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O Rapaz de Sevilha<br />
O<br />
velho centro de Sevilha erguia-se orgulhoso naquela cálida manhã<br />
de Primavera. Pêro da Covilhã sentia a omnipresente azáfama da<br />
Andaluzia: em redor da monumental catedral, ainda inacabada,<br />
formigavam vendedores ciganos, contadores de histórias árabes e judeus barbudos<br />
da Judiaria, comerciando prata e ouro.<br />
Dirigiu-se para oeste, até ao rio Guadalquivir, que a brilhante luz do sol<br />
fazia cintilar. Dali partiam navios para Cádis, antiga praça-forte fenícia convertida<br />
na porta atlântica de Castela. Mas Pêro não tinha nada de espanhol. O<br />
seu amo, Don Juan Alfonso de Guzmán, 1.º duque de Medina Sidónia, trouxera-o<br />
seis anos antes da raia portuguesa, como lacaio, encantado com a esperteza<br />
do covilhanense de dezoito anos de idade. Pêro bebeu do cadinho étnico da<br />
Andaluzia e aprendeu a rápida algaraviada sevilhana, os dialectos árabes do<br />
Norte de África e da Península Ibérica e o hebraico dos cristãos-novos.<br />
A cidade foi a sua escola. Ali se fez homem, aprendendo a manusear o florete<br />
e a espada e a navegar nas complexidades da diplomacia espanhola.<br />
Medina Sidónia estava a braços com os apoiantes de Ponce de León e sempre<br />
que os grupos rivais se encontravam eclodiam rixas. A figura e o espírito de<br />
Pêro tinham-lhe valido os favores de algumas das jovens e quentes cortesãs do<br />
duque, que em troca das emoções que encontravam na sua cama lhe ministravam<br />
lições bem avançadas para os seus vinte e quatro anos.<br />
A energia que irradiava das cálidas noites de Sevilha e as beldades ciganas<br />
de negros cabelos que dançavam o flamenco ao som da guitarra, acompanhadas<br />
por dramáticas canções de amor, perda e traição, pareciam fazer eco da<br />
predisposição de Pêro para se rir das ironias da vida.<br />
Pêro chegou ao palácio de Medina-Sidónia, passou pela guarda, atravessou<br />
o sombroso pátio mourisco e aproximou-se do mezanino. Das janelas<br />
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