You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
mente comprazer-se nestas quimeras especulativas, e encará-las<br />
como a alma e a vida da astronomia), numa significativa<br />
apreciação de 1821.<br />
Álgebra dos tons<br />
A cultura grega clássica baseou o seu sistema musical<br />
na lira, tal como os chineses o haviam bas<strong>ea</strong>do na<br />
flauta de bambu. No entanto, não dispunham dos instrumentos<br />
técnicos ou conceptuais que lhes permitissem<br />
o domínio completo do fenómeno vibratório ou<br />
da análise da frequência dos sons, para além da simples<br />
observação empírica da relação inversa entre a frequência<br />
do som fundamental emitido pela corda vibrante<br />
(lira) ou pelo tubo longo (flauta) e o seu<br />
comprimento, ficando apenas pelas primeiras quatro<br />
harmónicas. As escalas pitagóricas baseiam-se assim nos<br />
intervalos “racionais” elementares (oitava, quinta e quarta)<br />
e respectivas sucessões alternadas, i.e., partindo de<br />
um som f 0 = f e do som f 1 = 3/2f situado uma quinta acima<br />
na escala, o som f 2 = 3 / 4f 1 = 9 / 8f situar-se-á uma quarta<br />
abaixo de f 1 , o som f 3 uma quinta acima da f 2 e assim<br />
sucessivamente. Deste modo, tem-se<br />
f 2n = 9 n<br />
e f 2n+1 = 3 9 n<br />
, n inteiro,<br />
8 2 8<br />
e podermos construir, a partir de f 0 = f, a sucessão f do<br />
seguinte modo:<br />
f n+1 = 3 f n se 3 f n < 2f<br />
2 2<br />
f n+1 = 1 3 f n se 3 f n ≥ 2f.<br />
2 2 2<br />
Obtemos assim o "ciclo das quintas" na forma<br />
La#<br />
Sol#<br />
Mi#<br />
Sib<br />
Lab<br />
Do#<br />
Fa<br />
Reb<br />
Dob b<br />
Re# Mib Fab b<br />
Solb b<br />
Si#<br />
Reb b<br />
Solb<br />
Fal#<br />
Lab b<br />
Mib b<br />
Sib b<br />
Fig. 9 - Uma espiral de quintas e um relógio cromático de 12 tons.<br />
Do<br />
Dob<br />
Sol<br />
Fab<br />
Si<br />
Re<br />
Mi<br />
La<br />
22<br />
f n = 3 n<br />
1 p<br />
2 2<br />
sendo p o inteiro tal que f n [ f, 2f [, que não é obviamente,<br />
um verdadeiro ciclo, pois se assim fosse teriam<br />
de existir dois inteiros n e p tais que 3 n = 2 n+p , que<br />
é impossível visto que o primeiro é sempre um número<br />
ímpar e o segundo par. No solfejo clássico, quando<br />
se afirma que “12 quintas correspondem a 7 oitavas” tal<br />
não é matematicamente certo, pois correponderia a dizer<br />
que “3 12 = 2 19 ”. Isso apenas traduz, quanto muito,<br />
uma certa tolerância do ouvido àquela afinação pois,<br />
de facto, 3 12 /2 19 = 531441/524288 1.<br />
Esta diferença, a chamada coma pitagórica, está essencialmente<br />
relacionada com a impossibilidade, encontrada<br />
já pelos gregos, de medir a diagonal do quadrado<br />
através de uma fracção exacta do seu lado e,<br />
portanto, também com a irracionalidade do número 2.<br />
Tal impossibilidade explica também o facto de não poder<br />
existir uma gama musical “perfeita” ou “bem temperada”,<br />
i.e., cujas razões dos tons ao tom de referência<br />
sejam sucessivamente 1, τ, τ 2 , …,τ 12 = 2, apenas bas<strong>ea</strong>das<br />
nos números racionais 3/2 e 4/3. Com efeito, não há<br />
nenhum modo “natural” de calcular o número irracional<br />
f,<br />
τ = 12 2 = 1,059463094...<br />
que está na base do semi-tom do intervalo elementar da<br />
gama temperada de doze notas formando um “circulo<br />
perfeito”.<br />
É interessante observar que a incongruência resultante<br />
da coma pitagórica, que acumula dissonâncias à<br />
medida que se sobe ou desce na escala musical, tem uma<br />
analogia com as incongruências dos calendários antigos.<br />
Os três relógios astronómicos, a sucessão dos dias, das<br />
La#-Sib<br />
La<br />
9<br />
Sol#-Lab<br />
10<br />
8<br />
Do<br />
Si 0<br />
11<br />
Sol<br />
7<br />
6<br />
Fa#-Solb<br />
Do#-Reb<br />
1<br />
5<br />
Fa<br />
2<br />
4<br />
3<br />
Re<br />
Mi<br />
Re#-Mib