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— E você, por que ainda está aqui?<br />
— Fui escolhido para ser morto num sacrifício <strong>de</strong>stinado a aplacar a ira <strong>de</strong> Minerva. Mas durante a<br />
noite consegui escapar, internando-me num bosque. Quando retornei os navios já haviam partido.<br />
Minerva or<strong>de</strong>nara que os gregos partissem imediatamente, sob pena <strong>de</strong> um tremendo castigo. Antes<br />
que partissem, entretanto, or<strong>de</strong>nou a <strong>de</strong>usa que lhe construíssem um imenso cavalo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, a fim<br />
<strong>de</strong> que o Paládio seqüestrado fosse substituído por esse novo monumento sagrado.<br />
— <strong>Cavalo</strong>? — perguntou Príamo.<br />
— Sim, um magnífico monumento construído para aplacar a ira <strong>de</strong> Minerva. Neste momento um<br />
soldado troiano chegou correndo, justamente para avisar o rei da <strong>de</strong>scoberta do monumento.<br />
— Príamo, pai dos troianos, os gregos <strong>de</strong>ixaram algo espantoso para nós! -disse o homem, esbaforido<br />
e com os olhos radiantes <strong>de</strong> quem viu algo inusitado.<br />
Todos acorreram num tropel para o local on<strong>de</strong> o soldado apontara.<br />
Ao chegarem numa parte mais afastada do antigo acampamento dos gregos, <strong>de</strong>pararam-se com o<br />
majestoso cavalo erguido sobre as areias da praia -imenso e assustador, com o focinho proeminente<br />
apontado para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Tróia</strong>. Seus dois olhos ardiam com as lanternas acesas, e na parte frontal<br />
<strong>de</strong>le havia apenas esta inscrição:<br />
"Oferta feita a minerva para que proteja os gregos em seu regresso".<br />
— O que faremos <strong>de</strong>sta maravilha? — disse um dos soldados.<br />
— Príamo, rei <strong>de</strong> <strong>Tróia</strong>, é quem <strong>de</strong>cidirá — disse Timoetes, um dos comandantes. — Vamos,<br />
soldados, postem-se atrás da estátua e levem-na até as portas da cida<strong>de</strong>.<br />
Aos poucos o imenso cavalo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, escuro e com os olhos flamejantes, avançou em direção às<br />
portas Céias. O povo, ajuntado em frente e ao alto das muralhas, <strong>de</strong>spediu um gran<strong>de</strong> grito <strong>de</strong> espanto<br />
e admiração tão logo o avistou.<br />
— É um presente! — gritavam todos.<br />
As crianças, escapando das mãos <strong>de</strong> suas mães, acorreram para ver aquele magnífico prodígio. Seus<br />
olhos arregalados — on<strong>de</strong> errava aquele misto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lícia e medo, que faz o fascínio da infância —<br />
brilhavam infinitamente mais do que os imensos e dar<strong>de</strong>jantes olhos do cavalo.<br />
Dentro do cavalo gigantesco o calor era infernal. Constatava-se, assim, já nos primeiros instantes, a<br />
primeira falha daquela idéia aparentemente genial: mais <strong>de</strong> quinhentos soldados apinhados <strong>de</strong>ntro dos<br />
<strong>de</strong>svãos apertados <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> engenho <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira não era coisa, afinal, muito praticável. Nem<br />
confortável. Ulisses e os <strong>de</strong>mais homens — entre os quais, Acamas, filho <strong>de</strong> Teseu, Neoptolemo, filho<br />
<strong>de</strong> Aquiles, Macaonte, médico e filho <strong>de</strong> Esculápio, Menelau, esposo <strong>de</strong> Helena, além do próprio<br />
construtor Epeus — estavam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras horas da manhã encerrados no ventre bojudo do<br />
animal.<br />
Epeus havia acoplado <strong>de</strong>ntro algumas tiras <strong>de</strong> couro <strong>de</strong> boi em forma <strong>de</strong> agarra<strong>de</strong>iras para que os<br />
homens pu<strong>de</strong>ssem manter-se firmes e suportar os solavancos que inevitavelmente sobreviriam ao<br />
primeiro movimento do gigantesco móvel. Agarrados a elas, eles escutavam as conversas nervosas dos<br />
soldados que os empurravam.<br />
— Ulisses, isto é uma loucura! — disse um dos homens, francamente apavorado.<br />
— Silêncio, idiota! — disse o filho <strong>de</strong> Laertes. — Quer que nos ouçam do lado <strong>de</strong> fora e nos matem<br />
antes mesmo <strong>de</strong> chegarmos às portas <strong>de</strong> <strong>Tróia</strong>?<br />
Ulisses sabia que aquele era um caminho sem volta, uma <strong>de</strong>sesperada tentativa <strong>de</strong> vencer a guerra, e<br />
que, uma vez fracassada, iria custar, <strong>de</strong> qualquer jeito, a sua própria cabeça. Por isto, em momento<br />
algum <strong>de</strong>sgrudou a mão do punho <strong>de</strong> sua afiada espada, mantendo a orelha imprensada com toda a<br />
força contra a ma<strong>de</strong>ira para escutar melhor o que se passava lá fora, entre os soldados.<br />
O gigantesco engenho avançava, aos trancos e barrancos. Os corpos suados dos gregos cheiravam mal,<br />
e aos poucos Epeus se dava conta <strong>de</strong> outra pequena falha: como fariam para liberar seus excrementos,<br />
uma vez encerrados ali <strong>de</strong>ntro?<br />
Graças ao ruído intenso das rodas e do vozerio dos soldados troianos, ninguém lá fora escutou o ruído<br />
das risadas esparsas. Mas na verda<strong>de</strong> a situação estava cada vez mais tensa e aflitiva no interior do