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O Bobo - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Então Dulce apertando com um movimento convulso a mão do cavaleiro a<br />

encostou entre as suas ao peito, como se esperasse que no pulsar do coração ele<br />

pudesse conhecer que saía de lá pura e sincera a narração que lhe ia fazer.<br />

Esta narração era a história do amor de Garcia Bermudes, amor a que ela<br />

respondera sempre com a dissimulação, como o leitor já sabe. Dulce nem disfarçou<br />

a espécie de afeição inocente que consagrava ao aragonês, e que dera origem às<br />

suspeitas que tão de leve o ciúme de Egas acreditara, nem os desejos do Conde e<br />

da Infanta de a verem unida àquele nobre e esforçado cavaleiro. Não lhe<br />

esqueceram os acontecimentos do último sarau, e a repulsa positiva que se vira<br />

finalmente constrangida a dar. Conhecendo o caráter altivo e ao mesmo tempo<br />

generoso de Garcia, entendera dever-lhe explicar a causa daquela repulsa, e fiar<br />

dele os segredos mais íntimos do seu coração, dando-lhe assim uma prova d’estima<br />

em lugar de amor. “Era esta derradeira consolação — concluiu Dulce — que eu<br />

acabava de dar àquele desventurado, quando tu vieste cego pelo ciúme despedaçar<br />

o coração da tua amante, que te sacrificava o homem que por certo amaria, se para<br />

ela houvesse neste mundo amor, pensamento, esperança, que não fosse Egas, que<br />

não fosse aquele que vai pedir-me perdão das suas suspeitas que tão tristes me<br />

tornaram os instantes que deviam ser os mais deliciosos da minha vida”.<br />

As mãos do cavaleiro apertavam já com amor as de Dulce; por isso, enquanto<br />

falara, no rosto da donzela as lágrimas se haviam desvanecido pouco a pouco no<br />

deslizar de um sorriso.<br />

— “Dulce, Dulce! — exclamou o cavaleiro. — Oh! Repete-me que só amas o<br />

teu Egas! Jura-me que é verdade tudo isso!”<br />

— “Farei mais — atalhou a donzela num êxtase de alegria. Arranca-me<br />

destes paços se há para isso algum meio. Abandonarei aquela que me criou como<br />

filha querida e seguir-te-ei a ti, que não podes abusar do meu amor, porque és um<br />

leal cavaleiro. Seguir-te-ei por toda a parte; no esplendor ou na miséria; na terra da<br />

infância ou nas solidões do desterro, na liberdade ou em ferros. Junto ao altar o<br />

nosso amor será santificado pela bênção de Deus, e eu serei tua, tua só, tua para<br />

sempre!”<br />

E Dulce caiu nos braços do guerreiro trovador, que desta vez a estreitou<br />

contra o peito, e lhe imprimiu na fronte um beijo ardente e puro como os<br />

pensamentos de ambos. Naquele instante os seus corações trasbordavam de<br />

celeste e inefável ventura: não cabiam neles as grosseiras sensações terrenas.<br />

— “Tens razão! — disse o cavaleiro — de cima me veio a inspiração de<br />

buscar-te antes de morrer, porque tu me restituis a vida. Sim, irás comigo. Amanhã<br />

ao cair das trevas eu serem aqui. Todos os meios de fuga estarão preparados; no<br />

arraial do Infante, que não vem longe, acharemos brevemente abrigo, e aí seremos<br />

unidos pelo venerável Arcebispo de Braga.”<br />

— “Mas no meio de tantos homens d’armas, dos atalaias e vigias que<br />

guardam pontes, barbacãs e muralhas, não correrás grande risco?”<br />

— “Oh! Não o receies — interrompeu o cavaleiro — o ouro e, se for preciso, o<br />

ferro nos abrirão caminho até o vau do Madroa. Esperar-me-ão no bosque os meus<br />

homens d’armas. Para transpor a barbaça talvez nos baste vestir as esclavinas de<br />

romeiros. Ninguém haverá tão ímpio que nos pergunte: — “Peregrinos do Santo<br />

Sepulcro, para onde é que vós ides?” — O romeiro é livre como a ave do céu:<br />

respeitam-no o besteiro e o homem d’armas: dá-lhe abrigo o vilão sob o seu colmo,<br />

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