Paulo Rebêlo - Backstage
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INTERNET<br />
Merlin,<br />
o mago das gravadoras independentes<br />
Quem define as<br />
características de uma<br />
gravadora ou estúdio<br />
independente?<br />
O que faz uma<br />
gravadora ser<br />
chamada de<br />
independente pela<br />
mídia e pelos<br />
consumidores?<br />
<strong>Paulo</strong> <strong>Rebêlo</strong> é jornalista e cronista, acompanhando<br />
os desmandos da música na Internet<br />
desde 1997.<br />
34 www.backstage.com.br<br />
Há quase um ano, teci algumas con-<br />
siderações aqui na <strong>Backstage</strong> sobre<br />
a hipocrisia deste termo em<br />
várias situações, a começar pelos lançamentos<br />
de CDs de artistas famosos e que<br />
nem precisam de campanha para vender.<br />
Em junho de 2006, o gancho foi o novo<br />
álbum de Chico Buarque, o qual, na minha<br />
opinião, dividiu a história das gravadoras<br />
independentes em “antes” e “depois”<br />
do fator Chico.<br />
Chico Buarque não foi o primeiro<br />
músico tarimbado a integrar o leque da<br />
Biscoito Fino, uma das chamadas gravadoras<br />
independentes. A Biscoito<br />
Fino tem um leque de peculiar qualidade,<br />
além de artistas exclusivos da<br />
gravadora: Mônica Salmaso, Francis<br />
Hime, Maria Bethânia, Simone Guimarães,<br />
Olivia Hime, Quarteto Maogani,<br />
Tira Poeira, Zé Renato e Sérgio<br />
Santos. Fora outros do catálogo, como<br />
Paulinho da Viola, Luciana Souza,<br />
Billy Blanco, Dominguinhos, Chico<br />
César, Toquinho, Bibi Ferreira, Yamandu<br />
Costa, Dori Caymmi e até o<br />
cantor-ministro Gilberto Gil.<br />
O lançamento do álbum Carioca,<br />
de Chico, há praticamente um ano,<br />
mudou parte dos conceitos ideológicos<br />
do consumidor mais atento. Não<br />
se trata daquele velho maniqueísmo<br />
de que as grandes gravadoras são do<br />
mal e as independentes são do bem.<br />
Pelo contrário, trata-se do modo como<br />
foi conduzido o lançamento em si: a<br />
propaganda, o marketing e o bombardeio<br />
de entrevistas ‘exclusivas’ para os<br />
maiores jornais do país, além de críticas<br />
sempre positivas para um álbum<br />
que passa longe dos melhores trabalhos<br />
de Chico. Qual é a diferença entre<br />
esse método e o adotado pelas<br />
grandes gravadoras?<br />
Deixemos ideologias e opiniões de<br />
lado, por um instante. Vamos ao que interessa,<br />
o preço, o prego no bolso. Na<br />
época do lançamento, Carioca custava<br />
R$ 36,00 tabelados. Mais caro do que<br />
vários CDs tão bons quanto, ou até melhores,<br />
das grandes gravadoras. Até<br />
onde sabemos, Chico Buarque é brasileiro;<br />
músicas nacionais, produção nacional<br />
também. Mas com preço de importado.<br />
Tudo bem, era lançamento. Sabe<br />
quanto custa o mesmo CD hoje, um ano<br />
depois? Nas Americanas sai por R$<br />
34,50 em “oferta”. No Submarino, sai<br />
por R$ 39,90 e a loja ainda diz que reduziu<br />
o preço e você vai economizar R$<br />
3,00 comprando com eles.<br />
O Projeto Merlin<br />
As independentes sempre recla-<br />
mam, com razão, sobre a injustiça na<br />
hora de barganhar por contratos e negociações<br />
frente ao poder de fogo e regalias<br />
oferecidas pelas grandes gravadoras.<br />
A razão começa a se perder quando,<br />
dotadas de um certo poder de fogo também,<br />
as independentes procuram repetir<br />
as mesmas práticas que tanto condenaram<br />
no passado.<br />
Recentemente, várias gravadoras<br />
chamadas de independentes resolveram<br />
se juntar e criar o Projeto Merlin.
Em tese, é uma tentativa de criar uma<br />
nova e única gravadora “virtual” para<br />
agregar todos os selos independentes.<br />
Seria a quinta grande gravadora no<br />
mundo para fazer frente às atuais quatro<br />
gigantes. O novo selo, batizado de<br />
Merlin, teria um modelo de licenciamento<br />
diferente, mas ainda não há detalhes<br />
sobre quais seriam as medidas para<br />
flexibilizar o atual modelo de direitos<br />
autorais e distribuição.<br />
E ao que tudo indica, pragmatismo não<br />
deverá ser o forte da Merlin. Gravadoras<br />
de várias partes do mundo, inclusive do<br />
Brasil, já confirmaram a vontade de fazer<br />
parte. Logo, o que veremos será uma salada<br />
incrível de independentes com práticas<br />
diferentes e modelos distintos tentando<br />
criar um selo único para concorrer com<br />
as gigantes. A questão é: a Merlin fará o<br />
mesmo? É difícil de apostar.<br />
Há, porém, boas expectativas. Os<br />
idealizadores do projeto Merlin já conversam<br />
com a Snocap, aquela empresa<br />
criada por Shawn Fanning. Quem é<br />
esse arataca? Ninguém menos que o<br />
criador original do Napster. A Snocap<br />
foi a empresa desenvolvida por ele<br />
após várias tentativas de recuperar o<br />
Napster, na mão de grandes gravadoras.<br />
A priori, a Snocap deve gerenciar<br />
a parte “digital” da iniciativa, digamos<br />
assim.<br />
É uma aposta promissora. De acordo<br />
com dados da Impala, um consórcio europeu<br />
de selos independentes, 80% dos novos<br />
lançamentos atuais estão saindo pelas<br />
independentes e estas já tomam conta de<br />
quase 30% do repertório mundial. Como<br />
existem quatro gigantes gravadoras para o<br />
resto, significa que o Projeto Merlin pode<br />
chegar a ter mais poder de fogo – na fusão<br />
de todas as independentes interessadas –<br />
do que as quatro outras.<br />
Os ideais do Projeto Merlin, ao menos<br />
aqueles liberados ao público até agora,<br />
não são para transformar o selo em uma<br />
INTERNET<br />
gravadora tradicional, mas sim em um<br />
agregador de independentes e formador<br />
de novas licenças para negociar direitos<br />
autorais dos artistas.<br />
Barato Demais<br />
Enquanto isso, a RIAA (associação<br />
de gravadoras norte-americanas) confirma<br />
a tese de que não faz a menor<br />
idéia do que fala e do que faz no mercado.<br />
Em um relatório divulgado recentemente,<br />
os executivos da associação foram<br />
à imprensa alegar que o preço pago<br />
pelos consumidores nos CDs está, na<br />
verdade, muito baixo. Segundo os figurões,<br />
a pirataria musical na internet aumenta<br />
os custos das gravadoras e, com<br />
isso, elas deveriam – com o respaldo da<br />
RIAA – aumentar o preço dos álbuns.<br />
Quanto mais? De acordo com o relatório,<br />
o preço deveria ser três vezes mais<br />
alto do que é hoje.<br />
O relatório não é secreto. Inclusive,<br />
chegou a ser divulgado no site oficial da<br />
RIAA, para “explicar e ensinar” aos consumidores<br />
que o preço do CD de hoje é<br />
uma pechincha. De acordo com dados<br />
da associação, entre 1983 e 1996 os valores<br />
pagos por um CD pelo consumidor<br />
caíram em até 60%. Ninguém sabe onde,<br />
mas tudo bem. De qualquer modo, a redução<br />
de preços não contém explicação,<br />
por parte da indústria, sobre a também<br />
drástica redução de preços nos meios de<br />
produção, gravação e distribuição – a<br />
começar, que ironia, pelo próprio processo<br />
de digitalização das músicas.<br />
Com tudo isso, fica provado o que<br />
todo mundo já sabe. A indústria fonográfica<br />
vive em uma Matrix, em uma realidade<br />
completamente virtual, que não é<br />
a nossa, do consumidor médio que tenta<br />
juntar uma graninha para comprar um<br />
ou dois CDs no final do mês.<br />
e-mail para esta coluna:<br />
imprensa@rebelo.org