A imprensa tardia no Brasil: razões e conveniências - Unesp
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A IMPRENSA TARDIA NO BRASIL<br />
Razões e Circunstâncias<br />
OLIVEIRA, Fábio Camargo Fleury de 1<br />
RESUMO<br />
A <strong>imprensa</strong> nacional foi criada cerca de 300 a<strong>no</strong>s depois da chegada, em 1808, dos<br />
portugueses <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. O objetivo deste texto é identificar as <strong>razões</strong> e as circunstâncias que<br />
provocaram o atraso da instalação da <strong>imprensa</strong>. Através de pesquisa bibliográfica, em obras<br />
de escritores portugueses e brasileiros, são expostos os aspectos políticos e econômicos<br />
implicados <strong>no</strong> retardamento da instalação da <strong>imprensa</strong>. O artigo dedicou atenção especial à<br />
tese de José Marques de Melo publicada <strong>no</strong> livro “Sociologia da Imprensa <strong>Brasil</strong>eira”. Neste<br />
trabalho, Melo ofereceu uma <strong>no</strong>va perspectiva de análise e apontou que o fenôme<strong>no</strong> do atraso,<br />
além das causas políticas e econômicas, também foi gerado por fatores socioculturais. Nestes<br />
mais de 200 a<strong>no</strong>s de atividades da <strong>imprensa</strong> nacional, constata-se uma evolução do mercado<br />
tipográfico, mas, hoje ainda, com baixo consumo e produção.<br />
Palavras-Chave: Portugal, <strong>Brasil</strong>, Imprensa <strong>tardia</strong>.<br />
Introdução<br />
Os primeiros passos, tardios, para a criação da <strong>imprensa</strong> nacional foram dados<br />
praticamente 300 a<strong>no</strong>s depois da ocupação do <strong>Brasil</strong>. Assim, hoje, a <strong>imprensa</strong> brasileira tem<br />
pouco mais de dois séculos de atividades. O atraso da implantação da <strong>imprensa</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é o<br />
tema deste artigo, que foi construído através de pesquisa bibliográfica, tendo como fonte<br />
principal, o livro “Sociologia da Imprensa <strong>Brasil</strong>eira” de José Marques de Melo, entre outras<br />
obras relevantes da história da comunicação do <strong>Brasil</strong> e de Portugal.<br />
A arte de imprimir cópias em série com tipos móveis de metal, inventada <strong>no</strong> mundo<br />
ocidental por Gutenberg <strong>no</strong> final do século XV, evoluiu de acordo com o interesse e a<br />
necessidade de cada sociedade. No <strong>Brasil</strong> colônia a instalação da <strong>imprensa</strong> teve características<br />
próprias. A chegada da Corte Portuguesa ao <strong>Brasil</strong> em 1808, motivada pela invasão de<br />
Napoleão, exigiu uma série de transformações na colônia, que passou de terra explorada e<br />
atrasada, à sede da Monarquia. O Príncipe Regente veio de uma capital europeia e trouxe<br />
consigo costumes, luxos, manias, formalidades, erudição escrita, artística e musical, enfim,<br />
tudo o que a colônia, até então, praticamente, desconhecia. Todas estas <strong>no</strong>vidades vieram,<br />
1 Graduado em Jornalismo, Direito e História. Especialista em Direito Constitucional e mestrando em<br />
Comunicação Midiática na UNESP de Bauru. Radialista da UNESP FM de Bauru.
logicamente, acompanhadas de seus personagens e de seus respectivos grupos: família,<br />
<strong>no</strong>bres, empregados domésticos, funcionários administrativos, soldados, amigos, empresários,<br />
prestadores de serviços, artistas e ainda os que embarcaram burlando a vigilância real.<br />
A colônia, num piscar de olhos, viu-se obrigada a acolher uma população numerosa e<br />
exigente, tendo que se adaptar rapidamente, construindo uma infraestrutura provisória e<br />
providencial, para abrigar a dinâmica econômica, política e cultural de uma capital de um<br />
Rei<strong>no</strong> europeu. Dentre as necessidades imprescindíveis para o <strong>no</strong>vo cotidia<strong>no</strong> da cidade do<br />
Rio de Janeiro, a instalação da <strong>imprensa</strong> logo se tor<strong>no</strong>u imperativa, pois era fundamental para<br />
o funcionamento da máquina administrativa e de seus desdobramentos comerciais e sociais.<br />
A pressa da impressão, efetivada 2 meses após a chegada da família real ao Rio de<br />
Janeiro, não é o motivo deste estudo e sim, opostamente, as <strong>razões</strong> do atraso de sua instalação.<br />
Este retardamento significativo, de mais de 3 séculos, estimulou pesquisas e a<strong>no</strong>tações de<br />
autores nacionais. Os motivos apontados para o fenôme<strong>no</strong> são muitos, mas a potencialidade<br />
do ocorrido recai <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> da argumentação das questões políticas e econômicas. Porém, o<br />
estudo deste fenôme<strong>no</strong> luso-brasileiro ganhou fôlego e <strong>no</strong>vos elementos, com a tese do<br />
professor José Marques de Melo, em sua obra “Sociologia da Imprensa <strong>Brasil</strong>eira – A<br />
Implantação”, publicada em 1973, revisada e republicada em 2003 com o título “História<br />
Social da Imprensa: fatores socioculturais que retardaram a implantação da <strong>imprensa</strong> <strong>no</strong><br />
<strong>Brasil</strong>”. Neste estudo, o autor construiu uma perspectiva diacrônica, e além de considerar as<br />
questões políticas e econômicas, ofereceu uma tese diferente:<br />
Interpretando os documentos relativos à natureza da colonização portuguesa <strong>no</strong><br />
<strong>Brasil</strong>, chegamos à evidência de que o retardamento da implantação da <strong>imprensa</strong><br />
deveu-se me<strong>no</strong>s aos fatores políticos conjunturais apontados pela História oficial<br />
que à conjugação de uma série de fatores socioculturais que refletiam a estrutura<br />
econômica do projeto colonial luso que aqui prosperou (MELO, 2006)<br />
Os fatores socioculturais apontados pelo autor são: a natureza feitorial da colonização, o<br />
atraso das populações indígenas, a predominância do analfabetismo, a ausência de<br />
urbanização, a precariedade da burocracia estatal, a incipiência das atividades comerciais e<br />
industriais e o reflexo da censura e do obscurantismo metropolita<strong>no</strong>s.<br />
O atraso da instalação tipográfica na colônia é de 2 séculos em relação à América<br />
Inglesa e de 3 séculos em comparação à América Espanhola, que recebeu a <strong>imprensa</strong> <strong>no</strong><br />
século XVI.<br />
2
Imprensa na América Espanhola<br />
A expansão da Imprensa na América Espanhola acompanhou o tempo e os passos do<br />
processo de ocupação e foi instalada de acordo com as necessidades básicas de colonização.<br />
As primeiras letras foram promovidas e produzidas pelos espanhóis, como enfatiza Rizzini:<br />
“Entrou a tipografia <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo mundo oitenta e oito a<strong>no</strong>s após inventada, em 1533, pela sua<br />
porta mais civilizada: a da cidade do México, <strong>no</strong> Vice-Reinado da Nova Espanha”. (1977, p.<br />
155)<br />
Melo, <strong>no</strong> livro “Sociologia da Imprensa <strong>Brasil</strong>eira” (p. 66-68) indica um quadro<br />
comparativo que revela o hiato temporal em relação à instalação da <strong>imprensa</strong> na América<br />
Espanhola e na América Portuguesa. O autor leva em conta o início da ocupação territorial e a<br />
data de introdução da <strong>imprensa</strong>. Esclarece que na América Espanhola o período que separa os<br />
dois episódios, 1519 a 1533, resulta num breve espaço de 14 a<strong>no</strong>s. Já na América Portuguesa,<br />
o período que separa a ocupação territorial a instalação da <strong>imprensa</strong> é de 276 a<strong>no</strong>s, intervalo<br />
de 1532 a 1808. Para Melo, o motivo desta diferença temporal é a ocupação administrativa do<br />
território:<br />
Nas cidades fundadas em seus domínios coloniais, tanto os espanhóis como os<br />
ingleses vão estruturando uma engrenagem burocrática, através da qual os<br />
funcionários reais defendem os interesses das respectivas coroas, cobrando<br />
impostos, fiscalizando o comércio, administrando a justiça. (1973, p.70)<br />
A tipografia na América Espanhola teve outro grande provedor, a igreja, a qual instalou<br />
máquinas de imprimir em diversas cidades, como Guatemala, 1660; Bogotá, 1739; Quito,<br />
1760 e Bue<strong>no</strong> Aires, 1780, com o objetivo de produzir material de seu interesse, com sentido<br />
estritamente apostólico. Já para a América Portuguesa Melo afirma: “Mas, em relação à<br />
América Portuguesa, há uma grande distância entre o começo da ocupação e o funcionamento<br />
efetivo de uma administração colonial, circunstância que, isoladamente, já pode esclarecer a<br />
ausência de tipografias naquele período”. (1973, p. 68)<br />
Em 1808 o <strong>Brasil</strong> foi um dos últimos países da América Latina a praticar as artes<br />
gráficas, tornando-se o 12° a instalar a <strong>imprensa</strong>.<br />
3
A tipografia em Portugal e as primeiras tentativas de imprimir na colônia<br />
A <strong>imprensa</strong> foi introduzida em Portugal por volta de 1487. As primeiras obras<br />
portuguesas foram produzidas em hebraico, pois os tipógrafos, ali estreantes, eram judeus.<br />
Porém, esta glória duraria pouco, logo os mesmos seriam perseguidos pela inquisição.<br />
(COSTELLA, 1970, p.1)<br />
A tipografia portuguesa, em uma primeira etapa, conviveu com uma liberdade<br />
significativa. Porém, tempo breve, pois logo a igreja e o Estado tomaram as rédeas da<br />
produção tipográfica. “Passado, porém, o entusiasmo do primeiro momento, aperceberam-se<br />
os poderosos de que a <strong>imprensa</strong> poderia prestar-se à veiculação de idéias <strong>no</strong>vas e<br />
subversivas”. (COSTELLA, 1970, p.2)<br />
O mais antigo texto impresso em Portugal foi publicado em 1488. Já a primeira<br />
experiência de <strong>imprensa</strong> periódica ocorreu em 1641, com o jornal batizado singularmente de<br />
“Gazeta em que se relatam as <strong>no</strong>vas que houve nesta corte e que vieram de várias partes <strong>no</strong><br />
mês de <strong>no</strong>vembro de 1641”, editado mensalmente em Lisboa. (CORREIA, 2000, p. 66)<br />
Se em Portugal a censura estatal e a inquisição sufocavam os produtores tipográficos,<br />
<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, extensão territorial da monarquia, a arte gráfica privada, aventureira, tinha vida<br />
efêmera, suprimida com violência. Não havia lei rígida a priore, mas a cada tentativa de<br />
impressão, a instalação da tipografia era fortemente coibida, com a decretação de uma Carta<br />
Régia. As iniciativas de impressão na colônia, atitudes isoladas, só começaram a surgir a<br />
partir dos primeiros a<strong>no</strong>s do século XVIII. As tentativas, mesmo na produção de impressos<br />
não politizados ou profa<strong>no</strong>s, que nada atacavam a religião e os bons costumes, também eram<br />
fortemente reprimidas. Tal fato ocorreu em Recife, em 1706, quando uma tipografia foi<br />
liquidada quase que instantaneamente somente por publicar orações e letras de câmbio. O<br />
impressor anônimo perdeu o maquinário e foi devidamente <strong>no</strong>tificado, pagando caro pela<br />
ousadia. (COSTELLA, 1970, p.18)<br />
Sodré:<br />
Outra tentativa frustrada aconteceu <strong>no</strong> Rio de Janeiro, em 1746, como narra o autor<br />
Antonio Isidoro da Fonseca, antigo impressor de Lisboa, transferiu-se à colônia,<br />
trazendo na bagagem o material tipográfico com que montou <strong>no</strong> Rio pequena<br />
oficina. Chegou a pô-la em atividade, pois imprimiu alguns trabalhos, entre os quais<br />
se destaca a Relação da Entrada do bispo Antônio do Desterro, redigida por Luís<br />
Antônio Rosado da Cunha, com dezessetes páginas de texto. Moreira de Azevedo<br />
conta, <strong>no</strong>s seus apontamentos históricos, que a metrópole agiu rapidamente para<br />
liquidar a oficina: mandou a corte aboli-la e queimá-la, para não propagar idéias que<br />
podiam ser contrárias ao interesse do Estado”. (1998, p.17)<br />
4
A tentativa de Antonio Isidoro da Fonseca de imprimir na colônia foi repudiada<br />
rapidamente pelas forças da monarquia, porém, o pedido para o fechamento da tipografia<br />
partiu dos livreiros de Portugal.<br />
A iniciativa de Antônio Izidoro da Fonseca provocou imediata reação dos<br />
impressores e livreiros das cidades de Lisboa e Porto, que pressionaram o gover<strong>no</strong>,<br />
instado a coibi-la. Em conseqüência, foi estabelecido pela ordem régia de 10 de<br />
maio de 1747 referente ao <strong>Brasil</strong> o seqüestro de todas as “letras de <strong>imprensa</strong>” e<br />
proibida a impressão de livro ou papel avulso”, sob pena de as pessoas envolvidas<br />
serem presas e enviadas a Lisboa. (CAVALCANTI, 2004 , p.145)<br />
Somam-se a essas tentativas infrutíferas, outras documentadas oficialmente, cada uma<br />
com sua singularidade intencional, como a fábrica de cartas de jogar em Salvador em 1770 e a<br />
do Padre Viegas de Menezes na cidade de Vila Rica em 1807. A impressão de letras na<br />
Colônia só começou a funcionar efetivamente com a transladação da família real ao <strong>Brasil</strong> e<br />
sua chegada em março de 1808.<br />
A chegada da máquina oficial de imprimir e seus primeiros movimentos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong><br />
Napoleão Bonaparte dá um ultimato: ou os portugueses encerravam de vez com as<br />
regalias e mandos ingleses em terra lusitana ou o exército francês completaria a sua invasão<br />
na Península Ibérica. A Espanha já estava nas mãos dos franceses, só faltava incorporar<br />
Portugal ao império de Napoleão.<br />
O Gover<strong>no</strong> português viveu então o seu maior pesadelo estratégico, apanhado <strong>no</strong><br />
choque entre uma grande potência terrestre, a França, cujos exércitos dominavam o<br />
continente europeu, e uma grande potência marítima, a Inglaterra, cujas esquadras<br />
controlavam os mares. Se optasse pela Inglaterra, corria o risco de perder Portugal;<br />
se optasse pela França, o <strong>Brasil</strong>. (RAMOS, 2010, p. 440)<br />
Dom João e seu corpo diplomático decidiram pelo embarque rumo à colônia brasileira:<br />
deixou para trás a capital Lisboa, na época a quarta maior cidade da Europa Ocidental, depois<br />
de Londres, Paris e Nápoles. (Ramos, 2010, p. 442) Por covardia ou estratégia, esta decisão<br />
polêmica é fruto de contínuas interpretações históricas: o fato é que a esquadra portuguesa<br />
partiu para a América escoltada pelos navios ingleses. 2<br />
2 Tratam profundamente do tema: LIMA, 2006; SARAIVA, 2007; ARRUDA, 2008; RAMOS, 2010; NORTON,<br />
2008; LIGHT, 2008.<br />
5
No momento da fuga de Lisboa, dois prelos <strong>no</strong>vinhos em folha e 26 volumes de<br />
material tipográfico foram embarcados a bordo da nau Meduza, sob as ordens de D. Antônio<br />
de Araújo Azevedo, o futuro Conde da Barca. Foi este maquinário, instalado na cidade do Rio<br />
de Janeiro, que gerou os primeiros documentos impressos em terra brasileira. (BAHIA, 1990,<br />
p. 9)<br />
A família real portuguesa veio acompanhada de cerca de dez mil pessoas, uma<br />
população significativa, que transformou o cotidia<strong>no</strong> da cidade do Rio de Janeiro. D. João VI,<br />
o príncipe regente, com seu aparato administrativo burocrático, comandando seu império do<br />
<strong>Brasil</strong>, reconheceu a necessidade de produzir impressos para dinamizar a administração local<br />
e as relações internacionais diplomáticas e econômicas e em 13 de maio de 1808, assi<strong>no</strong>u o<br />
decreto que permitiu a instalação da <strong>imprensa</strong> em solo brasileiro.<br />
Nasceu então a <strong>imprensa</strong> nacional, com 300 a<strong>no</strong>s de atraso e ainda sob forte vigilância<br />
do Gover<strong>no</strong> Régio. Portugal nunca se interessou em liberar a <strong>imprensa</strong> durante o <strong>Brasil</strong><br />
colônia, exerceu forte censura e aniquilou qualquer ameaça de implantação. Ademais, a<br />
colônia já mostrava expressivos indícios de inquietude, com revoluções nacionalistas ou<br />
levantes contra a exploração portuguesa, atitudes estas que faziam a Coroa temer a liberdade<br />
de <strong>imprensa</strong>. O comportamento censor do gover<strong>no</strong> português não mudou após a instalação da<br />
tipografia em solo nacional. Em 1808, a <strong>imprensa</strong> régia nasceu sob forte censura, atada a uma<br />
comissão estabelecida por D. João VI. Esta comissão, inicialmente formada por um grupo de<br />
homens de confiança da corte, ganhou a missão de controlar todos os escritos com potencial<br />
de publicação e, se necessário, eliminá-los, garantindo a integridade e a moral de todos, da<br />
corte e da igreja, que poderiam ser afetados.<br />
As <strong>razões</strong> do atraso<br />
Na obra, “Teoria do Jornalismo”, Melo afirmou que as <strong>razões</strong> do atraso são ainda<br />
motivo de polêmica entre os historiadores, prevalecendo a interpretação de que o grande<br />
causador do fenôme<strong>no</strong> do retardamento foi de caráter político. 3 (2006, p. 77)<br />
3 Segundo Melo, com pequenas variações de perspectivas, esses autores identificam-se por um tipo de<br />
análise que enfatiza os aspectos políticos da questão. Filiam-se a essa corrente, entre os mais antigos, Alfredo de<br />
Carvalho, Moreira de Azevedo, Cunha Barbosa, e, entre os mais recentes, Alexandre Passos, Juarez Bahia e<br />
Barboza Mello. (1973, p.93)<br />
6
É relevante ressaltar que <strong>no</strong>s livros contemporâneos, a obra de Melo é citada<br />
frequentemente como fonte de apoio para o estudo deste tópico singular da história da<br />
<strong>imprensa</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. 4<br />
Marques abordou as questões políticas e econômicas, mas complementou seu estudo<br />
oferecendo uma <strong>no</strong>va perspectiva de análise, quando aplicou o método funcionalista proposto<br />
por Durkheim. “Portanto, ao aplicar o método funcionalista, estaremos buscando identificar a<br />
correspondência entre um fato social determinado e as condições necessárias de existência<br />
dentro do organismo social, ao qual pertence”. (1973, p. 22)<br />
Entretanto, o primeiro passo para o entendimento das <strong>razões</strong> do atraso da instalação da<br />
<strong>imprensa</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é compreender suas motivações políticas e econômicas, que serão expostas<br />
a seguir.<br />
Questões políticas e econômicas<br />
O <strong>Brasil</strong>, embora tenha recebido a <strong>imprensa</strong> com 300 a<strong>no</strong>s de atraso, não fora um vazio<br />
cultural, pois já <strong>no</strong> período colonial permeava uma teia de informações e relações na qual a<br />
<strong>imprensa</strong> privada e artesanal poderia se encaixar, potencializando as desejadas transformações<br />
de parte da sociedade, oprimida pelos colonizadores. A produção cultural, antes da tipografia,<br />
emergia da tradição oral e manuscrita, materializada em panfletos, cartas, poesias, canções,<br />
repentes, que muitas vezes eram de conteúdo político, social e econômico, tornando-se uma<br />
crítica contundente às regras e à forma de governar do Estado.<br />
O sistema colonial apresentava contradições e antagonismos que colocavam em<br />
confronto os grupos da sociedade da época: administradores do Estado, senhores de engenho,<br />
comerciantes, jesuítas, indígenas, escravos, proprietários de escravos, a <strong>no</strong>breza e os<br />
excluídos. Todos estes grupos se comunicavam e eram controlados pelo gover<strong>no</strong> Estatal.<br />
Esses personagens da sociedade procuravam expor suas ideias e interesses, cada um com seu<br />
respectivo grau de liberdade e oportunidade: do silêncio quase integral dos escravos ao poder<br />
de divulgação oficial da Monarquia. A administração lusitana enfrentou várias rebeliões<br />
(nativistas e emancipacionistas) e percebeu a necessidade de censurar a impressão de<br />
materiais gráficos. A divulgação de conteúdo político, social e econômico dos impressos<br />
4 Ver as obras de ROMANCINI ; LAGO, 2007, MARTINS ; DE LUCCA, 2006, MARIALVA BARBOSA,<br />
2010<br />
7
eacionários tinha poder de fogo para incendiar a colônia e seria mais uma arma para a<br />
conquista da independência do <strong>Brasil</strong>.<br />
Assim, o Gover<strong>no</strong> Português inibiu as manifestações multiplicadas pelos impressos e<br />
retardou a evolução tipográfica. Ao mesmo tempo deixa de construir uma estrutura condizente<br />
a uma sociedade em formação, pois o objetivo era protelar ao máximo a sua condição de<br />
dependência, excluindo a perspectiva do progresso. Fazer funcionar a máquina de imprimir,<br />
com a publicação de produtos letrados, com opiniões, informações e reflexões, estimularia a<br />
instrução, a cultura, o desejo civilizatório, enfim, tudo o que Portugal não desejava despertar<br />
em solo nacional.<br />
Em relação à questão econômica, Melo cita um consagrado escritor nacional, Nelson<br />
Werneck Sodré, autor da obra “História da Imprensa <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>”: “Por muitas <strong>razões</strong>, fáceis de<br />
referir e de demonstrar, a história da <strong>imprensa</strong> é a própria história do desenvolvimento da<br />
sociedade capitalista”. (1998, p.1) Assim, disse Sodré em sua obra, que foi interpretada por<br />
Melo.<br />
Partindo dessa premissa, entende aquele historiador que o <strong>Brasil</strong>-Colônia não<br />
apresentava uma situação econômico-social capaz de propiciar o advento da<br />
<strong>imprensa</strong>, sobretudo em face do escravismo dominante. Esse aspecto, na sua<br />
opinião, afigurava-se como obstáculo mais poderoso que os impedimentos oficiais<br />
determinados pelas autoridades metropolitanas. (MELO, 1973, p.101-102)<br />
Registrados os motivos políticos e econômicos, é oportu<strong>no</strong> apresentar na sequência os<br />
fatores socioculturais, que, segundo Melo, influenciaram para o atraso da instalação da<br />
<strong>imprensa</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.<br />
Fatores socioculturais<br />
Para Melo, os fatores socioculturais são circunstâncias causais. O autor explicou o<br />
fenôme<strong>no</strong> a partir da análise do caráter de reciprocidade que existiu entre cada fator e a<br />
respectiva função que a <strong>imprensa</strong> deixou de desempenhar.<br />
Para identificar as condições necessárias de existência da <strong>imprensa</strong> na sociedade<br />
colonial brasileira, somos impelidos a admitir, como premissa básica, que o<br />
retardamento não se explica por uma única causa (política ou econômica), mas por<br />
um conjunto de circunstâncias causais, que se inter-relacionam e se influenciam<br />
mutuamente. A essas causas chamaremos de fatores sócio-culturais. (1973, p.110)<br />
8
Os fatores socioculturais, enumerados a seguir, vão respeitar a ordem e a de<strong>no</strong>minação<br />
estabelecida pelo autor em sua obra “Sociologia da Imprensa <strong>Brasil</strong>eira”.<br />
a) Natureza feitorial da colonização<br />
No momento da ocupação do <strong>Brasil</strong>, Portugal estava voltado para as rotas e o comércio<br />
do Oriente. Para a América Portuguesa foram enviados poucos homens, adotando uma<br />
colonização lenta e com redução de gastos, com o objetivo apenas de exploração econômica.<br />
Assim, os primeiros viajantes vão se fixando <strong>no</strong> litoral, fortalecendo a ideia de produzir para<br />
exportar. “Portugal opta pela organização de feitorias na costa brasileira, utilizando-as<br />
estrategicamente como bases de defesa e comercialmente como entrepostos para explorar o<br />
pau-brasil.” (MELO, 1973, p.112-113)<br />
Os portugueses se valem apenas dos interesses comerciais, edificando somente o<br />
necessário para oferecer o mínimo de infra-estrutura para a consumação de seu objetivo<br />
mercantil. “Não houve, assim, maior impulso civilizatório (criação de escolas, cidades, polos<br />
administrativos complexos), que justificassem a introdução da <strong>imprensa</strong>. (ROMANCINI ;<br />
LAGO, 2007, p.19)<br />
b) atraso das populações indígenas<br />
Os colonizadores portugueses quando ocuparam o <strong>Brasil</strong> foram recebidos por um povo<br />
nativo isolado dos acontecimentos do mundo, vivendo em distintos graus de<br />
desenvolvimento, em tempo mental e cultural diferentes. A população originária do <strong>Brasil</strong>, se<br />
comparada aos europeus e aos nativos da América Espanhola, considerando os paradigmas<br />
políticos, sociais e materiais do século XVI, tinha características de um sistema tribal<br />
autô<strong>no</strong>mo.<br />
Segundo Schwartz, este encontro foi um drama: “motivado pelo choque imediato e<br />
contínuo de dois povos cujos sistemas econômicos e visões de mundo não poderiam ser mais<br />
opostos”. (2001, p. 46)<br />
Porém, Melo, em seu estudo, se utilizou da primeira corrente da historiografia colonial<br />
que viu o índio como selvagem, nômade, atrasado e que foi rapidamente superado pelo<br />
processo civilizador. 5 “Diante de povos tão atrasados, não seria difícil aos colonizadores<br />
portugueses completar a dominação, impondo-lhes os padrões de sua cultura”. (1973, p.115)<br />
5 Interpretação de Varnhagen, <strong>no</strong> livro “História Geral do <strong>Brasil</strong>”, 1978, p.65<br />
9
Entretanto, não podemos deixar de apresentar uma abordagem revisionista que estudou<br />
o contato das civilizações através da eco<strong>no</strong>mia, antropologia e sociologia.<br />
Esses estudos negam o caráter unitário e histórico do gênero huma<strong>no</strong> e afirmam a<br />
incompatibilidade da civilização européia – histórica e econômica – com o mundo<br />
america<strong>no</strong> – natural e a-econômico. Tais estudiosos sugerem que a destruição dos<br />
povos “naturais” causada pelo avanço europeu seria inevitável. Muitos dos autores<br />
desta segunda corrente acreditam igualmente na impossibilidade de se escrever uma<br />
história desses contatos. No máximo, poderíamos relatar a reação imóvel do<br />
“indígena” diante do homem econômico europeu. Na verdade, o “índio” jamais teria<br />
podido se adaptar ou compreender o mundo europeu. Ele teria apenas tentado uma<br />
reação desesperada, instintiva e repetitiva. (MAESTRI, 1993, p. 11)<br />
No primeiro momento da colonização, os portugueses que aqui chegaram se adaptaram<br />
à vida dos indígenas, absorvendo a cultura sem a necessidade de imposições linguísticas e<br />
culturais. O que valia era explorar a colônia e tirar dela o que tinha de bom e melhor para<br />
enviar ao rei<strong>no</strong> e fazer de sua estadia o mais agradável possível. Num segundo momento, com<br />
a implantação das capitanias hereditárias e depois com a instalação do Gover<strong>no</strong> Geral, a<br />
relação social na colônia mudou e os índios foram escravizados: “os indígenas subjugados e<br />
escravizados forneceram o trabalho na primeira, e mais custosa, etapa da implantação da<br />
agroindústria açucareira na colônia”. (LOPEZ ; MOTA, 2008, p. 74)<br />
É necessário lembrar que os jesuítas realizaram um trabalho de alfabetização, visando à<br />
catequização, porém, com povoação diminuta, as cópias manuscritas e os livros vindos de<br />
Portugal eram suficientes para o empreendimento.<br />
c) a predominância do analfabetismo<br />
A comunicação na colônia era eminentemente oral, pois os povoadores introduzidos em<br />
terra brasileira vinham de suas cidades sem saber ler e escrever. O analfabetismo preponderou<br />
e marcou profundamente a colônia. A escrita era quase um privilégio dos religiosos e de<br />
alguns da alta administração pública. O analfabetismo não se encontrava só nas massas, dos<br />
homens rústicos e do campo, mas também na pequena burguesia e <strong>no</strong>s membros da corte.<br />
O ensi<strong>no</strong> existente na colônia, até o início do século XIX, era limitadíssimo,<br />
circunscrevendo-se a uns poucos estabelecimentos de nível primário e secundário.<br />
Não existiam, portanto, as condições para a formação de um público capaz de<br />
interessar-se por livros e, consequentemente, erigir a necessidade social da<br />
<strong>imprensa</strong>. (MELO, 1973, p.124)<br />
10
Oliveira Lima, biógrafo aclamado de D. João VI, completa a citação acima, ratificando<br />
a precariedade da educação em terras brasileiras, na <strong>no</strong>va sede da Monarquia:<br />
No Rio de Janeiro o que havia de melhor como estabelecimentos de educação, antes<br />
da chegada da corte, cifrava-se <strong>no</strong>s dois seminários de São José e São Joaquim,<br />
fundados em 1739 pelo bispo D. Frei Antônio de Guadalupe e que se fundiram em<br />
1817. (2006, p.159)<br />
Para se ter uma ideia, os livros que chegavam ao <strong>Brasil</strong> colônia para ser comercializados<br />
não encontravam compradores, tal o grau de iletrados da época.<br />
d) ausência de urbanização<br />
No <strong>Brasil</strong>, a semente do urbanismo começou a brotar efetivamente a partir do século<br />
XIX. Antes, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> colônia, o contingente rural era preponderante, concentrado nas<br />
fazendas e <strong>no</strong>s peque<strong>no</strong>s acampamentos extrativistas. Eram propriedades produtoras<br />
familiares, cercadas por poucos trabalhadores livres e muitos escravos para a sua produção. A<br />
população urbana permanente era pequena e a imensidão <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso território dificultava a<br />
comunicação oral e escrita destas vilas e povoados. Apenas alguns centros se destacaram,<br />
motivados por uma maior circulação de pessoas e mercadorias e também pela proximidade do<br />
mar, estimulados pelo comércio ultramari<strong>no</strong>, a exemplo de Salvador, Recife e Rio de Janeiro.<br />
Na época, cidades interioranas, como São Paulo, eram consideradas uma povoação<br />
campesina.<br />
Sendo a <strong>imprensa</strong> um tipo de atividade cultural essencialmente citadina, aspecto que<br />
marcou o seu próprio desenvolvimento, como analisamos <strong>no</strong> caso europeu, é natural<br />
que não haja encontrado qualquer ressonância <strong>no</strong> pa<strong>no</strong>rama colonial brasileiro.<br />
(MELO, 1973, p.130)<br />
e) precariedade da burocracia estatal<br />
No <strong>Brasil</strong> colônia a administração era feita praticamente a distância, com ordens vindas<br />
de Portugal. Em solo nacional encontravam-se fragmentos da administração estatal, pois a<br />
maior parte das atividades burocráticas era repassada aos particulares, como ocorreu <strong>no</strong><br />
sistema de capitanias que durou de 1534 a 1759.<br />
A extensão territorial do <strong>Brasil</strong> também dificultou a centralização burocrática, ficando<br />
cada região funcionando com um peque<strong>no</strong> centro administrativo, sendo que alguns, pela<br />
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dificuldade de comunicação interna, ficavam em extrema penúria. Esta pulverização de<br />
peque<strong>no</strong>s centros não favoreceu a troca de informações e a instalação da <strong>imprensa</strong> deixou de<br />
ser uma atividade de primeira necessidade.<br />
Não havendo praticamente aparelho estatal em operação, tornava-se dispensável<br />
todo aquele instrumental burocrático, para a confecção do qual a <strong>imprensa</strong> era<br />
sempre buscada. Não havia necessidade de formulários impressos, nem tampouco<br />
exigia qualquer atividade decisória que exigisse a divulgação de leis, <strong>no</strong>rmas ou<br />
instruções. (MELO, 1973, p. 132)<br />
f) incipiências das atividades comerciais e industriais<br />
Inserido inicialmente na estrutura mercantilista, o <strong>Brasil</strong> enviava matéria prima e uma<br />
quantidade pequena de bens produzidos a Portugal, que lá consumia, manufaturava ou<br />
exportava para outros países. As atividades comerciais e industriais eram dominadas e<br />
gerenciadas pela própria monarquia, com raras exceções, quando eram cedidas concessões a<br />
particulares. Tal dinâmica comercial e industrial prejudicou o incremento do mercado inter<strong>no</strong><br />
da colônia, que viveu de poucas produções artesanais locais e de produtos vindos de Portugal.<br />
Relacionando esse quadro com as eventuais funções da <strong>imprensa</strong>, concluiremos que<br />
a incipiência das atividades comerciais e industriais lhe eram opostas. Não havendo<br />
necessidade dos usuais expedientes burocráticos (letras de câmbio, <strong>no</strong>tas fiscais,<br />
formulários), pelo primitivismo dos métodos comerciais imperantes e pela atuação<br />
precária da máquina estatal, a <strong>imprensa</strong> não teria utilidade maior em terras<br />
brasileiras. (MELO, 1973, p. 136)<br />
g) reflexo da censura e do obscurantismo metropolita<strong>no</strong>s<br />
A máquina de imprimir revolucio<strong>no</strong>u a Europa a partir do século XV. A possibilidade<br />
de produzir cópias em série, abreviando o tempo e multiplicando as folhas, causou uma<br />
reação rápida e um comportamento ambíguo dos gover<strong>no</strong>s nacionais europeus e das<br />
autoridades eclesiásticas. O invento de Gutemberg incrementou a circulação de ideias e<br />
informações pela Europa e pelo mundo, e foi esta potencialidade de pluralização de opiniões e<br />
<strong>no</strong>tícias que provocou uma atitude censória implacável dos poderosos da época.<br />
O Estado censurava principalmente as obras que questionassem o poder e a<br />
legitimidade da realeza e da monarquia, a história oficial de Portugal, o regime<br />
escravista, o sistema colonial, a moral e os bons e tradicionais costumes<br />
portugueses, a estrutura social e familiar. (CAVALCANTI, 2004, p.148)<br />
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Os Estados absolutistas souberam muito bem se servir da <strong>imprensa</strong>: de um lado, pelas<br />
monarquias, a <strong>imprensa</strong> foi utilizada para dinamizar a administração pública em suas ordens,<br />
mandamentos legais e nas relações comerciais e pela igreja, catequizar os profa<strong>no</strong>s sem almas<br />
e deuses. De outro lado, a <strong>imprensa</strong> privada recebeu censura rigorosa dos gover<strong>no</strong>s<br />
autoritários, na produção de qualquer escrito: publicação de folhetos, livros e jornais. A<br />
censura atuante não foi uma atitude repressora apenas das nações monárquicas, mas também<br />
da igreja que, representada pelas autoridades eclesiásticas, tinha poder para agir como órgão<br />
censor. A restrição de imprimir deixou Portugal atrasado em relação à evolução técnica<br />
gráfico-editorial. E o <strong>Brasil</strong> colônia sofreu as consequências desse fraco desenvolvimento da<br />
indústria tipográfica lusitana.<br />
O reflexo dessas condições na colônia americana redundaria inevitavelmente na<br />
própria ausência da <strong>imprensa</strong>. Se na metrópole, mais adiantada, quase não havia<br />
jornais e as atividades de impressão eram reduzidas e precárias (sobretudo<br />
comparando às vizinhas nações européias), é natural que a colônia apresentasse<br />
condições inferiores. (MELO, 1973, p.141)<br />
A repressão, que já existia fortemente na colônia, se intensificou quando atravessou o<br />
Atlântico em companhia da monarquia, comanda por D. João VI. O príncipe Regente logo<br />
instalou a <strong>imprensa</strong> oficial, porém sem antes constituir um forte colégio repressor. Um dos<br />
motivos para a instalação imediata da censura na circulação de ideias e informações foi o<br />
perigo da eclosão de movimentos emancipacionistas ocorridos na colônia, que mostravam<br />
com clareza a inquietude e a insatisfação de parte do povo brasileiro.<br />
Por outro lado, a repressão ao impresso aqui tenderia, a partir do século XVIII, a ser<br />
mais rigorosa, procurando afastar as idéias e princípios <strong>no</strong>rteadores das revoluções<br />
francesa e <strong>no</strong>rte-americana, que poderiam questionar o domínio português<br />
(ROMANCINI ; LAGO, 2007, p.21)<br />
Poucos meses após a chegada da família real, o <strong>Brasil</strong>, quase ao mesmo tempo, viu o<br />
nascimento de dois jornais: um áulico, autorizado pela Corte Portuguesa, intitulado A Gazeta<br />
do Rio de Janeiro e outro, clandesti<strong>no</strong>, O Correio Braziliense, também conhecido como<br />
Armazém Literário, escrito e editado em Londres e distribuído ilegalmente <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Estes<br />
jornais são os pioneiros da <strong>imprensa</strong> periódica nacional e serão apresentados brevemente na<br />
próxima leitura.<br />
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Jornais pioneiros: um clandesti<strong>no</strong>, outro oficial<br />
Curiosamente, o primeiro jornal brasileiro não nasceu em terra nacional. Ele foi criado<br />
pelo jornalista brasileiro Hipólito José da Costa, formado em Coimbra e exilado em Londres,<br />
fugido de Portugal por questões políticas. A partir de meados de 1808, Hipólito começou a<br />
escrever e imprimir em Londres o Correio Braziliense, como ele mesmo explicou em citação<br />
expressa na obra de Werneck (1998, p.20):<br />
Hipólito da Costa justificou-se de fazer <strong>no</strong> estrangeiro o seu jornal: “Resolvi lançar<br />
esta publicação na capital inglesa dada a dificuldade de publicar obras periódicas <strong>no</strong><br />
<strong>Brasil</strong>, já pela censura prévia, já pelos perigos que os redatores se exporiam, falando<br />
livremente das ações dos homens poderosos.<br />
O Correio Braziliense pode ser considerado também o primeiro jornal que se livrou da<br />
censura portuguesa. Ele chegava ao <strong>Brasil</strong> de navio e depois de uma longa viagem era<br />
distribuído clandestinamente. O primeiro número circulou em 1º de junho de 1808. O jornal<br />
<strong>no</strong>ticiava fatos internacionais, disseminava ideias políticas, criticava e questionava a Corte<br />
Portuguesa sobre seu rumo político. Circulou mensalmente até dezembro de 1822, totalizando<br />
175 números, encerrando as atividades às vésperas da independência. (MARTINS; DE<br />
LUCCA, 2006, p.19)<br />
Mas a história registra o nascimento de outro jornal que também ganhou a fama de ser o<br />
primeiro veículo impresso periódico do <strong>Brasil</strong>. O jornal A Gazeta do Rio de Janeiro foi<br />
lançado em 10 de setembro de 1808, sob produção e controle do gover<strong>no</strong> e da <strong>imprensa</strong> régia.<br />
Era um jornal oficial que informava ao público as <strong>no</strong>ticias de interesse do Estado. Não havia<br />
espaço para a sociedade expressar descontentamentos ou reivindicações, não havia<br />
queixumes, fazia do <strong>Brasil</strong> um paraíso, não tendo outra finalidade, senão agradar a coroa.<br />
(SODRÉ, 1998, p.20)<br />
A partir desta singular, criativa e interessante concorrência, entre a <strong>imprensa</strong> áulica da A<br />
Gazeta Mercantil e a escrita crítica do O Correio Braziliense, os produtos tipográficos se<br />
multiplicaram em solo nacional, gerando material diverso, ampliando o horizonte da <strong>imprensa</strong><br />
nacional. Até a proclamação da independência, segundo Rizzini, havia <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> treze<br />
tipografias em funcionamento:<br />
Até a proclamação da Independência havia, portando, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: a Impressão Régia<br />
e as oficinas da Bahia, do Recife, do Maranhão e do Pará, autorizadas, e mais as<br />
duas de Vila Rica e as seis do Rio de Janeiro, estas fundadas após o Alvará do<br />
Príncipe Regente, de 28 de agosto de 1821, proclamando a liberdade de <strong>imprensa</strong>.<br />
Ao todo treze. (1977, p.186)<br />
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A produção tipográfica, durante os a<strong>no</strong>s de 1808 a 1822, cresceu quantitativamente,<br />
pois utilizando o Rio de Janeiro, como exemplo, podemos observar a publicação de<br />
aproximadamente de 1.085 títulos de produtos impressos de diversos tipos, desconsiderando<br />
ainda deste montante, leis, decretos e alvarás. (ABREU, 2007, p.132)<br />
Considerações finais<br />
Apoiado em autores nacionais e lusita<strong>no</strong>s, porém, tendo como referência básica um<br />
trabalho único e de fôlego, a obra “Sociologia da Imprensa <strong>Brasil</strong>eira”, do professor José<br />
Marques de Melo, foram apresentadas as questões de causa e efeito, trabalhadas pelos<br />
pesquisadores do assunto, explicando os motivos destes mais de 3 séculos de atraso na<br />
instalação da <strong>imprensa</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.<br />
As questões políticas e econômicas são tratadas quase que integralmente pelos<br />
pesquisadores do tema. A censura estatal e do Santo Ofício também tem lugar de destaque,<br />
pois foram implacáveis na exigência do “silêncio” das letras e do cerceamento da<br />
manifestação do pensamento. No <strong>Brasil</strong> colônia, época de inquietude e desejo de mudanças<br />
políticas e econômicas, a máquina de imprimir ficou estática, e era aniquilada em qualquer<br />
tentativa de movimentação. O prelo e seu protagonista eram tirados de cena quase que<br />
instantaneamente. Portugal não queria concorrência econômica e nem a pluralização de ideias<br />
na colônia. O pacto colonial tinha que funcionar em todas as áreas, inclusive na publicação de<br />
obras tipográficas. O <strong>Brasil</strong> deveria ficar nas trevas e ser iluminado apenas pelas ideias e<br />
estratégias lusitanas e pelas mensagens apostólicas do catolicismo. Não havia necessidade de<br />
impulso civilizatório.<br />
As questões políticas e econômicas emperraram o início do funcionamento da máquina<br />
de imprimir <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Mas, este estudo, com ênfase na tese do professor Melo, trouxe à tona<br />
outras <strong>razões</strong>, os fatores socioculturais, circunstâncias causais do fenôme<strong>no</strong> da <strong>imprensa</strong><br />
<strong>tardia</strong>.<br />
A <strong>imprensa</strong> em seus primórdios tinha caráter artesanal. Depois com a evolução<br />
tec<strong>no</strong>lógica e a crescente urbanização, inserida num país capitalista, ganhou a posição de<br />
grande empresa, passando a sofrer forte influência das leis do mercado e com dependência<br />
irrenunciável da publicidade. Em relação aos veículos impressos, jornais e as revistas, é<br />
preciso apontar que seus usuários são parte de segmentos privilegiados da sociedade.<br />
A quantidade e a qualidade da <strong>imprensa</strong> brasileira suscitam muitas discussões entre<br />
analistas e estudiosos da comunicação social. Para um país com mais de 190 milhões de<br />
15
habitantes e um pouco me<strong>no</strong>s 10% de taxa de analfabetismo (IBGE, 2010), temos em<br />
circulação aproximadamente 4.000 jornais. Segundo a Associação Nacional de Jornais (2012)<br />
são 652 diários e apenas 12 ultrapassam os 100 mil exemplares.<br />
Referências Bibliográficas<br />
Suas tiragens são pequenas, se compararmos aos veículos congêneres em outros<br />
países. Estima-se uma tiragem diária de 8 milhões de exemplares, englobando todos<br />
os jornais. Admitindo que cada exemplar é lido, em média, por 3 pessoas, teríamos<br />
um público leitor da ordem de 24 milhões de pessoas. Para uma população de 192<br />
milhões de habitantes, constata-se que a grande maioria continua excluída desse<br />
benefício” (Melo, 2012, p. 33)<br />
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