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JORNAL DA ACIL/Novembro 9<br />
No comércio e na vida,<br />
o melhor sorriso é<br />
aquele de quem<br />
gosta do que faz<br />
– E o comércio vende de tudo para todo<br />
mundo. Uma sociedade tão complicada não<br />
pode viver só à base de troca. Aumentaram as<br />
necessidades humanas, até com o consumo de<br />
produtos supérfluos e...<br />
– Supérfluos?<br />
– Coisas que a gente usa embora não precise.<br />
Quanto mais supérfluos usa, mais a pessoa é<br />
rica. Os miseráveis têm falta do essencial para<br />
viver, os pobres têm apenas isso e os ricos têm<br />
demais.<br />
O ET resmunga:<br />
– Vocês humanos...<br />
No planeta do ET, não há dinheiro nem<br />
comércio. Por alguns instantes, ele fica pensando<br />
– e pergunta:<br />
– Por que lojas morrem se são coisas tão<br />
úteis e bonitas?<br />
Conto que pode ser por causa das mudanças,<br />
como os homens deixando de usar chapéus<br />
e quebrando as fábricas e lojas de chapéus.<br />
Pode ser por muitas causas, mas a principal,<br />
conforme as pesquisas, é o mau atendimento; e<br />
o ET, claro, quer saber o que é atendimento.<br />
Explico que o atendimento começa no sorriso:<br />
– Quem atende sorrindo, mesmo que seja<br />
atendendo pelo telefone, tem mais sucesso,<br />
vende mais, consegue mais freguesia e mais fiel,<br />
além de resolver melhor todos os problemas e<br />
até ter mais saúde física e mental.<br />
– Então por que todos não sorriem sempre?<br />
É difícil? Dói?!<br />
Em vez de responder, levo o ET para um giro<br />
pelo comércio. Já que ele tem o poder de ver<br />
sentimentos, que veja. Visitamos várias<br />
pequenas lojas, onde o próprio dono atende, e,<br />
ao final do dia, ele já tirou algumas conclusões:<br />
– Na primeira loja, o homem nos atendeu<br />
sorrindo, mas foi um sorriso ensaiado, e um<br />
sorriso só. Ensinaram a ele que sorrir é bom<br />
para vender, mas logo ele estava pensando só<br />
em vender, ou seja, pensando só nele, e não na<br />
gente, e não sorriu mais.<br />
– E na segunda loja?<br />
– Aí o homem nos atendeu sorrindo também,<br />
e sorriu várias vezes. Ele estava pensando em<br />
nos vender outras coisas, além do que pedimos,<br />
e por isso a todo momento se lembrava de sorrir<br />
mais. Mas era o mesmo sorriso do primeiro<br />
comerciante, só que repetido.<br />
– Na terceira loja foi diferente?<br />
– Ele nos atendeu sorrindo, e continuou<br />
sorrindo, porque estava falando de coisas que<br />
gosta, os artigos que vende, e falando com quem<br />
gosta.<br />
– Ele gosta de nós? Mas foi a primeira vez que<br />
me viu na vida!<br />
– Ele gosta de gente, vi bem que ele gosta de<br />
gente, seja quem for. Estou desconfiado de que,<br />
para ser comerciante, é preciso antes de tudo<br />
gostar de gente, e gostar do que se faz. Aliás,<br />
desconfio também que esse é o segredo da<br />
felicidade para vocês humanos. Só vejo feliz<br />
quem gosta do que faz.<br />
Digo que deve ser a mais pura verdade, e ele:<br />
– Por falar em verdade, desconfio mais, que<br />
não basta sorrir para ter sucesso no comércio.<br />
É preciso dizer a verdade. O primeiro comerciante<br />
mentiu quando lhe perguntamos se o<br />
produto mais barato era melhor, disse que é tão<br />
bom quanto o produto mais caro, mas via-se<br />
claramente que é um produto bem pior. Por que<br />
mentir assim?<br />
– Ele quer garantir que, se não vender o<br />
melhor, vende ao menos o pior.<br />
– Que bobo. E quando perguntamos se tinha<br />
assistência técnica, falou que sim, mas via-se<br />
nos olhos que não.<br />
– É que a assistência é terceirizada, e ele não<br />
queria perder a venda por causa disso.<br />
Tenho de explicar o que é terceirizar, e ele:<br />
– Mas se o produto der problema e a<br />
assistência falhar, no fim das contas é ele quem<br />
perderá o cliente, não? Não era melhor ele<br />
batalhar, como dizem vocês, para ter uma boa<br />
assistência?<br />
Concordo com o ET que atendimento e<br />
garantia de assistência são as chaves do sucesso,<br />
até porque a garantia de assistência é também<br />
garantia de qualidade:<br />
– Quem vende o que não funciona, não pode<br />
dar garantia, ou quebra de tanto dar assistência.<br />
– Mas então – ele não se conforma – por que<br />
todos não vendem só produtos de qualidade e<br />
com assistência realmente garantida?<br />
Explico de novo que a natureza humana é<br />
enganadora, sempre há quem pense que pode<br />
enganar alguém de alguma forma durante algum<br />
tempo. Afinal, se quebrar, depois é só abrir<br />
outra loja, muitas vezes lidando com outro tipo<br />
de produtos ou serviços, mesmo que não goste.<br />
– Mas, se não gostar, como o sujeito vai<br />
sorrir e atender bem?<br />
Digo que é um impasse, ele pergunta o que<br />
é um impasse, ouve e conclui:<br />
– Pelo que estou entendendo, impasse é<br />
quando vocês têm de resolver entre fazer o certo<br />
ou o errado, sabendo o que é o certo mas<br />
achando melhor fazer o errado mesmo que no<br />
fim não vá dar certo, certo?<br />
Digo que sim, é mais ou menos isso, e ele<br />
insiste:<br />
– Como mais ou menos? Se é mais, é mais,<br />
e se é menos, é menos. Mais ou menos não é<br />
nem mais nem menos, não é?<br />
Digo que sim, mas que muita gente é assim,<br />
nem mais, nem menos.<br />
– E você às vezes, com tanta pergunta, vira<br />
um verdadeiro mala.<br />
Ele quer saber o que é ser mala, explico, ele<br />
estranha:<br />
– Mas você não disse que a mala é uma<br />
grande invenção? Como ser mala pode ser ruim?<br />
Não é fácil explicar as coisas para o ET.<br />
Domingos Pellegrini é escritor em Londrina.<br />
Quem sorri tem<br />
mais fregueses,<br />
mais vendas e<br />
até mais saúde