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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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TRAVESSIAS 24 25<br />

UM BILHETE (3)<br />

Em meados <strong>de</strong> julho, chegou-nos um bilhete <strong>de</strong> Luanda. Era<br />

meia folha <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rno, com rasgos nos cantos, um tanto amassada.<br />

E, letra a letra, frase a frase, percebemos que o bilhete fora escrito à<br />

beira-mar. Nele havia as marcas <strong>de</strong> sol e <strong>de</strong> sal. E lá estava dito:<br />

«Daqui <strong>de</strong> Luanda, saudamos o Euzebel. Boa viagem.Ao mar, o que<br />

é do mar.»<br />

3. PRIMEIRA CARTA DA GRÁVIDA<br />

[GRÁVIDA OLHA A BAÍA DE NOITE ENQUANTO ESCREVE]<br />

Meu filho com comportamento <strong>de</strong> pássaro que um dia ainda vais nascer:<br />

Escrevo-te <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o brilho bonito da nossa baía da chicala, aqui on<strong>de</strong> os pescadores<br />

<strong>de</strong>ixam os barcos repousar para vir adormecer o corpo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>, <strong>de</strong>sajeitados,<br />

fazerem um amor saboroso com as suas mulheres,donas <strong>de</strong> mãos calejadas em tempo<br />

e memória;<br />

Hoje é tão cedo para saber dizer-te o que te quero contar...<br />

O teu pai já aqui não está, não sei se esteve. E tu a cada movimento me dizes<br />

que queres chegar e eu a cada dia te digo que há um tempo para o ser se <strong>de</strong>scobrir<br />

em pessoa viva, <strong>de</strong>ssas que habitam o mundo social dividido pelos limites a que mais<br />

tar<strong>de</strong> serás forçado a conhecer.Tudo isso são coisas da lógica e da necessida<strong>de</strong>, a que<br />

um dia terás acesso se assim as coisas te ditarem, e que a par <strong>de</strong>ssas virão outras,<br />

hoje apetece-me dizer-te, como os poemas que o cego jeremias gosta <strong>de</strong> recitar, ou<br />

como os poemas que hás-<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir em livros mais antigos que nós e que a cida<strong>de</strong>,<br />

ou em poemas que talvez <strong>de</strong>scubras pela ponta viva dos teus <strong>de</strong>dos, olhando esta baía<br />

que só eu agora miro, inventando palavras <strong>de</strong> constelações ainda não vistas, versos<br />

inaugurais, mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> matérias humanas que eu, a tua mãe, não sei dizer nem esperar<br />

que cheguem. Por isso te espero, meu filho.<br />

Por isso te levo a esta viagem <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta e errância, para que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim,<br />

e pelos meus olhos, pelo meu corpo <strong>de</strong> enjoo e <strong>de</strong> maresia, te possa chegar ao sangue<br />

o fluxo <strong>de</strong> um vasto oceano chamado atlântico. Porque o futuro também é teu, meu<br />

filho da áfrica das cores, das ternuras e as magias também.<br />

Segura-te, meu filho, que eu te quero ensinar a viajar.<br />

Falava sobre certas palavras da língua portuguesa<br />

que acompanharam as caravelas,<br />

mais precisamente a espuma das caravelas.

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