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Peter Wibaux<br />
Escobar permaneceu calado, absorto em recordações. Consultando o seu<br />
diário de bordo, escolheu cuidadosamente as palavras: «A partir da Mina de<br />
Ouro de São Jorge, a navegação torna-se cada vez mais difícil. Rumámos a<br />
su-sudeste, mantendo a costa à vista, e estivemos encalmados talvez durante<br />
cento e cinquenta léguas».<br />
Nesta zona do Golfo da Guiné imperam as calmarias equatoriais, que dificultam<br />
qualquer avanço. O vento não sopra ou é fraco e inconsistente, entre o<br />
terral e a viração.<br />
«As leituras com o astrolábio colocaram-nos na zona do Equador, às vezes<br />
alguns graus a norte, outras alguns graus a sul».<br />
Abraão olhou para as suas cartas. A sua colecção era vasta mas pouco precisa.<br />
Tinha como fontes alguns dos maiores cartógrafos judeus das Baleares e<br />
da Catalunha, homens como Jácome de Maiorca, Salomão ben Verga, Abraão<br />
Zacuto e, mais recentemente, o célebre cosmógrafo Martim da Boémia. À<br />
semelhança de Abraão, eram quase todos sefarditas.<br />
«Voltemos à tua viagem, piloto. Quando Diogo Cão rumou a oeste, depois<br />
de Santiago, quantas léguas fez?».<br />
«Depois de Cabo Verde? É difícil dizer com precisão, talvez cem, cento e<br />
vinte». O piloto olhou para Alenquer, embaraçado.<br />
O seu camarada deu a Abraão uma explicação prática. Alenquer explicou<br />
que sem terra à vista, os pilotos não tinham grandes possibilidades de medir<br />
com precisão o progresso ao longo do paralelo, dependendo de estimativas<br />
temporais rudimentares com o auxílio da ampulheta, da agulha genovesa e da<br />
navegação por estimativa. Abraão, com a sua formação de astrónomo, bem<br />
sabia que os marinheiros portugueses não conseguiam determinar a longitude<br />
no mar. Fez um cálculo mental. «Hmm, talvez tenham chegado ao vigésimo<br />
quinto meridiano. E o vento? E a corrente?».<br />
«Muito melhores do que no Golfo! Um bom vento de sudeste e uma deriva<br />
favorável, para oeste».<br />
«Pois, para o lado errado», disse desdenhosamente o capitão Dias.<br />
Abraão fitou-o com os seus olhos azuis. «Talvez, capitão, talvez».<br />
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