O Bobo - Unama
O Bobo - Unama
O Bobo - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
ele noutra, que fuja do sítio onde vir esvoaçar o balsão de Garcia Bermudes... Que<br />
fuja! porque há aí uma espada que tem sede do seu sangue; porque há aí lábios que<br />
lhe beberiam; porque bate aí impetuoso o coração de um seu inimigo mortal! E dizelhe<br />
mais... Que este inimigo sou eu! Dize-lhe que não há sobre a terra um lugar onde<br />
caibam ele, eu, e o meu ódio!”<br />
Proferindo estas palavras, o gesto do cavaleiro estava demudado. Afastou de si<br />
a donzela com violência e dirigiu-se rapidamente à porta dos aposentos exteriores.<br />
Um gemido de profunda agonia bateu ainda nos seus ouvidos ao atravessar a<br />
sala imediata; e o desgraçado fugiu. Arrastava-o a desesperação.<br />
Aquele gemido partira do seio de Dulce, que dera em terra como se fora morta.<br />
CAPÍTULO XI<br />
O SUBTERRÂNEO<br />
Depois de acabado o banquete, quando os cavaleiros começaram a derramarse<br />
pelas salas esplendidamente adornadas dos paços de Guimarães, e a descer aos<br />
pátios onde os cavalariços os esperavam com os cavalos deles e dos seus acostados<br />
e pajens, Fr. Hilarião receoso de um novo encontro de Gonçalo Mendes com<br />
Veremudo Peres, o qual teria provavelmente conseqüências que naquela melindrosa<br />
conjunção era necessário evitar, com tal arte soube reter o violento rico-homem na<br />
sala d’armas que, ao descer ao terreiro interior, este começara a estar deserto, porque<br />
mais de uma hora tinha passado. Aí mesmo ainda o Abade procurava, parando,<br />
demorar a saída do cavaleiro com intermináveis reflexões e perguntas sobre os<br />
receios e esperanças que agitavam todos os ânimos. No meio, porém, da manhosa<br />
conversação do velho monge um caso inesperado veio interrompê-la.<br />
O vasto pátio que precedia o palácio estava apenas alumiado pela luz<br />
afastada de uma almenara, colocada no eirado da agigantada torre alvarrã, e pelo<br />
tênue reflexo de dous fogaréus que ardiam ao lado da ponte levadiça. A claridade<br />
dos dous fachos, atravessando por baixo do portal soturno, ia bater somente no átrio<br />
da escadaria que dava comunicação para a sala d’armas. De um e de outro lado do<br />
terreiro as trevas pareciam profundas aos que seguiam da escada ao portal por<br />
aquela espécie de estrada de luz, mas por isso mesmo estes eram perfeitamente<br />
vistos por quem quer que estivesse de uma ou da outra parte.<br />
No momento em que parou, Gonçalo Mendes viu ao pé de si um invidíduo,<br />
que ele supunha já bem longe de Guimarães.<br />
— “Como assim, Odório Fromarigues?! Há mais de uma hora que devíeis ter<br />
partido para a terra da Maia. Os anos, meu amo, têm-vos tornado os pés tardos.”<br />
A pessoa a quem o Lidador dirigia estas palavras era um velho, pequeno de<br />
corpo, magro, olhos como duas ervilhacas, e tez semelhante a um pergaminho de<br />
sete séculos amarrotado. Trazia vestido um lorigão negro, e na cabeça um camalho,<br />
que, cobrindo-lhe o pescoço até os ombros e circundando-lhe o rosto como a toalha<br />
de uma freira, apenas lhe deixava este visível. Aquele trajo militar era o de um<br />
simples homem d’armas ou acostado de rico-homem; porque o arnês de solhas e o<br />
elmo ou capelo de ferro brunido ainda eram armadura demasiado custosa para os<br />
que, pelo menos, não pertenciam à classe dos simples cavaleiros.<br />
59