Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
1 Servimo-nos, para elaborar<br />
este artigo, <strong>de</strong> parte do<br />
material e estudo presentes<br />
nestes dois trabalhos nossos:<br />
«Cantigas Paralelísticas <strong>de</strong><br />
Tradição Oral <strong>de</strong> Trás-os-<br />
-Montes e do Algarve»,<br />
in Literatura Medieval, vol.<br />
IV, Actas do IV Congresso<br />
da Associação Hispânica<br />
<strong>de</strong> Literatura Medieval<br />
(Lisboa, 1-5 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong><br />
1991), organização <strong>de</strong> Aires<br />
A. Nascimento e Cristina<br />
Almeida Ribeiro. Lisboa,<br />
Edições Colibri, 1993,<br />
pp. 11-17, principalmente<br />
pp. 14-15; «Cantigas<br />
Paralelísticas na Tradição<br />
Oral Portuguesa –<br />
Trás-os-Montes: cantigas<br />
das mondas, das malhas,<br />
das trilhas. Algarve:<br />
os vilancetes glosados dos<br />
foliões das festas do Espírito<br />
Santo <strong>de</strong> Marmelete. Açores:<br />
estruturas paralelísticas<br />
nos cantos dos foliões<br />
das festas do Espírito Santo».<br />
Lisboa, Ed. Apenas Livros,<br />
2006, pp. 19-21.<br />
A MUDANÇA DA TERRA 118<br />
Marmelete – um recanto da al<strong>de</strong>ia, 1960<br />
Arquivo Pessoal <strong>de</strong> Aldina Duarte<br />
119<br />
Marmelete, povoado rural incrustado<br />
na vertente atlântica da serra <strong>de</strong> Monchique,<br />
possui um valioso património a nível<br />
da etnografia e da literatura oral, com <strong>de</strong>staque<br />
para os vilancetes glosados dos<br />
foliões das festas do Espírito Santo.<br />
Além do «corpus» <strong>de</strong> cantigas <strong>de</strong> trabalho,<br />
paralelísticas, da tradição <strong>de</strong> Trás-os-<br />
-Montes, e que se po<strong>de</strong>m, a esta altura,<br />
cifrar em 20 matriciais, outro valioso contributo<br />
há a apontar, neste campo, e vindo<br />
também <strong>de</strong> uma área lateral do país e até à<br />
década <strong>de</strong> 60 do século XX zona fortemente<br />
isolada – refiro-me às «cantigas<br />
paralelísticas» <strong>de</strong> Marmelete.<br />
Em 1921-1922, o etnógrafo local José<br />
Guerreiro Gascon publica, na <strong>Revista</strong> Lusitana,<br />
num capítulo <strong>de</strong> uma monografia sobre<br />
Monchique 2 , trinta e cinco cantigas <strong>de</strong> tradição<br />
das Festas do Espírito Santo na pequena<br />
freguesia <strong>de</strong> Marmelete. São, tal como as<br />
reveladas por José Leite <strong>de</strong> Vasconcellos para<br />
Trás-os-Montes, paralelísticas <strong>de</strong> acentuado<br />
cunho ancestral. Passaram, contudo, então<br />
<strong>de</strong>sapercebidas; José Leite <strong>de</strong> Vasconcellos,<br />
em nota <strong>de</strong> pé <strong>de</strong> página, no artigo do próprio<br />
J.G. Gascon, aproxima-as apenas <strong>de</strong><br />
giros linguísticos do «romanceiro» 3 . Sobre<br />
elas viemos nós a chamar a atenção, em<br />
1959, numa comunicação apresentada ao IX<br />
Congresso Internacional <strong>de</strong> Linguística<br />
Românica e que intitulámos <strong>de</strong> «Chansons<br />
Parallélistiques dans la Tradition <strong>de</strong> l’Algarve;<br />
genres, structure, langage» 4 . Alertada pela<br />
nossa comunicação, interessou-se por elas a<br />
gran<strong>de</strong> especialista da lírica tradicional hispânica<br />
Margit Frenk, que apresentou, por sua<br />
vez, sobre elas, uma comunicação, «Permanencia<br />
Folklórica <strong>de</strong>l Villancico Glosado», ao<br />
IV Congresso Internacional <strong>de</strong> Hispanistas,<br />
Salamanca, 1971 5 ; entravam assim, por sua<br />
singularida<strong>de</strong> conservadora <strong>de</strong> formas e<br />
sentidos da poética medieval, no circuito da<br />
lírica tradicional hispânica <strong>de</strong> cariz similar<br />
mais arcaico.<br />
Estas «cantigas <strong>de</strong> Marmelete» recolhidas<br />
por Guerreiro Gascon em 1918 da<br />
boca <strong>de</strong> um velho «folião» da Confraria do<br />
Espírito Santo, <strong>de</strong> Marmelete, não se cantavam<br />
publicamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1903, data da<br />
última celebração, aí, das «Festas do Santo<br />
Espírito».<br />
Chamavam-se «cantigas do Santo Espírito»<br />
ou «cantigas <strong>de</strong> Santa Isabel», pois foi<br />
a rainha D. Isabel, mulher <strong>de</strong> el-rei D. Dinis,<br />
que incrementou a cerimónia do culto<br />
(«império e coroação») do Espírito Santo<br />
em Portugal a partir da festivida<strong>de</strong> que instituiu<br />
solenemente na sua vila <strong>de</strong> Alenquer<br />
em 1295 6 . Eram cantadas por um grupo <strong>de</strong><br />
«foliões», <strong>de</strong>signação que não é sem<br />
importância correlativa. Como paradigma,<br />
apresentam uma estrutura matriz que é<br />
uma espécie <strong>de</strong> mol<strong>de</strong>: uma cabeça dística<br />
e 2 quadras em que o 1.º e o 3.º versos são<br />
invariavelmente o 1.º e o 2.º da cabeça dística,<br />
isto é: AB// AcBc/ AdBd.Variam o 2.º<br />
e o 4.º versos, mantendo, todavia, estrito<br />
paralelismo semântico. Encontrámos esta<br />
estrutura empregue por Afonso X, o Sábio,<br />
em duas das Cantigas <strong>de</strong> Santa Maria 7 e, do<br />
mesmo Afonso X, numa cantiga <strong>de</strong> escárnio,<br />
476 do Cancioneiro da Biblioteca Nacional,e,<br />
ainda, numa cantiga <strong>de</strong> escárnio <strong>de</strong> Pero da<br />
Ponte contra o jogral Pero <strong>de</strong> Burgos, 1173<br />
do Cancioneiro da Vaticana 8 e 1639 do Cancioneiro<br />
da Biblioteca Nacional.