e a da minha irmã que mora<br />

em cima da minha mãe”.<br />

Ambos os <strong>de</strong>poimentos - <strong>de</strong> Fernanda e <strong>de</strong> Ana - <strong>de</strong>monstram que a família<br />

extensa e <strong>de</strong> portas abertas comporta mais <strong>de</strong> uma geração, constituindo<br />

assim a dita “família ampliada” (Ministério da Saú<strong>de</strong>, 2002: 50). A convivência<br />

intergeracional e a prática <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> mais pessoas - além <strong>de</strong> parentes<br />

consangüíneos - entre as unida<strong>de</strong>s domésticas é prática corrente entre os<br />

pobres urbanos há mais <strong>de</strong> um século (Fonseca, 1997). De fato, foram as<br />

classes sociais economicamente mais abastadas que a<strong>de</strong>riram com mais vigor<br />

ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família conjugal. As <strong>de</strong> menor po<strong>de</strong>r aquisitivo continuaram a<br />

abrigar em suas casas muito mais do que o casal e seus filhos, sendo que os<br />

limites da família são estabelecidos <strong>de</strong> acordo com a máxima <strong>de</strong> que “a família<br />

é gente com quem se conta” (ONU, 1994).<br />

56


A importância do apoio oferecido por familiares <strong>de</strong> outra geração é<br />

reconhecida pelas entrevistadas. A maioria das mães dos bebês aponta como<br />

principal parceira para enfrentar as dificulda<strong>de</strong>s inerentes ao período <strong>de</strong><br />

hospitalização sua própria mãe, isto é, a avó materna do recém nascido como<br />

fala Roberta: “só foi mais fácil porque minha mãe estava junto comigo o tempo<br />

todo quem me apoiou foi minha mãe”. Esta observação corrobora estudos<br />

anteriores (Braga e Morsch, 2003; Dressen e Braz, 2004) acerca da<br />

importância do suporte oferecido pela mãe da mãe do bebê.<br />

O período <strong>de</strong> pós-parto caracteriza-se por uma intensa evocação por parte<br />

da mãe recém constituída dos cuidados recebidos por ocasião do seu próprio<br />

nascimento e faz com que a avó materna do recém nascido se torne a principal<br />

figura <strong>de</strong> referência para a mãe do bebê neste momento (Stern, 1997). A<br />

reorganização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da mãe do lactente - que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser apenas<br />

filha para tornar-se também mãe - engendra uma revisão do seu<br />

relacionamento com a sua própria mãe e avó do recém nascido e po<strong>de</strong><br />

ocasionar <strong>de</strong>poimentos como o <strong>de</strong> Diana: “eu sempre fui mais próxima até do<br />

meu pai do que da minha mãe, mas agora no nascimento da minha filha minha<br />

mãe está muito próxima, acho que é a neta que ela queria”.<br />

Logo, instala-se um campo fértil para o exercício da “maternagem<br />

ampliada” (Braga et al, 2001: 312) já que: “em geral, as mães preferem a avó e<br />

parentes maternos como fonte <strong>de</strong> ajuda nos cuidados dispensados aos filhos”<br />

(Dressen e Braz, 2000: 4). A tal ponto que a maior parte das pessoas<br />

apontadas pelas mães entrevistadas como integrantes <strong>de</strong> suas respectivas<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio são os parentes por parte <strong>de</strong> mãe como os avôs maternos, tias<br />

maternas, irmãs, primas e esposas dos seus irmãos. Poucas são as menções<br />

57


aos membros das famílias dos pais do bebê. As únicas exceções aparecem<br />

nas falas <strong>de</strong> Diana, Amanda e Nair que incorporam suas sogras, cunhados e<br />

cunhadas às suas tramas <strong>de</strong> suporte.<br />

Outro apoio <strong>de</strong> suma relevância para as mães entrevistadas é o oferecido<br />

por seus companheiros. Todavia, nota-se que algumas mães - mesmo as<br />

casadas - não incluem seus maridos entre os que mais lhe ajudam uma vez<br />

que eles não permaneceriam “ao seu lado” na UTI porque estariam às voltas<br />

com suas respectivas ocupações profissionais. Na medida em que esta<br />

pesquisa teve lugar numa instituição com horário estendido (das 9h. às 21h.)<br />

para a presença dos pais na unida<strong>de</strong> intensiva a ausência dos conjugues por<br />

motivo <strong>de</strong> trabalho não é aceita pelas mães dos bebês. Neste sentido fala<br />

Marli: “não é aquele graan<strong>de</strong> apoio, ele vem, fica quinze minutinhos <strong>de</strong>pois do<br />

trabalho... não é aquela coisa que vejo <strong>de</strong> certos pais que ficam aí<br />

praticamente o dia todo”.<br />

Há uma <strong>de</strong>manda por companheirismo indicando que questões <strong>de</strong> gênero -<br />

anteriormente em pauta somente entre as classes sociais <strong>de</strong> maior po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo - começam a ganhar espaço também entre a população <strong>de</strong> menor<br />

renda. A concepção mais tradicional do homem como provedor e da mulher<br />

como responsável pelos cuidados com a casa e com a prole, outrora<br />

prevalente entre os pobres urbanos, não mais reina absoluta por conta <strong>de</strong><br />

recentes transformações sócio-culturais (Vaitsman, 1997). A maior quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> famílias monoparentais - em sua maioria chefiadas por mulheres as quais,<br />

conseqüentemente, têm <strong>de</strong> conciliar as tarefas domésticas com outras mais<br />

rentáveis do ponto <strong>de</strong> vista econômico - fez com que <strong>de</strong>terminados valores<br />

mais tradicionais ou hierárquicos fossem questionados. De tal maneira que não<br />

58


mais faz sentido usar referenciais antagônicos como tradicional versus<br />

mo<strong>de</strong>rno ou hierárquico versus individualista. Todos se tornaram ambíguos.<br />

Atualmente há “participação simultânea em diferentes mundos simbólicos e<br />

institucionais” (Vaitsman, 1997: 303). E tudo indica que esta reflexão se aplica<br />

às mães entrevistadas que não se contentam caso os pais dos seus filhos<br />

atuem apenas como provedores <strong>de</strong> recursos materiais.<br />

E, ao se falar em participação em ativida<strong>de</strong>s renumeradas, cabe apresentar<br />

o último tipo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte citado pelos pais entrevistados que é,<br />

justamente, o constituído por colegas <strong>de</strong> trabalho.<br />

4.1.3. - Re<strong>de</strong>s das relações <strong>de</strong> trabalho<br />

Para além das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vizinhança e <strong>de</strong> parentesco, encontram-se as<br />

práticas <strong>de</strong> suporte oferecidas por companheiros <strong>de</strong> trabalho. Ao contrário dos<br />

dois tipos <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte anteriormente analisadas o apoio recebido por<br />

parte das pessoas com quem se trabalha é registrado como uma surpresa,<br />

como ilustra a fala <strong>de</strong> Ana: “não esperava, lá no trabalho minhas colegas se<br />

reuniram, falaram com as clientes e cada uma ajudou”.<br />

O registro <strong>de</strong>stas ações como algo da or<strong>de</strong>m do inesperado, segundo os<br />

entrevistados, po<strong>de</strong> apontar para o fato <strong>de</strong> que os vínculos estabelecidos no<br />

ambiente profissional são menos intensos do que os <strong>de</strong>senvolvidos nas<br />

cercanias do local <strong>de</strong> moradia ou no extenso arco das relações <strong>de</strong> parentesco.<br />

Neste sentido, torna-se válido afirmar que estas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> “colegas <strong>de</strong> trabalho”<br />

po<strong>de</strong>m ser classificadas - <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Lemieux (1999)<br />

59


exposta no capítulo sobre os marcos teóricos - como “re<strong>de</strong>s latentes”. Ou seja,<br />

distinguem-se das mencionadas “re<strong>de</strong>s integrais” as quais são capazes <strong>de</strong><br />

aten<strong>de</strong>r às variadas <strong>de</strong>mandas e objetivos, como <strong>de</strong>monstraram os<br />

<strong>de</strong>poimentos acerca das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vizinhança e <strong>de</strong> parentesco.<br />

Por sua vez, torna-se possível atribuir a surpresa face ao apoio recebido às<br />

características próprias da amostra dos pais entrevistados, isto é, <strong>de</strong> pobres<br />

metropolitanos. Dentre estes pais <strong>de</strong> bebês entrevistados não mais do que<br />

quatro têm emprego, indicando a “vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vínculos com o mundo do<br />

trabalho” (Escorel: 1999: 75). Por conseguinte, há uma tendência à não criação<br />

<strong>de</strong> laços significativos com seus companheiros <strong>de</strong> trabalho dada a efemerida<strong>de</strong><br />

dos seus postos profissionais.<br />

A precarieda<strong>de</strong> - manifesta através <strong>de</strong> ocupações temporárias e sem<br />

qualquer garantia <strong>de</strong> direitos trabalhistas - das relações existentes entre o<br />

universo dos pais entrevistados e o do trabalho po<strong>de</strong> ocasionar sua falta <strong>de</strong><br />

expectativa para com uma eventual prática <strong>de</strong> suporte. Em outras palavras,<br />

estes colegas, ao contrário dos que são vizinhos ou parentes, não estão unidos<br />

pela comunhão, por exemplo, <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> obrigações recíprocas em torno<br />

do qual aglomeram-se os integrantes das re<strong>de</strong>s acima mencionadas. Ou seja,<br />

não se espera <strong>de</strong> parceiros que compartilham entre si apenas o ambiente<br />

profissional o atendimento a uma série <strong>de</strong> requisitos que norteiam as<br />

interações entre os que compõem as re<strong>de</strong>s integrais <strong>de</strong> suporte.<br />

E, uma vez tendo examinado os três tipos <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sociais preexistentes<br />

que mais apóiam os pais dos recém nascidos hospitalizados, po<strong>de</strong>-se então<br />

analisar as práticas <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong>senvolvidas por estas tramas durante a<br />

60


internação <strong>de</strong> um filho ou <strong>de</strong> uma filha <strong>de</strong> um parceiro ou <strong>de</strong> uma companheira<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong>.<br />

4.1. 4 - Ações das re<strong>de</strong>s preexistentes <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês<br />

Graças às reflexões <strong>de</strong> Bronfman (2001) Sluzki (1997) e Lemieux (1999)<br />

sobre as funções - indicadas no capítulo referente aos marcos teóricos - das<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte, tornou-se possível or<strong>de</strong>nar em três eixos básicos o material<br />

coletado nas entrevistas a respeito dos tipos <strong>de</strong> ajuda recebida pelos pais dos<br />

bebês. As modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio propiciadas pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte<br />

preexistentes foram, a partir das contribuições <strong>de</strong>stes autores e da análise dos<br />

discursos dos entrevistados, agrupadas em núcleos <strong>de</strong> suporte emocional,<br />

informativo e material. Dois <strong>de</strong>stes eixos comportaram subdivisões. O núcleo<br />

emocional foi subdividido em apoio moral e <strong>de</strong> companhia social ou<br />

convivência. E, por sua vez, o eixo material incluiu o auxílio monetário, doação<br />

<strong>de</strong> bens materiais, prestação <strong>de</strong> pequenos serviços tais como zelo pela casa<br />

dos pais que permanecem no hospital acompanhando o recém nascido e<br />

cuidados com os irmãos do bebê hospitalizado.<br />

4. 1.4.1.- Eixo emocional<br />

A fragilida<strong>de</strong> emocional experimentada pelos pais dos bebês que<br />

necessitam <strong>de</strong> cuidados médicos intensivos logo após o nascimento tem sido<br />

i<strong>de</strong>ntificada por vários especialistas renomados como Brazelton (1988), Golse<br />

(2003), Klaus e Kennel (2000), <strong>de</strong>ntre outros. Não há pai ou mãe que não<br />

61


vivencie um sentimento <strong>de</strong> fracasso e <strong>de</strong> incompetência por ter colocado no<br />

mundo um filho distante do imaginado durante toda sua vida (Gomes, 2002).<br />

Por conseguinte, o suporte oferecido por parceiros é <strong>de</strong> extrema<br />

importância como ilustra o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Fernanda a respeito da ajuda<br />

recebida da parte <strong>de</strong> uma colega-vizinha: “se não fosse por ela eu já estava<br />

maluca... eu fiquei aqui no hospital, quase entrei em <strong>de</strong>pressão, só chorava<br />

porque ninguém vinha me ver”. Ou seja, o apoio moral oferecido por sua amiga<br />

nesta situação que é limite porque marcada por um paradoxo extremo - ao lado<br />

da vida recém constituída paira a ameaça da morte - é fundamental. A saú<strong>de</strong><br />

mental <strong>de</strong>sta mãe entrevistada, assim como a <strong>de</strong> outros pais, encontra-se<br />

ameaçada como mostra também a fala <strong>de</strong> Ana: “você está no <strong>de</strong>sespero, aí<br />

vem uma pessoa assim, dá uma palavra amiga, <strong>de</strong> confiança, faz uma oração,<br />

aí parece que você fica mais tranqüila”.<br />

Em outras palavras, po<strong>de</strong>-se dizer que tais atitu<strong>de</strong>s diminuem a sensação<br />

<strong>de</strong> atordoamento comum a todos os pais os quais, ao invés <strong>de</strong> irem para suas<br />

casas com seus recém nascidos no colo, têm <strong>de</strong> testemunhar a luta pela vida<br />

dos recém nascidos (Braga e Morsch, 2003). Anos <strong>de</strong> observação empírica em<br />

UTIN constataram que para os pais dos recém nascidos a UTI neonatal é como<br />

um labirinto cheio <strong>de</strong> fios e objetos diferentes perante o qual dificilmente se<br />

antevê uma saída, como ilustra este trecho da entrevista <strong>de</strong> Joana a respeito<br />

do impacto que sentiu ao visitar pela primeira vez seu filho na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cuidados intensivos:<br />

“fui ver ele, estava todo entubado, mas a<br />

reação quando a gente chega na UTI, porque a<br />

gente não enten<strong>de</strong> nada... aí está aquela<br />

criança assim... super, hiper grave...sabe?<br />

Parece que vai morrer... alguma coisa assim,<br />

62


um milhão <strong>de</strong> coisas passa pela nossa<br />

cabeça... eu nunca vivi este mundo, sabe?”<br />

Daí a alternativa <strong>de</strong>stas mães que estão aturdidas é a <strong>de</strong> recorrer a quem<br />

freqüentemente funciona como figura <strong>de</strong> referência em seu cotidiano. Ten<strong>de</strong>m<br />

a apegar-se ao que já lhe era habitual como, por exemplo, conversar com<br />

quem já estavam acostumadas e as quais vêm lhes visitar no HMON. Trata-se<br />

<strong>de</strong> uma estratégia para diminuir seu estresse diante <strong>de</strong> uma situação tão<br />

estranha ou incomum em suas vidas.<br />

Entretanto, muitas vezes o apoio moral não se encontra circunscrito aos<br />

limites do hospital. Muitos dos pais entrevistados relatam como são<br />

reconfortantes as conversas engendradas nas portas <strong>de</strong> suas moradas ou<br />

através <strong>de</strong> telefonemas que recebem quando chegam em sua casa. Dialogar<br />

sobre o sofrimento, “<strong>de</strong>sabafar” também é muito importante como diz Roberta:<br />

“quanto mais eu falava pra mim era melhor”. Trabalhos oriundos do campo da<br />

psicologia <strong>de</strong>monstram como a expressão em palavras <strong>de</strong> sentimentos<br />

dolorosos contribui para sua elaboração e conseqüente assimilação (Cyrulnik,<br />

1999; De Hennezel, 1995).<br />

Contudo, há mães que relutam em ficar conversando porque, como diz<br />

Marli: “quem não está perto não consegue enten<strong>de</strong>r”. Esta pon<strong>de</strong>ração por<br />

parte <strong>de</strong>sta mãe aborda uma questão relevante para os cuidadores que<br />

advogam a presença no hospital da re<strong>de</strong> social significativa, cuja <strong>de</strong>finição -<br />

elaborada por Sluzki (1997) - está no segundo capítulo <strong>de</strong>sta dissertação. Para<br />

os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o comparecimento à instituição hospitalar dos membros das<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte significativas é imprescindível a presença física na UTI dos<br />

integrantes <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s. Isto porque só assim a penosa realida<strong>de</strong> enfrentada<br />

63


pela dupla parental seria compartilhada e melhor compreendida por quem teria<br />

a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudá-la tanto <strong>de</strong>ntro quanto fora do hospital.<br />

Mas, por outro lado, seus críticos, isto é, os cuidadores que recomendam a<br />

presença no hospital apenas do núcleo familiar do recém nascido argumentam<br />

que assim seria evitado a proliferação <strong>de</strong> bactérias exógenas capazes <strong>de</strong><br />

infeccionar um ambiente que <strong>de</strong>veria ser o mais asséptico possível. De uma<br />

maneira geral, estas posições avessas ao comparecimento das re<strong>de</strong>s integrais<br />

encontram-se presentes nos discursos das Comissões <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Infecção<br />

Hospitalar. E, por vezes, é reproduzida pelos usuários dos serviços públicos<br />

em saú<strong>de</strong>, como ilustra a seguinte fala <strong>de</strong> Amanda: “acho que não <strong>de</strong>veria ter<br />

acesso que não seja <strong>de</strong> pai e mãe <strong>de</strong>ntro da UTI... é muita gente que entra e a<br />

gente tem medo”.<br />

Embora haja discordância entre os próprios entrevistados a respeito da<br />

conveniência do comparecimento dos parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> ao hospital, há<br />

consenso em torno da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que alguma forma <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> seja<br />

expressa porque a omissão por completo da parte <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>veria estar<br />

apoiando - por pertencer à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte - po<strong>de</strong> ser associada à idéia <strong>de</strong><br />

‘traição’, como indicado anteriormente. As formas <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong> apoio<br />

moral por parte dos parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> são variadas como as conversas nas<br />

portas das casas ou da UTI e os telefonemas. O importante, diz José, é que o<br />

interesse seja: “<strong>de</strong> coração, uns perguntam por perguntar... mas tem uns que<br />

sentem afetivida<strong>de</strong> por você”.<br />

De acordo com o que foi mostrado na parte inicial <strong>de</strong>ste capítulo, a<br />

ausência no hospital dos integrantes das re<strong>de</strong>s preexistentes <strong>de</strong> apoio não é<br />

necessariamente encarada pelos pais dos bebês como uma falta <strong>de</strong> ajuda num<br />

64


momento crítico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os seus companheiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s manifestem com<br />

intencionalida<strong>de</strong> sua solidarieda<strong>de</strong>. Há uma avaliação por parte dos pais<br />

quanto às razões <strong>de</strong> uma eventual ausência no hospital <strong>de</strong> seus parceiros <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>.<br />

Porém, há <strong>de</strong> se ressaltar que os critérios que norteiam esta avaliação<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m também em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> uma consciência acerca das normas<br />

que regem a rotina <strong>de</strong> visitas na instituição hospitalar. Muitas vezes as regras<br />

das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não são explicitadas e compreendidas por seus<br />

usuários, ocasionando conflitos e <strong>de</strong>sentendimentos entre eles as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

apoio que lhes são significativas. E, com isso, abrem -se os caminhos para as<br />

mencionadas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> implosão <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sociais preexistentes.<br />

Todavia, nenhum sentido negativo é atribuído quando as regras para o<br />

acesso à UTI são suficientemente claras e assimiladas pelos pais dos bebês.<br />

As ausências <strong>de</strong> companheiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> são justificadas, como mostra Amanda:<br />

“a gente não po<strong>de</strong> nem cobrar presença <strong>de</strong> ninguém aqui, né, porque todo<br />

mundo trabalha, tem sua vida”. O não comparecimento, se precedido por uma<br />

compreensão dos respectivos motivos, não é encarado como uma falta <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong> como diz Diana: “meus pais têm ajudado, apesar do meu pai não<br />

po<strong>de</strong>r estar aqui por que ele trabalha e o horário daqui não dá pra vir”.<br />

A companhia aos pais dos bebês internados faz parte - ao lado do apoio<br />

moral - do eixo emocional <strong>de</strong> suporte oferecido pelas re<strong>de</strong>s preexistentes. E,<br />

como tal, também tem lugar fora do hospital. Helena, por exemplo, relata com<br />

prazer o hábito do seu marido <strong>de</strong> levá-la para casa periodicamente e passar o<br />

dia tratando-a como uma “rainha” na medida em que não a <strong>de</strong>ixa chegar perto<br />

dos afazeres domésticos. O único pai entrevistado, isto é, José, fala do<br />

65


conforto que é o fato do seu pai morar perto e passar todas as noites em sua<br />

casa enquanto sua mulher e a filha ficam no hospital. Outros entrevistados<br />

contam experiências semelhantes, <strong>de</strong>stacando a importância <strong>de</strong>stas atitu<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> companheirismo. Afinal, os pais dos bebês hospitalizados - tal qual os<br />

doentes propriamente ditos (Sluzki, 1997) - ten<strong>de</strong>m a vivenciar uma restrição<br />

<strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> a qual minimiza a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> travar novos contatos sociais<br />

fora do ambiente hospitalar. Isto porque todas as duplas parentais<br />

experimentam, como indicado, um misto <strong>de</strong> sensações entremeadas por<br />

sentimentos <strong>de</strong> incompetência, atordoamento e, principalmente, <strong>de</strong> culpa por<br />

ter posto no mundo um bebê “frágil e in<strong>de</strong>feso”. O acabrunhamento é<br />

generalizado e, com isso, os pais evitam expor o que está se passando para<br />

quem não é conhecido ou para quem não tem qualquer noção sobre a<br />

dimensão dramática inerente à internação neonatal. Daí a relevância <strong>de</strong>, neste<br />

momento <strong>de</strong> sofrimento tão intenso, po<strong>de</strong>r compartilhar <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong><br />

intimida<strong>de</strong> com os parceiros das re<strong>de</strong>s integrais preexistentes.<br />

Antes <strong>de</strong> encerrar a análise sobre a companhia propiciada pelos membros<br />

das teias sociais <strong>de</strong> apoio aos pais dos recém nascidos há <strong>de</strong> se registrar sua<br />

eventual transitorieda<strong>de</strong> como mostra a fala <strong>de</strong> Roberta: “as visitas diminuem,<br />

enten<strong>de</strong>u? As pessoas não vêm com tanta freqüência como <strong>de</strong> início”. As<br />

justificativas para estes comportamentos são variadas como retorno aos<br />

afazeres do cotidiano, obtenção <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho ou falta <strong>de</strong> dinheiro para<br />

passagem. Em comum há a necessida<strong>de</strong> dos motivos estarem, mais uma vez,<br />

explícitos sob pena da ausência das re<strong>de</strong>s ser confundida pelos pais com uma<br />

forma <strong>de</strong> abandono.<br />

66


Mas, mais ainda, aponta para uma questão similar àquela indicada acima<br />

que é a do risco <strong>de</strong> um isolamento social a ser vivido pelos pais dos recém<br />

nascidos internados. A ameaça é concreta: diversas pesquisas <strong>de</strong>monstram<br />

como a extensão temporal da doença suscita a redução do arco <strong>de</strong> interações<br />

sociais (Ramos, 2002 e Sluzki, 1997). Até porque, argumentam estes autores,<br />

a presença da doença diminui a potencialida<strong>de</strong> do paciente - inclusive daqueles<br />

que, como os pais dos bebês, encontram-se diretamente envolvidos com quem<br />

está sob cuidados médicos ininterruptos - <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

reciprocida<strong>de</strong> as quais são fundamentais para o incremento das relações em<br />

re<strong>de</strong>. E vale lembrar que “os vínculos estão baseados precisamente neste<br />

princípio <strong>de</strong> quid pro quo” (Sluzki, 1997: 78). Ou, <strong>de</strong> acordo com os a<strong>de</strong>ptos da<br />

Teoria das Trocas (Blau, 1964 apud Ramos, 2002), a doença acarreta um<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio na balança <strong>de</strong> trocas sociais ou, em outras palavras, a ausência<br />

<strong>de</strong> uma equida<strong>de</strong>. Caso tenham lugar num quadro <strong>de</strong> doença as trocas jamais<br />

serão igualitárias (Ramos, 2002).<br />

4.1.4.2. - Eixo informativo<br />

Habitualmente a instituição hospitalar é encarada pelos usuários <strong>de</strong> seus<br />

serviços como um local <strong>de</strong> domínio <strong>de</strong> uma linguagem que não lhes é acessível<br />

porque incompreensível, como <strong>de</strong>monstram estudos clássicos como o <strong>de</strong><br />

Boltanski (1960) e Balint (1988). E toda UTI neonatal, na medida em que<br />

constitui um reduto <strong>de</strong> reconhecida predominância <strong>de</strong> recursos tecnológicos,<br />

costuma ser um ambiente no qual diversos jargões <strong>de</strong> conhecimento restrito<br />

aos profissionais especializados ten<strong>de</strong>m a ser reproduzidos. A utilização <strong>de</strong><br />

67


uma linguagem que reforça a clivagem <strong>de</strong> conhecimentos entre o médico e seu<br />

paciente (Balint, 1988) contribui para a mencionada sensação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>snorteamento experimentada pelos pais dos bebês internados.<br />

Neste contexto tornam-se fundamentais as trocas <strong>de</strong> informações entre<br />

companheiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Exemplar é a fala <strong>de</strong> Sara que conta que é<br />

a sua mãe que: “vai lá, conversa com os pediatras, vai e olha”. O papel <strong>de</strong><br />

intermediação exercido pela avó do bebê facilita, ou melhor, atenua as<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação onipresentes na relação médico-paciente. E, sem<br />

dúvida, representa um dos aspectos da maternagem ampliada. Afinal, a mãe<br />

da mãe - ao contrário da mãe do recém nascido - não tem <strong>de</strong> lidar com o<br />

ferimento ao seu narcisismo provocado pelo nascimento <strong>de</strong> um bebê <strong>de</strong>stoante<br />

<strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al há muito cultivado (Mathelin, 1999). Na medida em que esta<br />

questão não atinge lhe diretamente, a avó - por vezes - encontra-se mais<br />

disponível para tentar dialogar e compreen<strong>de</strong>r o quadro <strong>de</strong> seu neto.<br />

Entrementes, muitas vezes as mães dos bebês necessitam recorrer aos<br />

seus parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> para obter informações por conta <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s mais<br />

objetivas do que as <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m subjetiva - como as indicadas no parágrafo<br />

acima. Há ocasiões em que o estado clínico da mãe após o parto inviabiliza um<br />

acompanhamento mais efetivo do quadro <strong>de</strong> seu filho, como mostra a fala <strong>de</strong><br />

Nair: “não pu<strong>de</strong> acompanhar a cirurgia do meu filho porque tinha acabado <strong>de</strong><br />

fazer cesárea, quem foi com ele foi meu pai... aí veio me contar tudo”.<br />

Os relatos <strong>de</strong> experiências também são ressaltados pelos pais dos bebês<br />

como maneiras <strong>de</strong> ajuda oferecidas por seus parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>. Fernanda, por<br />

exemplo, conta como sua sogra costuma tranqüilizá-la: “diz que ele vai ficar<br />

direitinho porque ela já teve um menino <strong>de</strong> seis meses que agora está por aí<br />

68


aprontando”. A mesma atitu<strong>de</strong> tem a mãe <strong>de</strong> Roberta, pois fica lembrando para<br />

sua filha como seu irmão, tio do recém nascido, nasceu: “tão pequeno que<br />

cabia numa caixa <strong>de</strong> sapato”. Estes comportamentos configuram parte do que<br />

Helman <strong>de</strong>nomina como “setor informal da assistência à saú<strong>de</strong>” (2003: 96).<br />

Graças à opinião <strong>de</strong> pessoas próximas aos afetados por doenças <strong>de</strong>terminados<br />

tratamentos médicos são ou não reconhecidos e, conseqüentemente,<br />

assimilados por seus beneficiados em potencial.<br />

Além disso, a troca <strong>de</strong> experiências é, sobretudo, uma narrativa. E, como<br />

tal, tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar experiências limítrofes - como a doença -<br />

que passam a ser inscritas no universo cultural <strong>de</strong> quem narra e <strong>de</strong> quem<br />

escuta (Gomes e Mendonça, 2002). Através da construção <strong>de</strong> um enredo é<br />

atribuído um sentido ao que foi vivenciado, sendo que os familiares <strong>de</strong> Roberta<br />

e <strong>de</strong> Fernanda conferem uma significação positiva às suas respectivas<br />

histórias.<br />

E, por fim, outra importante forma <strong>de</strong> apoio informativo é o que facilitou o<br />

acesso das gestantes a esta maternida<strong>de</strong>. A troca <strong>de</strong> informações e,<br />

sobretudo, os contatos <strong>de</strong>senvolvidos por alguns dos membros das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

suporte foram responsáveis pela obtenção <strong>de</strong> uma vaga num sistema <strong>de</strong><br />

assistência à saú<strong>de</strong> notoriamente sobrecarregado. O relato <strong>de</strong> Luiza é<br />

emblemático: “aí meu marido foi na casa da Inês, aí ela começou a entrar em<br />

contato com as amigas <strong>de</strong>la que uma é chefe daqui e outra do Fernan<strong>de</strong>s<br />

Figueira [hospital fe<strong>de</strong>ral para atendimento materno-infantil]”. Ou seja, <strong>de</strong>screve<br />

conhecimentos pessoais que se tornam estratégicos porque é através <strong>de</strong>les<br />

que se consegue assegurar “o atendimento e, na medida do possível, <strong>de</strong> forma<br />

rápida” (Deslan<strong>de</strong>s, 2002: 98). Dada as mencionadas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso<br />

69


aos serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>veria ser, indica a mesma autora,<br />

“ordinário” passa a ser “extraordinário” <strong>de</strong> tal maneira que a obtenção <strong>de</strong> uma<br />

vaga é vista pelos usuários como uma “verda<strong>de</strong>ira graça”. (2002: 99). Daí a<br />

valorização <strong>de</strong>sta ajuda por parte dos parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>.<br />

4. 1.4.3.- Eixo material<br />

Com freqüência o suporte moral é acompanhado por um auxílio em<br />

dinheiro ou por outro tipo <strong>de</strong> apoio material. De acordo com o que foi apontado<br />

na introdução do presente capítulo, os pais entrevistados - qualificados como<br />

pobres urbanos - vivem em meio à escassez <strong>de</strong> recursos materiais. Todavia,<br />

suas falas mostram que esta carência não é incompatível com a generosida<strong>de</strong>.<br />

A tal ponto que, por vezes, se tem a impressão <strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong> conhecerem a<br />

fundo - na medida em que fazem parte do seu cotidiano - as agruras das<br />

condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> seus parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s faz com que as práticas<br />

solidárias sejam ainda mais intensas. Neste sentido têm lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque as<br />

iniciativas <strong>de</strong> ajuda em dinheiro aos pais dos bebês internados para que<br />

tenham condições para arcar com as <strong>de</strong>spesas com passagens, por exemplo.<br />

Ou mesmo, a doação, por parte <strong>de</strong> um vizinho, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada quantia a<br />

cada semana para que uma das mães consiga comprar comida para seus<br />

filhos. Em outras formações sócio-culturais o empréstimo ou doação <strong>de</strong><br />

dinheiro só costuma ocorrer entre pessoas unidas por laços <strong>de</strong> sangue (Bott,<br />

1976; Lemieux, 1999).<br />

Outrossim, muitos pais relataram as doações <strong>de</strong> bens materiais como<br />

berços, roupas e fraldas recebidas <strong>de</strong> parentes, <strong>de</strong> vizinhos e <strong>de</strong> colegas <strong>de</strong><br />

70


trabalho. Também foram freqüentes os relatos acerca dos parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />

que certamente gostariam <strong>de</strong> prestar algum tipo <strong>de</strong> ajuda material, mas que<br />

não dispõem <strong>de</strong> qualquer bem material para tanto. Por vezes estas pessoas<br />

lançam mão do recurso que têm para tentar ajudar indicando, mais uma vez, a<br />

generosida<strong>de</strong> que perpassa estas interações sociais. A fala <strong>de</strong> Nair é<br />

ilustrativa: “minha irmã está <strong>de</strong>sempregada. Não dá pra me ajudar assim, mas<br />

ela <strong>de</strong> vez em quando vai lá em casa, faz alguma coisa”.<br />

Logo, nota-se que o auxílio nas tarefas domésticas também é valorizado.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma população cuja renda certamente não comporta o pagamento<br />

<strong>de</strong> ajudantes. As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte têm <strong>de</strong> ser acionadas para que as casas dos<br />

pais dos bebês sejam cuidadas ao longo do período <strong>de</strong> internação. Neste<br />

sentido, variados arranjos são orquestrados como a colaboração <strong>de</strong> vizinhos,<br />

<strong>de</strong> familiares que moram próximo ou mesmo que vêm <strong>de</strong> longe como mostra o<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Helena: “minha sogra e minha cunhada chegaram do Ceará,<br />

tão lá em casa, são elas que lavam a roupa, minha sogra cozinha, arruma a<br />

casa”. Esta mãe, assim como a maioria das entrevistadas, estava hospedada<br />

no alojamento <strong>de</strong> mães <strong>de</strong> modo que poucas vezes por mês visitava sua<br />

própria casa.<br />

O fato da maioria das mães entrevistadas ter companheiro e, mesmo<br />

assim, raramente contar com sua ajuda para dar conta dos afazeres<br />

domésticos sugere que o cuidado com o lar seja uma atribuição<br />

exclusivamente feminina. Sem dúvida, esta concepção acerca das funções<br />

domésticas tem como base um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família nuclear. Entretanto, reflexões<br />

como as <strong>de</strong> Fonseca (1997) e as <strong>de</strong> Gue<strong>de</strong>s e Lima (2006) indicam que para<br />

os membros das classes populares a incorporação <strong>de</strong>sta divisão <strong>de</strong> trabalho<br />

71


entre os conjugues nada mais é do que uma adaptação a uma hegemônica<br />

concepção <strong>de</strong> família, mesmo porque é este o mo<strong>de</strong>lo adotado pela maioria<br />

das políticas públicas às quais encontram-se submetidos. Na prática para as<br />

camadas populares as famílias sempre foram extensas, conforme indicado em<br />

outra parte <strong>de</strong>ste capítulo. Afinal, afirmou Elisabeth Bott numa obra clássica<br />

indicada no capítulo sobre marcos teóricos: “o meio social imediato <strong>de</strong> uma<br />

família urbana consiste em uma re<strong>de</strong>” (1976: 211-12). E, como tal, dão conta<br />

das atribuições domésticas nas quais estão incluídas os cuidados para com os<br />

irmãos dos recém nascidos que serão abordados no parágrafo seguinte.<br />

De fato, o zelo para com os filhos mais velhos dos pais cujos bebês estão<br />

hospitalizados é uma prática comum entre os integrantes das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio.<br />

Parentes e vizinhos se encarregam <strong>de</strong> tomar conta <strong>de</strong>stas crianças, como, por<br />

exemplo, relata Amanda: “durante o dia ela [sua outra filha] fica na minha<br />

sogra, na minha mãe ou na casa da madrinha, a gente reveza, à noite fica com<br />

meu marido”. Estas práticas - apesar <strong>de</strong> temporárias e ocasionadas por uma<br />

situação especial que é a hospitalização do recém nascido - evocam o hábito<br />

<strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> crianças o qual é freqüente e antigo entre a população <strong>de</strong><br />

baixa renda (Fonseca, 1997 e Sarti, 2003b). Em ambos os casos, trata-se <strong>de</strong><br />

estratégias <strong>de</strong> melhor alocação dos parcos recursos disponíveis para uma<br />

população cujo principal bem acumulado é o exercício constante <strong>de</strong> atos <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong> para com seus parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> suporte.<br />

72


4.2 - Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte que se formam a partir da internação do bebê na<br />

UTIN<br />

As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais, constituídas a partir da internação do recém<br />

nascido, apresentam características que as diferenciam das que existiam antes<br />

<strong>de</strong>ste período. Dentro do hospital as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte são formadas por pais<br />

<strong>de</strong> bebês que se agregam <strong>de</strong> maneira espontânea. Na medida em que são<br />

compostas por parceiros que na maioria das vezes sequer se conheciam antes<br />

da ocorrência <strong>de</strong>ste evento extraordinário, isto é, a hospitalização no começo<br />

da vida, não têm em pauta qualquer previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio. A eventualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong> suporte não é antevista e, por conseguinte, exigida <strong>de</strong>ntre os<br />

pais <strong>de</strong> bebês que se enredam no âmbito do hospital.<br />

A reciprocida<strong>de</strong> entre aqueles que compartilham da dor e se solidarizam<br />

com os pais que estão com seus filhos internados não comporta nenhum tipo<br />

<strong>de</strong> cálculo ou <strong>de</strong> “racionalida<strong>de</strong> instrumental” (Campos: 2003: 217). Ou, em<br />

outras palavras, sua sociabilida<strong>de</strong> está baseada muito mais na compreensão<br />

<strong>de</strong> que a solidarieda<strong>de</strong> é uma possibilida<strong>de</strong>, a ser ou não aproveitada. Trata-se<br />

mais <strong>de</strong> uma prerrogativa do que <strong>de</strong> uma obrigação. Não há expectativas <strong>de</strong><br />

ajuda e, com isso, não há vestígio <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>manda por trocas simétricas<br />

entre os integrantes das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Com isso <strong>de</strong>saparecem também as<br />

chances <strong>de</strong> implosão das tramas estabelecidas a partir da hospitalização<br />

neonatal.<br />

Embora algumas das re<strong>de</strong>s formadas se estendam para além do período<br />

<strong>de</strong> permanência do bebê na UTIN, a maioria ten<strong>de</strong> a ter uma existência e raio<br />

<strong>de</strong> ação circunscrito ao ambiente hospitalar. Neste sentido serão doravante<br />

73


<strong>de</strong>nominadas como re<strong>de</strong>s internas, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Pescosolido<br />

e Levy (2002) apresentada no segundo capítulo <strong>de</strong>ste trabalho, em<br />

contraposição àquelas preexistentes cuja duração e área <strong>de</strong> atuação são mais<br />

dilatadas.<br />

4.2.1. - As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte compostas pelos pais dos bebês internados<br />

Para compreen<strong>de</strong>r a constituição das re<strong>de</strong>s internas compostas<br />

exclusivamente pelos pais dos recém nascidos há <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar o contexto<br />

no qual se formam e atuam. Antes <strong>de</strong> tudo, vale lembrar que esta pesquisa foi<br />

realizada numa maternida<strong>de</strong> que oferece às mães dos bebês internados na<br />

unida<strong>de</strong> intensiva a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanecerem dia e noite no hospital.<br />

Para tanto as mães <strong>de</strong>stes recém nascidos dispõem <strong>de</strong> um alojamento e <strong>de</strong><br />

quatro refeições diárias gratuitas. Há várias normas institucionais (anexo 4) que<br />

regem este espaço as quais, volta e meia, são contestadas pelas mães como,<br />

por exemplo, os horários <strong>de</strong> saída e <strong>de</strong> entrada das ocupantes dos leitos do<br />

alojamento ou a proibição <strong>de</strong> fumar.<br />

Além disso, vez por outra, conflitos entre as próprias mães alojadas<br />

afloram. Des<strong>de</strong> fatos mais corriqueiros como televisão ou luz ligada em<br />

horários consi<strong>de</strong>rados como inapropriados pelas <strong>de</strong>mais usuárias <strong>de</strong>ste espaço<br />

coletivo até ocorrências menos comuns. Durante o trabalho <strong>de</strong> campo, por<br />

exemplo, aconteceu um inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> furto dos pertences <strong>de</strong> uma das mães<br />

hospedadas no alojamento, sem que fosse <strong>de</strong>scoberto o/a responsável por<br />

esta transgressão. Além <strong>de</strong>stes problemas há a ausência <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>, como<br />

ilustra a fala <strong>de</strong> Roberta:<br />

74


“Aqui <strong>de</strong>ntro a gente tem <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a conviver<br />

com uma com a outra, né? Porque a casa não é <strong>de</strong><br />

ninguém, é <strong>de</strong> todas. Então uma compreen<strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>feito da outra às vezes tem um bate boca, mas<br />

<strong>de</strong>pois se enten<strong>de</strong>m”.<br />

No entanto, a maioria das mães dos recém nascidos hospitalizados opta<br />

por ficar no alojamento <strong>de</strong> modo a acompanhar mais <strong>de</strong> perto as jornadas <strong>de</strong><br />

seus filhos. Sua escolha também se dá por conta <strong>de</strong> que <strong>de</strong>sta maneira se<br />

gasta menos com passagem, comida e tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento entre suas<br />

respectivas casas e a maternida<strong>de</strong>. Assim sendo, encontram-se neste lugar<br />

tanto mães que lá estão há poucos dias quanto outras cuja estadia já se<br />

prolonga por meses. E esta convivência extensa e, sobretudo, intensa po<strong>de</strong><br />

favorecer a formação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s.<br />

Logo, o alojamento torna-se um ponto <strong>de</strong> confluência <strong>de</strong> mães em<br />

sofrimento. Abaladas em seu narcisismo, conforme indicado em outros partes<br />

<strong>de</strong>sta dissertação, todas as mães têm <strong>de</strong> encontrar forças para presenciar e<br />

participar das inúmeras batalhas que seus bebês enfrentam para se manterem<br />

vivos. Algumas, como visto no trecho anterior <strong>de</strong>ste capítulo, ainda têm <strong>de</strong><br />

administrar à distância a vida <strong>de</strong> outros filhos. O bem ou, mais precisamente, o<br />

mal que têm em comum é sua dor. E um ethos ou um modo <strong>de</strong> ser no mundo -<br />

também mencionado anteriormente - capaz <strong>de</strong> sensibilizá-las para o drama<br />

vivido por quem se encontra por perto. A indiferença para com o pa<strong>de</strong>cimento<br />

alheio é uma exceção, enquanto que a solidarieda<strong>de</strong> é comum como mostra<br />

Roberta: “quando uma está chorando a outra vai lá e apóia”.<br />

Por conta disso as mães do alojamento trocam entre si manifestações<br />

espontâneas <strong>de</strong> apoio e, ocasionalmente, constituem re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte <strong>de</strong><br />

suma relevância para as mães entrevistadas como <strong>de</strong>monstram as palavras <strong>de</strong><br />

Amanda: “eu acho que o que mais fortalece são as mães. As mães estão<br />

75


sempre tentando uma ajudar à outra”. Ou as <strong>de</strong> Marli: “o apoio maior está<br />

sendo aqui <strong>de</strong>ntro”.<br />

As re<strong>de</strong>s que se constituem a partir da comunhão <strong>de</strong> uma vivência e <strong>de</strong><br />

uma situação <strong>de</strong> exceção são ego - centradas ou “re<strong>de</strong>s pessoais”, isto é,<br />

construídas a partir das conexões diretas entre seus integrantes (Faber e<br />

Wasserman, 2002: 35). A seleção <strong>de</strong> seus membros se dá a partir <strong>de</strong> escolhas<br />

pessoais, como ilustra um trecho da fala <strong>de</strong> Amanda: “não todo grupo, mas<br />

sempre tem duas ou três que sobressaem, que a gente consegue ter mais<br />

afinida<strong>de</strong>”. Há entre as mães uma homogeneida<strong>de</strong> circunstancial e uma<br />

heterogeneida<strong>de</strong> estrutural, como pon<strong>de</strong>ra novamente Amanda:<br />

“A gente está num lugar em que todos tem o<br />

mesmo problema, né, pra mim ali ninguém é<br />

ninguém, todas somos mães com problemas com<br />

seus filhos, acho que isso é tinha que prevalecer,<br />

mas não é assim que funciona... eu não consigo<br />

escutar muita futilida<strong>de</strong>, eu fico muito nervosa”.<br />

E os arranjos das re<strong>de</strong>s internas têm uma transitorieda<strong>de</strong> acentuada, dado<br />

o fato <strong>de</strong> que a duração da estadia da mãe no alojamento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

evolução do tratamento do seu filho. Durante a pesquisa tornou-se nítida a<br />

existência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> formada por mães que estavam há mais tempo no<br />

hospital. Estas tomavam para si o encargo <strong>de</strong> “animar” as recém chegadas, <strong>de</strong><br />

modo a perpetuar uma ca<strong>de</strong>ia ou corrente <strong>de</strong> apoio, como <strong>de</strong>monstra o<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Joana: “quando vem uma menina e eu vejo que ela está<br />

precisando, aí eu falo: ‘olha, aconteceu isso e isso com meu filho’. Como<br />

fizeram comigo”.<br />

Excepcionalmente, a duração <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte se esten<strong>de</strong> para<br />

além do período <strong>de</strong> internação dos bebês. A intensida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> dos<br />

vínculos estabelecidos durante a permanência no hospital <strong>de</strong>termina seu<br />

76


prolongamento. Para tanto, são marcados encontros, por exemplo, no<br />

ambulatório <strong>de</strong> acompanhamento das crianças após a alta hospitalar. Ou<br />

mesmo passeios e visitas às respectivas residências.<br />

A importância <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> combinação é a <strong>de</strong> que acena concretamente<br />

com um <strong>de</strong>vir favorável que é, em si, fundamental para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

trocas afetivas entre o bebê e seus pais. Diversos estudos mostram como o<br />

nascimento <strong>de</strong> um bebê que precisa <strong>de</strong> cuidados médicos intensivos no início<br />

da vida po<strong>de</strong> suscitar entre seus pais uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinvestimento ou <strong>de</strong><br />

ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo em relação ao recém nascido (Braga et al., 2001; Mathelin,<br />

1999; Morsch; 1990). Projetos páram <strong>de</strong> ser construídos para aquele cujo<br />

futuro é incerto. Além disso, as mães dos bebês hospitalizados - especialmente<br />

as dos que estão em pior estado clínico - enfrentam dificulda<strong>de</strong>s para<br />

reconhecer seus próprios filhos, indica Mathelin: “como sentir-se mãe <strong>de</strong>ste<br />

bebê que não dá sinal, que não mama no seio, que não olha, que não sendo<br />

em momento algum tranqüilizante, não ‘fabrica”mãe’?” (1999: 67).<br />

E, na medida em que um “bebê não existe sozinho” (Winnicott, 1993: 42),<br />

ou seja, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do olhar do outro para se constituir como sujeito (Zornig et<br />

al., 2004), po<strong>de</strong>m - se antever as <strong>de</strong>sastrosas conseqüências. Sendo assim,<br />

torna-se indispensável que apostas - por mais banais que pareçam ser - ou<br />

investimentos afetivos sejam recuperados. Afinal, “quando a realida<strong>de</strong> é<br />

aterrorizante, o <strong>de</strong>vaneio traz uma louca esperança” (Cyrulnik, 1999: 39). Daí a<br />

pertinência <strong>de</strong> planos como o expresso por Helena a respeito <strong>de</strong> um passeio<br />

combinado com parceiros <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> interna: “qualquer hora a gente ainda vai<br />

andar <strong>de</strong> barca, só esperar as crianças ter alta que a gente vai!”.<br />

77


Esta característica da temporalida<strong>de</strong> das re<strong>de</strong>s internas vai <strong>de</strong> encontro a<br />

reflexões anteriores - expostas em outras partes <strong>de</strong>sta dissertação - sobre a<br />

questão <strong>de</strong> que muitas vezes o preenchimento das funções <strong>de</strong> suporte se<br />

sobrepõem às pessoas que as <strong>de</strong>sempenham. Em outras palavras, estas re<strong>de</strong>s<br />

formadas pelas mães que permanecem no alojamento durante a internação<br />

dos seus bebês apresentam uma expressiva plasticida<strong>de</strong>. E os critérios <strong>de</strong><br />

escolha dos parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> são <strong>de</strong>lineados a partir da a<strong>de</strong>são às ações <strong>de</strong><br />

suporte, como mostra a fala <strong>de</strong> Amanda: “sempre tem umas pessoas que<br />

permanecem mais unidas <strong>de</strong>ntro do alojamento mesmo que me ajudaram”.<br />

4.2.2. - Como atuam as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pais formadas a partir da internação<br />

De acordo com o indicado, as mães que se aglutinam são, antes <strong>de</strong> tudo,<br />

pessoas que estão atravessando momentos plenos <strong>de</strong> vicissitu<strong>de</strong>s. Para<br />

amparar seus filhos sentem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem elas próprias amparadas.<br />

De forma espontânea, buscam ajuda junto às suas companheiras <strong>de</strong> infortúnio,<br />

como relata Joana:<br />

“Ah, apoio assim, porque às vezes eu ficava<br />

<strong>de</strong>itada, estatelada, dormindo, aí elas ficavam<br />

assim: ‘Que que foi? Teu filho tá bem?’ Aí eu<br />

começava a chorar, aí a Diana começava a contar<br />

tudo que aconteceu com a filha <strong>de</strong>la, todo<br />

processo... aí isso tudo me levantava... o apoio foi<br />

assim, naturalmente mesmo... ‘Ah hemorragia<br />

pulmonar? O meu teve hemorragia no cérebro é<br />

mais grave’... aí dava aquela força”.<br />

Trata-se também <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> reflexão sobre angústias comuns a<br />

todas as mães, como ilustra este <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Amanda no qual expressa<br />

suas dúvidas se a sua história com seu bebê po<strong>de</strong>ria ter <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong> outra<br />

maneira:<br />

78


“A gente questiona o tempo inteiro... é o que a<br />

gente mais questiona, se po<strong>de</strong>ria ser diferente... se<br />

a gente pu<strong>de</strong>sse ter feito alguma coisa diferente...<br />

mas, quando a gente começa a escutar a história<br />

<strong>de</strong> cada pessoa aqui <strong>de</strong>ntro, você vê que é <strong>de</strong>stino<br />

mesmo <strong>de</strong> cada um...”.<br />

Logo, há uma troca <strong>de</strong> experiências - cuja importância também foi apontada<br />

na parte <strong>de</strong>ste capítulo em que foram analisadas as re<strong>de</strong>s preexistentes - que<br />

se torna ainda mais eloqüente graças ao testemunho <strong>de</strong> Amanda. Através <strong>de</strong><br />

uma narrativa composta a partir <strong>de</strong> um “ouvir participativo” (Penn, 1999: 11)<br />

nota-se um esforço para resignificar as histórias vividas. Há uma tentativa <strong>de</strong><br />

atribuir um sentido ao que é por <strong>de</strong>mais doloroso.<br />

O ponto <strong>de</strong> partida das trocas <strong>de</strong> experiências é a mencionada solicitu<strong>de</strong><br />

entre os interlocutores. Estas conversas só têm lugar por conta da<br />

generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> várias mães as quais, como Diana, contam que: “às vezes<br />

você chega ali no corredor e tem alguém chorando, você abraça ela mesmo<br />

sem você conhecer: ‘Olha não fica assim. Vai dar tudo certo!’. É assim.” Afinal,<br />

explica a mesma mãe entrevistada: “não é todo mundo que agüenta, algumas<br />

pessoas recebem aquilo e ficam mal, não tem estrutura”. Ou então, não se está<br />

num dia “bom” como relata Rosa: “ quando estou <strong>de</strong>primida, meio triste elas<br />

perguntam por que eu estou assim... elas conversam comigo”.<br />

Outrossim, estes diálogos engendrados entre as mães por entre os<br />

corredores e recintos do hospital - no qual percorrem, junto com seus filhos,<br />

uma via crucis - po<strong>de</strong>m ser analisados sob a ótica do conceito <strong>de</strong> “dádiva”<br />

(Mauss, 2003: 185). Introduzido por Mauss para tentar enten<strong>de</strong>r a dinâmica das<br />

relações sociais em socieda<strong>de</strong>s arcaicas, este conceito nem sempre foi<br />

<strong>de</strong>vidamente apreendido por sucessivos estudiosos que passaram a utilizá-lo<br />

com uma ênfase excessiva no cálculo ou em valores utilitaristas que<br />

79


fundamentaria todo e qualquer ato <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> (Campos, 2003 e Go<strong>de</strong>lier,<br />

2001). Com isso foi diluída a importância da dimensão simbólica das trocas<br />

sociais ou <strong>de</strong> “uma compreensão expressiva e não causal do vínculo social”<br />

(Martins, 2004: 38), apesar <strong>de</strong>la estar explícita, por exemplo, no seguinte<br />

trecho da obra <strong>de</strong> Mauss:<br />

“Nunca se constatam, por assim dizer, simples<br />

troca <strong>de</strong> bens, <strong>de</strong> riquezas e <strong>de</strong> produtos num<br />

mercado estabelecido entre os indivíduos (...) as<br />

pessoas presentes ao contrato são pessoas morais:<br />

clãs, tribos, famílias (...) a<strong>de</strong>mais o que eles trocam<br />

não são exclusivamente bens e riquezas, bens<br />

móveis e imóveis, coisas úteis economicamente.<br />

São, antes <strong>de</strong> tudo, amabilida<strong>de</strong>s, banquetes, ritos,<br />

serviços militares, mulheres, crianças, danças,<br />

festas, feiras dos quais o mercado é apenas um dos<br />

momentos, e nos quais a circulação <strong>de</strong> riquezas<br />

não é senão um dos termos <strong>de</strong> um contrato bem<br />

mais geral e permanente”.(2003: 190-191).<br />

Neste sentido, torna-se pertinente lembrar que as re<strong>de</strong>s internas formadas<br />

pelas mães hospedadas no alojamento têm como base um interesse<br />

espontâneo pela dor similar à sua como mostram trechos das entrevistas<br />

realizadas com as mães dos bebês hospitalizados. Além do já mencionado<br />

<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Diana no qual ela relata seu encontro fortuito com uma mãe no<br />

corredor que por ela é abraçada - mesmo sem nunca antes tê-la visto - <strong>de</strong><br />

modo a consolar uma pessoa visivelmente em sofrimento, po<strong>de</strong>-se recorrer à<br />

fala <strong>de</strong> Joana sobre sua ajuda a uma mãe que foi procurá-la porque sabia <strong>de</strong><br />

antemão que seu filho ao nascer seria encaminhado para a UTIN. Joana,<br />

movida por sua solidarieda<strong>de</strong>, divi<strong>de</strong> seu know how com quem nem conhecia:<br />

“Aí eu comecei a explicar pra ela, como que é e tal,<br />

como que é o procedimento... aí ela falou assim:<br />

’Tá bom! Amanhã eu vou ter neném, você me leva<br />

lá em cima? Me ensina a ir lá em cima?’ Me pediu<br />

pra eu levar ela”.<br />

80


Portanto, tais atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>monstram como não há qualquer cálculo embutido<br />

nas trocas que alicerçam a constituição <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s internas <strong>de</strong> suporte. Ou,<br />

em outras palavras, distanciam-se <strong>de</strong> interpretações equivocadas do conceito<br />

<strong>de</strong> dádiva que ten<strong>de</strong>m a menosprezar a relevância dos valores morais para<br />

inúmeros atores sociais. Afinal este tipo <strong>de</strong> “postura teórica’’ rejeita” a<br />

existência do altruísmo, da generosida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> valores morais não<br />

individualistas “(Elster, 1994, Silber, 1998 apud Campos, 2003: 224). Ou seja,<br />

não reconhece que os pilares das alianças traçadas entre as mães dos bebês<br />

hospitalizados estão calcados sobre a solidarieda<strong>de</strong>.<br />

Com o <strong>de</strong>correr do tempo <strong>de</strong> permanência das mães no alojamento<br />

verifica-se uma tendência ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte.<br />

As mães alojadas conversam mais entre si, juntas inventam momentos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scontração como o “café da tar<strong>de</strong>” e passeiam nas redon<strong>de</strong>zas do hospital<br />

porque, como exemplifica Helena: “dá muito nervoso ficar direto aqui, tem <strong>de</strong><br />

animar... se distrair na rua também, esfriar a cabeça”.<br />

As alianças ficam ainda mais estreitas, mesmo porque os conflitos -<br />

<strong>de</strong>vidamente i<strong>de</strong>ntificados - são mais bem administrados por suas<br />

protagonistas como mostra a fala <strong>de</strong> Diana: “tem dia que a gente não quer<br />

falar, tem dia que a gente não está a fim... mas daí as meninas já sabem, já me<br />

conhecem e, <strong>de</strong> repente, vou pra casa pra ficar bem quieta”.<br />

Entrementes, chama atenção o fato <strong>de</strong> que com o passar dos dias também<br />

se nota uma crescente intolerância das mães para com as reuniões<br />

organizadas pelo setores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental e <strong>de</strong> serviço social. Realizados com<br />

o intuito <strong>de</strong> favorecer a troca <strong>de</strong> experiências e facilitar, conseqüentemente, o<br />

estreitamento <strong>de</strong> vínculos e ocasionalmente a formação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s internas<br />

81


estes encontros muitas vezes são vistos pelas mães como “repetitivos” como<br />

fala Amanda:<br />

“Eu participo assim <strong>de</strong> algumas reuniões, quando é<br />

<strong>de</strong>poimento sobre o que aconteceu, pra fortalecer<br />

algumas mães que estão assustadas com os<br />

primeiros dias, mas somente isso. Também não<br />

participo <strong>de</strong> todas porque também a gente cansa <strong>de</strong><br />

falar todo dia a mesma coisa”.<br />

Mas, na medida em que reconhecem estas reuniões como mais uma<br />

oportunida<strong>de</strong> para serem ajudadas e - ao mesmo tempo - auxiliarem a quem<br />

está chegando, algumas mães entrevistadas propõem soluções alternativas<br />

para tornar estes encontros mais interessantes. Neste sentido, Joana, por<br />

exemplo, sugere que sejam exibidos ví<strong>de</strong>os sobre eventuais histórias<br />

“vitoriosas” <strong>de</strong> bebês outrora internados na UTIN. Ou que seja montado um<br />

painel <strong>de</strong> fotos <strong>de</strong>stas crianças, sugere Nair.<br />

Outra categoria utilizada pelas mães hospedadas no alojamento para<br />

<strong>de</strong>screver estes encontros - organizados pela instituição com o intuito <strong>de</strong><br />

melhor acolher os pais dos bebês hospitalizados - é a <strong>de</strong> que seriam por<br />

<strong>de</strong>mais “artificiais”. A veemência e a freqüência das críticas feitas pelas mães<br />

entrevistadas - as quais ora falavam em “é muito forçado” ou ora diziam que<br />

era “não natural” - indicam ser <strong>de</strong> suma relevância que os contatos com as<br />

<strong>de</strong>mais usuárias daquele espaço sejam frutos <strong>de</strong> suas próprias iniciativas.<br />

Nota-se que estas mães estão tentando garantir uma relativa autonomia e<br />

protagonismo na constituição <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s internas.<br />

Afinal, são mães que - ao contrário daquelas cujos bebês não são<br />

hospitalizados - têm um limitado arco <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> suas ações. Seu tempo <strong>de</strong><br />

permanência na maternida<strong>de</strong>, por exemplo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da evolução do estado <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus filhos. Seu contato físico com o recém nascido também é<br />

82


<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das suas próprias condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e do aval das equipes <strong>de</strong><br />

cuidadores profissionais. O horário em que po<strong>de</strong>m estar ao lado <strong>de</strong> seus filhos<br />

tampouco é <strong>de</strong> livre arbítrio. A lista <strong>de</strong>stes atos acima exemplificados - que em<br />

outro contexto que não o hospitalar não seriam cerceados - po<strong>de</strong>ria se<br />

esten<strong>de</strong>r por várias linhas. Entretanto, o que interessa aqui é sublinhar como as<br />

mães - cujos bebês encontram-se sob custódia da instituição hospitalar - se<br />

<strong>de</strong>param com limites firmados à sua revelia.<br />

Po<strong>de</strong> - se então supor que o processo <strong>de</strong> formação espontânea das re<strong>de</strong>s<br />

internas representa para suas protagonistas - as quais, <strong>de</strong>sta maneira, se<br />

contrapõem aos ditames <strong>de</strong> uma dinâmica que não é por elas or<strong>de</strong>nada - uma<br />

forma <strong>de</strong> empo<strong>de</strong>ramento (empowerment). Vale lembrar - em consonância com<br />

o que foi apresentado no capítulo sobre os marcos teóricos - que este conceito<br />

seria aplicável às transformações introduzidas pelas mães alojadas em suas<br />

relações entre si e a instituição hospitalar na medida em que é <strong>de</strong>finido como<br />

um processo através do qual as pessoas, grupos sociais e organizações<br />

adquirem maior controle sobre seus próprios <strong>de</strong>stinos (Valla, 1999). Neste<br />

sentido, po<strong>de</strong>-se afirmar que a constituição das re<strong>de</strong>s internas significa para as<br />

mães:<br />

“Tomar posse <strong>de</strong> suas próprias vidas pela<br />

interação com outros indivíduos, gerando<br />

pensamento crítico em relação à realida<strong>de</strong>,<br />

favorecendo a construção da capacida<strong>de</strong> social e<br />

pessoal e possibilitando a transformação das<br />

relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” (Andra<strong>de</strong> e Vaitsman, 2002;<br />

928).<br />

Mesmo porque, no plano individual, representa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agentes<br />

sociais (nesta pesquisa: as mães integradas em re<strong>de</strong>s internas) <strong>de</strong> adquirir<br />

conhecimentos e controle para, a partir <strong>de</strong> então, alterar os cursos <strong>de</strong> suas<br />

83


trajetórias (Andra<strong>de</strong> e Vaitsman, 2002). Em outras palavras, ao reunirem-se em<br />

re<strong>de</strong>s as mães entrevistadas logram influir tanto na suas condições <strong>de</strong> sua<br />

própria saú<strong>de</strong> psíquica e física - amparando-se uma às outras e, por<br />

conseguinte, diminuindo seus respectivos níveis <strong>de</strong> estresse - quanto na<br />

evolução do tratamento recebido por seus filhos, pois, <strong>de</strong>ntre outras práticas,<br />

trocam entre si experiências e informações, como será analisado no próximo<br />

capítulo, a respeito também <strong>de</strong> quem são os profissionais ou os plantões nos<br />

quais po<strong>de</strong>m “confiar” ou “dormir tranqüilas”,<br />

As relações entre as re<strong>de</strong>s internas formadas pelos pais dos bebês e os<br />

cuidadores profissionais também serão investigadas no capítulo a seguir.<br />

Todavia, antes <strong>de</strong> dar por encerrada a análise acerca da composição e formas<br />

<strong>de</strong> ações das re<strong>de</strong>s constituídas exclusivamente pelas mães hospedadas no<br />

alojamento, torna-se necessário <strong>de</strong>ixar registrado que não são todas as mães<br />

que encontram-se hospedadas no alojamento que alinhavam entre si as<br />

tessituras próprias das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Algumas <strong>de</strong>las, mais retraídas e ao<br />

menos naquele momento, avessas a comportamentos gregários, não<br />

participam <strong>de</strong>stas tramas <strong>de</strong> apoio.<br />

Contudo, o fato das re<strong>de</strong>s internas <strong>de</strong> suporte não serem compostas por<br />

todas as mães alojadas em nada diminui a importância <strong>de</strong>ste espaço coletivo<br />

como um espaço privilegiado <strong>de</strong> interações sociais aptas a facilitar a formação<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio. Graças à sua existência, somado ao um modo-<strong>de</strong>-ser-no<br />

mundo dos pais dos bebês que não prescin<strong>de</strong> da solidarieda<strong>de</strong> frente ao<br />

sofrimento do outro, torna-se possível transformá-lo num palco sobre o qual<br />

são afinados os instrumentos para a construção <strong>de</strong> experiências mais positivas<br />

84


para melhor enfrentar um período pleno <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s como a internação<br />

neonatal.<br />

85


Capítulo 5 - Os profissionais da UTIN e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos<br />

pais dos bebês<br />

86<br />

“Trabalho obstinadamente<br />

para que o verso toque<br />

a linha tênue<br />

entre o mais <strong>de</strong>licado<br />

e o urgente”<br />

Paula Padilha<br />

Para a elaboração <strong>de</strong>ste capítulo foram levadas em consi<strong>de</strong>ração duas<br />

indagações. A primeira diz respeito aos sentidos atribuídos pelos profissionais<br />

às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais e conseqüentes relações estabelecidas entre os<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e os integrantes <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s. A segunda questão<br />

investiga se os profissionais se vêem como formadores <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos<br />

pais dos recém nascidos e, mais ainda, em que medida as práticas <strong>de</strong> suporte<br />

aos usuários do serviço <strong>de</strong> neonatologia po<strong>de</strong>m ou não ser consi<strong>de</strong>radas como<br />

parte integrante do seu respectivo <strong>de</strong>sempenho profissional. Ou, em outras<br />

palavras, questiona se estas ações <strong>de</strong> apoio aos pais dos bebês estão contidas<br />

no âmbito das ativida<strong>de</strong>s institucionais dos cuidadores profissionais ou se<br />

caracterizam a inserção <strong>de</strong>stes em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais.<br />

De imediato, tornou-se evi<strong>de</strong>nte a heterogeneida<strong>de</strong> dos discursos das<br />

diversas categorias <strong>de</strong> profissionais entrevistados ao longo <strong>de</strong>sta pesquisa. As<br />

dissonâncias entre as falas <strong>de</strong> médicos, enfermeiros, psicólogas, psiquiatra e<br />

assistente social serão assinaladas apenas quando se tornarem acentuadas.<br />

Caso contrário, os <strong>de</strong>poimentos serão agrupados em dois blocos: os <strong>de</strong> pais e<br />

os <strong>de</strong> profissionais, sendo que por vezes serão confrontados os relatos dos<br />

pais e dos profissionais. Neste bloco dos dizeres dos profissionais também<br />

foram reunidas entrevistas <strong>de</strong> quem tem formação semelhante embora não


igual como, por exemplo, psiquiatra e psicóloga ou enfermeira e técnica <strong>de</strong><br />

enfermagem. Com isto o leitor irá se <strong>de</strong>parar com referências ao discurso da<br />

equipe médica, <strong>de</strong> enfermagem, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental e do serviço social. Estes<br />

quatro núcleos <strong>de</strong> entrevistados têm entre seus quadros profissionais que<br />

ocupam diferentes funções na hierarquia <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que organizam o<br />

atendimento na UTIN, ou seja, chefes <strong>de</strong> serviços e seus subordinados.<br />

Entretanto, não serão especificados os cargos dos entrevistados com o intuito<br />

<strong>de</strong> zelar pela preservação <strong>de</strong> suas respectivas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Não há dúvidas <strong>de</strong> que este método <strong>de</strong> análise prejudica a compreensão<br />

das nuances dos discursos <strong>de</strong> cada profissional entrevistado na medida em<br />

que não explora a contextualização <strong>de</strong> cada fala. Mas, por outro lado, evita<br />

que se perca o foco sobre o objeto principal <strong>de</strong>sta dissertação que é a<br />

investigação sobre o apoio propiciado pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais dos<br />

bebês e não as relações assimétricas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r nesta instituição hospitalar e<br />

suas conseqüências.<br />

E, antes <strong>de</strong> prosseguir, há <strong>de</strong> se esclarecer que no item subseqüente há<br />

muito mais menções às relações entre a equipe <strong>de</strong> enfermagem e os usuários<br />

<strong>de</strong> seus serviços pelo fato <strong>de</strong> que, indubitavelmente, são estes os profissionais<br />

que têm um contato mais freqüente com a família do bebê.<br />

5.1. - Relações entre os profissionais e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais<br />

As re<strong>de</strong>s que já existiam antes da hospitalização são mais facilmente<br />

i<strong>de</strong>ntificadas pelos profissionais dos que as re<strong>de</strong>s internas, isto é, aquelas<br />

compostas durante o período <strong>de</strong> internação. Todos os agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

87


entrevistados reconhecem sua importância, estando atentos para sua<br />

composição majoritariamente formada pelas avós maternas do bebê. A função<br />

da mãe da mãe, capaz <strong>de</strong> oferecer a maternagem ampliada (Braga e Morsch,<br />

2003), é abordada por esta fala <strong>de</strong> Beatriz, da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental:<br />

“Algumas [mães] a gente vê que é o marido, mas<br />

acho que é mais mãe mesmo, seria mais... quando<br />

não tem mãe é que a gente vê a coisa se espalhar,<br />

mas tirando mãe, não sei... Da mãe eu acho que é<br />

uma... não é bem uma aceitação, mas é uma...<br />

como é que se diz... é muito difícil ter um filho<br />

prematuro, então as pessoas vem e elas ficam com<br />

vergonha por que está com aquele filho ou está<br />

assim, muito... angustiada. Então se a mãe vem e<br />

aceita aquilo como uma coisa tranqüila, isso dá um<br />

respaldo a ela, pra po<strong>de</strong>r se sentir bem!”<br />

Logo, há um empenho do conjunto <strong>de</strong> profissionais para facilitar a presença<br />

das avós dos bebês tanto para cuidar da mãe quanto da criança durante as<br />

visitas vespertinas à UTIN. Neste sentido, <strong>de</strong>põe a médica Júlia: “a gente<br />

busca trazer principalmente a mãe da mãe”. Todos os agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

reconhecem, como fala Laurinda, da equipe <strong>de</strong> enfermagem: “quando uma<br />

mãe está aqui com a mãe <strong>de</strong>la ela fica mais tranqüila, assim, mais segura”.<br />

Por vezes, os profissionais i<strong>de</strong>ntificam outras pessoas que não as avós<br />

maternas dos bebês. Chamam atenção para a presença no hospital <strong>de</strong> outros<br />

parceiros das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio às mães, principalmente em caso <strong>de</strong> ausência<br />

das mães das mães. Como exemplo os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> apontam -<br />

<strong>de</strong>ntre as fontes alternativas <strong>de</strong> ajuda à dupla parental - a bisavó do recém<br />

nascido e a comadre. Esta última tem, diz Renata do serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental:<br />

“uma força nesta camada da população (...) a madrinha é a segunda mãe<br />

mesmo”.<br />

88


Em alguns casos, nota a assistente social Carmem, comparece ao hospital<br />

a sogra da mãe do bebê. Nem sempre esta visita tranqüiliza a mãe do recém<br />

nascido, como pon<strong>de</strong>ra Carmem: “quando vem mãe do pai... quem faz muitas<br />

críticas são as sogras. Não enten<strong>de</strong>m muito, ficam ao lado do pai da criança,<br />

apóiam mais o pai achando que a culpa é mais da mãe”. Esta constatação vai<br />

<strong>de</strong> encontro ao que Bott, em seu mencionado estudo sobre as relações entre<br />

famílias e re<strong>de</strong>s sociais, afirmou a respeito da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

malha estreita ou integrais interfiram na dinâmica das relações entre os<br />

conjugues. De acordo com esta autora, há sempre o risco da lealda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

dos esposos para com seus pais, sobretudo para com a mãe, se sobrepor à<br />

que se tem com seu parceiro conjugal.<br />

Por sua vez, a observação feita in loco pelos profissionais que<br />

acompanham os familiares que entram na UTIN po<strong>de</strong> se tornar o ponto <strong>de</strong><br />

partida <strong>de</strong> uma ação terapêutica capaz <strong>de</strong> facilitar o indispensável processo <strong>de</strong><br />

vinculação entre o núcleo familiar e seu mais novo membro, isto é, o recém<br />

nascido. Assim, fala Beatriz - da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental:<br />

“Por exemplo, uma pessoa que acha... o pai ‘Ah,<br />

mas prematuro não vai dar certo!’ Se ele está aqui,<br />

se a gente po<strong>de</strong> ouvir ele dizer isso, a gente po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smistificar isto, seja a equipe <strong>de</strong> enfermagem, ou<br />

pediatra, quem estiver em contato”.<br />

Afinal, o período pós - parto é consi<strong>de</strong>rado como um momento crucial para<br />

a reor<strong>de</strong>nação psíquica dos pais. Trata - se <strong>de</strong> uma fase da vida em que<br />

ambos, especialmente a mãe, passam por uma “transparência psíquica” que<br />

teve início a partir da gravi<strong>de</strong>z (Bydlowski, 1997: 42). Durante esta passagem<br />

os pais do bebê encontram-se extremamente sensíveis à qualquer intervenção<br />

no seu psiquismo, experimentando uma re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas respectivas<br />

89


i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Logo, as palavras e as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terceiros - como as<br />

intervenções <strong>de</strong> terapeutas - têm uma dimensão muito maior e mais ágil do que<br />

em outros momentos <strong>de</strong> suas vidas. Há um campo fértil para a fomentação <strong>de</strong><br />

“alianças terapêuticas” capazes <strong>de</strong> “<strong>de</strong>svendar os fantasmas e lembranças<br />

potencialmente patogênicas” (Bydlowski, 2002: 211).<br />

De acordo com o que foi mostrado no capítulo prece<strong>de</strong>nte, o apoio recebido<br />

<strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro parente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> basicamente do enredo familiar. Muitas<br />

vezes o comparecimento ao hospital aten<strong>de</strong> mais a uma <strong>de</strong>manda que não é<br />

propriamente dos pais do bebê, como registra a assistente social: “a re<strong>de</strong> é<br />

pequenininha, a família também e essas pessoas, querendo ou não querendo,<br />

elas se acham na obrigação <strong>de</strong> vir aqui, <strong>de</strong> falar alguma coisa pra mãe”. Po<strong>de</strong><br />

até ser que a presença na maternida<strong>de</strong> seja por conta do cumprimento <strong>de</strong> uma<br />

“obrigação” - inerente, como estudado em partes anteriores <strong>de</strong>sta dissertação,<br />

às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte preexistentes - <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> entre companheiros <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>. Mas, <strong>de</strong> qualquer maneira, são situações mais confortáveis do que, como<br />

lembra o médico Roberto, as vivenciadas pela mãe que não recebe qualquer<br />

suporte uma vez que: “tem família que <strong>de</strong>ixa a mãe, que acha que a criança<br />

não vai sobreviver e larga a mãe, larga a criança”.<br />

O fato <strong>de</strong> que a ajuda aos pais propiciada pelas re<strong>de</strong>s preexistentes po<strong>de</strong><br />

ter lugar fora do ambiente hospitalar também é percebido pelos profissionais,<br />

como ilustra esta fala <strong>de</strong> uma integrante da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental a respeito<br />

daqueles parceiros que não comparecem à maternida<strong>de</strong>:<br />

“É aquela pessoa que vai cuidar dos outros filhos<br />

<strong>de</strong>la, com carinho, enquanto ela estiver aqui.Às<br />

vezes po<strong>de</strong> ser uma irmã, às vezes uma vizinha (...)<br />

que são amigas, isso que é importante pra elas,<br />

que tem outros filhos, quem que está com os filhos<br />

<strong>de</strong>la em casa. Essa pessoa é uma figura importante<br />

para essa mãe estar aqui, mesmo que não esteja<br />

90


aqui. Então não é nem dando apoio... físico, da<br />

presença física, mas na vida <strong>de</strong>las”.<br />

Outrossim, os agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> acionam ou convocam <strong>de</strong>terminados<br />

parceiros das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos pais quando <strong>de</strong>tectam que a mãe do bebê<br />

não está em condições físicas e emocionais <strong>de</strong> oferecer cuidados maternos ao<br />

recém nascido. Em casos <strong>de</strong> impedimento <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m física - quando, por<br />

exemplo, a puérpera ainda não se recuperou do parto ou apresenta alguma<br />

doença que a impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> ficar ao lado <strong>de</strong> seu filho - a mãe é substituída na<br />

UTIN - temporariamente e geralmente - por sua própria mãe. Nas situações em<br />

que os obstáculos são subjetivos, a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental ten<strong>de</strong> a pedir<br />

autorização à chefia da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados intensivos para a mãe passar a<br />

ser acompanhada por alguém capaz <strong>de</strong>, nas palavras <strong>de</strong> Renata: “po<strong>de</strong>r estar<br />

fazendo um pouco às vezes <strong>de</strong> mãe junto daquele bebê”.<br />

A presença na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados intensivos <strong>de</strong> alguém que certamente<br />

é parceiro na re<strong>de</strong> social significativa da mãe do recém nascido po<strong>de</strong> facilitar o<br />

exercício da maternagem. Vale lembrar, como apontado no capítulo anterior,<br />

que os primeiros momentos das mães dos bebês hospitalizados são <strong>de</strong><br />

atordoamento. Demandam um tempo até se acostumar com um ambiente<br />

totalmente <strong>de</strong>sconhecido e distante do que sempre acalentaram em seus<br />

sonhos a respeito do nascimento <strong>de</strong> um filho. Por isso é que a psicóloga<br />

Renata afirma que o fato <strong>de</strong> uma mãe ser eventualmente acompanhada por<br />

sua própria mãe ou por alguém que lhe é muito próximo durante um certo<br />

período po<strong>de</strong> funcionar como uma “passagem” a qual ajudaria a mãe do recém<br />

nascido a ocupar gradativamente seu espaço junto <strong>de</strong> seu filho.<br />

Contudo, segundo esta profissional da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, nem sempre<br />

este procedimento <strong>de</strong> trazer pessoas íntimas da mãe do recém nascido para<br />

91


estar ao seu lado na UTIN é aceito <strong>de</strong> maneira equânime pelos <strong>de</strong>mais<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. De acordo com Renata, muitas vezes há resistências<br />

na medida em que:<br />

“No geral eu acho que a equipe vê <strong>de</strong> uma forma<br />

ruim isso: ‘Ah não, a mãe tinha que estar aqui... a<br />

mãe que é a mãe’ às vezes adolescentes <strong>de</strong> doze<br />

anos, as pessoas acham ... treze anos... ‘Não, tem<br />

que... ela tem que assumir , se essa mãe não ficar<br />

aqui, como é que ela vai começar a assumir essa<br />

maternagem?’”.<br />

Este trecho da entrevista realizada com esta integrante da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

mental chama atenção para uma questão <strong>de</strong> suma importância para o estudo<br />

das relações entre os profissionais e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais. Trata-se da<br />

representação acerca do que seria - ou do que <strong>de</strong>veria ser - o comportamento<br />

a<strong>de</strong>quado para a “mãe” <strong>de</strong> um bebê internado numa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados<br />

intensivos. Muitos dos entrevistados, inclusive os membros da equipe <strong>de</strong><br />

enfermagem que supostamente teria mais dificulda<strong>de</strong> para <strong>de</strong>sconstruir um<br />

estereotipo a este respeito, reconhecem que não é incomum a incidência <strong>de</strong><br />

“preconceitos”. Emblemática é a fala da enfermeira Graça sobre os obstáculos<br />

enfrentados por algumas <strong>de</strong> suas colegas para compreen<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>terminados<br />

comportamentos das mães po<strong>de</strong>m ter origem, em parte, na “imaturida<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />

algumas, isto é, na faixa etária <strong>de</strong> mães que sequer saíram da adolescência:<br />

“Na cabeça do pessoal [enfermeiras e técnicas <strong>de</strong><br />

enfermagem] não importa se é adolescente ou se é<br />

mulher mais madura, ela é a mãe do bebê , então<br />

se tem algum tipo <strong>de</strong> comportamento inerente à<br />

ida<strong>de</strong>, acho que a enfermagem não enten<strong>de</strong> muito<br />

bem isso, que acham que elas sempre têm que ter<br />

aquele comportamento <strong>de</strong> mãe e pronto acabou,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da ida<strong>de</strong>”.<br />

Ainda <strong>de</strong> acordo com esta integrante da equipe <strong>de</strong> enfermagem, o<br />

comportamento <strong>de</strong> mãe aceito por algumas <strong>de</strong> suas companheiras <strong>de</strong> profissão<br />

seria a daquela mãe que é capaz <strong>de</strong>: “ficar ali perto, mais perto do bebê”. E,<br />

92


por vezes, esta concepção normativa acerca da postura materna i<strong>de</strong>al torna-se<br />

hegemônica precisamente entre a equipe - a da enfermagem - que tem o<br />

contato, como indicado anteriormente, mais constante com a família do bebê.<br />

Por conseguinte, conflitos - expostos a seguir - se multiplicam.<br />

Segundo Claudia, que é da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, esta tendência por<br />

parte <strong>de</strong> muitas integrantes do serviço <strong>de</strong> enfermagem <strong>de</strong> “pré-<strong>de</strong>terminar o<br />

comportamento das mães” po<strong>de</strong> ocasionar ainda mais sofrimento entre as<br />

mães. Elas se sentiriam “pré-julgadas”, como corrobora o seguinte <strong>de</strong>poimento<br />

<strong>de</strong> Rosa - uma mãe hospedada no alojamento: “o pessoal lá da UTI me<br />

perguntava se eu não gostava <strong>de</strong>le [do filho], diziam que eu não tinha carinho<br />

<strong>de</strong> mãe e eu falava: ‘Não! É que eu não estou acostumada ainda’”.<br />

De imediato, po<strong>de</strong>-se falar que ao menos duas questões perpassam o que<br />

a assistente social Carmem <strong>de</strong>fine como uma “rotulação”. Para esta<br />

entrevistada isto acontece quando “a equipe fica falando: ‘essa mãe não veio,<br />

essa mãe não participa (...) não enten<strong>de</strong> que é mãe’”. Nota-se que está em<br />

jogo entre os profissionais <strong>de</strong> enfermagem o mito do amor materno, que<br />

pressupõe a existência <strong>de</strong> um amor maternal inato (Badinter, 1991). Daí seu<br />

incômodo diante <strong>de</strong> um suposto abandono dos filhos por suas mães. O mesmo<br />

não acontece entre a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental porque a mistificação do inato<br />

amor materno é um tema recorrente na formação <strong>de</strong>stes profissionais.<br />

Pelo lado das mães dos bebês a questão em pauta - ilustrada pela<br />

supracitada fala <strong>de</strong> Rosa - é a <strong>de</strong> que, muitas vezes, o serviço ou o pessoal <strong>de</strong><br />

neonatologia é encarado como um “juiz” da sua própria “incapacida<strong>de</strong>” <strong>de</strong><br />

finalizar a contento a gestação <strong>de</strong> um filho, compondo o <strong>de</strong>nominado “mal<br />

93


entendido fundamental que existe entre os profissionais e os pais” (Druon,<br />

1999: 42-44).<br />

Muitas das mães dos bebês apresentam dificulda<strong>de</strong>s em permanecer ao<br />

seu lado nos primeiros dias <strong>de</strong> internação. Outras precisam <strong>de</strong> mais tempo<br />

ainda para se aproximar, mostrando que seu tempo não é objetivo, mas sim<br />

subjetivo. Além da mencionada ferida narcísica que por vezes as paralisam, há<br />

o temor da morte como fala Joana a respeito do período em que não aparecia<br />

na UTIN para ficar com seu filho: “não conseguia ficar lá... vinha pra cá<br />

[alojamento], ficava só dormindo, chorando, não comia...só pensava que ele ia<br />

morrer, tão pequeno”. É um sofrimento um tanto quanto silencioso e oculto<br />

principalmente aos ouvidos e aos olhos <strong>de</strong> quem, como é o caso da equipe <strong>de</strong><br />

enfermagem, não tem o costume <strong>de</strong> freqüentar ocasionalmente o alojamento<br />

<strong>de</strong> mães. Entre as enfermeiras e técnicas <strong>de</strong> enfermagem - as quais por vezes<br />

sequer têm tempo e/ou disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abandonar seus postos para circular<br />

por outras <strong>de</strong>pendências da maternida<strong>de</strong> - estas mães que não aparecem na<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados intensivos suscitam reações, como ilustra a fala da<br />

enfermeira Graça:<br />

“a queixa maior que eu recebo da minha equipe, <strong>de</strong><br />

auxiliar <strong>de</strong> enfermagem, <strong>de</strong> algumas enfermeiras<br />

também é isso, né, que elas tem <strong>de</strong> ficar como se<br />

fosse mesmo <strong>de</strong> babá, ficar atrás das mães para<br />

po<strong>de</strong>r amamentar, para po<strong>de</strong>r ajudar numa higiene.<br />

Que na cabeça da equipe, no pensamento <strong>de</strong>las,<br />

elas acham que a mãe tem <strong>de</strong> estar ali pra ajudar,<br />

pra dar o banho, pra cuidar do bebê e muitas<br />

vezes...”.<br />

Com isso instala-se uma tendência, <strong>de</strong> acordo com a psicóloga Renata, <strong>de</strong><br />

que certas mães se transformem em objetos <strong>de</strong> um olhar crítico por parte <strong>de</strong><br />

vários profissionais. Aquela que não se encaixa no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> “mãe sofredora”,<br />

apta a permanecer em contrição e quieta ao lado do seu filho, não é vista como<br />

94


um sujeito dotado <strong>de</strong> uma intencionalida<strong>de</strong> própria e sob a qual suas ações<br />

adquirem sentido. Não há, por parte <strong>de</strong>stes agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, um<br />

reconhecimento da alterida<strong>de</strong>. Assim, as mães hospedadas no alojamento que<br />

não passam o dia na UTIN, diz uma integrante da equipe <strong>de</strong> enfermagem:<br />

“estariam mais preocupadas em ficar passeando pelo hospital, paquerando os<br />

guardas do que ficarem perto do bebê”. Todavia, vale lembrar que na parte<br />

<strong>de</strong>sta dissertação em que foram analisadas as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais que<br />

se formam a partir da hospitalização algumas das mães entrevistadas falaram<br />

a respeito da sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventualmente irem para suas casas ou<br />

saírem para passear <strong>de</strong> modo a “esfriar a cabeça”.<br />

Portanto, po<strong>de</strong>-se afirmar que uma outra questão que atravessa as<br />

relações entre alguns profissionais e os pais dos bebês diz respeito ao<br />

atendimento humanizado em saú<strong>de</strong>. Mesmo porque a prática <strong>de</strong> uma atenção<br />

humanizada compreen<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros pressupostos, a adoção em comum -<br />

tanto da parte da equipes <strong>de</strong> agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> quanto da parte dos usuários<br />

<strong>de</strong> seus serviços - <strong>de</strong> um olhar capaz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a subjetivida<strong>de</strong> do outro<br />

(Deslan<strong>de</strong>s, 2004). E, com isso, favorecer o exercício da solidarieda<strong>de</strong><br />

(Benevi<strong>de</strong>s e Passos, 2005) em <strong>de</strong>trimento da violência representada pela<br />

negação da alterida<strong>de</strong> e da falta <strong>de</strong> comunicação entre as partes envolvidas<br />

(Deslan<strong>de</strong>s, 2004). Afinal, humanizar é “abrir-se ao outro e acolher solidária e<br />

legitimamente a diversida<strong>de</strong>” (Ayres, 2004).<br />

Além do mais, a postura, acima indicada, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados agentes <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> gera problemas em suas interações tanto com os pais dos bebês quanto<br />

com os parceiros dos pais, reunidos em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Não é incomum que<br />

uma mãe como, por exemplo, Joana reclame contra profissionais os quais, diz<br />

95


ela: “a gente vê que eles não gostam do que fazem”. Ou então um pai, como<br />

José:<br />

“Aqui <strong>de</strong>ntro não tive contato direto com ninguém,<br />

nem a enfermeira fala com a gente direito. Tem<br />

umas que são (...) Educação zero! ‘Sai daqui que<br />

eu vou pesar [o bebê]’ não tem educação. A gente<br />

cheio <strong>de</strong> problemas, com a cabeça quente... ‘Sai<br />

daí que vou pesar’ e não ‘me dá licença que vou<br />

pesar (...) Tem várias coisas, vou fazer o quê? Tem<br />

gente que não nasce para esse certo tipo <strong>de</strong><br />

profissão, enten<strong>de</strong>u?”<br />

Ambos os <strong>de</strong>poimentos po<strong>de</strong>m ser dimensionados à luz do conceito <strong>de</strong><br />

responsivida<strong>de</strong> o qual lida com a maneira “como o <strong>de</strong>senho do sistema <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> reconhece e consegue respon<strong>de</strong>r às expectativas universalmente<br />

legitimadas [grifo das autoras] dos indivíduos em relação aos aspectos não-<br />

médicos dos cuidado” (Vaitsman e Andra<strong>de</strong>, 2005: 606). Trata-se <strong>de</strong> um<br />

instrumento <strong>de</strong> aferição do grau <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços oferecidos aos<br />

usuários do sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> menos subjetivo do que o <strong>de</strong> satisfação<br />

(Vaitsman e Andra<strong>de</strong>, 2005; Williams, 1994). Muitas vezes a noção <strong>de</strong><br />

“satisfação” tem mais a ver com um nível <strong>de</strong> expectativa que é relativo,<br />

principalmente se o mo<strong>de</strong>lo da relação profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - usuário for o <strong>de</strong><br />

uma relação “paternalista”, <strong>de</strong> acordo com o qual a “verda<strong>de</strong>” sempre emana<br />

dos que <strong>de</strong>tém o conhecimento científico (Falkum e For<strong>de</strong>, 2001: 239). Há<br />

sempre a possibilida<strong>de</strong> do usuário ficar satisfeito sem que tenha lançado mão,<br />

necessariamente, <strong>de</strong> qualquer avaliação crítica dos serviços ao quais teve<br />

acesso (Vaitsman e Andra<strong>de</strong>, 2005).<br />

Logo, constata-se que quando os profissionais conseguem aten<strong>de</strong>r às<br />

pretensões “universalmente legitimadas” dos pais dos bebês internados na<br />

UTIN <strong>de</strong>sta maternida<strong>de</strong>, estes ten<strong>de</strong>m a qualificar como positivos<br />

<strong>de</strong>terminados plantões. Em outras palavras, os pais classificam como “bom”<br />

96


um plantão no qual po<strong>de</strong>m confiar. Neste sentido, exemplifica Beatriz, da<br />

equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental: “quando elas [as mães] gostam da enfermagem, da<br />

enfermeira, elas falam: ‘Olha, hoje eu vou dormir’”. Ou então, diz Diana, uma<br />

das mães hospedadas no alojamento: “daí vou pra casa tranqüila... sei que<br />

minha filha vai ficar em boas mãos”. Ou ainda Joana, cujo filho também está<br />

internado e que também está alojada no hospital: “o que a gente precisa é <strong>de</strong><br />

profissionais que sejam assim... profissionais e também alegres”.<br />

Conduta oposta - isto é, relutância e temor <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar os filhos - encontra-se<br />

quando as mães se <strong>de</strong>param com plantões por elas classificados como “ruins”.<br />

Estes seriam compostos, como ilustra a fala <strong>de</strong> uma mãe chamada Helena, por<br />

cuidadores profissionais os quais: “tem gente que se forma nesta profissão,<br />

mas não tem amor”.<br />

Para a equipe <strong>de</strong> enfermagem, esta maneira <strong>de</strong> encarar sua maneira <strong>de</strong><br />

trabalhar comporta equívocos, como ilustra a fala da enfermeira Graça:<br />

“Elas [as mães] comparam muito o serviço <strong>de</strong> um e<br />

o serviço <strong>de</strong> outro, o jeito, tem colegas que são<br />

mais ... sucintos,né, dão uma informação mais<br />

rápida, outra que conversa mais um pouco e aí ela<br />

gosta mais, enten<strong>de</strong>u? Aí acha que aquela ...<br />

porque não tem nada a ver com a técnica que ela<br />

está aplicando ao bebê, mas ela acha que ‘Ah,<br />

aquela enfermeira não é boa!’ Mas não é boa<br />

porque não está dando uma assistência legal pro<br />

neném? Não! É porque você não conversou muito<br />

com ela.”<br />

Estas dissonâncias também têm lugar por ocasião dos contatos dos<br />

profissionais com as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte preexistentes. Estes encontros se dão,<br />

primordialmente, por ocasião das visitas vespertinas à UTIN <strong>de</strong> pessoas<br />

selecionadas pelos pais dos bebês internados. De acordo com o que foi<br />

indicado no início <strong>de</strong>sta dissertação, esta ativida<strong>de</strong> é coor<strong>de</strong>nada pelas equipes<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental e pelo serviço social. São seus integrantes que regulam o<br />

97


fluxo <strong>de</strong> visitantes e controlam o acesso à unida<strong>de</strong> durante este período. Trata-<br />

se <strong>de</strong> uma rotina cuja implantação, lembra o médico Roberto, envolveu um<br />

processo <strong>de</strong> negociação endossado pela chefia do setor <strong>de</strong> neonatologia:<br />

“quando a gente começou a fazer isso, a gente não fez <strong>de</strong> modo atabalhoado,<br />

a gente fez assim <strong>de</strong>vagar, conversando, falando com as pessoas,<br />

sentando...”.<br />

Todavia, torna-se possível i<strong>de</strong>ntificar objeções e resistências à esta rotina.<br />

Exemplar foi um episódio no qual uma integrante da equipe <strong>de</strong> enfermagem<br />

teria, nas palavras <strong>de</strong> Beatriz: “ela simplesmente <strong>de</strong>cretou que: ‘aquele bebê <strong>de</strong><br />

fulana não vai receber mais nenhuma visita hoje’. Não chegou pra conversar,<br />

chegou pra mandar”. De acordo com esta profissional do serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

mental uma conduta mais “a<strong>de</strong>quada” seria a <strong>de</strong> dialogar com suas colegas<br />

que estavam organizando o fluxo <strong>de</strong> visitantes: “não precisava ela vir assim”.<br />

O relato <strong>de</strong> Beatriz sobre este inci<strong>de</strong>nte vai <strong>de</strong> encontro ao que a assistente<br />

social qualifica como uma postura não acolhedora ou “autoritária” da parte <strong>de</strong><br />

alguns profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> os quais supostamente assim falariam com os<br />

parceiros das re<strong>de</strong>s dos pais dos bebês: “’Ô, lava a mão ali! Po<strong>de</strong> entrar agora<br />

não’ E só..., nada <strong>de</strong> explicação, nada <strong>de</strong> conversa”. Os resultados -ainda <strong>de</strong><br />

acordo com esta integrante da equipe <strong>de</strong> serviço social - seriam inconfundíveis:<br />

“ele [o visitante] vai reclamar, não vai lavar a mão, não vai enten<strong>de</strong>r nada, vai<br />

ficar com raiva e vai brigar”.<br />

No entanto, por vezes surgem “problemas” que não são ocasionados<br />

exclusivamente pela conduta dos profissionais, <strong>de</strong> acordo com o médico<br />

Roberto. Para este entrevistado:<br />

“Dentre <strong>de</strong>z, vinte, cinqüenta famílias, uma família<br />

traz problemas pra gente, a gran<strong>de</strong> maioria não traz<br />

98


(...) família - problema é aquela família que é<br />

convidada a sair no momento em que a gente está<br />

fazendo um procedimento e ela não concorda, é<br />

uma família que começa a trocar papeleta e quer ler<br />

papeleta <strong>de</strong> outra criança, é uma família que<br />

começa a reclamar da outra criança, <strong>de</strong> outro<br />

acontecimento, aquela família que não enten<strong>de</strong> as<br />

regras do horário, <strong>de</strong> dinâmica da coisa”.<br />

Por seu lado, uma integrante da equipe <strong>de</strong> enfermagem coloca que os<br />

profissionais da saú<strong>de</strong> mental e do serviço social - cuja função é a <strong>de</strong> controlar<br />

a entrada <strong>de</strong> visitantes durante esta ativida<strong>de</strong> - <strong>de</strong>veriam sempre se dirigir ao<br />

enfermeiro ou médico responsável pelo plantão <strong>de</strong> modo a conferir se naquele<br />

dado momento as visitas a <strong>de</strong>terminados recém nascidos e aos seus pais<br />

po<strong>de</strong>riam ser autorizadas. Caso contrário, conta a profissional <strong>de</strong> enfermagem<br />

Graça: “era como uma enxurrada que passava por cima <strong>de</strong> quem estava<br />

trabalhando e pronto”. E, pon<strong>de</strong>ra Laurinda, que também faz parte da<br />

enfermagem: “teria <strong>de</strong> haver mais comunicação entre os multiprofissionais, pra<br />

po<strong>de</strong>r estar falando... a gente tem <strong>de</strong> falar a mesma língua, você fala uma<br />

coisa, eu falo outra...”.<br />

O fato <strong>de</strong> que a orientação <strong>de</strong> indagar aos <strong>de</strong>mais profissionais sobre a<br />

conveniência <strong>de</strong> liberar a entrada <strong>de</strong> visitantes e <strong>de</strong> restringir seu número a três<br />

por entrada para cada recém nascido estar previsto numa circular (anexo 4)<br />

cuja leitura é franqueada a todas as equipes interessadas, indica que se trata -<br />

muito mais - <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. E a qual merece ser<br />

mencionada na medida em que inci<strong>de</strong> sobre as relações entre as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

suporte aos pais e os profissionais.<br />

Além disso, torna-se possível observar que, <strong>de</strong> fato, há uma diferença entre<br />

a intervenção protagonizada pelo conjunto <strong>de</strong> profissionais em relação às re<strong>de</strong>s<br />

sociais que já existiam antes da internação dos bebês e em relação às<br />

99


formadas após a hospitalização. Por um lado, constatou-se que no caso das<br />

re<strong>de</strong>s preexistentes a disciplinarização do espaço hospitalar se dá<br />

exclusivamente em torno do fluxo <strong>de</strong> visitantes admitidos ou não na UTIN. Não<br />

há nenhum outro meio instituído através do qual haja um controle dos<br />

cuidadores profissionais sobre estas re<strong>de</strong>s. Neste sentido, muitas vezes os<br />

profissionais encarregados <strong>de</strong> supervisionar a entrada e saída <strong>de</strong>stas visitas se<br />

sentem - <strong>de</strong> acordo com a psicóloga Renata - apenas como: “meio que<br />

porteiros”.<br />

Mas, em contrapartida, percebe-se que os mecanismos disciplinares se<br />

tornam plurais quando exercidos sobre as re<strong>de</strong>s internas. Constituídas a partir<br />

da convivência entre as mães abrigadas no alojamento - como <strong>de</strong>monstrado no<br />

capítulo antece<strong>de</strong>nte - estas re<strong>de</strong>s se encontram submetidas a diversos<br />

ditames da or<strong>de</strong>m institucional. O primeiro <strong>de</strong>les diz respeito ao uso do próprio<br />

espaço do alojamento. São onze, como expostas no anexo 5, as normas que<br />

regem o alojamento <strong>de</strong> mães. E algumas buscam, inclusive, disciplinar a<br />

circulação das mães pelas <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>pendências da maternida<strong>de</strong> na medida<br />

em que preconiza que as mães se vistam <strong>de</strong> forma “a<strong>de</strong>quada ao ambiente<br />

hospitalar”.<br />

Logo, torna-se pertinente introduzir a questão da temporalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo a<br />

melhor compreen<strong>de</strong>r a disparida<strong>de</strong> das iniciativas institucionais face às re<strong>de</strong>s<br />

internas e face às preexistentes. O fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas re<strong>de</strong>s já estarem<br />

constituídas antes da sua presença na maternida<strong>de</strong> em muito constrange a<br />

margem <strong>de</strong> interferência por parte dos profissionais. As tramas já estão<br />

trançadas e os caminhos <strong>de</strong>lineados por seus integrantes, como nota um<br />

100<br />

membro da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental que diz: “a impressão que tenho, pelo o


que a gente vê, é que quando ela [a mãe] tem essa ajuda, essa ajuda persiste,<br />

quando ela não tem, não tem!”.<br />

Diante das re<strong>de</strong>s preexistentes ou externas caberia - e não é pouca coisa -<br />

aos representantes da instituição hospitalar tentar facilitar o trânsito e a<br />

presença dos parceiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong> junto aos pais que estão atravessando<br />

momentos plenos <strong>de</strong> vicissitu<strong>de</strong>s. E/ou evitar interpor obstáculos entre os pais<br />

e seus parceiros. E, <strong>de</strong>ste modo, prevenir uma eventual implosão <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> apoio cujas ações <strong>de</strong> suporte são cruciais. Afinal, como discutido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

primeiro capítulo, há sempre o risco da ausência <strong>de</strong> seus companheiros <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong> ser confundida pelos pais dos bebês como uma omissão ou abandono.<br />

Por sua vez, as re<strong>de</strong>s internas estão em formação. Praticamente não tem<br />

história prévia e com isso, ou melhor, sem ela, encontram-se mais vulneráveis<br />

diante <strong>de</strong> eventuais ações <strong>de</strong> terceiros. Seus integrantes ainda não têm um<br />

passado em comum que os aju<strong>de</strong> a fazer frente a um presente marcado pelas<br />

intervenções <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, por exemplo. E, mais ainda, o fato das<br />

re<strong>de</strong>s internas formadas por pais serem constituídas no âmbito do hospital<br />

favorece iniciativas <strong>de</strong> regulação por parte da instituição.<br />

Mas também há uma outra questão que inci<strong>de</strong> sobre a dissonância<br />

encontrada entre a atitu<strong>de</strong> dos profissionais em relação aos dois tipos <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suporte formadas pelos pais. Diz respeito à racionalida<strong>de</strong> médica e seu foco<br />

em torno da or<strong>de</strong>m. Tanto que o exercício da medicina é, antes <strong>de</strong> tudo, a<br />

aplicação <strong>de</strong> uma técnica capaz <strong>de</strong> classificar os sintomas para então po<strong>de</strong>r<br />

tratá-los, como afirma Foucault:<br />

“A clínica pe<strong>de</strong> ao olhar tanto quanto a história<br />

natural. Tanto e até certo ponto a mesma coisa: ver,<br />

isolar traços, reconhecer os que são idênticos e os<br />

que são diferentes, reagrupá-los, classificá-los por<br />

espécies ou famílias” (1994: 100).<br />

101


Para o médico há sempre - em consonância com os parâmetros<br />

cartesianos que orientam sua prática - uma causalida<strong>de</strong> linear que explicaria a<br />

doença (Guillermo, 1998 e Golse, 1998). A perspicácia da ciência médica<br />

estaria voltada para a compreensão da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> fatores, corroborando uma<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> cálculo e <strong>de</strong>dução. Nesta linha <strong>de</strong> pensamento os distúrbios ou<br />

“<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns” não têm lugar (Foucault, 2001: 103). Portanto, não é para menos<br />

que a equipe médica e <strong>de</strong> enfermagem do HMON - formadas <strong>de</strong> acordo com o<br />

mo<strong>de</strong>lo acima apontado - apresentem dificulda<strong>de</strong>s para lidar com<br />

acontecimentos que fogem da or<strong>de</strong>m institucional. As re<strong>de</strong>s internas são, como<br />

já foi <strong>de</strong>monstrado, compostas <strong>de</strong> maneira espontânea através <strong>de</strong> arranjos<br />

improvisados <strong>de</strong> acordo com a disponibilida<strong>de</strong> e os anseios por solidarieda<strong>de</strong><br />

expressos - <strong>de</strong> maneira explícita ou implícita - pelos pais dos bebês. Seus<br />

circuitos <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> são multidirecionais e não unidirecionais, como o <strong>de</strong><br />

causa - efeito.<br />

Entretanto, não se po<strong>de</strong> afirmar que estas tentativas <strong>de</strong> enquadramento e<br />

<strong>de</strong> incompreensão do dinamismo intrínseco às re<strong>de</strong>s sociais tenham origem<br />

exclusivamente no exercício prático da racionalida<strong>de</strong> médica-científica. A<br />

or<strong>de</strong>m hospitalar é reproduzida cotidianamente por outros agentes - além dos<br />

médicos - que também <strong>de</strong>tém po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro do serviço <strong>de</strong> neonatologia como<br />

os integrantes das equipes <strong>de</strong> serviço social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. A lógica<br />

assistencial <strong>de</strong>stes profissionais nem sempre se coaduna com as <strong>de</strong>mandas e<br />

formas <strong>de</strong> aglutinação dos usuários dos seus serviços, como mostraram as<br />

discordâncias em torno dos sentidos atribuídos às reuniões matinais com as<br />

mães dos bebês.<br />

102


E, por fim, as re<strong>de</strong>s internas formam um coletivo <strong>de</strong> contorno in<strong>de</strong>finido.<br />

Delimitar uma unida<strong>de</strong> não é tarefa fácil. São “conjuntos-<strong>de</strong>-ação” (Epstein;<br />

1987: 131) e, como tais, tornam-se <strong>de</strong> difícil apreensão para os profissionais<br />

cuja formação é voltada para o lidar com o indivíduo separadamente. Por isso é<br />

que a maioria dos profissionais do setor <strong>de</strong> neonatologia <strong>de</strong>sta maternida<strong>de</strong><br />

não se apercebe que as mães hospedadas no alojamento estão formando<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Ou, em outros termos, construindo coletivos ou conjuntos<br />

que não se enquadram nos objetos individualizados do mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong><br />

gestão do espaço hospitalar. Tanto que po<strong>de</strong> -se até pensar que a proliferação<br />

- acima mencionada - <strong>de</strong> normas que cerceiam o funcionamento das re<strong>de</strong>s<br />

internas muitas vezes é estabelecida sem que os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

dimensionem as implicações <strong>de</strong>stes seus atos.<br />

Todavia, também é possível encontrar iniciativas acolhedoras quando então<br />

os profissionais funcionam como re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio aos usuários <strong>de</strong> seus serviços.<br />

E, ocasionalmente, apresentam consciência do seu potencial <strong>de</strong> suporte, como<br />

será visto a seguir.<br />

5.2. - As re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês compostas por<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

A heterogeneida<strong>de</strong> entre as cinco equipes <strong>de</strong> profissionais mencionadas na<br />

parte anterior <strong>de</strong>ste capítulo - enfermagem, médica, saú<strong>de</strong> mental e serviço<br />

social - ocasiona <strong>de</strong>sdobramentos tanto em termos das funções das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

103<br />

suporte internas formadas por agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> quanto em relação às suas


espectivas compreensões acerca do seu eventual pertencimento a uma re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suporte aos pais.<br />

De acordo com um médico, o primeiro suporte recebido pelos pais do bebê<br />

é propiciado por sua atenção para com o recém nascido e com sua mãe: “acho<br />

que inicialmente é o nosso apoio, o primeiro contato é o médico que assistiu o<br />

parto, que internou o neném”. Para este entrevistado há, sobretudo no início da<br />

internação, uma <strong>de</strong>manda dos pais do bebê por informação e esclarecimentos.<br />

Logo, ele <strong>de</strong>duz que quando esta solicitação é atendida a contento, a família do<br />

recém nascido ten<strong>de</strong> a encarar o profissional como o “primeiro apoio”.<br />

No entanto, chama atenção Beatriz - da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental - não são<br />

todos os médicos que se dão conta que o ato <strong>de</strong> “passar informação” para a<br />

família do recém nascido é perpassado por um importante conteúdo subjetivo.<br />

Há aquelas mães que, diz Beatriz: “perguntam vinte mil vezes a mesma coisa”.<br />

Seu estado emocional afeta sua capacida<strong>de</strong> cognitiva sendo que, por vezes, se<br />

<strong>de</strong>param com pediatras os quais - <strong>de</strong> acordo com esta integrante da equipe <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> mental - não teriam “paciência” para ouvir as perguntas repetidas à<br />

exaustão pelas mães. Mas, ressalva a mesma profissional, em consonância<br />

com os testemunhos <strong>de</strong> duas colegas <strong>de</strong> profissão e da assistente social<br />

entrevistada: “dá para ver que, no geral, há um empenho dos médicos em<br />

conversar com as mães”.<br />

Esta disposição dos médicos para fornecer informações sobre os bebês é<br />

reconhecida pelas mães, como mostra o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Fernanda:<br />

“Pergunto, aí eles falam direitinho, à vezes eu nem<br />

pergunto, eu fico lá, parada, só olhando ele [seu<br />

filho], aí os médicos vêm e falam tudinho, direitinho,<br />

o que está se passando, se ele está bem, se não<br />

está, <strong>de</strong>ixam a gente ciente <strong>de</strong> tudo”.<br />

104


Esta comunicação só é possível porque, diz Joana: “sempre tem um<br />

médico que fala nossa linguagem, não fala na medicina assim (...) falam <strong>de</strong> um<br />

termo que a gente possa enten<strong>de</strong>r”. Sem dúvida, esta fala corrobora a<br />

assertiva <strong>de</strong> que o acolhimento humanizado em saú<strong>de</strong> passa necessariamente<br />

pelo estabelecimento <strong>de</strong> uma “re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversações” (Teixeira, 2003: 98) e<br />

não pela imposição <strong>de</strong> um vocábulo exclu<strong>de</strong>nte porque exclusivo do corpo<br />

médico (Boltanski, 1960). É imprescindível que sejam criados canais dialógicos<br />

entre os profissionais e os usuários, sob risco <strong>de</strong> prejudicar os encontros<br />

intersubjetivos (Artmann e Rivera, 2006).<br />

A importância do diálogo é tamanha que os membros da equipe <strong>de</strong><br />

enfermagem passam a ser vistos como pólos <strong>de</strong> suporte pelos pais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

se constituam como interlocutores freqüentes. Joana, por exemplo, relata como<br />

uma técnica <strong>de</strong> enfermagem sentou junto com ela diante da incubadora e<br />

passou a conversar tanto consigo quanto com seu filho: “nossa, foi <strong>de</strong>mais... <strong>de</strong><br />

uma hora pra outra aquele bebê pequenino virou gente, parecia que ele<br />

entendia tudo (...) ah <strong>de</strong>pois daquele dia, não passa um que eu não procure ela<br />

pra bater um papo”. Este <strong>de</strong>poimento evoca alguns estudos acerca <strong>de</strong> como o<br />

ato <strong>de</strong> falar com os recém nascidos é da maior relevância para a construção <strong>de</strong><br />

sua subjetivida<strong>de</strong> (Boisson-Bardies, 1999; Martinez, 1997).<br />

Para as enfermeiras e técnicas <strong>de</strong> enfermagem estas conversas com as<br />

mães fazem parte da dinâmica <strong>de</strong> cuidados requisitados pelas famílias dos<br />

bebês. Neste sentido, fala a enfermeira Graça: “da gente acho que elas querem<br />

que cui<strong>de</strong> bem do bebê <strong>de</strong>las, porque é a gente que mexe, a gente troca fralda,<br />

dá dieta, dá a medicação”. Ou então, exemplifica Laurinda - da mesma equipe:<br />

105<br />

“acho que é mais o acesso, o acesso á criança é a enfermagem que contribui


muito porque elas vão querer pegar ele, então é pra gente que elas vão pedir,<br />

se po<strong>de</strong> mexer, se po<strong>de</strong> pegar”. E quando são atendidas costumam se vincular<br />

com a profissional que age <strong>de</strong>sta maneira, fato que é percebido também por<br />

integrantes <strong>de</strong> outras equipes em ação na UTIN, como fala a médica Júlia:<br />

“acho que quem dá suporte é a equipe <strong>de</strong> enfermagem (...) tem uma ou outra<br />

enfermeira que ela [a mãe] fica mais ligada”. Ou a assistente social<br />

entrevistada que diz: “acho que algumas auxiliares também fazem este<br />

trabalho <strong>de</strong> re<strong>de</strong>”.<br />

Outra prática <strong>de</strong> contenção para com as mães i<strong>de</strong>ntificada pela<br />

enfermagem é a função <strong>de</strong> mediadora. Ainda <strong>de</strong> acordo com a enfermeira<br />

Graça: “a gente serve muito <strong>de</strong> elo também, porque às vezes querem<br />

conversar com o médico, mas aí vem primeiro à você, pra você chamar o<br />

médico para conversar, que às vezes a postura do médico assusta, é cultural”.<br />

Também os setores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental e <strong>de</strong> assistência social servem <strong>de</strong><br />

mediadores para eventuais comunicações entre os pais dos bebês e a equipe<br />

médica e <strong>de</strong> enfermagem. De acordo com a assistente social entrevistada:<br />

“a gente tenta agilizar as coisas, chamando a<br />

equipe, discutindo, mostrando os prós e os contra,<br />

neutralizando certas coisas que querem minar o<br />

trabalho, tem que estar muito ligado porque às<br />

vezes uma palavrinha aqui tem uma interferência<br />

imensa, né? Mas é... eu acho que é uma coisa que<br />

já está incorporada aqui <strong>de</strong>ntro”.<br />

De fato, durante a realização do trabalho <strong>de</strong> campo tornou-se possível<br />

presenciar encontros entre as chefias dos serviços <strong>de</strong> assistência social, <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> mental e <strong>de</strong> enfermagem neonatal para conversar sobre uma ou outra<br />

reivindicação postulada por algum usuário. Na maioria das vezes as mães que<br />

estão no alojamento procuram com mais freqüência o serviço social. Isto<br />

106<br />

porque já <strong>de</strong>senvolveram o hábito <strong>de</strong> recorrer aos seus préstimos para resolver


pendências <strong>de</strong> diversos tipos como, por exemplo, auxílio para comprar<br />

passagens para ir e vir da maternida<strong>de</strong>, roupas para os bebês, autorização<br />

para sair do hospital, <strong>de</strong>ntre outras. Daí, diz uma mãe chamada Nair a respeito<br />

das ações <strong>de</strong>sta assistente social: “a gente conhece mais ela, vem sempre<br />

aqui. Quando passa visita ela fala assim: ‘Por que você está com esta cara aí?’<br />

(...) quando tem pra ajudar ela ajuda”. Sendo assim, para algumas mães, a<br />

assistente social é vista como uma fonte <strong>de</strong> apoio material e moral porque,<br />

conta Joana: “é pra ela que a gente corre quando está estressada com alguma<br />

que tratou nosso filho meio assim... a gente fica assim... aí a gente vai lá”.<br />

Esta função protetora matizada por suas ações <strong>de</strong> apoio às mães é notada<br />

pela própria assistente social. A compreensão <strong>de</strong>sta profissional é que<br />

“acolher” é, antes <strong>de</strong> tudo: “enten<strong>de</strong>r aquele momento que a pessoa está<br />

passando, estar junto com ela, dar as informações que ela está necessitando<br />

naquele momento”. Assim, diz Carmem, ela conseguiria proporcionar “bem<br />

estar” uma vez que:<br />

“eu tento sempre me colocar muito no lugar <strong>de</strong>las,<br />

porque é muito duro como a gente vê aí algumas<br />

mulheres que estão sozinhas nessa situação...<br />

quando ela não tem ninguém a gente faz papel <strong>de</strong><br />

mãe (...) Olha, quando eu sinto que tem alguém<br />

que está muito largado, eu faço uma visita junto<br />

com ela quase todos os dias e digo: ‘Olha, como é<br />

que está o neném?’ Eu não digo pra ela que eu<br />

estou ali, mas eu tento ficar junto ali e faço um<br />

monte <strong>de</strong> perguntas pra ela (...) aquelas coisas que<br />

a família pergunta: ‘E a cabecinha <strong>de</strong>le, o cabelinho<br />

está crescendo, né? Pôxa, ele já ganhou peso!’ De<br />

repente a pessoa nem percebe que estou ali com<br />

este papel, mas eu estou. E a pessoa fica assim: ‘É,<br />

a senhora acha?’”.<br />

A percepção <strong>de</strong> que, por vezes, o profissional exerce o papel <strong>de</strong> “mãe”<br />

107<br />

frente ao usuários <strong>de</strong> seus serviços é compartilhada também pela equipe <strong>de</strong>


saú<strong>de</strong> mental. Nestes casos formam o que Cresti e Lapi <strong>de</strong>nominam como “um<br />

envelope que contém e protege”, cuja <strong>de</strong>scrição é a seguinte:<br />

“representa uma estrutura que cuida, apóia e<br />

respon<strong>de</strong> às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência tanto da<br />

mãe como dos bebês, ajudando a mulher a<br />

organizar uma relação com seus filhos, obe<strong>de</strong>cendo<br />

a uma necessida<strong>de</strong> interna <strong>de</strong> gradação. A mãe se<br />

encontra cercada e protegida [...] pela presença<br />

discreta e não intrusiva da equipe. Esta lhe oferece<br />

um suporte tangível, não procurando substituí-la<br />

completamente, <strong>de</strong>ixando-lhe, ao contrário, a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentar suas próprias<br />

capacida<strong>de</strong>s autônomas.” (1997: 153-4).<br />

Neste sentido, pon<strong>de</strong>ra Beatriz, do setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental:<br />

“a gente tem muito um papel <strong>de</strong> mãe com elas, tem<br />

que fazer uma certa maternagem com elas, isso eu<br />

acho, às vezes elas estão muito fragilizadas e a<br />

gente dá um... até um colo mesmo, e elas<br />

melhoram! Mas elas não pe<strong>de</strong>m, assim, não tem<br />

essa clareza, elas se aproximam e <strong>de</strong>ixam que a<br />

gente possa dar”.<br />

Para tanto, relata outra profissional da mesma equipe, o serviço trata <strong>de</strong><br />

elaborar: “essa re<strong>de</strong> que a gente constrói <strong>de</strong> projetos junto com a clientela”. De<br />

acordo com esta entrevistada o setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental tentaria montar um<br />

trabalho preventivo ao buscar estar com a família do bebê ao longo <strong>de</strong> todo o<br />

período <strong>de</strong> hospitalização, através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assistência às famílias dos<br />

bebês, formando a mencionada “re<strong>de</strong> <strong>de</strong> projetos”, os quais, apesar <strong>de</strong><br />

institucionalizados, não tem ligações com as re<strong>de</strong>s habitualmente chanceladas<br />

pelas instituições hospitalares como as “Res”, isto é, “Refazer” ou “Renascer,<br />

apenas para citar duas das agremiações mais notórias.<br />

108<br />

As re<strong>de</strong>s às quais Cláudia, do serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, está se referindo<br />

dizem respeito às estratégias <strong>de</strong> atendimento - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros dias - aos<br />

pais dos recém nascidos. De acordo com esta profissional: “neste início eu diria


que seria mais orientação, acolhimento, o que conta bastante”. Depois, quando<br />

as mães supostamente já “dominariam” mais o vocabulário <strong>de</strong> um universo tão<br />

diferente do seu e estariam mais <strong>de</strong>sinibidas, a atuação da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

mental seria em torno da consolidação <strong>de</strong> “um espaço <strong>de</strong> escuta”. Ou seja,<br />

gradualmente a troca <strong>de</strong> informações sobre o bebê e os procedimentos<br />

terapêuticos daria lugar aos encontros durante os quais as mães se sentiriam<br />

confortáveis o suficiente para trazer à tona, por vezes, histórias para além do<br />

cotidiano <strong>de</strong> uma UTIN.<br />

109<br />

O relato <strong>de</strong> Luiza a respeito do apoio recebido da parte <strong>de</strong> uma<br />

psicóloga ilustra como se <strong>de</strong>senrola o trabalho oferecido pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

mental. De acordo com esta mãe, no começo do período <strong>de</strong> internação -<br />

quando Luiza sequer ia à UTIN porque “tinha muito medo <strong>de</strong> chegar lá e ver o<br />

pior” - esta integrante do setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental visitava-a diariamente na<br />

enfermaria <strong>de</strong> puérperas com notícias da evolução do seu bebê. E, além do<br />

mais, durante uma cirurgia do seu recém nascido, esta profissional ficava lhe<br />

informando sobre o andamento da operação. Logo, fala Luiza: “Puxa, me<br />

ajudou muito, me dava uma tranqüilida<strong>de</strong>”.<br />

Assim sendo, constata-se - como indicado anteriormente - que tanto as<br />

funções das re<strong>de</strong>s compostas por profissionais quanto as expectativas dos pais<br />

dos bebês e o respectivo atendimento às estas <strong>de</strong>mandas se diferenciam <strong>de</strong><br />

acordo com a categoria profissional. Entre os pais e os médicos há um<br />

importante fluxo <strong>de</strong> informação. A equipe <strong>de</strong> enfermagem ampara os usuários<br />

<strong>de</strong> seus serviços ao realizar com afeto os cuidados com os recém nascidos e<br />

conversar com seus familiares. A <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental atua como mediadora e<br />

como uma “mãe” simbólica dos que estão em sofrimento na medida em que -


tal qual uma mãe -permanece ao lado dos pais, acolhendo seus pesares e<br />

suas angústias por ter colocado no mundo um bebê que precisa dos serviços<br />

<strong>de</strong> terceiros para sobreviver. E, por sua vez, a <strong>de</strong> serviço social acrescenta às<br />

funções compartilhadas com a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental o encargo <strong>de</strong> arranjar<br />

meios materiais para amenizar as dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas por estas famílias<br />

<strong>de</strong> recursos escassos.<br />

No entanto, estas funções <strong>de</strong> re<strong>de</strong> não têm fronteiras rígidas, po<strong>de</strong>ndo ser<br />

ocupadas por integrantes <strong>de</strong> diferentes equipes em momentos distintos. E,<br />

mais ainda, por vezes passam <strong>de</strong>sapercebidas aos olhos dos profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> e/ou para aqueles que recorrem aos seus serviços. Neste sentido, torna-<br />

se difícil divisar se, <strong>de</strong> fato, as práticas acima indicadas se constituem como<br />

exemplos <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> re<strong>de</strong> ou se simplesmente compõem o rol <strong>de</strong> seus<br />

encargos profissionais.<br />

Para esclarecer esta dúvida há <strong>de</strong> se recorrer à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> re<strong>de</strong> social <strong>de</strong><br />

suporte apresentada no marco teórico-conceitual <strong>de</strong>sta dissertação. De acordo<br />

com a mesma, para enten<strong>de</strong>r as configurações das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio torna-se<br />

necessário perceber quais os indivíduos que preenchem <strong>de</strong>terminadas funções<br />

<strong>de</strong> suporte. No âmbito das interações entre os profissionais e os pais dos<br />

bebês, <strong>de</strong>stacam-se as seguintes ativida<strong>de</strong>s levadas a cabo pelos cuidadores<br />

profissionais as quais, <strong>de</strong>ntre outras, permeiam toda e qualquer re<strong>de</strong> social <strong>de</strong><br />

suporte: a <strong>de</strong> apoio emocional, guia cognitivo, ajuda material e <strong>de</strong> serviços.<br />

Estas práticas ultrapassam as atribuições meramente técnicas dos<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Ao dar suporte aos pais das diferentes maneiras<br />

expostas nos parágrafos anteriores os profissionais estão formando re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

110<br />

apoio. Ou, em outros termos, não estão atuando “primordialmente como


epresentantes do hospital-clínica enquanto um grupo corporativo” mas sim<br />

como pessoas “que têm muitos dos seus elos com o meio sob a forma <strong>de</strong><br />

vínculos através <strong>de</strong> indivíduos que atuavam enquanto indivíduos” (Bott, 1976:<br />

305).<br />

Outrossim, há <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar claro que as ações <strong>de</strong> suporte empreendidas<br />

pelos profissionais do HMON não po<strong>de</strong>m ser confundidas como manifestações<br />

<strong>de</strong> uma “mera amiza<strong>de</strong>”, a qual, por si só, “não é suficiente como meio <strong>de</strong> ligar<br />

as pessoas numa re<strong>de</strong>” (Gluckman, 1976: 21). São, antes <strong>de</strong> tudo, práticas <strong>de</strong><br />

atores sociais inscritos em re<strong>de</strong>s as quais são <strong>de</strong>finidas - apenas para lembrar,<br />

em outras palavras, o que foi exposto no início <strong>de</strong>sta dissertação - como:<br />

“configuração social on<strong>de</strong> algumas, mas nem todas,<br />

das unida<strong>de</strong>s externas componentes mantém<br />

relações entre si. As unida<strong>de</strong>s externas não<br />

constituem um todo social mais amplo. Elas não<br />

são cercadas por uma fronteira comum” (Bott, 1976:<br />

211).<br />

E, tal qual as <strong>de</strong>mais re<strong>de</strong>s internas analisadas no capítulo anterior,<br />

prescin<strong>de</strong>m da reciprocida<strong>de</strong> estabelecida a priori (Moreira, 2005). A<br />

reciprocida<strong>de</strong> não é pré-requisito obrigatório em interações estruturadas pela<br />

dádiva, po<strong>de</strong>ndo ser construída a posteriori. Mesmo porque, como visto acima,<br />

muito das trocas sociais não são motivadas por nenhum tipo <strong>de</strong> cálculo<br />

utilitário. E, sem dúvida, é esta postura antiutilitarista que norteia a atuação da<br />

maior parte dos cuidadores profissionais para com os familiares dos bebês.<br />

Suas ações <strong>de</strong> suporte aos usuários <strong>de</strong> seus serviços pautam-se pelo exercício<br />

<strong>de</strong> uma solidarieda<strong>de</strong> para com quem busca e precisa <strong>de</strong> sua ajuda. Ten<strong>de</strong>m a<br />

ser espontâneas, mas, por outro lado, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um setting institucional<br />

que po<strong>de</strong> facilitar ou dificultar suas manifestações.<br />

111


Entrementes, há <strong>de</strong> se também levar em consi<strong>de</strong>ração que cada equipe é<br />

heterogênea, comportando profissionais que exercem seu ofício <strong>de</strong> maneira<br />

singular. De acordo com a assistente social: “em todas as equipes você tem<br />

pessoas sensibilizadas pra aquele trabalho e outras que tem outra visão que às<br />

vezes incomodam”. Afinal, afirma a mesma entrevistada:<br />

“Para trabalhar na unida<strong>de</strong> neonatal, no meu modo<br />

<strong>de</strong> ver, tem que ser uma pessoa, não po<strong>de</strong> ser um<br />

profissional qualquer, ele tem que ter sensibilida<strong>de</strong>,<br />

ele tem que estar se atualizando, ele tem que ter<br />

uma compreensão muito gran<strong>de</strong> do que é um<br />

sofrimento, do que é o ser humano, pra po<strong>de</strong>r ter<br />

uma relação satisfatória com essas pessoas”.<br />

Sem dúvida, a concepção <strong>de</strong> ser “sensível e compreensivo” é relativa,<br />

variando <strong>de</strong> cuidador para cuidador. No entanto, a disposição <strong>de</strong> tentar, cada<br />

qual à sua maneira, enten<strong>de</strong>r o outro po<strong>de</strong> gerar um ambiente mais responsivo<br />

à todos seus participantes. E assim tornar mais próxima a meta <strong>de</strong>ste serviço<br />

<strong>de</strong> neonatologia, a qual seria, segundo um dos médicos entrevistados: “não é<br />

só cuidar da criança, é cuidar da criança e cuidar também <strong>de</strong> quem vai levar<br />

esta criança para casa”.<br />

Ou, ainda <strong>de</strong> acordo com o mesmo entrevistado, registrar que um dos<br />

caminhos possíveis a serem seguidos pelos profissionais para se chegar mais<br />

perto da adoção <strong>de</strong>sta prática seria perceber que:<br />

“a primeira re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio que ele [o recém nascido]<br />

encontra acho que é a na mãe, aqui a primeira<br />

coisa que a gente vê são os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

(...) porque muitas vezes a mãe tem esse neném, o<br />

pai tem dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar ou está trabalhando,<br />

mas a primeira re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio que a gente tenta<br />

sempre fazer é exatamente isso, é a auxiliar <strong>de</strong><br />

enfermagem, é a enfermeira, é o pessoal <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

mental pra dar apoio pra essa mãe, pra tentar<br />

explicar esta nova situação pra ela, até chegar esta<br />

família”.<br />

112


Em outras palavras, dispor <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> re<strong>de</strong> para analisar as<br />

interações em curso no hospital e tornar disponível tanto para os profissionais<br />

quanto para os usuários formas <strong>de</strong> suporte capazes <strong>de</strong> enredá-los e, assim,<br />

amparar a todas as partes envolvidas neste processo <strong>de</strong> produção em saú<strong>de</strong>.<br />

E, ao mesmo tempo, levar em consi<strong>de</strong>ração o fato <strong>de</strong> que as re<strong>de</strong>s internas<br />

apresentam um entrelaçamento ainda tênue e são compostas por pessoas -<br />

sejam leigos ou profissionais - potencialmente fragilizadas pelas constantes<br />

tensões que permeiam qualquer setor <strong>de</strong> neonatologia.<br />

Além do mais, as ações em re<strong>de</strong>s protagonizadas pelos profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> têm o potencial <strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>rem para além do período <strong>de</strong> internação<br />

do recém nascido. Apesar <strong>de</strong>ste trabalho não ter <strong>de</strong>tectado qualquer sinal do<br />

prolongamento dos vínculos estabelecidos a partir da hospitalização neonatal,<br />

não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que o prolongamento <strong>de</strong>stas tessituras que<br />

temporariamente uniram os pais e os profissionais que cuidaram dos seus<br />

bebês po<strong>de</strong>ria, eventualmente, ter <strong>de</strong>sdobramentos positivos após a alta<br />

hospitalar. Em outras palavras, ampliar o arco das matrizes <strong>de</strong> apoio <strong>de</strong> modo<br />

a assegurar, por um lado, uma volta para casa com menos estresse para os<br />

pais, já que se encontram no limiar <strong>de</strong> suas forças <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem enfrentado<br />

as vicissitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma internação. E, por sua vez, garantir para os profissionais<br />

um maior nível <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são dos seus pacientes aos procedimentos terapêuticos<br />

ambulatoriais que são indispensáveis para todas as crianças que foram<br />

hospitalizadas no início <strong>de</strong> suas vidas.<br />

113


Capítulo 6 - Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

114<br />

“mas se eu esperar compreen<strong>de</strong>r para aceitar as coisas<br />

- nunca o ato <strong>de</strong> entrega se fará. Tenho <strong>de</strong> dar o mergulho<br />

<strong>de</strong> uma só vez, maegulho que abrange a compreensão e<br />

sobretudo a incompreensão”.<br />

Clarice Lispector<br />

Ao investigar as práticas <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês perpetradas pelas<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio esta pesquisa concluiu que muitas <strong>de</strong>ssas ações -<br />

especialmente as protagonizadas pelas re<strong>de</strong>s compostas a partir da<br />

hospitalização - passam <strong>de</strong>sapercebidas aos olhos <strong>de</strong> quem é profissional <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>.<br />

O fato do trabalho <strong>de</strong> campo realizado para esta dissertação ter sido levado<br />

a cabo numa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> na qual está em pauta há muito tempo a<br />

questão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propiciar ao público um atendimento mais<br />

humanizado, possibilitou a revisão <strong>de</strong> alguns pressupostos que norteiam a<br />

discussão sobre as relações entre as instituições hospitalares e as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

suporte aos usuários <strong>de</strong> seus serviços.<br />

Em primeiro lugar, ficou claro que no serviço <strong>de</strong> neonatologia observado<br />

não predomina a idéia <strong>de</strong> uma necessária coincidência entre as fronteiras das<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais e as famílias consangüíneas dos pacientes. Neste<br />

local a maioria dos profissionais compreen<strong>de</strong> que os usuários <strong>de</strong> seus serviços<br />

dispõem <strong>de</strong> diversos núcleos <strong>de</strong> inclusão social. De modo a evitar o<br />

distanciamento dos pacientes <strong>de</strong>stas matrizes <strong>de</strong> apoio, lhes é facultada a<br />

presença <strong>de</strong>ntro da UTIN. Tanto que aos pais dos bebês cabe, <strong>de</strong> livre arbítrio,<br />

a seleção <strong>de</strong>stes parceiros autorizados a penetrar num universo que - na<br />

maioria das <strong>de</strong>mais unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - só é franqueado àqueles com quem a<br />

dupla parental mantém laços <strong>de</strong> sangue.


115<br />

Todavia, persistem certos impasses <strong>de</strong> suma relevância para a atuação<br />

das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais. A questão do estabelecimento <strong>de</strong> um horário<br />

<strong>de</strong> visitas que seja menos inconveniente para uma população que trabalha<br />

precisa ser posta na or<strong>de</strong>m do dia. Caso contrário, corre-se o risco <strong>de</strong>stas<br />

ações <strong>de</strong>stinadas a acolher no hospital as re<strong>de</strong>s significativas para os pais se<br />

transformarem em medidas meramente burocráticas. De fato, ao longo da<br />

pesquisa, diversos entrevistados relataram como que, com o passar do tempo,<br />

há uma tendência dos membros <strong>de</strong>stas teias estarem menos presentes por<br />

conta da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistematicamente se ausentarem dos seus postos <strong>de</strong><br />

trabalho já que as visitas à UTIN só são permitidas em dias úteis e à tar<strong>de</strong>.<br />

Com isso aumentam as chances <strong>de</strong>stes pais se sentirem aos poucos ainda<br />

mais <strong>de</strong>samparados por seus parceiros precisamente quando já se encontram<br />

extenuados pelo prolongamento da hospitalização <strong>de</strong> seu filho. Assim, po<strong>de</strong>-se<br />

falar que mesmo nas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> preocupadas em oferecer para sua<br />

clientela uma atenção mais humanizada, urge tentar unir a teoria à prática,<br />

tornando <strong>de</strong> fato viável a presença e atuação dos companheiros <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

pais. A primeira providência a ser tomada po<strong>de</strong>ria ser a implantação da rotina<br />

<strong>de</strong> visitas à UTIN em dias acordados entre os usuários e a instituição, por<br />

exemplo.<br />

Outrossim, tornou-se claro que não basta que estas ativida<strong>de</strong>s em prol do<br />

acolhimento às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte aos pais sejam incorporadas apenas por parte<br />

das equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mesmo que esta parte inclua profissionais em cargos <strong>de</strong><br />

chefia. Para que as rotinas sejam <strong>de</strong> fato implantadas torna-se necessário o<br />

comprometimento <strong>de</strong> todos os participantes, enten<strong>de</strong>ndo que a humanização é<br />

um processo coletivo <strong>de</strong> produção.


Entrementes, as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acolhimento às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte<br />

preexistentes não po<strong>de</strong>m ser reduzidas ao mero controle do seu fluxo na UTIN.<br />

Dada a importância <strong>de</strong>stas formações para a diminuição do <strong>de</strong>sgaste<br />

enfrentado neste ambiente, há <strong>de</strong> se pensar em outras formas <strong>de</strong> modo a tecer<br />

parcerias com estas matrizes <strong>de</strong> apoio como a criação, por exemplo, <strong>de</strong> rotinas<br />

aptas a incorporar efetivamente as contribuições dos integrantes <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>s<br />

que passariam <strong>de</strong> fato a ser encarados como cuidadores.<br />

E não só os usuários dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> anseiam por uma atenção<br />

humanizada. Também há uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> teor semelhante por parte dos<br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Estes só po<strong>de</strong>m exercer a contento seu ofício <strong>de</strong> cuidar<br />

<strong>de</strong> quem se encontra em sofrimento caso disponham eles próprios <strong>de</strong><br />

mecanismos <strong>de</strong> suporte. Em outras palavras, também os profissionais <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> necessitam em seu ambiente <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio com as<br />

quais se i<strong>de</strong>ntifiquem e se integrem. Sem dúvida, esta função po<strong>de</strong>ria ser<br />

preenchida pelas re<strong>de</strong>s internas que se formam no âmbito do hospital.<br />

116<br />

Entretanto, qualquer iniciativa no sentido <strong>de</strong> traçar alianças entre os<br />

usuários e os profissionais passa necessariamente pelo reconhecimento <strong>de</strong><br />

que as re<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser construídas <strong>de</strong>ntro das instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

No campo estudado, ao ignorar e – conseqüentemente - ao restringir o arco <strong>de</strong><br />

atuação das re<strong>de</strong>s internas formadas pelos pais durante a internação dos filhos<br />

recém nascidos os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixam, por um lado, <strong>de</strong> aproveitar o<br />

potencial <strong>de</strong> parceria que estas re<strong>de</strong>s estariam aptas a lhe propiciar. E, por<br />

outro, <strong>de</strong>sperdiçam a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogar com instâncias capazes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stacar e valorizar as condutas dos profissionais que ultrapassam os limites<br />

<strong>de</strong> suas respectivas competências técnicas. Deixam <strong>de</strong> ser reconhecidos por


não i<strong>de</strong>ntificarem as re<strong>de</strong>s cujas tramas são em parte costuradas a partir dos<br />

seus méritos como profissionais e como indivíduos empenhados em acolher as<br />

<strong>de</strong>mandas dos que buscam seus préstimos e se <strong>de</strong>param com sua prática<br />

solidária.<br />

117<br />

Logo, há <strong>de</strong> se tentar transformar a maneira e a perspectiva adotada pelos<br />

profissionais diante das re<strong>de</strong>s, ciente <strong>de</strong> que muitos das conclusões elaboradas<br />

por esta dissertação não se aplicam a todo e qualquer serviço <strong>de</strong> neonatologia.<br />

Um estudo comparativo entre o campo observado e um outro serviço que<br />

sequer admita a presença no hospital <strong>de</strong> outras pessoas próximas ao bebê que<br />

não seus próprios pais certamente permitiria uma visão mais abrangente. Não<br />

obstante a limitação da presente dissertação po<strong>de</strong>-se propor que – <strong>de</strong> imediato<br />

- se introduza em todos os hospitais com unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuidados intensivos<br />

neonatais a discussão a respeito da relevância e variabilida<strong>de</strong> das<br />

composições das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte. Afinal, as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte sempre<br />

funcionam como fatores <strong>de</strong> proteção para aqueles que têm a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>,<br />

por sua vez, proteger os que estão começando a viver.


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Anexo 1<br />

Roteiro <strong>de</strong> entrevistas para os pais dos bebês<br />

1) Tem recebido algum apoio para enfrentar esta situação <strong>de</strong> internação do seu<br />

bebê? De quem? (exploração da composição da re<strong>de</strong>: familiar, comunitária,<br />

religiosa, ..).<br />

2) Que tipo <strong>de</strong> suporte tem recebido? (exploração do conteúdo: material,<br />

emocional e <strong>de</strong> informação).<br />

3) Essas pessoas que estão lhe apoiando neste momento já lhe ajudavam<br />

antes? Como era esta ajuda?<br />

4) Tem alguém com quem você contava e que ainda não se manifestou <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que seu filho está internado? Por que você acha que aconteceu isto?<br />

5) E há alguém com quem você não contava e que está lhe ajudando a passar<br />

por esta situação?<br />

6) E aqui <strong>de</strong>ntro do hospital? Há alguém lhe apoiando?<br />

7) Como você vê as ações das equipes <strong>de</strong> profissionais do hospital? Recebe<br />

algum tipo <strong>de</strong> suporte da parte <strong>de</strong> quem trabalha na maternida<strong>de</strong>? Como? De<br />

quem?<br />

127


8) Você participa <strong>de</strong> algum grupo no hospital para conversar sobre o que está<br />

acontecendo com seu bebê? O que acha disso? Alguém da sua família<br />

participa?<br />

128


Anexo 2<br />

Roteiro <strong>de</strong> entrevistas para os profissionais<br />

1) De quem você acha que os pais recebem apoio enquanto seus filhos estão<br />

internados?<br />

2) Quais as ações <strong>de</strong> suporte que você consi<strong>de</strong>ra que os pais vêem como<br />

importante para eles enfrentarem esta situação?<br />

3) Quais são as ações <strong>de</strong> suporte aos pais que ajudam e quais as que<br />

atrapalham a assistência prestada ao recém nascido?<br />

4) Que tipo <strong>de</strong> apoio, no seu enten<strong>de</strong>r, os pais <strong>de</strong>veriam receber para lidar<br />

melhor com a hospitalização neonatal?<br />

5) No seu enten<strong>de</strong>r o profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> participa ou <strong>de</strong>veria participar das<br />

ações <strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês? De que jeito?<br />

129


Anexo 3<br />

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />

PROJETO DE PESQUISA: REDES SOCIAIS DE SUPORTE AOS PAIS DOS<br />

BEBÊS INTERNADOS NA UTI NEONATAL<br />

PESQUISADOR RESPONSÁVEL: MARIA CHRISTINA (NINA) DE ALMEIDA<br />

BRAGA<br />

E-MAIL: ninabraga@terra.com.br<br />

INSTITUIÇÕES RESPONSÁVEIS PELA PESQUISA:<br />

INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA - IFF/FIOCRUZ<br />

ENDEREÇO: AV. RUI BARBOSA, 716 - 4º ANDAR – FLAMENGO – RIO DE<br />

JANEIRO – RJ TEL.2554-1700 / CEP 22250-020<br />

NOME DO ORIENTADOR: SUELY FERREIRA DESLANDES<br />

COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE<br />

DO RIO DE JANEIRO - CEP/SMS<br />

ENDEREÇO: RUA AFONSO CAVALCANTI, 455 / 601 - CIDADE NOVA - RIO<br />

DE JANEIRO -RJ - TEL: 2293-5549<br />

O PRESENTE TERMO DEVERÁ SER LIDO, ESCUTADO E ASSINADO PELO<br />

ENTREVISTADO ANTES DA GRAVAÇÃO DE SUA ENTREVISTA<br />

130


Prezado Sr (a),<br />

131<br />

Convidamos o Sr (a) a participar, voluntariamente, <strong>de</strong> nossa pesquisa<br />

que visa a produção <strong>de</strong> uma dissertação <strong>de</strong> mestrado intitulada “Re<strong>de</strong>s sociais<br />

<strong>de</strong> suporte aos pais dos bebês internados na UTI neonatal <strong>de</strong> um hospital<br />

público do município do Rio <strong>de</strong> Janeiro” a ser redigida pela aluna Maria<br />

Christina (Nina) <strong>de</strong> Almeida Braga, do Curso <strong>de</strong> Pós-Graduação em Saú<strong>de</strong> da<br />

Criança e da Mulher do Instituto Fernan<strong>de</strong>s Figueira - <strong>Fiocruz</strong>.<br />

Pedimos que leia atentamente as informações abaixo antes <strong>de</strong> nos<br />

fornecer seu consentimento.<br />

1) Esta pesquisa tem como objetivo estudar o apoio recebido pelos pais<br />

dos bebês internados nesta UTI para enfrentar este período <strong>de</strong> hospitalização<br />

no início da vida dos seus filhos. Acredita-se que a ajuda possa vir tanto da<br />

parte <strong>de</strong> parentes quanto <strong>de</strong> outras pessoas que são importantes para os pais<br />

dos recém nascidos. Com este estudo preten<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r quem é que<br />

auxilia e como que é se dá este auxílio que os pais recebem durante a<br />

internação do seu bebê.<br />

2) Não haverá nenhum tipo <strong>de</strong> ônus ou problema legal, caso o Sr (a)<br />

aceite participar <strong>de</strong>ste estudo e sua participação se faz voluntária.<br />

3) Os dados serão colhidos através <strong>de</strong> entrevistas. As entrevistas serão<br />

gravadas para posterior transcrição. Se for do seu interesse este material<br />

coletado estará à sua disposição.<br />

O Sr (a) tem plena liberda<strong>de</strong> para se retirar do estudo, assim como<br />

acesso a todas as informações colhidas a seu respeito a qualquer momento.<br />

Sua i<strong>de</strong>ntificação será mantida como informação confi<strong>de</strong>ncial, assim como a


das pessoas referidas. Nada do que for dito será em algum momento usado<br />

contra sua pessoa.<br />

132<br />

Para esclarecer qualquer dúvida ou providência sobre esta pesquisa o/a<br />

sr./sra. po<strong>de</strong>rá entrar em contato com a pesquisadora responsável - Maria<br />

Christina (Nina) (21) 25541700 ramal 1833 ou com o Comitê <strong>de</strong> Ética e<br />

Pesquisa da Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> sito à rua Afonso Cavalcanti,455<br />

sala 601 - Cida<strong>de</strong> Nova tel: (21) 22935549.<br />

Os resultados da pesquisa serão divulgados através da dissertação <strong>de</strong><br />

Mestrado, Congressos e Eventos Científicos sem que sejam reveladas as<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s dos participantes.<br />

Sendo assim, eu abaixo assinado/a, concordo em participar<br />

voluntariamente <strong>de</strong>sta pesquisa. Declaro que li, ouvi e entendi todas as<br />

informações referentes a este estudo e que todas as perguntas que fiz foram<br />

respondidas a<strong>de</strong>quadamente pela pesquisadora.<br />

Nome do participante:<br />

_______________________________________________________________<br />

Pai/ Mãe <strong>de</strong>:_____________________________________________________<br />

Assinatura:<br />

_______________________________________________________________<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>:______________________________________________________<br />

Assinatura do pesquisador: _________________________________________<br />

Local e Data: ____________________________________________________


133

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