You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Peter Wibaux<br />
Álvaro agradeceu ao mestre, acabou a sua bebida e ficou mais algum tempo<br />
na taberna, planeando a sua jogada seguinte. Rebentou uma zaragata. Dois marinheiros<br />
começaram a discutir por causa de uma prostituta, o chulo meteu-se,<br />
começaram aos murros e viu-se cintilar uma faca. O soldado pegou num tijolo<br />
utilizado para aquecer o pão e, com o braço esticado num amplo movimento circular,<br />
atingiu o chulo na parte de trás da cabeça. O homem caiu redondo, e a faca<br />
tombou ruidosamente no chão.<br />
A prostituta pusera-se a andar há muito e os marinheiros reconciliaram-se.<br />
Fizeram questão de pagar um copo ao soldado, noutro lugar, talvez comer umas<br />
sardinhas no António, na Rua da Barroca. Percorreram duas ruas e sentaram-se<br />
na tasca. Felisberto, o marinheiro mais velho, tinha-se alistado na embarcação de<br />
Bartolomeu Dias. O mais novo era calafate e trabalhava na Ribeira das Naus.<br />
«Eu também estou a pensar embarcar, mais ano, menos ano». Tinha um rosto<br />
vermelhusco de borrachão, com as veias dos malares púrpuras de hemorragias».<br />
Tenho cinco filhos e não consigo sustentá-los».<br />
Álvaro sabia muito bem para onde ia o dinheiro do homem – goela abaixo.<br />
E era um idiota, sempre pronto para pagar uma bebida a alguém para emborcar<br />
mais uma. Depois de três ou quatro bagaços, o bêbedo começou de novo a<br />
lamentar-se. «A minha mulher trocou-me por outro. Só tenho um filho, que é<br />
tísico. As minhas filhas não valem nada – quem me dera ver-me livre delas!».<br />
«Se alguma for bonita, fico-te com ela», gracejou o soldado com um sorriso<br />
debochado.<br />
O miserável não tinha o mínimo amor-próprio. «Vendo-te de bom grado a<br />
mais velha – é jovem e fresca, só tem catorze anos».<br />
Álvaro trouxera algum ouro da sua última viagem com Diogo Cão, que contrabandeara<br />
de Elmina. A conversa tornou-se séria e foi combinado um preço,<br />
na condição de ver a rapariga primeiro.<br />
No dia seguinte, ao fim da manhã, Álvaro desceu até à Ribeira, onde os artífices<br />
se atarefavam no estaleiro. Quando os sinos bateram o meio-dia, apareceu<br />
uma rapariga que trazia o almoço ao pai. O calafate combinara encontrar-se com<br />
o soldado num canto das traseiras do estaleiro, longe de olhares curiosos. O<br />
soldado mirou a jovem com ar de aprovação. Era esguia e pálida, com seios<br />
pequenos e firmes e um rosto emoldurado por cabelos curtos. O pai recebeu um<br />
punhado de peças de ouro embrulhadas num pequeno pano e deu meia volta. A<br />
jovem, sem compreender o que se estava a passar, foi agarrada pelo braço num<br />
aperto de ferro. Tentou resistir mas o soldado deu-lhe duas bofetadas com as<br />
costas da mão e ela começou a chorar. Ora aqui está um grumete que terá bom<br />
uso, pensou Álvaro enquanto a levava à força do estaleiro, excitado pelo medo<br />
que lhe via nos olhos.<br />
42