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cavalo, e Menelau, irmão <strong>de</strong> Agamenon, temia para muito breve um sério <strong>de</strong>sentendimento entre os<br />
homens confinados. Pois havia <strong>de</strong>ntro do cavalo um odor ainda pior do que o do suor e do excremento:<br />
o do medo avassalador.<br />
Ulisses, espiando por uma pequena fresta do ma<strong>de</strong>irame, viu as sólidas muralhas aproximarem-se.<br />
Uma multidão enorme ajuntava-se em frente às portas da cida<strong>de</strong>, com as pessoas, ainda muito<br />
pequenas, à distância, imiscuindo-se umas nas outras como num agitado formigueiro. Mas não havia<br />
somente inofensivos curiosos metidos na malta, os quais po<strong>de</strong>riam ser abatidos num piscar <strong>de</strong> olhos.<br />
Por toda parte estava, também, um número incalculável <strong>de</strong> soldados, todos <strong>de</strong> lanças enristadas e<br />
prontos a fazerem em pedaços o cavalo (e, conseqüentemente, os seus <strong>de</strong>sgraçados ocupantes), tão<br />
logo tivessem a certeza <strong>de</strong> que estavam diante <strong>de</strong> uma terrível armadilha.<br />
O cavalo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira parou diante das muralhas: apesar <strong>de</strong> imensas, no entanto, ele era quase duas<br />
vezes maior do que elas.<br />
— Como faremos para colocá-lo para <strong>de</strong>ntro? — perguntou alguém.<br />
— Quem disse que este presente maldito alguma vez irá a<strong>de</strong>ntrar os muros da sagrada <strong>Tróia</strong>? — disse<br />
outra voz, colérica.<br />
Uma discussão acesa se estabeleceu entre os comandantes troianos. Príamo, rei dos teucros, or<strong>de</strong>nou,<br />
então, que todos silenciassem.<br />
— Sínon — disse ele, voltando-se para o grego renegado. — Os aqueus pretendiam <strong>de</strong>ixá-lo lá on<strong>de</strong><br />
ele estava?<br />
— Sim, majesta<strong>de</strong>! — disse Sínon, sem vacilar. — Por isto o engenhoso Epeus o fez <strong>de</strong>ste tamanho:<br />
para que não pu<strong>de</strong>sse jamais franquear as portas da sagrada <strong>Tróia</strong>. O oráculo que Calcas, nosso<br />
adivinho, fizera fora bem claro neste sentido: uma vez introduzido o cavalo sagrado <strong>de</strong>ntro das<br />
muralhas da cida<strong>de</strong>la troiana, voltaria outra vez a cida<strong>de</strong> a estar protegida pela <strong>de</strong>usa, e força alguma<br />
po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>struir a gloriosa cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Príamo.<br />
— Ela tem, então, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> substituir o Paládio sagrado? — perguntou Príamo, tentado pela oferta.<br />
— Sim, po<strong>de</strong>roso rei! — disse Sínon. — E como sou agora seu súdito extremado, só posso aconselhar<br />
que o leve para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stas sólidas muralhas, pois será sua mais sólida garantia contra os malditos<br />
gregos, caso resolvam retornar com mais homens e novos engenhos <strong>de</strong> guerra.<br />
— Sim, alteza, não esqueça, eles têm agora em seu po<strong>de</strong>r o nosso Paládio, estando assim o nosso<br />
templo inteiramente <strong>de</strong>sprotegido — disse um dos comandantes. — Cedo ou tar<strong>de</strong> a <strong>de</strong>usa guerreira<br />
acabará por nos dar as costas, entregando-nos à fúria <strong>de</strong> nossos inimigos.<br />
As vozes começavam a se tornar unânimes em favor <strong>de</strong> se fazer com que o cavalo a<strong>de</strong>ntrasse, <strong>de</strong><br />
qualquer jeito, as intransponíveis muralhas.<br />
"Enfim, os <strong>de</strong>uses começam a encaminhar as coisas a nosso favor!", pensou Ulisses, <strong>de</strong>ntro do cavalo.<br />
Um sorriso <strong>de</strong> alívio iluminava as barbas hirsutas <strong>de</strong> todos os guerreiros amontoados uns por sobre os<br />
outros.<br />
Os troianos já começavam a imaginar um meio <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>rrubar parte da muralha para po<strong>de</strong>r<br />
introduzir <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>la o cavalo sagrado, quando um grito rouco e repentino fez silenciar todas<br />
as vozes:<br />
— Loucos! Malditos! O que preten<strong>de</strong>m aqui? Entregar <strong>Tróia</strong> sagrada, <strong>de</strong> uma vez, à espada sangrenta<br />
<strong>de</strong> seus inimigos?<br />
Quem dizia isto era Laocoonte, sacerdote supremo dos troianos. O velho adivinho surgira carregando<br />
uma gran<strong>de</strong> lança numa das mãos e a brandia ameaçadoramente em direção ao robusto cavalo.<br />
— Imaginam, então, loucos ingênuos, que os gregos partiram <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>? É assim que, <strong>de</strong>veras,<br />
conhecem Ulisses, o solerte maquinador <strong>de</strong> enganos?<br />
Laocoonte ergueu, então, a sua lança, e arremessou-a com todas as suas forças contra o flanco do<br />
cavalo. O comprido projétil encravou-se na ma<strong>de</strong>ira e ficou vibrando por um longo tempo, enquanto<br />
gritos horrorizados dos espectadores soavam a campo aberto.<br />
— Sacerdote, não se precipite! — disse Príamo, temendo que aquela agressão à estátua pu<strong>de</strong>sse atrair<br />
para os troianos a maldição eterna da filha <strong>de</strong> Júpiter.