Revisitando o regime jurídico de Direito Público* - Prefeitura de Juiz ...
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Público*</strong><br />
Luciana Gaspar Melquía<strong>de</strong>s Duarte<br />
Mestre e Doutora em <strong>Direito</strong> Administrativo pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG).<br />
Professora Adjunta <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Administrativo e Constitucional da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong><br />
Fora (UFJF). Procuradora do Município <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> Fora.<br />
Resumo: Este artigo preten<strong>de</strong> analisar as normas que integram o <strong>regime</strong><br />
<strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público como imediatamente <strong>de</strong>rivadas das opções constitucionais<br />
por um Estado Democrático <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, Fe<strong>de</strong>ral e Pós-Social.<br />
Intenta, ainda, sob o paradigma pós-positivista, <strong>de</strong>scortinar a real natureza,<br />
principiológica ou <strong>de</strong> regra, <strong>de</strong> cada norma que integra este <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong>.<br />
Assim, propõe a manutenção <strong>de</strong> algumas na categoria normativa <strong>de</strong> princípio<br />
e a realocação <strong>de</strong> outras na espécie das regras, implicando uma melhor<br />
<strong>de</strong>limitação do arcabouço <strong>jurídico</strong> que condiciona o agir público.<br />
Palavras-chave: Regime <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público. Regras. Princípios.<br />
Sumário: 1 Introdução – 2 Finalida<strong>de</strong> estatal e opções constitucionais sobre o<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado brasileiro – 3 Regime <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público – 4 Conclusão<br />
– Referências<br />
1 Introdução<br />
O <strong>Direito</strong> Administrativo é um ramo do <strong>Direito</strong> que tem como objeto <strong>de</strong><br />
estudo o <strong>de</strong>sempenho da função administrativa do Estado. Ocupa-se, portanto,<br />
da regulação da ação estatal, e, <strong>de</strong>sta forma, <strong>de</strong>senvolve-se em conformida<strong>de</strong><br />
com o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado constituído. Nos dizeres <strong>de</strong> Schmidt-Assmann (2003,<br />
p. 51), “as <strong>de</strong>cisões constitucionais fundamentais são, a um só tempo, os valores<br />
básicos do <strong>Direito</strong> Administrativo.” 1<br />
Com efeito, o <strong>de</strong>sempenho da função administrativa, enquanto uma<br />
das funções estatais, não po<strong>de</strong> dar-se <strong>de</strong> outra forma senão em conformida<strong>de</strong><br />
com as opções constitucionais sobre o Estado. Por isso, po<strong>de</strong>-se asseverar<br />
que o <strong>Direito</strong> Administrativo constitui-se em um sub-ramo do <strong>Direito</strong><br />
Constitucional, uma vez que as diretrizes maiores do modo da atuação administrativa<br />
do Estado são <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> suas matrizes constitucionais.<br />
Este artigo tem por escopo <strong>de</strong>dicar-se à problemática da <strong>de</strong>finição<br />
do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> administrativo e <strong>de</strong> sua vinculativida<strong>de</strong> ao modo <strong>de</strong><br />
atuar da Administração Pública. Buscará <strong>de</strong>monstrar que as normas que<br />
* Categoria: Artigos científicos.<br />
1 SCHMIDT-ASSMANN. La teoría general <strong>de</strong>l Derecho Administrativo como sistema, p. 51.<br />
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regem a ativida<strong>de</strong> administrativa <strong>de</strong>correm das opções constitucionais<br />
que caracterizam o Estado brasileiro constituído em 1988 e, portanto,<br />
têm natureza vinculante e status constitucional.<br />
Sob o paradigma teórico pós-positivista e mediante emprego da<br />
metodologia <strong>de</strong>dutiva <strong>de</strong> pesquisa, será sustentada a hipótese <strong>de</strong> que muitas<br />
normas integrantes do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público comumente<br />
aludidas como “princípio” possuem, na verda<strong>de</strong>, natureza <strong>de</strong> regra, uma<br />
vez que são comandos <strong>de</strong>finitivos, que não comportam restrição.<br />
Para tanto, foi efetuada ampla revisão <strong>de</strong> literatura, com o estudo<br />
das principais opções constitucionais sobre o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado atual e<br />
a seleção dos princípios aludidos na literatura administrativista pátria<br />
como regedores da função administrativa do Estado. Após este processo,<br />
<strong>de</strong>monstrou-se como e por que eles <strong>de</strong>rivam diretamente da Constituição<br />
(BRASIL, 1988), qual seu correto conteúdo <strong>jurídico</strong>, sob o lume da hermenêutica<br />
constitucional, e sua caracterização normativa como regra ou princípio.<br />
Desta forma, alcançou-se o objetivo ao qual este trabalho se propôs,<br />
qual seja, a a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>limitação do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público e<br />
<strong>de</strong>monstração da coercibilida<strong>de</strong> plena <strong>de</strong> suas normas.<br />
2 Finalida<strong>de</strong> estatal e opções constitucionais sobre o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> Estado brasileiro<br />
Po<strong>de</strong>-se i<strong>de</strong>ntificar quatro importantes opções constitucionais <strong>de</strong>terminantes<br />
do perfil do Estado brasileiro: por um Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, por um<br />
Estado Democrático, por uma Fe<strong>de</strong>ração e pela pós-socialida<strong>de</strong>, opção esta<br />
que sofreu maiores alterações em sua estrutura originária na Constituição<br />
<strong>de</strong> 1988 em virtu<strong>de</strong> da chamada “reforma do Estado”.<br />
Certo é, portanto, que todas estas <strong>de</strong>cisões constitucionais, posto<br />
que relativas à formatação do Estado, condicionam o exercício <strong>de</strong> todas as<br />
suas atribuições, e, portanto, também da função administrativa.<br />
Não é <strong>de</strong>mais lembrar que a função administrativa é exercida por todos os<br />
po<strong>de</strong>res estatais, e não apenas pelo Executivo. Este a exerce em duas modalida<strong>de</strong>s:<br />
<strong>de</strong>senvolve função administrativa <strong>de</strong> fim, que se carac teriza por ser o escopo<br />
próprio da ação executiva estatal, qual seja, a prestação <strong>de</strong> serviços públicos, a<br />
regulação, a restrição <strong>de</strong> direitos, etc.; e <strong>de</strong>sempenha função administrativa <strong>de</strong><br />
meio, caracterizada por <strong>de</strong>stinar-se a dar suporte, a instrumentalizar as funções<br />
precípuas dos po<strong>de</strong>res constituídos. Assim, os Po<strong>de</strong>res Legislativo e Judiciário<br />
têm como função principal, respectivamente, a legislativa e a jurisdicional, mas<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
exercem função administrativa <strong>de</strong> meio como forma <strong>de</strong> viabilizar o <strong>de</strong>sempenho<br />
das primeiras. Exemplificam, portanto, a função administrativa <strong>de</strong> meio as ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> contratação e gestão <strong>de</strong> pessoal, <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> bens, <strong>de</strong> contratação<br />
<strong>de</strong> serviços, <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> obras públicas e <strong>de</strong> gestão do patrimônio estatal.<br />
Ao conjunto dos órgãos públicos que atuam <strong>de</strong>sempenhando função administrativa<br />
dá-se o nome <strong>de</strong> Administração Pública.<br />
Destaque-se, ainda, que o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> toda a ativida<strong>de</strong> estatal é<br />
voltado para a consecução dos direitos fundamentais, que ocupam a cúspi<strong>de</strong><br />
da normativida<strong>de</strong> constitucional. Desta forma, esta também é a <strong>de</strong>stinação<br />
da ativida<strong>de</strong> administrativa do Estado, ao mesmo passo em que os direitos<br />
fundamentais também representarão o liame da ação estatal. Por isso, com<br />
acerto, Justen Filho (2010, p. 65) <strong>de</strong>finiu o <strong>Direito</strong> Administrativo como o<br />
“conjunto <strong>de</strong> normas jurídicas <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público que disciplinam as ativida<strong>de</strong>s<br />
administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais<br />
e à organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais<br />
encarregadas <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sempenho.” 2<br />
Como se vê, o fim último da realização da ativida<strong>de</strong> administrativa<br />
do Estado não mais é <strong>de</strong>finido pela vaga fórmula do “interesse público”,<br />
que, em virtu<strong>de</strong> da sua elevada abstração, acabava por permitir um amplo<br />
espaço para manejos politiqueiros avessos aos reais interesses da coletivida<strong>de</strong>.<br />
O atrelamento da ativida<strong>de</strong> estatal aos direitos fundamentais permite<br />
seu maior controle em virtu<strong>de</strong> da sua positivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> todo o arsenal teórico<br />
que orienta a sua aplicação, redundando em maior segurança jurídica<br />
para os <strong>de</strong>stinatários do exercício do po<strong>de</strong>r estatal.<br />
De se ver que se faz imprescindível a compreensão das estruturas<br />
constitucionais do Estado para a apreensão do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> em que se<br />
<strong>de</strong>senvolve a sua função administrativa. A<strong>de</strong>ntra-se, portanto, o seu exame<br />
para que, após, suceda o estudo <strong>de</strong>ste <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> que ren<strong>de</strong> ensejo ao<br />
conjunto normativo <strong>de</strong>nominado <strong>Direito</strong> Administrativo.<br />
2.1 Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />
O Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> consiste em um modo <strong>de</strong> organização estatal<br />
instituído após as revoluções burguesas do séc. XVIII em reação ao<br />
<strong>regime</strong> absolutista. Este caracterizava-se pela ausência <strong>de</strong> submissão do<br />
Estado e <strong>de</strong> seus representantes ao <strong>Direito</strong>, que se limitava ao <strong>regime</strong>nto<br />
2 JUSTEN FILHO. Curso <strong>de</strong> direito administrativo, 6. ed., p. 65.<br />
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das relações privadas. O Monarca, <strong>de</strong>tentor do po<strong>de</strong>r estatal absolutista,<br />
era tido como um “enviado <strong>de</strong> Deus”, <strong>de</strong> maneira que a religião, associada<br />
ao Estado à época, cumpria o papel <strong>de</strong> legitimá-lo.<br />
Alheio a qualquer espécie <strong>de</strong> controle, o Monarca exercia seu po<strong>de</strong>r<br />
em conformida<strong>de</strong> com suas concepções, com sua subjetivida<strong>de</strong>. Perante<br />
a ausência <strong>de</strong> um parâmetro para a ação estatal, não se fazia possível<br />
afirmar a sua incorreção, <strong>de</strong> maneira que todas as condutas do Rei eram<br />
impe rativas e soberanas. Frases clássicas <strong>de</strong> Monarcas da época <strong>de</strong>monstram<br />
a realida<strong>de</strong> que se vivia: “Eu sou a lei”; “O Estado sou eu”; “O Rei<br />
nunca erra” (ARRUDA, 1984).<br />
Lembre-se, ainda, que a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> então era estratificada, composta<br />
por grupos <strong>de</strong> interesse bem <strong>de</strong>limitados: a nobreza, o clero e a<br />
plebe, integrada por camponeses, artesãos e pelos burgueses mercadores.<br />
Sem normas a seguir, o Monarca dispensava tratamento diferenciado a<br />
estas castas. A nobreza vivia sob o fino luxo dos palácios, divertindo-se em<br />
banquetes e bailes suntuosos, imune a impostos, assim como o clero. Já a<br />
plebe, além <strong>de</strong> excluída das festivida<strong>de</strong>s reais, trabalhava para custeá-las e<br />
ao restante da atuação estatal através da tributação. Esta variava <strong>de</strong> acordo<br />
com a ânsia e o humor do rei, o que <strong>de</strong>ixava a população sob constante<br />
sensação <strong>de</strong> ameaça e insegurança. O mesmo sentimento existia em relação<br />
à punição, que oscilava entre a cruelda<strong>de</strong> e a complacência, <strong>de</strong> acordo<br />
com o <strong>de</strong>stinatário da pena.<br />
Os excessos do Monarca, o tratamento <strong>de</strong>sigual dispensado às castas<br />
e a incerteza <strong>de</strong>corrente da ausência <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ações<br />
impingiam à socieda<strong>de</strong> uma insatisfação extrema, ambiente fértil para a<br />
proliferação do i<strong>de</strong>ário filosófico iluminista, que visava trazer lume para<br />
aquela realida<strong>de</strong> “<strong>de</strong> trevas”. Neste contexto, foram lançados os alicerces<br />
do Estado Democrático <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> por filósofos como Rousseau, Locke<br />
e Montesquieu, que ofereceram o alicerce doutrinário necessário para a<br />
inspiração das revoluções Francesa e Inglesa que culminaram com a <strong>de</strong>rrocada<br />
do mo<strong>de</strong>lo absolutista <strong>de</strong> Estado.<br />
Em substituição, foi edificada a proposta teórica do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>,<br />
que tinha por escopo submeter o Estado ao <strong>Direito</strong> para viabilizar seu controle.<br />
Isto apenas seria possível, nos dizeres <strong>de</strong> Montesquieu, segregando-se<br />
o po<strong>de</strong>r estatal, <strong>de</strong> forma que o “po<strong>de</strong>r” pu<strong>de</strong>sse controlar o “po<strong>de</strong>r”.<br />
A principal tarefa <strong>de</strong>sta segregação seria a criação <strong>de</strong> um órgão, titular<br />
do po<strong>de</strong>r estatal — Po<strong>de</strong>r Legislativo, com a competência única <strong>de</strong> elaborar<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
as leis que ditariam o modo <strong>de</strong> atuar do outro órgão, encarregado <strong>de</strong> executar<br />
as tarefas do Estado — Po<strong>de</strong>r Executivo, <strong>de</strong> maneira que esta execução se<br />
<strong>de</strong>sse <strong>de</strong> forma completamente controlada. De fato, como as leis seriam elaboradas<br />
por um órgão diferente do aplicador, este não po<strong>de</strong>ria alterá-las <strong>de</strong><br />
acordo com o <strong>de</strong>stinatário, para prejudicá-lo ou favorecê-lo. Esta antecedência<br />
da norma em relação aos fatos e <strong>de</strong>stinatários aos quais se aplicaria consiste<br />
na chave das duas garantias maiores buscadas pelo Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>: a<br />
igualda<strong>de</strong> no tratamento <strong>de</strong> todos e a previsibilida<strong>de</strong> da reação estatal, chamada<br />
segurança jurídica. Por isso, o Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> é conhecido como o<br />
que permite o “governo das leis, e não dos homens”: a legalida<strong>de</strong>, bem como<br />
sua propulsora separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, constituem pilares elementares <strong>de</strong>sta<br />
proposta <strong>de</strong> Estado. A legalida<strong>de</strong> manifesta-se em todas as searas da atuação<br />
estatal: administrativa, tributária e penal.<br />
Caso surgisse dúvida acerca da correta aplicação das leis pelo Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo, seria necessária a existência <strong>de</strong> um terceiro po<strong>de</strong>r, alheio aos<br />
dois primeiros, para julgar o conflito; daí a criação do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />
que completa a estrutura tripartite do po<strong>de</strong>r estatal uno, tal como vigente<br />
na maioria dos países oci<strong>de</strong>ntais.<br />
Seria imprescindível, ainda, a existência <strong>de</strong> um documento superior<br />
às leis elaboradas pelo órgão legiferante, que instituísse esta separação<br />
dos po<strong>de</strong>res estatais. Com efeito, caso esta segregação ficasse ao encargo<br />
mesmo do Po<strong>de</strong>r Legislativo, seria possível a elaboração <strong>de</strong> uma lei que a<br />
extinguisse e que voltasse a concentrar os po<strong>de</strong>res públicos, o que implicaria<br />
a autofagia do sistema. Esta, a razão <strong>de</strong> ser da Constituição, elemento<br />
constitutivo do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>. A<strong>de</strong>mais, tal documento teria a função<br />
<strong>de</strong> disciplinar e impor limites à atuação <strong>de</strong> todos os po<strong>de</strong>res estatais; por<br />
isso, a materialida<strong>de</strong> constitucional das normas organizadoras dos Po<strong>de</strong>res<br />
e dos direitos fundamentais, quarta “pedra <strong>de</strong> toque” <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado.<br />
Com efeito, os direitos fundamentais caracterizam-se por limitar e orientar<br />
a ação estatal: ao mesmo passo que impe<strong>de</strong>m a violação <strong>de</strong> seu núcleo, dizem<br />
quais valores <strong>de</strong>vem ser protegidos e realizados pelo Estado.<br />
Apresentam-se, portanto, como elementos essenciais para a caracterização<br />
<strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> a separação dos po<strong>de</strong>res públicos, a<br />
atuação conforme as leis, a existência <strong>de</strong> uma Constituição e <strong>de</strong> direitos<br />
fundamentais nela consagrados, elementos estes que, juntos, cumprem o<br />
papel <strong>de</strong> viabilizar os dois importantes misteres <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado:<br />
a igualda<strong>de</strong> e a segurança jurídica.<br />
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2.2 Estado Democrático<br />
Para legitimar este Estado, seria necessário que a Constituição —<br />
que <strong>de</strong>limita o modo <strong>de</strong> atuar dos seus Po<strong>de</strong>res e os valores fundamentais<br />
a serem perseguidos por eles, bem como as leis — que orientam a ação<br />
executiva estatal, veiculassem ditames consentâneos à vonta<strong>de</strong> do povo. O<br />
mecanismo <strong>de</strong> extração <strong>de</strong>sta vonta<strong>de</strong>, diante da inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação<br />
direta <strong>de</strong> todos, foi logrado com a representativida<strong>de</strong>, a eletivida<strong>de</strong>, a<br />
periodicida<strong>de</strong>, a responsabilida<strong>de</strong> e o princípio majoritário. A representativida<strong>de</strong><br />
implicava a escolha <strong>de</strong> representantes a serem eleitos pelo povo para expor<br />
sua vonta<strong>de</strong> em seu nome. Estes representantes recebem, portanto, um<br />
mandato para participar do processo <strong>de</strong> elaboração das leis por um <strong>de</strong>terminado<br />
período, após o qual haveria a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nova manifestação<br />
popular que avalizasse o trabalho feito até então e, assim, prorrogasse o<br />
mandato, ou <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> fazê-lo diante da insatisfação com a representativida<strong>de</strong><br />
exercida pelo seu titular no período dado. Caso os representantes<br />
pratiquem atos, no exercício <strong>de</strong> seu mandato, em proveito próprio e não<br />
do povo representado, será possível responsabilizá-los pelo <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> sua<br />
atuação. Entre os representantes do povo ocorre, <strong>de</strong>certo, divergência <strong>de</strong><br />
concepção acerca <strong>de</strong> qual é, <strong>de</strong> fato, sua vonta<strong>de</strong>. Portanto, ela é <strong>de</strong>finida<br />
como o resultado da vonta<strong>de</strong> da maioria dos representantes eleitos.<br />
Certo é, porém, que esta necessária <strong>de</strong>finição da vonta<strong>de</strong> do povo<br />
como a vonta<strong>de</strong> manifestada pela maioria <strong>de</strong> seus representantes implica<br />
em <strong>de</strong>svios nesta correspondência (<strong>de</strong>svios estes que, como se vê, são inerentes<br />
à <strong>de</strong>mocracia representativa, constituindo em um <strong>de</strong> seus paradoxos).<br />
Desta forma, surgiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprimorar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mocrático<br />
puramente representativo, o que vem sendo levado a cabo, recentemente,<br />
através dos mecanismos da <strong>de</strong>mocracia participativa, que preconiza a manifestação<br />
da vonta<strong>de</strong> popular diretamente no processo <strong>de</strong>cisório do Estado<br />
com o escopo <strong>de</strong> aproximar as <strong>de</strong>cisões do i<strong>de</strong>al da correspondência à vonta<strong>de</strong><br />
do povo. Diversos mecanismos vêm sendo instituídos com o propósito<br />
<strong>de</strong> viabilizar a manifestação direta dos cidadãos diante do Estado, como<br />
as audiências públicas, as consultas públicas, o orçamento participativo e<br />
a própria institucionalização do processo administrativo, canal constantemente<br />
aberto à recepção das petições populares. Portanto, a <strong>de</strong>mocracia<br />
participativa la<strong>de</strong>ia a proposta representativa no processo <strong>de</strong> legitimação<br />
da ação estatal.<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
2.3 Estado Fe<strong>de</strong>ral<br />
Outra importante opção constitucional que condiciona a estrutura e<br />
o modo <strong>de</strong> agir da Administração Pública consiste na Fe<strong>de</strong>ração. O fe<strong>de</strong>ralismo<br />
implica a repartição <strong>de</strong> competências próprias do Estado-Nação<br />
entre diversas entida<strong>de</strong>s criadas pela Constituição para <strong>de</strong>sempenhá-las<br />
com autonomia, porém, mediante um vínculo que se propõe indissolúvel.<br />
A autonomia para o exercício das competências recebidas coloca as entida<strong>de</strong>s<br />
fe<strong>de</strong>radas em condição <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> política, caracterizada pela<br />
ausência <strong>de</strong> hierarquia entre elas.<br />
A Constituição <strong>de</strong> 1988 inovou em relação ao mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>rativo clássico<br />
<strong>de</strong> dois níveis, que implica a existência <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa central,<br />
com competências <strong>de</strong> âmbito nacional, e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rativas com<br />
atribuições <strong>de</strong> repercussão regional, chamadas Estados-membros. A novida<strong>de</strong><br />
brasileira consiste na criação <strong>de</strong> um terceiro nível fe<strong>de</strong>rativo composto<br />
pelos municípios, que recebem tarefas <strong>de</strong> implicação local. Para um país <strong>de</strong><br />
amplas dimensões como o Brasil, a proposta é <strong>de</strong> extrema importância para<br />
a realização <strong>de</strong>mocrática, porque facilita o processo <strong>de</strong> acepção da vonta<strong>de</strong><br />
do povo, bem como o controle popular sobre as ações estatais.<br />
Para o real sucesso, porém, da proposta fe<strong>de</strong>rativa, imperativo se<br />
faz o bom funcionamento do mo<strong>de</strong>lo. Esta, a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> da realida<strong>de</strong><br />
brasileira. A origem endógena do fe<strong>de</strong>ralismo brasileiro (em contraposição<br />
à exogenia do fe<strong>de</strong>ralismo clássico norte-americano, em que<br />
as treze colônias <strong>de</strong>cidiram abrir mão <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua soberania para formar<br />
inicialmente, uma Confe<strong>de</strong>ração e, após, uma Fe<strong>de</strong>ração), em que<br />
o Governo central optou por fracionar suas responsabilida<strong>de</strong>s entre os<br />
Estados-membros que criou, caracteriza uma <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> competências<br />
ainda muito tímida e uma forte concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na União. Isso faz<br />
com que o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>mocrático a ser realizado pelo mecanismo fe<strong>de</strong>rativo<br />
remanesça <strong>de</strong>ficitário e ainda carente <strong>de</strong> concretização.<br />
2.4 Estado Pós-Social<br />
A outra opção constitucional que <strong>de</strong>termina o modo <strong>de</strong> atuação estatal,<br />
inclusive o exercício da sua função administrativa, é a opção pela socialida<strong>de</strong><br />
do Estado.<br />
O Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> nasceu em berços liberais, que se caracterizava<br />
pela outorga <strong>de</strong> poucas responsabilida<strong>de</strong>s ao Estado no campo social. Por<br />
muito tempo, <strong>de</strong>finiu-se o Estado Liberal como aquele que preconizava<br />
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sua pouca ingerência na vida da socieda<strong>de</strong>, que lhe impunha abstenções<br />
e não tarefas positivas. Esta concepção foi <strong>de</strong>scortinada como inverídica<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 1990, com os estudos <strong>de</strong> Holmes e Sustein,<br />
que <strong>de</strong>svendaram que os chamados “direitos negativos”, supostamente<br />
autorizadores ao indivíduo <strong>de</strong> exigir uma omissão do Estado, também<br />
lhe impõem <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> ação positiva. Analise-se, para tanto, os direitos à<br />
liberda<strong>de</strong> e à proprieda<strong>de</strong>, classicamente conhecidos como “negativos”.<br />
Dizia-se, até então, que sua caracterização como direitos liberais impedia<br />
uma agressão do Estado aos mesmos, mas não lhe impunha o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
promovê-los. Ocorre que, para tutelá-los, o Estado erige estruturas próprias,<br />
como a Magistratura e as Corporações <strong>de</strong> Polícia, e fica encarregado <strong>de</strong><br />
geri-las, prover seus quadros, repassar-lhes orçamento... Tudo isto caracteriza<br />
uma atuação estatal positiva que vem a servir, entre outros, também<br />
aos direitos à proprieda<strong>de</strong> e à liberda<strong>de</strong>. Portanto, é certo que o Estado<br />
Liberal sempre possuiu tarefas positivas; acredita-se que a divulgação da<br />
i<strong>de</strong>ia da abstenção encontra-se a serviço da dissimulação dos valores que<br />
o Estado, na verda<strong>de</strong>, tutelava.<br />
Certo é, porém, que a pouca atuação pública no campo social durante o<br />
período liberal conduziu a socieda<strong>de</strong> a uma situação <strong>de</strong> insustentável miserabilida<strong>de</strong><br />
das massas. A burguesia emergente, que acabara <strong>de</strong> assumir o po<strong>de</strong>r<br />
em substituição à Monarquia absolutista, preparou o Estado para servir a seus<br />
interesses, preconizando, como acima <strong>de</strong>monstrado, a <strong>de</strong>fesa da proprieda<strong>de</strong><br />
e a ausência <strong>de</strong> ingerência pública nas relações <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> comércio.<br />
Assim, foi-lhe possível, com facilida<strong>de</strong>, a promoção da revolução industrial; a<br />
produção foi alavancada pela gran<strong>de</strong> exploração do proletariado: as jornadas<br />
<strong>de</strong> trabalho assumiam <strong>de</strong> 16 a 20 horas, o alimento dos trabalhadores era<br />
escasso e <strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong> nutricional, os parcos salários não eram capazes<br />
<strong>de</strong> custear educação, residências dignas, tampouco quaisquer tratamentos <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> que, com frequência, faziam-se necessários <strong>de</strong>vido às péssimas condições<br />
<strong>de</strong> vida experimentadas pelos trabalhadores.<br />
Esta situação <strong>de</strong> penúria do proletariado propiciou um campo fértil<br />
para a divulgação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias revolucionárias como as marxistas, que<br />
<strong>de</strong>mons traram ser a proprieda<strong>de</strong> privada dos meios <strong>de</strong> produção e a<br />
mais-valia (diferença entre a riqueza que o trabalho do operário produz e<br />
a que ele recebe sob a forma <strong>de</strong> salário) a origem <strong>de</strong> toda a injustiça social.<br />
Assim, as i<strong>de</strong>ias marxistas inspiraram movimentos revolucionários como<br />
o bolchevique, que culminou com a implantação do socialismo na então<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
União Soviética, representado pela estatização dos meios <strong>de</strong> produção, a<br />
remuneração igualitária do trabalho <strong>de</strong> todos pelo Estado e a prestação,<br />
por ele, <strong>de</strong> serviços públicos essenciais, como saú<strong>de</strong> e educação, a toda a<br />
população.<br />
Temendo o avanço <strong>de</strong> tais i<strong>de</strong>ias pelo Oci<strong>de</strong>nte, os capitalistas da época<br />
reformularam o modo <strong>de</strong> atuação estatal na vida da socieda<strong>de</strong>. Colhendo o<br />
ensejo das crises econômicas da década <strong>de</strong> 1920, os burgueses preferiram<br />
fazer concessões ao proletariado que acalmassem seus ânimos revolucionários<br />
a manter o <strong>regime</strong> <strong>de</strong> exploração extrema que ensejaria, certamente, a<br />
perda integral <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong> privada, tal como ocorrera no Oriente.<br />
Assim, surgiu o Estado Capitalista Social, que prestava serviços essenciais<br />
ao proletariado, protegia direitos mínimos nas relações trabalhistas, mas<br />
mantinha “a galinha dos ovos <strong>de</strong> ouro” em mãos burguesas.<br />
As aludidas “concessões” consistiam na assunção da responsabilida<strong>de</strong>,<br />
pelo Estado, <strong>de</strong> prestar serviços consi<strong>de</strong>rados essenciais para a<br />
dignida<strong>de</strong> humana, como a saú<strong>de</strong> e a educação. Sua prestação pública, ao<br />
mesmo tempo, garantiria maior presença do ente público na economia, o<br />
que contribuiria para a geração <strong>de</strong> emprego e a superação da crise econômica.<br />
Institucionalizaram-se, assim, os direitos sociais, que impunham ao<br />
Estado intervenção em setores da vida social (trabalho, educação, saú<strong>de</strong>,<br />
moradia, previdência, etc.) em relação aos quais ele, antes, se mantinha<br />
afastado.<br />
Para tanto, porém, foi necessário o aumento da arrecadação tributária,<br />
que custearia a prestação dos serviços outros ora <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
do ente público, bem como a expansão da máquina pública. Este processo<br />
<strong>de</strong> crescimento do Estado, porém, <strong>de</strong>senvolveu-se até o ponto em que a<br />
gestão pública tornou-se extremamente dificultosa. A qualida<strong>de</strong> dos serviços<br />
público caiu, ao mesmo tempo que a carga tributária que os sustentava<br />
aumentou.<br />
No final da década <strong>de</strong> 1980, assistiu-se, ainda, à queda do Muro <strong>de</strong><br />
Berlim, simbolizando para todo o mundo a <strong>de</strong>rrocada do <strong>regime</strong> soviético<br />
e fim da ameaça socialista. Os capitalistas oci<strong>de</strong>ntais rapidamente enten<strong>de</strong>ram<br />
pela <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecerem continuida<strong>de</strong> a um <strong>regime</strong><br />
intenso <strong>de</strong> proteção ao proletariado, e, então, ganhou força a proposta<br />
neoliberal, que preconiza a retirada do Estado da prestação direta <strong>de</strong> serviços<br />
públicos para que a iniciativa privada pu<strong>de</strong>sse fazê-lo. O ente público<br />
reservar-se-ia, <strong>de</strong>sta forma, às tarefas <strong>de</strong> regulamentação e fiscalização<br />
da prestação <strong>de</strong> tais serviços.<br />
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240 Luciana Gaspar Melquía<strong>de</strong>s Duarte<br />
Nas mãos <strong>de</strong> empresas privadas que atuam no mercado com o legítimo<br />
interesse <strong>de</strong> lucro, os serviços públicos acabam ficando mais onerosos para os<br />
usuários, o que dificulta o acesso a eles por parte da população mais carente,<br />
que acaba ficando, então, mais marginalizada, posto que <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> serviços<br />
essenciais para a dignida<strong>de</strong> humana.<br />
3 Regime <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
3.1 A normativida<strong>de</strong> dos princípios e a <strong>de</strong>finição do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
Um <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> consiste no conjunto <strong>de</strong> normas que condicionam<br />
a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s. No paradigma pós-positivista<br />
da teoria do <strong>Direito</strong>, consi<strong>de</strong>ram-se normas as regras e os princípios. Estes<br />
são caracterizados como mandados <strong>de</strong> otimização a serem implementados<br />
em conformida<strong>de</strong> com as possibilida<strong>de</strong>s fáticas e jurídicas <strong>de</strong> cada<br />
oportunida<strong>de</strong>. São, portanto, comandos normativos que po<strong>de</strong>m ser aplicados<br />
gradualmente e são dotados, normalmente, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> generalida<strong>de</strong><br />
e abstração, possuindo elevado conteúdo axiológico. Já as regras contêm<br />
prescrições <strong>de</strong>finitivas e apenas po<strong>de</strong>m ser, caso válidas, implementadas<br />
integralmente, salvo se forem dotadas <strong>de</strong> alguma cláusula <strong>de</strong> exceção. Ao<br />
oposto dos princípios, as regras <strong>de</strong>stinam-se à regência <strong>de</strong> situa ções mais<br />
concretas e consistem, não raro, em <strong>de</strong>nsificação do conteúdo normativo <strong>de</strong><br />
princípios, dos quais extraem sua racionalida<strong>de</strong>.<br />
O conhecimento, portanto, <strong>de</strong> um <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do acesso<br />
aos princípios que o embasam, dos quais <strong>de</strong>rivam regras outras. Desta forma,<br />
o estudo do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público, especificamente no que tange<br />
ao <strong>de</strong>sempenho da função administrativa do Estado, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da compreensão<br />
dos princípios que o orientam.<br />
Porém, como será <strong>de</strong>monstrado, muitas normas veiculadas corriqueiramente<br />
como princípios vetores do or<strong>de</strong>namento <strong>jurídico</strong>-público consistem,<br />
na verda<strong>de</strong>, em normas-regra, uma vez que não admitem implementação<br />
gradual, mas apenas na sua integralida<strong>de</strong>. A <strong>de</strong>rivação, contudo, das opções<br />
constitucionais acima aludidas coloca-as, porém, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> plenamente<br />
vinculantes, como é próprio do novo constitucionalismo.<br />
3.2 Princípios <strong>de</strong>correntes da cláusula do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />
3.2.1 Princípio da legalida<strong>de</strong>/juridicida<strong>de</strong><br />
O conteúdo <strong>jurídico</strong> do princípio da legalida<strong>de</strong> chega a confundir-se<br />
com o próprio teor <strong>de</strong>ôntico do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, uma vez que propõe a<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
atuação estatal não mais arbitrária e subjetiva, como sucedia no Estado<br />
absolutista, mas integralmente vinculada às prescrições jurídicas. Na primeira<br />
versão do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, a liberal, elas se resumiam às versadas<br />
nas leis, já que a Constituição, <strong>de</strong>stinada a instituir um Estado “pequeno”,<br />
não possuía normas <strong>de</strong> atuação estatal, mas apenas normas organizacionais.<br />
Assim, a tarefa <strong>de</strong> reger a ativida<strong>de</strong> pública era reservada às leis, que<br />
o faziam sob o paradigma positivista. Desta forma, no Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />
Liberal, concebia-se que ele apenas po<strong>de</strong>ria atuar quando houvesse previsão<br />
legal <strong>de</strong> sua conduta, e <strong>de</strong>veria agir sempre em homenagem à literalida<strong>de</strong><br />
da lei. Vigorou, neste período, noção <strong>de</strong> “legalida<strong>de</strong> estrita” ou <strong>de</strong><br />
“legalida<strong>de</strong> positiva”. Esta concepção sobre a legalida<strong>de</strong> era viável já que a<br />
liberalida<strong>de</strong> exigia pouca atuação estatal, <strong>de</strong> feita que se fazia viável a previsão<br />
legal <strong>de</strong> todas as ações administrativas.<br />
Isto, porém, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ocorrer quando emergiu o Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />
Social. Preconizando a intervenção estatal em diversas searas, a socialida<strong>de</strong><br />
multiplicou as formas <strong>de</strong> atuação da entida<strong>de</strong> pública, o que implicou a<br />
incapacida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Legislativo <strong>de</strong> produzir normas suficientes para<br />
sua regência. Diante da ausência <strong>de</strong> leis que <strong>de</strong>terminassem o agir estatal<br />
e mediante a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação do ente público para aten<strong>de</strong>r aos<br />
comandos constitucionais sociais, a Administração Pública passou a agir<br />
com embasamento imediato na Constituição ou passou a produzir, ela<br />
mesma, normas que orientassem sua conduta. Estes dois fenômenos, respectivamente,<br />
da normativida<strong>de</strong> constitucional e da edição <strong>de</strong> atos normativos<br />
pela Administração Pública, implicaram um terceiro <strong>de</strong>nominado<br />
<strong>de</strong>slegalização, caracterizado pela atuação administrativa calcada não mais<br />
unicamente nas leis, mas no or<strong>de</strong>namento <strong>jurídico</strong> como um todo, consi<strong>de</strong>rando<br />
sua organização escalonada. Assim, o conteúdo <strong>jurídico</strong> do princípio<br />
da legalida<strong>de</strong> transmutou-se da vinculativida<strong>de</strong> da entida<strong>de</strong> pública<br />
à lei para a sua vinculação ao <strong>Direito</strong>, ou seja, às normas constitucionais,<br />
às leis e aos atos administrativos normativos, a serem, todos, aplicados<br />
após um juízo hermenêutico que permita a aferição do comando <strong>de</strong>ôntico<br />
inci<strong>de</strong>nte no caso concreto. Para indicar esta mudança no conteúdo <strong>jurídico</strong><br />
do princípio da legalida<strong>de</strong>, passou-se a utilizar nova nomenclatura<br />
para a ele aludir, qual seja, princípio da juridicida<strong>de</strong>.<br />
Dentro <strong>de</strong>sta concepção, entretanto, não é permitido à Administração<br />
Pública agir restritivamente à revelia da previsão legal <strong>de</strong> sua conduta. A<br />
atuação positiva do Estado po<strong>de</strong> se dar com fulcro direto na Constituição<br />
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e mediante observância dos atos administrativos normativos emanados da<br />
própria Administração Pública; a atuação negativa, porém, apenas po<strong>de</strong><br />
ter lugar quando a lei autorizar, nos termos do inciso II do art. 5º da<br />
Constituição (BRASIL, 1988), que reza que “ninguém será obrigado a fazer<br />
ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer algo senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei”. Sob a égi<strong>de</strong> do novo<br />
constitucionalismo, todavia, a lei não mais será, como já se disse, a letra<br />
última do comando normativo; antes, ela <strong>de</strong>verá ser interpretada sob o lume<br />
constitucional e, se consi<strong>de</strong>rada válida, estará apta a vincular o agir público.<br />
Ressalte-se, a<strong>de</strong>mais, que não é reservado ao Estado o arbítrio entre<br />
vincular-se a este <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> observância do <strong>Direito</strong> ou agir subjetivamente;<br />
a atuação gizada pelas normas é <strong>de</strong>terminante e inafastável. Desta forma,<br />
este parâmetro <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver-ser enquadra-se propriamente na categoria normativa<br />
das regras, e não dos princípios, que admitiria sua concreção gradual.<br />
Não se admite, num Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, qualquer atuação estatal<br />
à margem das prescrições jurídicas, assim concebidas como o resultado<br />
da interpretação do or<strong>de</strong>namento <strong>jurídico</strong> como um todo harmônico e<br />
hierarquizado. De toda sorte, a norma em questão está umbilicalmente<br />
ligada ao Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, <strong>de</strong> maneira que toda Constituição que o acolhe<br />
como pilar da estrutura pública pressupõe a atuação estatal mediante<br />
a obediência ao <strong>Direito</strong>.<br />
3.2.2 Princípio da proporcionalida<strong>de</strong><br />
Destinada à solução do conflito entre princípios, a técnica da proporcionalida<strong>de</strong><br />
implica a adoção <strong>de</strong> procedimentos aptos a verificar qual<br />
<strong>de</strong>ve prevalecer no caso concreto e, portanto, a concluir qual a prescrição<br />
jurídica que o norteia. Caracteriza-se por possuir três momentos <strong>de</strong><br />
aplicação, a saber, a a<strong>de</strong>quação, a necessida<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong> em<br />
sentido estrito. Incidirá sempre para orientar uma atuação restritivista <strong>de</strong><br />
direitos da Administração Pública, que, como é sabido, apenas po<strong>de</strong> atuar<br />
negativamente na esfera individual para a promoção <strong>de</strong> algum outro valor<br />
ou princípio. Assim, a técnica da proporcionalida<strong>de</strong> exigirá o exame da<br />
a<strong>de</strong>quação da restrição para a promoção dos fins indicados; a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> seu emprego para o alcance <strong>de</strong>ste escopo, ou seja, a inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
seu alcance por vias menos gravosas, e por fim, a vantajosida<strong>de</strong> da medida<br />
diante do valor a sofrer restrição.<br />
A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> ser aludida na obra <strong>de</strong> Alexy (2002, p. 111) como<br />
princípio, a proporcionalida<strong>de</strong> enquadra-se na categoria normativa <strong>de</strong><br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
postulado (ÁVILA, 2004, p. 88), consistente em uma norma que orienta a<br />
aplicação <strong>de</strong> outras. Portanto, implicando a a<strong>de</strong>quada aferição do <strong>de</strong>ver-ser,<br />
a proporcionalida<strong>de</strong> consiste em um instrumento <strong>de</strong> aplicação do <strong>Direito</strong>, e,<br />
por isso, em um elemento importante do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> pós-positivista.<br />
3.2.3 Princípio da presunção da legitimida<strong>de</strong> dos atos administrativos e<br />
princípio da autoexecutorieda<strong>de</strong><br />
O princípio em questão veicula a presunção <strong>de</strong> que os atos administrativos<br />
foram produzidos em conformida<strong>de</strong> com o or<strong>de</strong>namento <strong>jurídico</strong><br />
e que, por isso, são presumidamente válidos e legítimos. Deriva, pois, da<br />
regra da juridicida<strong>de</strong>, e, <strong>de</strong>sta forma, da cláusula constitucional do Estado<br />
<strong>de</strong> <strong>Direito</strong>.<br />
Anote-se que seu conteúdo não implica a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />
atos administrativos suspeitos <strong>de</strong> violação ao <strong>Direito</strong> sejam questionados;<br />
ao contrário, a presunção por ele veiculada é relativa e possibilita a concreção<br />
<strong>de</strong> outro aspecto do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>: a aferição, em juízo, dos<br />
atos estatais, corolário da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que milita como pedra<br />
angular <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado. Portanto, resulta clara a <strong>de</strong>rivação da<br />
norma em questão do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>. Registre-se, por fim, que a relativida<strong>de</strong><br />
da presunção nela veiculada vem ao encontro da sua natureza<br />
principiológica, já que pressupõe sua concreção gradual, como é próprio<br />
da norma-princípio.<br />
O princípio da autoexecutorieda<strong>de</strong>, por sua vez, <strong>de</strong>corre imediatamente<br />
do princípio da presunção <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> dos atos administrativos,<br />
uma vez que sua pressuposta correção autoriza sua pronta execução.<br />
Assim, <strong>de</strong> maneira mediata, o princípio da autoexecutorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>riva<br />
também da opção constitucional por um Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>.<br />
Comprova o alegado o aludido princípio da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res,<br />
que pressupõe que o Po<strong>de</strong>r Legislativo edite as leis que serão aplicadas<br />
pelo Po<strong>de</strong>r Executivo em seus atos, a serem controlados pelo Po<strong>de</strong>r<br />
Judiciário. Cumpre, portanto, à Administração Pública, num sistema <strong>de</strong><br />
Governo em que os Po<strong>de</strong>res são tripartidos, apenas a concreção, ou seja, a<br />
execução dos preceitos legais.<br />
Em algumas hipóteses, porém, a Administração Pública possui limites<br />
à autoexecução <strong>de</strong> seus atos; para ultimá-los, é preciso, quando a lei<br />
assim exige, o recurso ao Judiciário, como ocorre na ativida<strong>de</strong> tributária,<br />
em que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> possuir a legitimida<strong>de</strong> para efetuar o lançamento e a<br />
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244 Luciana Gaspar Melquía<strong>de</strong>s Duarte<br />
cobrança administrativa do tributo, não po<strong>de</strong> ela proce<strong>de</strong>r a sua execução<br />
forçada. Infere-se, pois, que a norma em cotejo também contempla concreção<br />
gradual, harmonizando-se, assim, com a natureza principiológica que<br />
lhe é comumente atribuída.<br />
3.2.4 Princípio da segurança jurídica e princípio da proteção à confiança<br />
A segurança jurídica figura como um preceito que visa resguardar a<br />
previsibilida<strong>de</strong> das ações estatais, escopo este alcançado pela vinculação<br />
do Po<strong>de</strong>r Público ao <strong>Direito</strong>. De fato, ao conhecer a consequência jurídica<br />
para <strong>de</strong>terminada conduta, o indivíduo escolhe livremente entre praticar<br />
um ato e sujeitar-se à reação estatal prescrita pelo <strong>Direito</strong> ou não praticá-lo e<br />
não se subordinar a tal consequência. É, portanto, a vinculação do Estado<br />
ao <strong>Direito</strong> o fator garantidor da segurança jurídica, que, como já foi dito,<br />
é uma das principais metas <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado.<br />
Ao Po<strong>de</strong>r Público cumpre, outrossim, neste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado constituído,<br />
a preservação <strong>de</strong>sta segurança que nasce para os indivíduos. Se eles,<br />
consi<strong>de</strong>rando o <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> agir em conformida<strong>de</strong> com o <strong>Direito</strong>, confiam<br />
que esta prescrição é cumprida e adotam comportamentos consi<strong>de</strong>rando<br />
isto, <strong>de</strong>ve o Estado proteger sua situação jurídica, preservando-lhes a<br />
valida<strong>de</strong>. Este, o teor <strong>de</strong>ôntico do princípio da proteção à confiança, que,<br />
sendo uma <strong>de</strong>rivação do princípio da segurança jurídica, também resulta<br />
mediatamente da cláusula do Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>. Ambos enquadram-se,<br />
<strong>de</strong> fato, na categoria normativa <strong>de</strong> princípio, uma vez que admitem concreção<br />
gradual, posto que po<strong>de</strong>m ser pon<strong>de</strong>rados com outros princípios<br />
e superados por eles num caso concreto sem, com isso, per<strong>de</strong>r a valida<strong>de</strong>.<br />
É o que ocorre, verbi gratia, quando da sua colisão com os princípios da<br />
presunção da legalida<strong>de</strong> nos casos <strong>de</strong> conduta do administrado avessa aos<br />
preceitos legais porém atestada como válida pela Administração Pública.<br />
Caso a inobservância da disposição legal implique em sacrifício <strong>de</strong> bem<br />
<strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> maior peso que a segurança jurídica e a proteção à confiança,<br />
po<strong>de</strong>rão estes últimos ser mitigados mediante a retificação do ato pela<br />
Administração Pública (<strong>de</strong>sempenho da competência <strong>de</strong> autotutela discorrida<br />
no item subsequente), no caso concreto, para que outros prevaleçam.<br />
Isto não implicará, contudo, a ausência <strong>de</strong> normativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos,<br />
que po<strong>de</strong>rão prevalecer em outra hipótese concreta, como é próprio das<br />
normas-princípio.<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
3.2.5 Princípio da autotutela<br />
O princípio em questão <strong>de</strong>termina a constante revisão dos atos administrativos<br />
e sua correção, caso os mesmos <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> se apresentar conformes<br />
ao <strong>Direito</strong> ou ao interesse público. Sua a<strong>de</strong>quação po<strong>de</strong> ser levada a efeito<br />
pela própria Administração Pública ou, no caso da conformação ao <strong>Direito</strong>,<br />
também pelo Judiciário. Resulta do próprio <strong>de</strong>ver público <strong>de</strong> atuação em conformida<strong>de</strong><br />
com o or<strong>de</strong>namento <strong>jurídico</strong>, cumprindo ao Estado prontamente<br />
corrigir seus atos caso <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> observar esta <strong>de</strong>terminação. De ver-se, pois,<br />
que também o princípio em cotejo <strong>de</strong>riva da opção constitucional por um<br />
Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>.<br />
No que tange à conformação dos atos estatais ao <strong>Direito</strong>, esta tarefa<br />
po<strong>de</strong>rá admitir efeitos retroativos, salvo se eles afrontarem o princípio da<br />
segurança jurídica ou outros como o da proteção à confiança, o da boa-fé<br />
e o da presunção <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> dos atos administrativos <strong>de</strong>sproporcionalmente,<br />
conforme discutido no item anterior. Nestas oportunida<strong>de</strong>s, a<br />
correção po<strong>de</strong>rá ter efeitos meramente ex nunc ou até mesmo <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
ser efetuada. Daí se extrai, outrossim, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concreção gradual<br />
da norma em questão e sua consequente afinida<strong>de</strong> com a categoria<br />
<strong>de</strong> princípio.<br />
A a<strong>de</strong>quação do ato ao interesse público <strong>de</strong>ve ser compreendida<br />
como uma das facetas da conformida<strong>de</strong> com o <strong>Direito</strong>, já que, como será<br />
dito adiante, a atuação <strong>de</strong> um Estado Democrático também se encontra<br />
vinculada a ele.<br />
3.3 Princípios <strong>de</strong>correntes da cláusula do Estado Democrático<br />
3.3.1 Princípio da persecução do interesse público<br />
Hodiernamente, a doutrina administrativista superou a vagueza do<br />
conceito <strong>de</strong> interesse público e <strong>de</strong>nsificou-o no <strong>de</strong> direitos fundamentais,<br />
afirmando serem eles a razão última <strong>de</strong> toda ação estatal. Assim, o suposto<br />
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado teve suas<br />
bases teórico-metodológicas fatalmente abaladas.<br />
Com efeito, os direitos fundamentais são inerentes à pessoa do homem,<br />
o que fez ruir o equivocado entendimento <strong>de</strong> que o interesse público<br />
seria antagônico ao interesse individual e com ele conflitaria sempre. No<br />
que diz respeito àqueles direitos fundamentais difusos, que não possibilitam<br />
a <strong>de</strong>limitação da esfera individual dos atingidos ou imediatamente<br />
beneficiados, po<strong>de</strong>ria perseverar alguma conflituosida<strong>de</strong> com o interesse<br />
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individual, mas, ainda assim, não persiste a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> absoluta<br />
do primeiro, como fazia crer o superado princípio da supremacia do interesse<br />
público sobre o privado. A noção <strong>de</strong> que o interesse público confun<strong>de</strong>-se<br />
com os direitos fundamentais trouxe para o <strong>Direito</strong> Administrativo<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se proce<strong>de</strong>r à pon<strong>de</strong>ração entre os interesses coli<strong>de</strong>ntes<br />
antes da conclusão sobre qual seria a conduta administrativa que o tutelaria.<br />
Isto <strong>de</strong>sconstruiu a suposta valida<strong>de</strong> da noção <strong>de</strong> supremacia apriorística do<br />
interesse público sobre o privado, uma vez que exigiu o emprego da técnica<br />
da proporcionalida<strong>de</strong> a todo momento em que o conflito tornasse inviável<br />
a concreção <strong>de</strong> todos os interesses ou direitos coli<strong>de</strong>ntes.<br />
Certo é, porém, que ao Estado apenas é legítimo agir em <strong>de</strong>fesa do<br />
interesse público, <strong>de</strong> forma que, se não se po<strong>de</strong> mais falar em princípio da<br />
supremacia do interesse público sobre o privado, cumpre ao Estado, sempre,<br />
a tutela do interesse público. Afirma-se, então, que o Estado <strong>de</strong>ve agir<br />
perseguindo o interesse público, que não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>le dispor. Esta, a proposta<br />
<strong>de</strong> atuação estatal válida num Estado Democrático. Com efeito, apenas<br />
po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada legítima a ação estatal que se coloque a serviço do<br />
povo, como se espera numa <strong>de</strong>mocracia. Neste aspecto, po<strong>de</strong>-se falar que a<br />
persecução do interesse público jamais po<strong>de</strong> ser olvidada, o que transforma<br />
a norma que a <strong>de</strong>termina numa regra.<br />
3.3.2 Princípio da impessoalida<strong>de</strong><br />
De igual forma, a proposta estatal <strong>de</strong>mocrática embarga quaisquer<br />
ações voltadas para o alcance ou o embaraço <strong>de</strong> interesses individuais<br />
<strong>de</strong>scoinci<strong>de</strong>ntes com os direitos fundamentais; antes, todos <strong>de</strong>vem ser tratados<br />
da mesma maneira, sendo este, inclusive, o propósito da atuação<br />
estatal em conformida<strong>de</strong> com a lei. Esta, ao ser dotada <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong><br />
e abstração, e sendo elaborada anteriormente à sua incidência para um<br />
<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>stinatário, garante que, quem quer que seja ele, a reação<br />
estatal a sua conduta será a mesma, qual seja, a prescrita na lei. Assim, ela<br />
não permitirá tratamentos diferenciados daqueles que se encontrarem em<br />
idêntica situação jurídica. Percebe-se, pois, que o princípio da impessoalida<strong>de</strong><br />
confun<strong>de</strong>-se com a própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, um dos alicerces da<br />
<strong>de</strong>mocracia.<br />
Ressalte-se, porém, que o princípio da igualda<strong>de</strong>, e, assim, também<br />
o da impessoalida<strong>de</strong>, não impe<strong>de</strong> todos os tratamentos diferenciados por<br />
parte do Estado. Antes, consi<strong>de</strong>ra que a distinção é possível, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
tenha por escopo a promoção da igualda<strong>de</strong> material. Para tanto, exige a<br />
análise da pertinência do critério <strong>de</strong> discrímen eleito ao fim que se <strong>de</strong>seja<br />
alcançar com o tratamento diferenciado <strong>de</strong> indivíduos e a constitucionalida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ste fim. O que resta embargado pela norma em questão é, tão<br />
somente, a distinção fulcrada em aspectos subjetivos do <strong>de</strong>stinatário quando<br />
do tratamento específico por parte da entida<strong>de</strong> pública.<br />
Lado outro, o princípio da impessoalida<strong>de</strong> exige que os agentes<br />
públicos atuem, no exercício <strong>de</strong> suas funções, <strong>de</strong>spidos <strong>de</strong> seus interesses<br />
pessoais, mas movidos unicamente pelo interesse público que <strong>de</strong>vem<br />
perseguir. Assim, a impessoalida<strong>de</strong> impõe a <strong>de</strong>spersonificação do Estado,<br />
i<strong>de</strong>ntificando-o como o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mocrático.<br />
Tais mandamentos extraídos da norma em questão revelam-se absolutamente<br />
vinculantes num Estado Democrático, que não admite quaisquer<br />
ações para beneficiar ou prejudicar membros específicos da comunida<strong>de</strong><br />
política, nem admite o exercício da função pública com propósitos pessoais.<br />
Caracteriza-se, portanto, como uma regra jurídica, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> sua corriqueira<br />
alusão como “princípio da impessoalida<strong>de</strong>”.<br />
3.3.3 Princípio da moralida<strong>de</strong><br />
Fruto da superação do divórcio entre o <strong>Direito</strong> e a Moral, o princípio<br />
da moralida<strong>de</strong> incorpora a ética social no agir administrativo, exigindo<br />
a sua observância pelo Estado no exercício da função administrativa. É<br />
princípio caro à Constituição (BRASIL, 1988), que prescreveu, a <strong>de</strong>speito<br />
da ausência da materialida<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong>ste preceito, sanções severas<br />
para o seu <strong>de</strong>scumprimento (perda do cargo ou função pública, suspensão<br />
dos direitos políticos, ressarcimento ao erário, indisponibilida<strong>de</strong> dos bens).<br />
Tratou, ainda, a Constituição em questão, <strong>de</strong> disponibilizar diversos instrumentos<br />
<strong>de</strong> coerção à sua obediência, como a ação popular, a improbida<strong>de</strong><br />
administrativa e a ação civil pública.<br />
Ao impor o agir administrativo do Estado <strong>de</strong> maneira afim à moral<br />
da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatária das ações públicas, a norma em questão <strong>de</strong>monstra<br />
sua natureza <strong>de</strong>mocrática, bem como, ao não admitir sopesamento,<br />
<strong>de</strong>nota sua qualificação como regra.<br />
3.3.4 Princípio da motivação<br />
O princípio da motivação vem exigir que todos os atos administrativos<br />
sejam acompanhados das razões <strong>de</strong> fato que conduziram à sua prática,<br />
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bem como da fundamentação jurídica que lhe confere juridicida<strong>de</strong>. Desta<br />
maneira, faz-se viável o controle popular sobre aludidos atos, ou seja,<br />
po<strong>de</strong> o povo verificar se as ações praticadas em seu nome estão em conformida<strong>de</strong><br />
com a sua vonta<strong>de</strong>, como se propõe num Estado Democrático.<br />
Portanto, o princípio em questão encontra-se umbilicalmente ligado a<br />
este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado.<br />
Já se cogitou se os atos administrativos discricionários estariam dispensados<br />
da motivação, uma vez que haveria suposta liberda<strong>de</strong> do agente<br />
público para tomar suas <strong>de</strong>cisões; lado outro, já se discutiu o oposto: se<br />
os atos administrativos vinculados po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser motivados, já<br />
que a vinculação à lei seria imediata. Em ambas as oportunida<strong>de</strong>s, restou<br />
superada a discussão no sentido <strong>de</strong> que todas as espécies <strong>de</strong> atos administrativos<br />
careceriam <strong>de</strong> motivação, uma vez que apenas a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
todos os pressupostos <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> que implicaram a sua prática<br />
permitiriam a sua plena sindicabilida<strong>de</strong>. Resultou, <strong>de</strong>sta forma, caracterizada<br />
a norma em cotejo como regra, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> sua comum alusão<br />
como princípio, assim como ocorre com outras já aludidas neste artigo.<br />
A motivação <strong>de</strong>ve ser explicitada com fulcro na teoria da argumentação<br />
jurídica, que propõe a racionalida<strong>de</strong> do discurso, exigindo argumentos<br />
que permitam a aferição da correção dos fundamentos apresentados. Desta<br />
feita, faz-se possível o controle objetivo dos atos administrativos, como reza<br />
a proposta <strong>de</strong>mocrática.<br />
3.3.5 Princípio da publicida<strong>de</strong><br />
O conteúdo <strong>jurídico</strong> do princípio da publicida<strong>de</strong> admite três espectros<br />
diferentes e complementares: a exigência da disponibilização <strong>de</strong> todos<br />
os atos, processos e documentos públicos para o acesso ao público; a orientação<br />
para que a Administração Pública divulgue, publique os seus atos e<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que ela, sempre que for solicitado, reduza a termo <strong>de</strong>terminada<br />
informação que lhe é disponível, tornando-a <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> também<br />
do particular, através <strong>de</strong> uma certidão.<br />
Desta forma, o Estado alcança o propósito da transparência, também<br />
imediatamente <strong>de</strong>corrente da proposta <strong>de</strong>mocrática, uma vez que se<br />
faz instrumento inafastável para viabilizar o já aludido controle, ou seja, a<br />
aferição por parte do povo, verda<strong>de</strong>iro titular do Po<strong>de</strong>r, daquilo que está<br />
sendo feito em sua representação.<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
Esta norma que <strong>de</strong>termina a publicida<strong>de</strong> dos atos administrativos,<br />
porém, po<strong>de</strong> vir a colidir com outras, como as que albergam a privacida<strong>de</strong><br />
ou a segurança pública, e, assim, sofrer parcial restrição em <strong>de</strong>terminadas<br />
oportunida<strong>de</strong>s, o que revela sua plena a<strong>de</strong>quação ao conceito <strong>de</strong> princípio.<br />
No or<strong>de</strong>namento constitucional vigente, que fez clara opção por uma<br />
república <strong>de</strong>mocrática, o princípio em apreço materializa-se em diversas garantias<br />
constitucionais, como o habeas data, a ser impetrado diante da negativa<br />
pela Administração Pública a proce<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>terminada certificação solicitada<br />
legitimamente pelo indivíduo, e o direito à certidão, que lhe antece<strong>de</strong>.<br />
3.4 Princípios <strong>de</strong>correntes da cláusula do Estado Pós-Social<br />
3.4.1 Princípio da eficiência<br />
Conhecido anteriormente na doutrina como o princípio da “boa administração”,<br />
o princípio da eficiência foi inserido no caput do art. 37 da<br />
Constituição (BRASIL, 1988) com o propósito <strong>de</strong> militar como fundamento<br />
i<strong>de</strong>ológico para o Estado Neoliberal que se implantou pelas diver sas<br />
emendas constitucionais que alteraram a faceta social do Estado brasileiro<br />
constituído em 1988.<br />
O Governo Fe<strong>de</strong>ral do período <strong>de</strong> 1995 a 2002, gizado pela tendência<br />
i<strong>de</strong>ológica neoliberal, procurou <strong>de</strong>senvolver transformações no aparato<br />
estatal que reduzissem o seu tamanho e que permitissem maior espaço para<br />
a atuação privada. Para tanto, proce<strong>de</strong>u à privatização <strong>de</strong> várias empresas<br />
estatais e <strong>de</strong>senvolveu diversos mecanismos (muitos mediante aprovação<br />
<strong>de</strong> diplomas legais que os contemplassem) <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> tarefas<br />
públicas pelo setor privado, como a terceirização, a concessão e permissão<br />
<strong>de</strong> serviços públicos, o fomento à atuação do terceiro setor, etc. Justificava<br />
suas medidas com as afirmações da pesada carga tributária que incidia<br />
sobre a população brasileira com o escopo <strong>de</strong> financiar a prestação direta<br />
<strong>de</strong> serviços públicos pelo Estado e com a ineficiência que matizava tais serviços.<br />
Neste contexto, a positivação do princípio da eficiência viria sustentar<br />
os argumentos trazidos a lume pela gestão pública da época: seria preciso<br />
diminuir a intervenção do Estado na socieda<strong>de</strong> para que, quando ele o<br />
fizesse, que fosse com maior eficiência.<br />
Com as medidas levadas a cabo, porém, com o propósito <strong>de</strong> implantação<br />
do neoliberalismo, assistiu-se ao surgimento <strong>de</strong> dois paradoxos. Os agentes<br />
privados, quando prestam serviços públicos remunerados, fazem-no com o<br />
propósito <strong>de</strong> auferir lucro, e não eivados dos motes que fundamentam o agir<br />
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público. Já aquelas pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado que <strong>de</strong>sempenham<br />
tarefas públicas com o escopo altruístico recebem fomento público e terminam<br />
por gerir recursos públicos no <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> privatístico. Desta forma,<br />
percebe-se que as incursões neoliberais terminam por suplantar a eficiência<br />
do agir público, ao revés do que se divulga no discurso oficial. Na doutrina,<br />
aponta-se a eficiência como um princípio próprio da socialida<strong>de</strong> do Estado<br />
(GABARDO, 2003), já que pressupõe a prestação ótima dos serviços públicos,<br />
e não do neoliberalismo.<br />
Portanto, a norma em questão, uma vez positivada, há que sofrer<br />
interpretação conforme a Constituição; resulta, assim, como seu conteúdo<br />
<strong>jurídico</strong>, o preceito <strong>de</strong> que o Estado <strong>de</strong>ve ser eficiente na consecução <strong>de</strong><br />
seus fins, quais sejam, a promoção e a <strong>de</strong>fesa dos direitos fundamentais.<br />
Deste conteúdo <strong>de</strong>ôntico extraem-se outros, mais específicos, como será<br />
visto adiante. Registra-se, por fim, que a norma em questão guarda, <strong>de</strong><br />
fato, a natureza jurídica <strong>de</strong> princípio que lhe é rotineiramente atribuída,<br />
uma vez que admite pon<strong>de</strong>ração com outras normas, po<strong>de</strong>ndo vir a ce<strong>de</strong>r<br />
para elas em <strong>de</strong>terminado caso concreto.<br />
3.4.2 Princípio da especialida<strong>de</strong> e princípio da hierarquia<br />
O princípio da especialida<strong>de</strong> orienta pela criação <strong>de</strong> órgãos e entida<strong>de</strong>s<br />
com atribuições especializadas entre as competências administrativas<br />
da entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa a que pertencerem, com o propósito <strong>de</strong> que, agindo<br />
especializadamente, possam <strong>de</strong>sempenhar melhor suas tarefas. Por isso,<br />
o princípio em questão reputa-se em <strong>de</strong>rivação imediata do princípio da<br />
eficiência. Ao fenômeno da criação <strong>de</strong> órgãos com tarefas especializadas<br />
dá-se o nome <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconcentração, ao passo que a criação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s com<br />
finalida<strong>de</strong>s especiais nomina-se <strong>de</strong>scentralização.<br />
Já o princípio da hierarquia <strong>de</strong>termina a organização piramidal da<br />
Administração Pública, <strong>de</strong> modo que os órgãos com competências mais<br />
espe cíficas situem-se nos escalões inferiores e sejam controlados pelos superiores<br />
com atribuições cada vez mais gerais e <strong>de</strong> comando. Esta proposta,<br />
assim como a da especialização das funções, tem por escopo o alcance <strong>de</strong><br />
maior eficiência na condução das ativida<strong>de</strong>s administrativas e consi<strong>de</strong>ra-se,<br />
outrossim, <strong>de</strong>sdobramento da norma que a prescreve. Por consequência,<br />
da mesma maneira como ocorre com o princípio da especialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>riva<br />
mediatamente do princípio constitucional da pós-socialida<strong>de</strong> do Estado.<br />
Ambas admitem a natureza <strong>de</strong> norma-princípio, posto que são passíveis<br />
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<strong>Revisitando</strong> o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público<br />
<strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração e mitigação em <strong>de</strong>terminadas oportunida<strong>de</strong>s sem que isto<br />
implique a perda da sua valida<strong>de</strong> jurídica.<br />
3.4.3 Princípio da continuida<strong>de</strong> do serviço público<br />
O princípio em questão <strong>de</strong>termina a prestação contínua dos serviços<br />
públicos, que, por sua vez, são instrumentos da promoção e da <strong>de</strong>fesa<br />
dos direitos fundamentais. A permanência e impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão<br />
<strong>de</strong>stes últimos fundamenta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua prestação ininterrupta,<br />
conforme se extrai da norma em apreço.<br />
É certo que os direitos fundamentais não são absolutos; antes, eles<br />
admitem restrição, uma vez que possuem uma conflituosida<strong>de</strong> imanente.<br />
Desta forma, também este preceito normativo que contempla a <strong>de</strong>terminação<br />
<strong>de</strong> sua implementação não opera um comando <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver-ser,<br />
admitindo, pois, concreção gradual, o confirma sua natureza jurídica <strong>de</strong><br />
norma-princípio. É o que se verifica, por exemplo, nas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
greve no serviço público, em que a <strong>de</strong>fesa dos direitos fundamentais sociais<br />
inerentes ao trabalho dos agentes públicos autoriza a restrição parcial dos<br />
direitos fundamentais satisfeitos pela prestação do serviço público.<br />
4 Conclusão<br />
A <strong>de</strong>rivação constitucional das normas que integram o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público impinge-lhes a inafastável natureza coercitiva, como é<br />
próprio dos preceitos constitucionais no novo constitucionalismo.<br />
Diante das opções constitucionais por um Estado <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, não há<br />
que se questionar a vinculação da Administração Pública brasileira a uma<br />
atuação conforme ao <strong>Direito</strong>, proporcional, cujos atos gozem <strong>de</strong> uma presunção<br />
relativa <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e sejam autoexecutórios. Não há que se<br />
negar, outrossim, o seu po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> autotutelar a juridicida<strong>de</strong> e a a<strong>de</strong>quação<br />
ao interesse público <strong>de</strong> seus atos, bem como <strong>de</strong> zelar pela segurança<br />
jurídica e pela proteção à confiança que os cidadãos nela <strong>de</strong>po sitam. De<br />
igual feita, figuram como <strong>de</strong>sdobramentos da cláusula constitucional <strong>de</strong>mocrática<br />
a vinculação estatal à persecução do interesse público, à moralida<strong>de</strong>,<br />
à impessoalida<strong>de</strong>, à publicida<strong>de</strong> e motivação <strong>de</strong> seus atos, ao passo que se<br />
extraem do princípio da pós-socialida<strong>de</strong> do Estado o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> atuação estatal<br />
em prol da eficiente concreção dos direitos fundamentais, o que exige<br />
a organização especializada e hierarquizada da Administração Pública, bem<br />
como a prestação contínua dos serviços públicos.<br />
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252 Luciana Gaspar Melquía<strong>de</strong>s Duarte<br />
Estas prescrições condicionam o <strong>de</strong>sempenho da função administrativa<br />
pelo Estado e integram o <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público. Algumas<br />
<strong>de</strong>las, porém, apesar <strong>de</strong> serem comumente veiculadas com a apresentação <strong>de</strong><br />
norma-princípio, possuem a natureza <strong>de</strong> regra, uma vez que são comandos<br />
<strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver-ser, não admitem concreção gradual.<br />
A correta <strong>de</strong>limitação do <strong>regime</strong> <strong>jurídico</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Administrativo,<br />
pois, permite, o melhor controle do <strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s da<br />
Administração Pública, sendo este o maior objetivo <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
Abstract: This article analyzes the rules comprising the legal <strong>regime</strong> of public<br />
law as immediately <strong>de</strong>rived from the constitutional options for a <strong>de</strong>mocratic<br />
state, and Fe<strong>de</strong>ral Post-Social. Tries, even un<strong>de</strong>r the post-positivist paradigm,<br />
uncover the real nature, principled or rule, each rule that incorporates this<br />
legal <strong>regime</strong>. Thus, proposes retaining some rules in the category of principle<br />
and relocation of other species in the rules, implying a better <strong>de</strong>finition of<br />
the legal framework that affects the public act.<br />
Key words: The legal <strong>regime</strong> of Public Law. Rules. Principles.<br />
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