PODER-SE-Á OUVIR A FORMA DE UM FILME ESMÉTICO? 28
quoi ce phénomène doit être regardé comme le principe de la Musique plutôt que les proportions qui en sont le fondement" (Quanto aos sons da <strong>Música</strong>, estou perfeitamente de acordo consigo, Senhor, que os sons consonantes que o Sr. Ram<strong>ea</strong>u pretende ouvir duma mesma corda resultariam dos outros corpos vibrantes; e não vejo porquê este fenómeno deve ser visto como o princípio da <strong>Música</strong> em lugar de as verdadeiras proporções que constituem o seu fundamento). No entanto só no século seguinte, com a publicação em 1822 da obra fundamental de J. Fourier (1768- 1830), “Théorie analytique de la chaleur”, se dá um novo passo decisivo na “harmonização” da análise matemática. Mas apesar de Fourier manter a possibilidade do “développement de une function arbitraire en séries trigonométriques”, só ao longo de oitocentos o progres- Fig. 16 - a) Formas de tambores (polígnos planos) isospectrais (que reproduzem o mesmo som) com formas diferentes, do tipo que C. Gordon e D. Webb encontraram em 1991. b) Formas espaciais de sinos (superfícies Riemannianas) de P. Buser (1986) isospectrais. 29 sivo esclarecimento das próprias noções de “função arbitrária” e da análise das várias noções de convergência de séries infinitas de funções e, sobretudo, já no século XX com o teorema de Riesz- Fischer (1907) sobre a convergência das séries de Fourier em média quadrática, é que a análise funcional do fenómeno vibratório adquire o estádio actual de rigor e desenvolvimento, com vastas e profundas consequências em toda a Física – <strong>Matemática</strong>. Mas a corda musical não é senão o primeiro exemplo matemático da análise do som. De facto, quer o som produzido pela maioria dos instrumentos musicais, quer o próprio ouvido humano, exigem modelos matemáticos que tenham em conta as várias dimensões do espaço físico e a geometria dos corpos sonoros. Por exemplo, o som produzido pela membrana de um tambor requer a análise da equação das ondas bidimensionais, onde em lugar de segunda derivada espacial se tem de colocar o Laplaciano ∆ =∂2 2 2 2 /∂x + ∂ /∂x2 , procurando 1 agora o deslocamento da posição da membrana através duma função u = u (x1 , x2 , t ) onde o ponto ( x , x ) va- 1 2 ria numa região Ω do plano. A geometria de Ω é agora fundamental na determinação dos sons fundamentais do tambor. A célebre questão retomada por Kac em 1966 sobre “se será possível ouvir a forma de um tambor” só em 1991 encontrou uma resposta parcial e negativa e ainda hoje é um tema geométrico de investigação. Com efeito, aquela questão, que tem um significado preciso e profundo em matemática, consiste em saber se a partir de uma mesma família de valores próprios, i.e., de números λ = λn , n = 1,2,…,que satisfazem o problema ∆u + λu = 0 em dois domínios Ω 1 e Ω 2 para funções que se anulam nas fronteiras ∂ Ω 1 e ∂ Ω 2 , será possível afirmar que as regiões Ω 1 e Ω 2 são congruentes no sentido da geometria Euclidiana. Esta questão, que admite múltiplas variantes e extensões geométricas, tem resposta negativa para domínios com cantos mas permanece em aberto para o caso de domínios com fronteiras regulares. No entanto, é possível demonstrar que Ω 1 e Ω 2 têm a mesma ár<strong>ea</strong> e o mesmo perímetro e, por exemplo, entre todos os tambores com a mesma ár<strong>ea</strong>, o de forma redonda é o que tem o som mais grave. Musurgia digital A análise de Fourier estabeleceu as bases da ciência do som e permitiu, em particular, que a “revolução eléctrica” viesse a tratar o som na transmissão e no registo da música no último século. Contudo, neste fim do século XX o aparecimento do som digital marca o início de uma nova revolução, pois a codificação numérica permite não só um novo e mais potente instrumento de gravação e de comunicação do som musical, mas também abre novas possibilidades do seu tratamento por com-