Oração e escuta de Deus - Projeto Primeiro de Maio

Lucas busca deixar clara a relação de discipulado que a jovem mantinha com o
Senhor. Marta, todavia, “[...] toda preocupada na lida da casa, veio a Jesus e disse:
“Senhor, não te importas que minha irmã me deixe, só a te servir? Dizer-lhe que me
ajude.” Criado o impasse, um certo clima de tensão, o texto termina com uma
elogiosa e, diríamos nós, enigmática resposta de Jesus: “Marta, Marta, andas muito
inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária;
Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada.”
As atitudes de Marta e Maria foram interpretadas secularmente como uma
possível oposição entre a vida ativa (a atitude de Marta) e a vida contemplativa (a
atitude de Maria). Um sinal da “superioridade” da vida contemplativa sobre a vida
ativa. Mas todo “bom discípulo” sabe que a escuta da palavra é para a prática. É
para praticá-la melhor. É preciso, então, superar essa aparente contradição, “colher
as pérolas” que a passagem nos oferece sem dicotomizar ou colocar em pólos
opostos as atitudes das irmãs Marta e Maria. “Por isso”, afirma Jesus, “Todo escriba
instruído [que estuda] nas [as] coisas do reino dos céus”, “[...] é comparado a um pai
de família que tira de seu tesouro [de seu objeto de estudo: a palavra] coisas novas
e velhas” (Mt 13, 51-52).
A escuta atenta de Maria revela seu desejo de compreender mais
profundamente o sentido último da palavra de Jesus e, à sua luz, a si mesma. A
riqueza e o valor nutritivo da escuta de Jesus, vividos por Maria de Betânia, explica
Martini (2000) “[...] é uma escuta que nos faz tremer, que nos arrebata porque diz
respeito a nós, nos explica. Não é uma escuta passiva, um registro aborrecido como
uma ata, ou uma aula sem interesse. Maria de Betânia entendeu, naquele momento,
a definição do ser humano. O que significa, de fato, ser homem ou mulher? Significa
descobrir o mistério de nós mesmos na escuta da Palavra de quem é maior do que
nós, que é o mesmo que criou o nosso coração, aquele que nele deposita seus
segredos”. “Deste modo”, conclui Martini (2000, p. 48),
Maria é imagem da pessoa que se autocompreendeu, que chega até a
autenticidade, até a clareza do processo cognitivo de si, através da
escuta da palavra divina revelada para nós e que, ao mesmo tempo,
nos toma por inteiro. O mistério da escuta como foi vivenciado pela
mulher de Betânia, é, pois, uma revelação – revelação que nós somos
chamados a aceitar – da condição humana. Quando nos abrimos para
o discurso divino, gratuito e cheio de benevolência, aprendemos que
nós somos escuta, dom, e que nós nos realizamos na gratuidade.