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Peter Wibaux<br />
«Vinte anos? Isso é metade de uma vida. Deve ser obra». Florbela conhecia<br />
o rei suficientemente bem para conseguir imaginar uma boa parte do<br />
esquema. Percebeu que o destino de Pêro eram as Índias, pois era bem sabido<br />
que o Príncipe Perfeito tinha ambições colossais para <strong>Por</strong>tugal, que via como<br />
uma grande potência marítima, uma nação com projecção a nível global.<br />
«Perigos não irão faltar, nessa nova missão. Caso contrário, não serias tu o<br />
enviado d’el-rei », concluiu ela.<br />
«É uma missão de espionagem, de recolha de informações. Para muitos<br />
seria arriscada, mas eu vingarei. O Príncipe Perfeito escolheu-me por causa da<br />
minha experiência. E pelas línguas. Não te vês livre de mim de forma assim<br />
tão fácil ». O espião sorriu, desanuviando.<br />
Florbela viu confirmada a sua suposição. A viagem de Pêro ao Norte de<br />
África fora um simples preparativo, uma parte do plano. Além de inteligente e<br />
visionário, o rei era paciente e meticuloso. Uma combinação invulgar de atributos,<br />
reflectiu a condessa; por norma, os visionários não se preocupam com<br />
os pormenores, isso é tarefa de lacaios.<br />
Mas este monarca era como uma vaga oceânica, levando tudo à sua frente.<br />
Pêro tinha razão. Apesar de ser de estatura monumental quando comparado<br />
com homens menores, ao lado de el-rei D. João não passava de uma roda da<br />
engrenagem.<br />
«Não fiques em cuidado. E olha, o silêncio é de ouro. O maior perigo será<br />
uma revelação antecipada».<br />
«Nada direi, aconteça o que acontecer, prometo. Não quero ouvir mais<br />
nada, saber mais nada. Assim, mesmo que o desejasse, o que contaria?». Ela<br />
sorriu. «Afinal de contas, a informação de que alguém foi para oriente durante<br />
dois anos não faz notícia. É tão útil como um navio no deserto».<br />
«Ou como um capado na cama!».<br />
Ele fazia-a sempre rir. A maioria dos homens não percebia que o riso era<br />
um dos caminhos que conduzia directamente ao coração das mulheres.<br />
Ficaram sentados durante algum tempo no pátio empedrado da rústica<br />
casita, bebendo uma taça de vinho e olhando para as nuvens carregadas de<br />
chuva que se reagrupavam no horizonte.<br />
Florbela sorriu, com os olhos traindo-lhe a intenção, e acariciou-lhe a coxa<br />
com os dedos. Ela nunca deixara de pasmar com a facilidade com que o excitava,<br />
como se ele fosse um adolescente e não um homem de quarenta anos.<br />
Florbela adorava o seu espírito, o seu mistério, as suas proporções.<br />
O espião admirava-se amiúde por se ver assim enleado. Depois de tantos<br />
anos e experiências, tinha-se deixado apaixonar por aquela mulher, uma<br />
mulher que pertencia a outro homem.<br />
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