HIP-HOP DA MARGINALIDADE A INCLUSÃO SOCIAL - Unesp
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<strong>HIP</strong>-<strong>HOP</strong> <strong>DA</strong> MARGINALI<strong>DA</strong>DE A <strong>INCLUSÃO</strong> <strong>SOCIAL</strong><br />
SASCIO, Ubirajara. 1<br />
RESUMO<br />
O trabalho tem o objetivo de discutir sobre o Hip-hop como instrumento de promoção da<br />
cidadania. Para tanto parte-se da história do movimento Hip-hop e de sua evolução, em<br />
especial na sociedade brasileira. O movimento, que tem suas origens na marginalidade,<br />
integra-se à sociedade, porém conserva suas características básicas de protesto. Este estudo<br />
discute como a utilização das linguagens contidas no Hip-hop e seus elementos culturais<br />
podem auxiliar na construção da cidadania e inclusão social de jovens e crianças, em especial<br />
das periferias. Trata-se de pesquisa exploratória com referências bibliográficas para a<br />
discussão das manifestações do Hip-hop, como forma de propiciar a integração de jovens na<br />
sociedade. Discute-se, portanto o paradoxo que caracteriza o movimento: surge marginal e<br />
luta para ser reconhecido, e, uma vez reconhecido passa a fazer parte da sociedade, porém,<br />
suas características de marginalidade, de fora do padrão, permanecem. Os traços de<br />
linguagem alternativa, seja na música, na dança, no desenho, nas roupas, no vocabulário, seja<br />
no comportamento social dos integrantes dos grupos de jovens do movimento podem ser<br />
encontrados não apenas nos eventos da periferia das grandes cidades, mas passam a fazer<br />
parte de produtos da grande mídia. As diferentes manifestações do Hip-hop passam a ser<br />
implementadas em escolas, centros comunitários e ONGs como ferramentas de inclusão e de<br />
identificação dos jovens, que se sentem valorizados quando passam a fazer parte de um grupo.<br />
Palavras-chave: Comunicação, Linguagem, Inclusão, Cidadania, Hip-hop.<br />
O Hip-hop e sua Origem<br />
Para se contar a historia do hip-hop, será necessário entender a situação política, social<br />
e econômica do berço do movimento cultural, os EUA, que no momento em que eclode e se<br />
destaca o movimento de resistência, criado por necessidades impostas pelas condições que o<br />
país enfrentava externa e internamente como - as campanhas anti-segregação encabeçada por<br />
Malcon X, pelos direitos civis, liderada por Martin Luther King e, também as externas - como<br />
a Guerra-Fria contra a Rússia, o incidente na Baía dos Porcos, em Cuba e a Guerra do Vietnã,<br />
além do endividamento com a corrida espacial.<br />
É neste cenário de agitação, entre a década de 60/70, que surge às primeiras<br />
manifestações de resistência ao modelo político, social e financeiro, que excluía e segregava<br />
os afro-descentes e latinos residentes e os que retornavam da guerra do Vietnã do Sul. Neste<br />
momento difícil o presidente dos Estados Unidos, era o então jovem John Kennedy, que<br />
1 Graduando em Comunicação Social – Relações Públicas - UMESP – Universidade Metodista de São Paulo<br />
Bolsista PIBIC – 2011/12. E-mail: ubizerethay@ibest.com.br
priorizou os problemas externos, portanto naquele momento deixando em segundo plano os<br />
problemas internos, o que ocasionou um maior agravamento da situação do país.<br />
Nesta agitação social e política é que eclode o hip-hop, por volta dos anos 70, nos<br />
subúrbios negros e latinos da America do Norte, mais precisamente ao sul do Bronx em Nova<br />
Iorque. Nestes subúrbios residiam as famílias de classe média italianas, alemãs, irlandeses e<br />
judias, que por motivo da construção da via expressa no centro do Bronx e um enorme<br />
conjunto de apartamentos, que viria a desvalorizar a região mudaram-se por causa do<br />
decréscimo da qualidade de vida.<br />
Conforme afirma (ROSE, 1977, p. 199), em seu texto: No caso do South Bronx,<br />
chamado com frequência de “o berço da cultura hip-hop”, as condições geradas pela era pós-<br />
industrial foi exagerado pelas rupturas consideradas “parte inesperada do efeito” de um<br />
grande projeto motivado por fins políticos.<br />
Ainda segundo a autora, no início da década de 1970, esse projeto de renovação<br />
redundou em deslocamentos maciços de pessoas de cor, economicamente frágeis e de<br />
diferentes áreas de Nova York.<br />
A transição étnica e racial subsequente no South Bronx não foi realizada por<br />
meio de um processo gradual que permitisse a criação de instituições sociais<br />
e culturais que pudessem agir protetoramente. Ao contrário, foi um processo<br />
brutal de destruição de uma comunidade e desapropriação, executadas por<br />
oficiais municipais sob a direção do legendário planejador urbano Robert<br />
Moses. (ROSE, T. 1977, p. 199)<br />
Nestas localidades estabeleceram-se os afrodescendentes, mais pobres e as famílias de<br />
hispânicos. Por causa da pobreza crescente os problemas se avolumaram, por conta de crimes,<br />
drogas, aumento da violência e do desemprego.<br />
Nasce em 1968, da reunião de sete jovens a primeira gangue, que se denominou<br />
“Savagen Seven” (sete selvagens), que passou a aterrorizar o bairro, criando assim bases para<br />
algo que dominaria o Bronx, e se espalharia para toda Nova Iorque, além de incentivar a<br />
criação de novas gangues, em cada esquina e em cada rua destes subúrbios, estas gangues rua<br />
ou Streetgangs, dominaram o cenário durante seis anos.<br />
Após alcançarem o topo da criminalidade, estas gangues começaram a desaparecer<br />
uma a uma, isto por volta da década de 70, a razão para que este fato tivesse iniciado o seu
declínio, podem ser encontradas em diferentes níveis, as brigas entre as gangues, muitas<br />
estavam envolvidas em crimes, drogas e miséria e o surgimento de uma nova cultura. A<br />
deserção de muitos integrantes destas gangues, que decidiu não mais se envolverem com estes<br />
fatos.<br />
Com a queda acentuada do número de gangues, principalmente porque cada vez mais<br />
jovens estavam envolvidos com um movimento que despontava e se identificavam com<br />
alguma atividade deste. Uma vez que a idéia principal deste movimento era a competição<br />
entre criatividade e a não violência.<br />
Desta forma, se alguém quisesse melhorar suas habilidades deveria deixar a violência,<br />
o crime e as drogas e, concentrar suas energias nas atividades do movimento, procurando<br />
desta forma inspirar e conquistar novos adeptos para participar do movimento, que viria a<br />
receber o nome de hip-hop.<br />
Conforme afirmação encontrada em Takara, A. (2003, p. 73), o hip-hop tem origem na<br />
Jamaica, cresceu e ganhou expressão nos Estados Unidos, mais precisamente ao sul do Bronx,<br />
em Nova Iorque e constituiu-se em elemento da cultura de rua.<br />
Este movimento chegou ao EUA, com Kool Herc, jamaicano que imigrou para o<br />
território americano, aos 12 anos (1967), de Kingston, levando consigo seu conhecimento<br />
sobre a cena musical jamaicana, dentre estes conhecimentos destaca-se Sound system<br />
(sistema de som, muito tradicional na Jamaica, que consistia na aparelhagem de som, muito<br />
potente ligado na rua).<br />
Em meados de 1973, Kool Herc chamou a atenção como DJ no Bronx, em inúmeras<br />
Block Parties (festas promovidas em blocos de apartamentos abandonados, no Bronx e<br />
região), festas que muito se assemelhavam as de sua infância na Jamaica, estas festas eram<br />
realizadas em parques e escolas, e posteriormente passou a realizá-las em clubes famosos. A<br />
razão deste sucesso foi fazer com que as pessoas dançassem sem parar, Herc seguiu a filosofia<br />
do Sound system, tocando reggae e outros ritmos jamaicanos, o que não deu muito certo, até<br />
que conheceu o Soul e o Funk.<br />
Passado algum tempo desenvolveu uma técnica revolucionaria de girar os pratos dos<br />
toca discos, além de ter apresentado um sistema de som mais pesado e mais alto, que todos os<br />
outros.
Kool Herc foi considerado um dos o pais do hip-hop, por suas inovações, como por<br />
exemplo, nunca tocar uma musica inteira, mas sim, os trechos que as pessoas mais gostavam:<br />
o Break - a parte onde a batida foi tocada na mais pura forma. Os “Breaks” das canções eram<br />
só alguns segundos, ele os ampliou utilizando-se de duas pick-up e dois discos iguais,<br />
denominando isto de “Break-beat”.<br />
Esta criação de Herc é o fundamento musical para B-boy e B-girl (breaker boys e<br />
girls) dançarinos que se enfrentavam durante os Break-beat, lembrando as brigas de suas<br />
antigas gangues, surgiram aqui também os Mcs (mestres de Cerimônias), artistas no<br />
microfone que divertem as pessoas fazendo-as dançar com suas rimas. Sua contribuição para<br />
o novo movimento talvez se encerre por aí.<br />
Além da musica, dança e literatura outra forma de arte também se destaca no<br />
movimento fomentado pelos jovens dos subúrbios nova-iorquinos, este é o grafite que até<br />
então era apenas uma forma de marcar território por intermédio das assinaturas dos membros<br />
das gangues, estas nada mais eram do que pichações. O grafite durante os anos 70 passa por<br />
uma evolução ao adquirir o traço do desenho e uma mensagem diferente do que aquela<br />
exibida por seus praticantes.<br />
Com esta grande efervescência nos subúrbios de Nova Iorque, Afrika Bambaataa se<br />
destaca ao reunir as quatro manifestações culturais, dando assim origem ao movimento ou<br />
cultura urbana denominada hip-hop.<br />
Bambaataa nasceu com o nome Kahyan Aasim, em 1957, morador do Bronx,<br />
Bambaataa em sua juventude passa a integrar gangues, tornando-se líder da gangue "Black<br />
Spades", este era um aficcionado por discos da “Black music”, a partir deste hobby ele passa a<br />
seguir os passos de Herc se interessando assim pelo novo movimento que ali esta surgindo.<br />
Afrika Bambaataa percebe que o novo movimento pode se tornar uma maneira de livrar os<br />
jovens da criminalidade e o envolvimento com as drogas, por este motivo ele funda uma ONG<br />
chamada Bronx River Organization, que muda de nome chamando se The Organization como<br />
integrantes os antigos membros das gangues.<br />
Os elementos musicais do rap e o uso da tecnologia musical são aspectos<br />
cruciais no desenvolvimento e no uso da forma pelo hip-hop, sendo que essa<br />
combinação foi fundamental para a evolução geral do movimento. (ROSE,<br />
1997, p. 194)
Esta organização muda novamente de nome passando a se chamar Zulu Nation, este<br />
ultimo nome foi dado devido ao grande interesse de Bambaataa pela sua ancestralidade<br />
africana em particular a historia dos guerreiros Zulus. A Zulu Nation passa a organizar festas<br />
e, assim todo o conhecimento de Bambaataa acerca da cultura hip-hop é transmitido.<br />
O Hip-hop no Brasil:<br />
Este estudo refere-se à análise da chegada e desenvolvimento do movimento cultural<br />
do hip-hop no Brasil, faz-se necessário um estudo do momento político, social e econômico<br />
brasileiro, para que possamos entender quais as influências provocadas com o advento do hip-<br />
hop na sociedade brasileira que na década de 80, por exemplo, na política: assistia a discussão<br />
e votação da emenda “Dante de Oliveira” que tramitava no Congresso Nacional e, propunha<br />
eleições diretas, a emenda era apoiada pela campanha popular das “Diretas Já” que contava<br />
com a participação de políticos, artistas, esportistas, estudantes de diversos níveis e a<br />
população em geral.<br />
Esta campanha foi articulada pelos meios de comunicação (rádio, jornais e televisão),<br />
teve como principais protagonistas o deputado Ulisses Guimarães, o próprio deputado Dante<br />
de Oliveira e o radialista Osmar Santos entre outros.<br />
O desejo maior da campanha era o fim do regime militar, que durava 21 anos e, assim,<br />
restabelecer a democracia, através de eleições diretas para todos os cargos eletivos, aqui<br />
também nasce o Partido do Trabalhador (PT) fundado por intelectuais de esquerda como, por<br />
exemplo, o Dr. Hélio Bicudo, o cientista político comunista Carlos Nelson Coutinho, Eduardo<br />
Suplicy, José Dirceu, Rui Falcão, etc. e líderes sindicais, com destaque para Luiz Inácio da<br />
Silva (Lula) e católicos ligados à Teologia da Libertação.<br />
Na economia: O Brasil enfrentava a crise do petróleo, que aumentava o valor da<br />
dívida externa, uma vez que a maior parte do petróleo utilizado pelo país era importada,<br />
internamente era cada vez pior a distribuição da renda, o fantasma da inflação voltava a<br />
aparecer.
No plano social: a grande greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Diretas<br />
Já, que tomou conta de todo o Brasil, os anos 80 foram marcados por muita esperança, por um<br />
lado e também muita descrença por outro.<br />
E é neste momento conturbado do Brasil, com o movimento<br />
“Direto Já”, de luta pela Anistia ampla e irrestrita aos exilados políticos e a passagem do<br />
regime militar para a democratização do país, que surge o primeiro grupo de hip-hop Funk &<br />
Cia liderado por Nelson Triunfo.<br />
Bem diferente do movimento hip-hop americano o movimento brasileiro nasce de<br />
forma tímida tida apenas como um modismo vindo de fora, no país quando pensava se em<br />
música negra o que se tinha eram os grandes bailes black’s em sua maioria organizados por<br />
equipes de som que prestigiam músicos como Jorge Ben (Jor), Tim Maia, Gerson King<br />
Combo, Cassiano e Wilson Simonal além-claro dos grandes nomes da cena americana. Além<br />
das influências vindas dos inúmeros grupos de samba.<br />
Este era o cenário da musica negra brasileira o então novo movimento vinha chegando<br />
ao Brasil de forma acanhada, este chegava por meio de revistas, filmes como Beat Street,<br />
Flash Dance que retratava momentos de tal cultura. Entretanto o grande boom da cultura hip-<br />
hop acontece com a abertura da novela Partida Alto, de 1984, apresentada pela emissora<br />
Globo de Televisão e o astro jovem Michael Jackson que em seus vídeos clipes apresentava<br />
pessoas dançado o break.<br />
No inicio do movimento os rap feitos pelos Mcs brasileiros eram inocentes, falavam<br />
apenas sobre coisas cotidianas e historinhas criadas em cima das bases americanas, mesmo<br />
com esta diferença a nova manifestação sofria preconceito, seus participantes sofriam com a<br />
discriminação por partes dos participantes dos grandes bailes Black e pela policia que os viam<br />
apenas como marginais. A partir destes ingredientes de discriminação, os Mcs brasileiros<br />
acabam por deixar de lado os rap inocentes e, passam a fazer um rap engajado, mais<br />
consciente e denunciativo das mazelas da periferia, ou seja, passam a falar de seus cotidianos<br />
violentos, a discriminação que sofriam por parte da policia, sociedade.<br />
Apesar deste cenário os jovens não desistiam de se reunir para dançar, grafitar, tocar<br />
seus pick-ups e fazer suas rimas, estes encontros eram realizados nos centros das grandes<br />
cidades, dentre elas São Paulo que ocupa um lugar de destaque no surgimento do hip-hop
asileiro. Tendo como pano de fundo o largo São Bento, os jovens de diferentes regiões da<br />
cidade se reuniam para trocar experiências sobre o desenvolvimento do movimento hip-hop.<br />
Neste local podíamos encontrar os até então desconhecidos Thaíde e DJ Hum, Ndee<br />
Naldinho, Racionais Mcs, além do já conhecido Nelson Triunfo. Este último conhecido por<br />
sua dança com Funk & Cia de maneira que acabou por influenciar os b-boys e b-girls que ali<br />
estavam por esta influencia Nelson Triunfo acaba por ser denominado como o “Pai do break<br />
brasileiro”<br />
Mesmo com todos estes acontecimentos, as grandes equipes de som só percebem ao<br />
final dos anos 80, o rap como uma das linguagens do hip-hop e que, não é apenas uma<br />
modinha, que logo passaria assim fazendo diversas coletâneas das musicas produzidas até o<br />
momento. Nos anos 90 o hip-hop já esta consolidado como um movimento de cultura da<br />
periferia das grandes cidades, recebendo as influências da cultura brasileira.<br />
A partir de 1990, uma evolução se inicia no hip-hop nacional, que passa a ser visto<br />
como agente de transformação social, uma vez que musicas passa a clamar por mudanças, por<br />
respeito aos direitos humanos, pela valorização das diferenças raciais e de gênero, todo este<br />
apelo é feito por rappers saído da periferia, uma vez que o hip-hop é uma manifestação<br />
cultural da periferia e, estes rappers são oriundos desta, e desejam utilizar-se do movimento<br />
para conquistar melhorias para a periferia, além de evitar que crianças e jovens nascidos<br />
nestes locais se envolvam com o crime, a violência e as drogas.<br />
Esta evolução foi marcada pela disseminação do break, o primeiro elemento do hip-<br />
hop, a ser apresentado no Brasil, mais precisamente em São Paulo, logo tinha se espalhado<br />
por outras grandes cidades e municípios, sua consolidação trouxe para o movimento uma<br />
maior visibilidade, gerando autoestima aos afro-descentes, que são a maioria dos participantes<br />
do movimento cultural, uma vez que a população das periferias é composta por uma maioria<br />
de afro-descentes e, estes passam a cobrar melhorias concretas para suas localidades junto aos<br />
poderes públicos constituídos, melhorias que irão beneficiar toda a comunidade.<br />
Em 28 de julho de 1999, nasce à Casa do Hip-hop, no espaço público do Centro<br />
Cultural Canhema, mantido pela prefeitura do município de Diadema, com o intuito de<br />
oferecer uma política de acesso à difusão e formação cultural, oferece cursos de iniciação em<br />
hip-hop e outras linguagens artísticas, além de eventos que promovam a inserção da<br />
população aos bens culturais. Embora tenha sido oficialmente denominada “Casa do Hip-hop”
somente em 1999, ela é fruto de reinvidicações dos jovens de diversas regiões da cidade que<br />
desde 1993 se organizavam visando obter espaços para ensaios, encontros, oficinas e<br />
workshops específicos. Sendo, portando, um espaço conquistado através da organização da<br />
população, em especial os jovens militantes desta cultura, esse espaço passou a ser conhecido<br />
como posses.<br />
Como define DUARTE: “Posse” é o nome que se dá aos coletivos de ativistas e de<br />
localidades de reuniões do hip hop. Genericamente, equivale às expressões coletivas, núcleo,<br />
grupo ou, até mesmo, cooperativa, que tradicionalmente definem grupos de mobilização<br />
político-social ou artística. São pequenos grupos. A literatura especializada costuma falar em<br />
40, 50 pessoas, mas esses números são de difícil definição. Há casos de posses com 10<br />
integrantes ou menos, com 50 ou mais. Depende muito de vários fatores, principalmente da<br />
força da cultura nas comunidades. Já existem iniciativas locais e nacionais, estabelecendo<br />
redes integradas de posses, chegando, por vezes, a multiplicar em muito os números<br />
hipotetizados acima.<br />
Mas devemos lembrar que esta não é a primeira posse. A Posse no hip-hop é um local<br />
utilizado pelos envolvidos em tal movimento para que estes possam se reunir para a troca de<br />
informações, decisões e reflexões que preocupados com a problemática da violência e da<br />
pobreza na periferia, se unem e desenvolvem ações para formação cidadã através da arte e da<br />
cultura, e a partir daí discutem as formas de contribuição para o desenvolvimento e<br />
organização da comunidade. Tendo esta afirmação como principio podemos dizer que a<br />
primeira posse foi a do Largo São Bento.<br />
Ainda falando sobre as posses devemos salientar as mais importantes e mais atuantes<br />
nesse momento, que estão distribuídas nas diversas áreas da cidade de São Paulo, bem como<br />
nas cidades ao redor da grande capital e por todo o Brasil, já que o movimento hip-hop se<br />
espalhou por todas as periferias brasileiras, mas em São Paulo e Rio de Janeiro este tem<br />
grande representação.<br />
Quero aqui destacar as posses de maior importância e que tem participado com maior<br />
relevância das ações e produções no estado de São Paulo, uma vez que estas são as mais<br />
conhecidas do público leigo ou participante do movimento: Na zona norte as posses do bairro
da Brasilândia. Lauzane Paulista e do Tremembé, na sul temos diversas posses de muita<br />
atividade, como a do Capão Redondo e Heliópolis, ainda na zona sul ocorre às batalhas da<br />
Estação Santa Cruz do Metrô, na zona leste as posses com maior visibilidade são: São Mateus<br />
e Cidade Tiradentes, na zona oeste as posses de Pirituba e Vila Zatti entre outras.<br />
Na grande São Paulo existe posses muito ativas em São Bernardo do Campo, como a<br />
Hausas, em São Caetano do Sul, Santo André, Ribeirão Pires, Mauá, Rio Grande da Serra a<br />
Negroatividades é a possse de ligação entre os municípios e em Diadema a Casa do Hip-hop,<br />
outras não tão ativas como em Carapicuíba, Osasco e outras de menores expressões em outras<br />
cidades do cinturão que formam a grande São Paulo.<br />
O Hip-hop como Questão de Educação:<br />
Após termos dissertado acerca da historia do hip-hop iremos nos ater ao assunto de<br />
maior importância para as comunidades carentes envolvidas com o movimento cultural e para<br />
a pesquisa em questão, uma vez que o foco desta é a educação e, como esta vem<br />
transformando e auxiliando nos ambientes educacionais por intermédio de uma prática<br />
diferenciada daquela que é aplicada ainda hoje nas escolas brasileiras.<br />
Para dar continuidade a esta discussão se faz necessário uma abordagem sobre a<br />
educação brasileira é como ela se apresenta nos dias atuais, afim de que possamos<br />
compreender como a cultura urbana suas linguagens e seus elementos podem contribuir para a<br />
construção de um sujeito ético, critico e que luta pelos seus direitos de cidadãos.<br />
Crítico feroz da escola tradicional, Mcluhan aponta os defeitos do sistema atual, que,<br />
segundo ele, prefere criticar a mídia, em vez de utilizá-la como aliada na educação. “Poucos<br />
estudantes conseguem adquirir proficiência na análise de um jornal. Ainda menos têm<br />
capacidade para discutir com inteligência um filme”. Irônico o autor canadense afirma, que “a<br />
educação tradicional dispõe de um impressionante acervo de meios próprios para suscitar em<br />
nós o desgosto por qualquer atividade humana, por mais atraente que seja na partida”.<br />
Nos dias atuais as escolas das comunidades periféricas estão em condições precárias,<br />
seja pela ausência de materiais escolares ou humanos, pela falta de professores ou pelas más<br />
condições de seus prédios, além de contar com estas interferências internas as escolas ainda
contam com agentes externos como: a violências, tráfico de drogas a miséria e outras diversas<br />
mazelas que atingem estas escolas.<br />
A falta de professores nas escolas periféricas deve-se aos baixos salários, a falta de<br />
condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais os professores se movem<br />
menos eficazmente no espaço pedagógico. Às vezes, as condições são de tal maneira perversa<br />
que nem se move, conforme salienta (FREIRE, 2010).<br />
Quanto aos estudantes, que denominarei educando, e que sofrem com a carência<br />
alimentícia das periferias, educacional, pois que nela, na maioria das vezes moram pessoas de<br />
pouco estudo, portanto de baixa renda, e que, portanto, na maioria das vezes não podem<br />
sustentar os seus filhos estudando, uma vez que esses devem auxiliar os pais no sustento da<br />
casa, enquanto que o lazer, que deve ser oferecido pelo poder público é inexistente, pois que<br />
esse não investe nas periferias, e dessa forma não existe nas periferias espaços para o lazer e<br />
esporte, já a cultura baseia-se somente no ir à escola, em alguns bairros da periferia não existe<br />
sequer uma biblioteca.<br />
Todos esses fatores levam os jovens a procurar alguma forma de entretenimento, de<br />
cultura, lazer e esporte, o que faz surgir as ONGs, com o intuito de suprir essa lacuna deixada<br />
pelo poder público. Algumas destas Ongs fazem o papel de escolas, oferecendo parcela do<br />
que deveria ser ofertado pelas escolas da periferia, mas, entretanto não devemos colocar a<br />
culpa de toda a ineficiência nas escolas e, também não devemos colocar na escola todas as<br />
nossas esperanças como se esta fosse o único lugar capaz de salvar crianças e jovens de um<br />
futuro desolador e também não podemos dizer que sem esta estes mesmos não podem chegar<br />
a algum lugar.<br />
Claro que a escola não é a salvação final, é apenas um agente que deve<br />
compor-se a outros agentes numa parceria em trabalho de cooperação.<br />
Somam-se nesse esforço comum, além de educação, a segurança, a igreja, as<br />
empresas, a justiça, a política, a urbanização, acultura, os esportes e lazer,<br />
todos orquestrados por um poder local, dinamizado por representantes da<br />
cidade. (TAKARA, 2003, p.42)<br />
É contando com este cenário de abandono que o hip-hop se apresenta às escolas<br />
brasileiras com a intenção de provocar mudanças e auxiliar na formação e conquista da<br />
cidadania de jovens, uma vez que a cultura exige destes mais conhecimentos, mais<br />
informações e um maior entendimento político.
Através dos elementos que constituem o movimento hip-hop e que estão sendo<br />
apresentados para estes jovens em escolas da periferia e em ONGs, podemos perceber que o<br />
interesse destes pela escola, pelo movimento vem fazendo com que a cultura se alie a<br />
educação e traga um maior interesse dos alunos para os conteúdos a serem estudados.<br />
Esses usos do hip-hop tendem a ter um respaldo político e institucional de<br />
elementos progressistas do Estado, como é o caso da Secretaria Municipal de<br />
Educação de São Paulo, que patrocina o projeto Rap nas Escolas – Rap...<br />
Pensando a Educação. (HERSCHMANN, 1977, p. 42)<br />
Entretanto a cultura hip-hop não é bem vista por muitos agentes que realizam a<br />
educação escolar, já que esta trata de uma cultura produzida muitas vezes por aqueles que no<br />
passado foram excluídos dos bancos escolares e, por isto, estão à margem de uma escola que<br />
supervaloriza uma cultura burguesa em detrimento de outra.<br />
Nas escolas que a cultura hip-hop entrou, está por muitas vezes foi mutilada, já que as<br />
diversas vertentes de seus elementos são mal interpretadas, pois ao falar do crime e outras<br />
situações cotidianas acabam por gerar indignações e outros sentimentos. É muito difícil<br />
compreender esta cultura já que todos os seus elementos são provenientes da rua e em muitos<br />
momentos não são explicados por acadêmicos.<br />
Esta cultura hoje é muito utilizada nas escolas, pois converge com as ideias de Paulo<br />
Freire que em sua carreira no magistério defendeu uma educação que empoderasse os mais<br />
pobres. Que libertasse este de suas condições de miséria valorizando a cultura que estes<br />
produzem.<br />
A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação exige uma permanente<br />
busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz.<br />
Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela<br />
precisamente porque não a tem. (FREIRE, 1988, p. 34)<br />
Aqui devemos lembrar que a escola atual busca valorizar as experiências trazidas<br />
pelos educando, entretanto esta ainda traz em seu bojo resquícios da educação bancária,<br />
apresentada por Freire.<br />
Como forma de mudar esta cultura a escola tem utilizado este movimento cultural<br />
como ferramenta para que professores possam superar as dificuldades encontradas por seus<br />
alunos no cotidiano escolar.
O processo perverso da miséria, a luta pela sobrevivência, o preconceito, a<br />
superação dos problemas, a marginalização (hoje batizada com o nome de<br />
exclusão social) e o esforço de inclusão social. (TAKARA, 2003, p.53)<br />
Entretanto este processo é demorado, pois como citado acima muitos dos que vivem a<br />
cultura hip-hop estão à margem da escola, por diversos motivos: como uma linguagem cheia<br />
de vícios, erros gramaticais ou até mesmo não sabem escrever o que pensam por isto a cultura<br />
hip-hop sofre muito preconceito dos considerados acadêmicos.<br />
Esta linguagem cheia de vícios e erros gramaticais é uma característica dos integrantes<br />
do movimento, mas muitos destes erros gramaticais não são exclusivos dos integrantes do<br />
movimento hip-hop, já que os erros de pronuncia e escrita fazem parte da fala daqueles que<br />
por muito foram excluídos dos bancos escolares.<br />
Com este falar os participantes do movimento estão em busca da cidadania, do direito<br />
de ser reconhecido como individuo na sociedade, como nos fala COLIN (1937), devemos aqui<br />
perceber que a linguagem demonstra em muitos casos a situação social do individuo conforme<br />
o autor.<br />
Não é, evidentemente, de hoje que se postula uma ligação entre a divisão das<br />
classes e a divisão das linguagens: a divisão do trabalho engendra uma<br />
divisão dos léxicos; pode mesmo dizer-se (Greimas) que um léxico é<br />
precisamente a divisão imposta à massa semântica pela prática de um certo<br />
trabalho: não há léxico sem um trabalho correspondente. (COLIN, 1937, p.<br />
94)<br />
Ainda dentro da discussão sobre linguagem e suas variações encontramos BAGNO<br />
(1997), que nos apresenta uma explicação para este fenômeno , quando diz que não existe<br />
forma correta ou errada de falar, mas sim uma variação entre linguagem padrão (elite) e a não<br />
padrão (popular), esta última é a linguagem do movimento hip-hop, uma vez que os<br />
compositores (rappers) são oriundos da periferia e que em sua maioria não permaneceram no<br />
ambiente formal de escolarização.<br />
De acordo com BAGNO (1997), podemos constatar no nosso dia-a-dia, a existência de<br />
um preconceito linguístico decorrente de fenômenos humanos inerentes à própria natureza<br />
humana.<br />
Que existe um preconceito linguístico, tão fortemente entranhado na cultura<br />
ocidental e com consequências ainda mais perversas em sociedades como a<br />
brasileira, rigidamente hierarquizadas e com índices alarmantes de exclusão
social e de péssima distribuição de renda. Este preconceito linguístico se<br />
reflete enormemente ainda mais na cultura hip-hop. (BAGNO, 1997, p. 209)<br />
Este preconceito disseminado no ambiente escolar que por diversas vezes valoriza a<br />
cultura dita como erudita em detrimento da cultura popular que por diferentes maneiras são<br />
produzidas por seus alunos. Esta deformação ocorre em virtude da falta de conhecimento<br />
sobre a cultura popular e o preconceito decorrente da diferenciação do falar.<br />
Cabe aqui um parênteses para a explicação deste preconceito que esta enraizado na<br />
sociedade brasileira e, que conforme TAKARA (2003) apud SILVA, é entendido como “uma<br />
atitude negativa, desfavorável, para com um grupo ou seus componentes individuais”.<br />
Ainda segundo o autor, este se caracteriza por crenças estereotipadas. E os estereótipos<br />
são convicções pré-concebidas sobre indivíduos, grupos e raças, de que resultam ideias,<br />
opiniões ou sentimentos desfavoráveis, formados a priori, sem analise.<br />
São atitudes de natureza hostil, resultante da generalização apressada de uma<br />
experiência pessoal ou imposta pelo meio. Do preconceito desfavorável<br />
resultam a intolerância e discriminação nas relações. Estabelece-se, então, a<br />
distância social entre duas ou mais categorias, grupos ou raças. (TAKARA<br />
apud SILVA, 2003, p. 101)<br />
Dentro deste panorama na educação é que se encontram algumas ações, que são<br />
promovidas por escolas públicas, tanto na esfera estadual quanto em municipal das periferias,<br />
ONGs e individuais, buscando auxiliar na inclusão e conquista da cidadania de grupos que<br />
sofrem os diversos tipos de preconceito, entre estes grupos podemos citar os do movimento<br />
hip-hop, que na maioria das oportunidades são pessoas (jovens) de baixa escolaridade, que<br />
tiveram ou possuem muitas dificuldades de aceitarem a chamada educação formal, uma vez<br />
que esta não faz referencia a sua vivencia nas periferias pobres e que não procura o<br />
aproveitar-se das experiências trazidas por estes indivíduos, assim facilitando a integração<br />
deste ao sistema educacional.<br />
Conforme nos afirma TAKARA (2003), o movimento hip-hop que tem sido<br />
introduzido em algumas escolas pode ser a forma de a periferia reivindicar a sua cidadania e o<br />
respeito ao individuo pelos poderes públicos constituídos.<br />
O hip-hop é a voz da periferia, reivindica melhores condições de vida, é mais<br />
forte do que a voz de partidos políticos. Seus membros, embora muitos<br />
desempregados, semi-alfabetizados, a quem falta o mínimo para sobreviver<br />
com dignidade, não se consideram vítimas do sistema, mas guerreiros,
embora tenham assistido à morte ou prisão de companheiros. Para seus<br />
membros, ser racional é ter consciência, é saber da importância da cultura e<br />
da educação no desenvolvimento pessoal e coletivo. O negro consciente e<br />
racional é aquele que sabe enfrentar as adversidades. (TAKARA, A. 2003. p.<br />
85)<br />
Corroborando a afirmação acima encontramos em FREIRE (1987), a declaração de<br />
que os preconceitos culturais por parte da escola formal provem da insistência da classe<br />
dominante em manter estes jovens das periferias alheios à cultura, quando afirma que a<br />
incultura do povo é tal ‘que lhes’ parece um absurdo falar da necessidade de respeitar a ‘visão<br />
do mundo’ que eles estejam tendo.<br />
Ainda conforme o autor parece absurda a afirmação de que é indispensável ouvir o<br />
povo para a organização do conteúdo programático da ação educativa. É que, para eles, “a<br />
ignorância absoluta” do povo não lhes permite outra coisa senão receber os seus<br />
ensinamentos.<br />
Assim é que a discussão que surge entre a educação formal e o aproveitamento das<br />
experiências de vida trazidas por estes jovens são ou não de utilidade para a reformulação dos<br />
programas de ensino nas escolas?<br />
Aldeia Global e às Tribos:<br />
Podemos dar inicio a discussão dessa questão buscando na teoria da aldeia global de<br />
McLuhan a resposta, observando sua disseminação pelo mundo e como se reorganizou e<br />
adaptaram-se nos locais onde está cultura esta presente e ativa.<br />
A teoria da Aldeia Global de McLuhan que em seu cerne apresenta o conceito do<br />
equilíbrio sensorial humano foi capaz de prever importantes mudanças no processo de<br />
aprendizagem, entendida como a forma pela qual o individuo constrói o seu saber a partir das<br />
experiências cotidianas, em uma época que ainda não se falava de convergência entre<br />
comunicação, educação e tecnologia.<br />
Cabe-nos verificar que estas experiências são frutos da modernidade, que esses jovens<br />
e crianças têm vivido, com a globalização, a tecnologia e a disponibilidade das informações,<br />
como não ocorria no início do século passado.
Tendo como ponto de partida tais afirmações encontramos nessa manifestação cultural<br />
as ideias de McLuhan, que disserta acerca da Aldeia Global, quando fala da chegada de um<br />
mundo unificado, na forma de grande teia e gerido por uma espécie de alma suprapessoal (...).<br />
Como essa manifestação cultural é originária das periferias americanas e acabou por se<br />
espalhar, adquirindo características dos locais onde hoje é um movimento de resistência, que<br />
se utiliza da comunicação boca a boca para informar aos seus integrantes o local, horário e dia<br />
do próximo evento, encontramos nessa ação a configuração de uma rede, conforme afirmou o<br />
autor.<br />
A aldeia global do movimento hip-hop é a síntese da previsão feita por McLuhan, em<br />
sua teoria conforme podemos entender:<br />
Previa McLuhan que, no novo mundo unificado da mídia que estava por se<br />
afirmar, ao contrário, os homens se veriam imersos em uma grande malha<br />
global, um mundo devassado, sobreposto e instantâneo, no qual as ideias se<br />
dissolveriam e as diferenças se anulariam – exatamente como na cultura pop<br />
que ele mesmo via nascer (CASTELLO, 2005).<br />
Portanto, podemos perceber que as ações dos sujeitos e dos movimentos sociais<br />
incorporam as transformações comunicativas da sociedade, organizadas e amplificadas na<br />
rede e na forma de comunicação das posses. Essa sociabilidade das posses em rede mostra<br />
como as comunidades reagem à exclusão de seus elementos, na busca de seus direitos a<br />
cidadania e inclusão social.<br />
Ainda dentro das ideias de McLuhan percebemos a comunicação de massa, uma vez<br />
que os elementos da cultura hip-hop representa a realidade das periferias mundiais seja pelas<br />
mazelas sociais ou pela violência. Porém não é só isso que o Hip-hop busca retratar em seus<br />
elementos culturais.<br />
O movimento hip-hop possui linguagem própria, assim como outras manifestações<br />
culturais, por exemplo, o punk, o gótico, o samba e tantos outros, estes criaram uma forma<br />
própria de comunicação entre os membros participantes do movimento, tornando esta forma<br />
de comportamento, expressão, agir e falar um código de identificação, do que se costuma<br />
denominar de tribos. O que segundo COLIN (1937), remete para a separação dos grupos<br />
sociais na medida em que lutam pelo poder. Este poder para o hip-hop esta representado pela<br />
conquista do direito a cidadania, uma vez que a maioria dos integrantes do movimento é da<br />
periferia, que sofre com o abandono do setor governamental.
Sendo essas linguagens especificas de grupos culturais e, tendo por base os estudos de<br />
sociolinguísticos que demonstram há existência de divisão entre linguagens, divisão que<br />
denomina a linguagem padrão/acadêmica de sociolecto e a linguagem destes grupos (tribos)<br />
de ideolecto, como observa COLIN (1937):<br />
É tempo de dar um nome a essas linguagens sociais recortadas na massa idiomática, e<br />
cujo caráter estanque, por existencial que a principio o tenhamos sentido, segue, através de<br />
todas as correias de transmissão, de todas as gradações e complicações que é licito conceber, a<br />
divisão e a oposição das classes; chamemos a essas linguagens de grupo soliolectos (por<br />
oposição evidente ao ideolecto, ou falar de um único individuo). (COLIN, 1937, p. 96).<br />
Ainda segundo COLIN (1937) afirma o caráter principal do campo sociolectal é que<br />
nenhuma linguagem pode ser-lhe exterior, toda a fala está fatalmente incluída num sociolecto.<br />
Assim podemos perceber que o idiolecto sempre se faz presente.<br />
Encontramos ainda em, “Pela mão de Alice”; de Boaventura de Sousa Santos, razões<br />
para discutir-se o social e o político na pós-modernidade, onde o autor apresenta a tensão<br />
entre a construção simultânea da subjetividade e cidadania, ele parte da análise da evolução<br />
social e histórica do estado permeada pelo estudo do jus-naturalistas, ou seja, pelos três<br />
pilares de regulação do estado.<br />
Neste contexto, a hipertrofia da cidadania social identificada então com o<br />
consumismo promoveu o definhamento da subjetividade, transformada em<br />
individualização, e gerou um mal-estar coletivo que vem desde então se<br />
generalizando. Assim, o compromisso social democrático não deixou<br />
qualquer espaço para o exercício da autonomia e da criatividade. (SANTOS,<br />
1997).<br />
A Indústria Cultural e a Reação do Hip-hop:<br />
Podemos inferir que hoje a maneira de divulgação do movimento hip-hop esta nas<br />
mídias e redes sociais, uma vez que essas oferecem uma maior visibilidade às ações dos<br />
principais MCs, ações essas que são: a venda de CDs, produzidos pelos próprios, camisetas e<br />
souvenires a comercialização desses acontece durante os shows e eventos organizados pelas<br />
diversas posses do hip-hop e também através dos grupos (equipes), que giram entorno desses,<br />
permitindo assim que o movimento continue, mantendo assim a independência e resistência<br />
ao sistema das grandes gravadoras. Evitando assim a massificação dos produtos produzidos<br />
pelo movimento, assim como ocorre com a Indústria Cultural.
A indústria cultural se constitui em um setor específico da produção capitalista, que<br />
engloba toda a produção simbólica, e que tem como elemento unificador a ideologia<br />
dominante, essa busca nos momentos de descanso, deseja ser o prolongamento da dominação<br />
que os trabalhadores sofrem na fábrica, transformando o lazer em fonte de controle social.<br />
A indústria cultural desenvolve fórmulas para seus produtos, que tem sempre os<br />
mesmos elementos básicos, com algum grau de novidade para poder ser consumido, essa<br />
combate a um inimigo já derrotado: o ser pensante, capaz de crítica.<br />
Ao menos no pensamento de Adorno e Horkheimer fica claro que o receptor é mesmo<br />
um sujeito que é manipulado e dominado, sem condições de reflexão e resistência.<br />
Os Estudos Culturais reconhecem que existem intencionalidades de dominação por<br />
parte da Indústria Cultural. No entanto, partem de uma visão de que existem muitos elementos<br />
intervenientes que fazem com que estas intencionalidades se realizem ou não, em partes ou<br />
integralmente.<br />
Essas ações representam a reação de resistência do movimento hip-hop à cultura de<br />
massa, que conforme ADORNO & HORKHEIMER em seus estudos apontaram que a<br />
modernidade e o capitalismo com seus avanços tecnológicos, transformam a cultura e a arte<br />
em mercadorias, que a sociedade passa a consumir como produto da indústria cultural: a<br />
música, o livro, o cinema, o rádio e a televisão. Assim qualquer manifestação cultural que<br />
passa a ser mediada pelos meios de comunicação de massa, devido à sua reprodução em larga<br />
escala, vira produto da indústria cultural. Dessa forma o que era considerado obra de arte se<br />
transforma em produto.<br />
A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a<br />
performance tangível e o detalhe técnico, alcançaram sobre a obra, que era<br />
outrora o veiculo da ideia e com essa foi liquidada. Emancipando-se, o<br />
detalhe tornara-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se<br />
como expressão indômita, como veiculo do protesto contra a organização<br />
(...). A tudo isso deu fim a indústria cultural mediante a totalidade.<br />
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 118).<br />
Esse traço distintivo motivou especial reflexão sobre como se constituem as indústrias<br />
culturais em países vindos de mestiçagem, de capitalismo tardio e dependente, produzidos a<br />
partir de encontros de cultura, com modernizações conservadoras, além de permitirem<br />
também a análise do deslocamento do popular para o massivo; da relação entre Estado e
indústria cultural; da característica monopolista e conservadora dos empreendimentos em<br />
comunicação etc.<br />
Contudo podemos observar que a maneira na qual vem se desenvolvendo as ações do<br />
movimento cultural refletem a ideia de resistência à indústria cultural e a massificação de seu<br />
trabalho.<br />
Esta forma de trabalho que veem sendo adotada por alguns abnegados do movimento<br />
cultural tem auxiliado no surgimento de novos talentos, além de colaborar com a obtenção de<br />
subsídios econômicos, tanto para a continuidade dos lançamentos de novos CDs, como no<br />
fortalecimento do movimento cultural, que dessa forma tem conquistado muitos adeptos,<br />
assim contribuindo para o crescimento do movimento hip-hop.<br />
A exposição e sucesso desses jovens abnegados nas mídias (rádio e TV) e,<br />
principalmente na rede mundial de computadores, têm levado outros jovens da periferia que<br />
sonham para si e para a família com uma melhoria de vida a se integrarem com mais<br />
determinação ao movimento hip-hop, uma vez que este pode tornar realidade o sonho de sair<br />
do anonimato e do estado de pobreza desses jovens, assim como acontece com outros jovens<br />
que sonhavam com a carreira futebolística, que até a bem pouco tempo no Brasil era a única<br />
forma de o jovem pobre conquistar respeito, mas não a cidadania, uma vez que, os que<br />
alcançam o reconhecimento, na maioria das vezes não possuem informação ou estudo<br />
suficiente para a luta por seus direitos a cidadania, enquanto que os jovens do movimento hip-<br />
hop, talvez por exigência da própria cultura, tem muito mais informação – mas não o<br />
conhecimento acadêmico - o que lhes permite estar mais bem preparado para as revindicações<br />
dos seus direitos a cidadania, o que perpassa pela educação formal.<br />
A adesão ao movimento cultural do hip-hop pode proporcionar a esses jovens pobres<br />
da periferia a ascensão social através do Grafiti – que hoje já se encontra nas galerias de arte –<br />
Rap (a musica), o elemento de maior projeção do movimento e os Rappers/ MCs – os grandes<br />
mestres de cerimônia, que são também os cantores das rimas – do Break – que tem sido<br />
mostrado nas grandes redes de televisão e por meio dos grandes campeonatos transmitidos<br />
pela internet – e por fim os DJ’s que acompanham os MC’s criando novas batidas e<br />
sampleando grandes sucessos transformando-os em novos sucessos.
Podemos perceber que no movimento hip-hop existe uma forma de comunicação,<br />
códigos de conduta e linguagem específicas, que são compartilhadas na ritualidade das<br />
batalhas, festivais e encontros de hip-hop e que se traduzem nas formas de sociabilidade<br />
cotidiana. Os integrantes do movimento valorizam sobremaneira o respeito, a humildade, a<br />
atitude e firmeza do individuo, pois o posicionamento desses indivíduos é que o fará ser<br />
considerado ou não junto aos membros do movimento.<br />
Considerações Finais<br />
O movimento Hip-hop, analisado e apresentado como forma de contestação social e<br />
política, mostrou-se um novo sujeito político da esfera pública no cotidiano da periferia,<br />
instrumento político de uma juventude excluída, que busca através do movimento o<br />
empoderamento e a cidadania, transformando jovens de excluídos sociais, proscritos e<br />
marginalizados a protagonista da cena urbana que surgem como atores de relevância social.<br />
Esses jovens encontram voz no movimento, através do qual podem expressar sua dor e a<br />
angústia de pobres e periféricos que os afligem e, ao mesmo tempo, também podem<br />
manifestar sua vontade de mudar essa situação para melhor.<br />
Essa arte apresenta-se como uma renovada forma de expressão política. Os jovens, por<br />
meio dessa arte (através do rap, do break, do grafite, dos Dj's e Mc's), apropriam-se de modo<br />
simbólico do espaço urbano e promovem críticas à ordem social, a criminalização da periferia<br />
e dos jovens pobres, à mídia e à violência diária em suas várias formas, transmutando assim o<br />
movimento cultural do Hip-hop em uma ferramenta de inclusão e cidadania.<br />
E que a sua utilização como ferramenta de inclusão e cidadania na educação tenda a<br />
expandir para todas as unidades da escola pública, mesmo com a resistência de alguns setores<br />
da sociedade civil, que considera o movimento cultural do hip-hop uma forma de incentivo a<br />
criminalidade, uma vez que conhece muito pouco do que tem feito essa manifestação em prol<br />
da conquista da cidadania e inclusão social de jovens e crianças da periferia.<br />
Quanto à comunicação o hip-hop, apesar de ter conquistado espaço nas mídias<br />
tradicionais, continua sua luta para manter-se como produto de reação e resistência a indústria<br />
cultural, o que é um paradoxo, uma vez que a maior luta dos integrantes do movimento é a<br />
conquista de espaço, voz e poder de representatividade, mas sua luta para não ser engolido
pela máquina da indústria cultural, tornando o seu produto uma simples mercadoria, se<br />
contrapõe a busca dos objetivos que falo acima.<br />
A manifestação cultural do hip-hop é hoje uma rede de sociabilidade em todo o país,<br />
que obedece a regras e valores que são difundidos pelos diversos encontros promovidos pelas<br />
diversas posses, por instituições não governamentais, pelo estado e por associações ligadas ao<br />
movimento, uma vez que esses perceberam que a utilização dessa ferramenta tem auxiliado na<br />
inclusão e no empoderamento da cidadania aos jovens e crianças da periferia, que até bem<br />
pouco tempo só enxergavam a possibilidade de se libertarem da pobreza através do futebol e<br />
que hoje veem no movimento do hip-hop a possibilidade de alcançar projeção social e com<br />
isso auxiliar outros jovens a alcançar a mesma projeção através da cultura hip-hop.<br />
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 18ª Ed. São Paulo, Editora Paz e Terra S/A., 1988.<br />
p. 34.<br />
HERSCHMANN, Micael (organizador). Abalando os anos 90 - Funk e Hip-hop:<br />
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Rose, T. “Um estilo que ninguém segura: política, estilo e a cidade pós-industrial no hip hop”.<br />
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estilo cultural. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997. p. 194-199.<br />
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Pós-Moderno. 4ª Ed. São Paulo,. Editora Cortez, 1997.