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dos invasores com longas lanças e chuço afiados, enquanto os outros, empunhando também armas <strong>de</strong><br />
igual tamanho, arremessavam-se em direção a porta. Dezenas <strong>de</strong> homens, já mortos, permaneciam<br />
espetados nos longos chuços, com as cabeças pendidas, enquanto os combatentes tentavam adiantar-se<br />
ou impedir o avanço uns dos outros.<br />
Escadas são encostadas aos muros do castelo e gregos audazes as escalam sob uma chuva <strong>de</strong> dardos<br />
dos troianos. Vendo estes, no entanto, que são insuficientes as suas armas para <strong>de</strong>ter os invasores,<br />
arrancam pedaços das vigas que dão sustentação ao teto e arremessam calhaus inteiros sobre os<br />
gregos.<br />
O valoroso Enéias, vendo o insucesso da <strong>de</strong>fesa, resolve subir por uma passagem secreta, junto com<br />
seus homens, até o topo da mais alta torre do castelo, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se avista toda a cida<strong>de</strong> e o mar adiante.<br />
Depois <strong>de</strong> escalar as centenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus, chegam exaustos ao topo.<br />
— Vamos, arranquemos todos os alicerces! — diz ele, agarrando uma alavanca e tirando pela base a<br />
sustentação do ma<strong>de</strong>iramento.<br />
Lá embaixo, os invasores chegam em grupos cada vez maiores, pois sabem que no palácio real estão<br />
guardadas as maiores riquezas, além <strong>de</strong> ser o local <strong>de</strong> refúgio do rei <strong>de</strong> <strong>Tróia</strong> — e não há um só que<br />
não <strong>de</strong>seje ser o primeiro a trazer espetada em sua lança a cabeça do inimigo há tanto tempo odiado.<br />
O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>smonte, no entanto, prossegue ao alto, comandado por Enéias. De repente, um<br />
fragoroso estrondo anuncia aos <strong>de</strong>fensores que a torre vai <strong>de</strong>sabar. Pulando para outros aposentos, os<br />
troianos escapam no último instante ao <strong>de</strong>sabamento; a torre, <strong>de</strong>smanchando-se em uma miría<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pedaços, vem abaixo, agora cimentada pelo vento, que se imiscui por entre as tremendas pedras que<br />
<strong>de</strong>scem assobiando. Enéias ainda tem tempo <strong>de</strong> assistir aos blocos esmagarem centenas <strong>de</strong> invasores,<br />
espirrando o sangue dos mortos para o alto e em todas as direções.<br />
Mas já <strong>de</strong>ntro, Neoptolemo, filho <strong>de</strong> Aquiles, e tão feroz quanto o pai, já invadiu com alguns homens a<br />
soleira do palácio. Com sua machadinha faz saltar longe os gonzos <strong>de</strong> bronze da porta que impedia o<br />
acesso dos invasores aos aposentos do rei. Um grito <strong>de</strong> triunfo escapa das gargantas dos invasores,<br />
enquanto um uivo <strong>de</strong> agonia é arremessado pelas gargantas das mulheres que estão presas lá <strong>de</strong>ntro.<br />
Andrômaca, esposa <strong>de</strong> Heitor, abraçada a seu filho Astíanax, está postada ao lado <strong>de</strong> sua sogra<br />
Hécuba, esposa <strong>de</strong> Príamo. Todas estão abraçadas ao altar <strong>de</strong> Minerva, <strong>de</strong>usa protetora da cida<strong>de</strong>,<br />
buscando nela um último refúgio à sanha dos gregos. Príamo, entretanto, que envergara sua velha<br />
armadura, trazia à mão a sua velha espada.<br />
— Meu marido, que loucura preten<strong>de</strong> cometer? — diz sua esposa Hécuba. — Que proteção você<br />
pensa po<strong>de</strong>r oferecer a nós todos com este pobre e cansado braço que mal po<strong>de</strong> empunhar a espada?<br />
Vamos, largue isto e venha buscar refúgio junto aos <strong>de</strong>uses, únicos que ainda po<strong>de</strong>m mover à pieda<strong>de</strong><br />
o coração <strong>de</strong>sses negros assassinos que aí já vêm.<br />
Neste preciso instante, Polites, um dos filhos restantes <strong>de</strong> Príamo, tendo escapado à fúria dos inimigos,<br />
surgiu <strong>de</strong> espada em punho por uma entrada lateral. Mas atrás <strong>de</strong>le vem o cruel filho <strong>de</strong> Aquiles, que o<br />
persegue com <strong>de</strong>nodo incansável. E assim, antes que possa encontrar refúgio junto aos seus, é abatido<br />
pela lança <strong>de</strong> Neoptolemo, que, cego pela fúria, a enfia diversas vezes no peito do jovem agonizante.<br />
O sangue encharca o chão, às vistas do pai e da mãe do jovem morto. Príamo, revoltado, brada, então,<br />
ao filho <strong>de</strong> Aquiles:<br />
— Basta, selvagem! Mesmo o seu pai, <strong>de</strong> sangue ruim e perverso, <strong>de</strong>monstrou pieda<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> um<br />
pai que lhe foi pedir a <strong>de</strong>volução do corpo do filho morto. Por que <strong>de</strong>monstrar maior vileza do que ele,<br />
homem perverso?<br />
Príamo arremessou sua espada na direção do filho <strong>de</strong> Aquiles, mas ela ricocheteou no sólido escudo<br />
<strong>de</strong>ste, indo cair ao chão com um ruído metálico.<br />
Neoptolemo ruma, então, na direção do velho. Seus <strong>de</strong>ntes rilham e seus olhos não <strong>de</strong>ixam a menor<br />
dúvida <strong>de</strong> que a pieda<strong>de</strong> não encontra abrigo em sua alma.<br />
— Vamos, velho, cale a boca e <strong>de</strong>ixe para dizer todos esses insultos em pessoa a meu nobre pai, que<br />
seu filho Pária, mosca <strong>de</strong> cão, abateu diante das muralhas <strong>de</strong> <strong>Tróia</strong>, com o auxílio <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us.