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a família eudemonista como baliza essencial à perpetuação - Fempar

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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO<br />

PARANÁ<br />

THIAGO MARINHO TOMAZI<br />

A FAMÍLIA EUDEMONISTA COMO BALIZA ESSENCIAL À PERPETUAÇÃO DAS<br />

ORGANIZAÇÕES INTERSUBJETIVAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA<br />

CURITIBA<br />

2008


THIAGO MARINHO TOMAZI<br />

A FAMÍLIA EUDEMONISTA COMO BALIZA ESSENCIAL À PERPETUAÇÃO DAS<br />

ORGANIZAÇÕES INTERSUBJETIVAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA<br />

Monografia apresentada <strong>como</strong> requisito<br />

parcial para a obtenção do grau de<br />

Especialista em Ministério Público –<br />

Estado Democrático de Direito, na área<br />

de concentração em Direito Civil,<br />

Fundação Escola do Ministério Público<br />

do Paraná - FEMPAR, Faculdades<br />

Integradas do Brasil - UniBrasil.<br />

Orientador: Prof. Ms. Samir Namur.<br />

CURITIBA<br />

2008<br />

2


TERMO DE APROVAÇÃO<br />

THIAGO MARINHO TOMAZI<br />

A FAMÍLIA EUDEMONISTA COMO BALIZA ESSENCIAL À PERPETUAÇÃO DAS<br />

ORGANIZAÇÕES INTERSUBJETIVAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA<br />

Monografia aprovada <strong>como</strong> requisito parcial para obtenção do grau de Especialista<br />

no curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito,<br />

Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades<br />

Integradas do Brasil – UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Ms. Samir<br />

Namur.<br />

______________________________<br />

Prof. Ms. Samir Namur<br />

Orientador<br />

Curitiba, ______/_____/________<br />

3


4<br />

DEDICATÓRIA<br />

À minha intenção em trazer <strong>à</strong> tona algumas das razões<br />

dentre as quais podemos lançar mão, para livrar nossa sociedade<br />

do pensamento arcaico do patriarcalismo e adentrar no eudemonismo,<br />

fazendo com que estejamos cada vez mais próximos de um Direito que<br />

considere mais os sentimentos em detrimento dos fúteis interesses.


5<br />

AGRADECIMENTOS<br />

À Wanessa, minha esposa, que sempre esteve presente para<br />

dar o devido apoio, carinho, incentivo e amor, elementos sem os quais<br />

seria impossível o desenvolvimento deste trabalho.<br />

À meus pais e familiares, cuja presença e aconselhamento<br />

só fizeram acrescentar em todas as etapas deste trabalho.


SUMÁRIO<br />

RESUMO............................................................................................................................... 07<br />

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 08<br />

1.0 ARQUÉTIPO DE FAMÍLIA: ASPECTOS GERAIS......................................................... 09<br />

2.0 O MODELO DE FAMÍLIA PATRIARCAL: EXERCÍCIO DE DESCONSTRUÇÃO......... 13<br />

3.0 O MODELO EUDEMONISTA DE FAMÍLIA: VISÃO DE REFORMA.............................. 19<br />

4.0 HOMOAFETIVIDADE: REFLEXO DO EUDEMONISMO................................................ 27<br />

CONCLUSÃO........................................................................................................................ 49<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................... 50<br />

6


RESUMO<br />

O presente trabalho visa o fornecimento de subsídios para apresentação da<br />

necessidade em que nossa sociedade se encontra em assumir a perspectiva<br />

<strong>eudemonista</strong> nas organizações entre pessoas, quebrando com o velho paradigma<br />

do pátrio poder. Somente desta forma, sabe-se que estarão sendo<br />

constitucionalmente respeitados os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa<br />

humana, através de um exercício de interpretação extensiva e analogia.<br />

Para construir este raciocínio, num primeiro momento procuramos apresentar<br />

aspectos gerais na formação dos modelos de <strong>família</strong> ao longo dos anos. Em um<br />

segundo momento trabalhamos com uma espécie de exercício desconstrutivo do<br />

conceito de patriarcalismo, em um terceiro passo apresentamos o modelo<br />

<strong>eudemonista</strong> <strong>como</strong> sendo o que mais se aproxima de um ideal, para concluir com a<br />

apresentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, em outra palavras,<br />

homoafetividade, para identificar um exemplar bastante significativo do compromisso<br />

do modelo <strong>eudemonista</strong>.<br />

Desta forma, entende-se tenha sido realizada uma pequena abordagem da<br />

edificação de um novo paradigma para o Direito de Família.<br />

7


INTRODUÇÃO<br />

Durante muitos anos perpetuou em nossa sociedade o modelo patriarcal de<br />

<strong>família</strong>, cuja essência sempre esteve baseada no casamento civil com fins<br />

destinados <strong>à</strong> procriação, aos interesses econômicos e ao caráter hierarquizado.<br />

Nesta quadra de raciocínio, a legislação anterior <strong>à</strong> Constituição Federal de 1988,<br />

vale dizer o Código Civil de 1916, estabelecia o que hoje se denomina poder<br />

familiar, por pátrio poder, já fornecendo um condão eminentemente patriarcal, no<br />

sentido de colocar o poder sempre nas mãos do marido.<br />

Ocorre que, diante das novas realidades que se nos apresentam todos os<br />

dias, a permanência do caráter ortodoxo estabelecido pelo legislador de 1916,<br />

passou a não mais fornecer respostas jurídicas válidas, que visassem ao<br />

atendimento e solvência das lides expostas pela sociedade.<br />

Neste sentido, o presente trabalho visa justamente apontar uma breve<br />

contextualização da organização familiar para, em um segundo momento elucidar os<br />

aspectos concernentes <strong>à</strong> <strong>família</strong> patriarcal, com a utilização de argumentos que<br />

venham a colocá-lo em derrocada, justificando <strong>como</strong> sendo algo deveras<br />

irresponsável para interpretação das realidades atuais, nas quais as organizações<br />

familiares deixaram de ser erigidas única e exclusivamente na conveniência, para<br />

ceder espaço aos sentimentos, ao afeto, <strong>à</strong> convivência mútua a ao verdadeiro<br />

sentido de unir pessoas, este é o terceiro capítulo de nosso trabalho.<br />

Este novo modelo de <strong>família</strong> é o que denominamos de <strong>família</strong> <strong>eudemonista</strong>,<br />

representando a cisão com todos os paradigmas existentes até o momento de sua<br />

criação. Um dos exemplos de hermenêutica <strong>eudemonista</strong> é apresentado em nosso<br />

projeto com a união homoafetiva, cujos critérios de reconhecimento são justificados<br />

por doutrinas e textos jurisprudenciais. A aplicação de princípios <strong>como</strong> isonomia e<br />

dignidade da pessoa humana serviram de instrumentos mais que infalíveis para<br />

apresentar a possibilidade de reconhecimento da união civil entre pessoas do meso<br />

sexo.<br />

Acredita-se que, com esta pesquisa, se extraia da menta humana o<br />

pensamento ortodoxo e conservador de preceitos patriarcais, no sentido de fazê-la<br />

compreender o real significado de <strong>família</strong> na sociedade atual, cuja maneira de<br />

<strong>perpetuação</strong> condiciona-se <strong>à</strong> subsunção ao arquétipo <strong>eudemonista</strong>.<br />

8


1.0 ARQUÉTIPO DE FAMÍLIA: ASPECTOS GERAIS<br />

O conservadorismo presente em todos os escritos, para identificar qualquer<br />

espécie de aglomeração humana, na tentativa de se estabelecer um conceito para o<br />

que se entende por <strong>família</strong>, manteve seus efeitos até a promulgação da Constituição<br />

Federal de 1988, quando passou-se a ter uma delgada perspectiva de mudança do<br />

conceito e acabou servindo de influência para o projeto do Código Civil de 2002.<br />

Até então, a <strong>família</strong> restringia-se a referir um organismo de pessoas hermético<br />

em seu plano de existência, sustentando a idéia da hereditariedade <strong>como</strong> sendo o<br />

aspecto mais importante e a necessidade da simples realização do vínculo<br />

matrimonial para fins de configuração. Assim, permanece-se na idéia do pai <strong>como</strong><br />

sendo a figura central e de única importância na tomada das decisões sobre o<br />

destino da <strong>família</strong>, construindo assim o modelo patriarcal.<br />

Aponta Luiz Edson Fachin:<br />

Instaura-se, progressivamente, o patriarcado. Confere-se ao pai a direção unitária da <strong>família</strong>,<br />

regida pela lei da desigualdade, direção que implica diferenças nos papéis e funções da<br />

<strong>família</strong>. Desigualdade extremamente arbitrária, poder imotivado. Instala-se uma visão<br />

transpessoal da <strong>família</strong>, segundo a qual os interesses de uma unidade da instituição<br />

prevalecem sobre os seus membros. 1<br />

Ao tratar da idéia de organização intersubjetiva, cumpre-se erigir a <strong>família</strong><br />

<strong>como</strong> exemplar mais primitivo e importante do gênero. E aqui se fala em <strong>família</strong> não<br />

somente na perspectiva jurídica do termo, mas também querendo mencionar sua<br />

nuance enquanto organização responsável por unir pessoas através de um processo<br />

afetivo de subsunção.<br />

Desde os primórdios da humanidade se observa as mais diversas formas de<br />

proliferação humana e, assim, a <strong>perpetuação</strong> de um legado escoltado em princípios<br />

e maneiras de nascimento, criação, desenvolvimento e morte. Acredita-se que, de<br />

nada vale a materialidade de determinada sociedade, se esta não consegue se<br />

sujeitar a um processo de adaptação impingido por sua própria existência,<br />

importando na aceitação de valores diferenciados e visando sua inserção em um<br />

meio que exige o progresso e a ausência de preconceito <strong>como</strong> ferramentas<br />

indispensáveis <strong>à</strong> exploração da felicidade. Desprendendo-se da rigidez e assumindo<br />

1<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 65.<br />

9


a volatilidade, há que se falar na idéia de eudemonismo, ao tempo em que passa-se<br />

a interpretar a <strong>família</strong> <strong>como</strong> a reunião de pessoas coligadas que visam o vínculo de<br />

afeto através da felicidade.<br />

Em outras palavras, a <strong>família</strong> patriarcal, deveras conservadora e, de certa<br />

forma, retrógrada no ponto de vista da evolução social, cede lugar a um conceito<br />

moderno e mais amplo no abarcamento das diversas situações. E isso por<br />

compreender a felicidade e não a autoridade <strong>como</strong> elemento principal. Crê-se que<br />

somente assim estar-se-á realizando juízo de valor positivo daquilo que se<br />

compreende por organização social.<br />

Nestes termos, informa Luiz Edson Fachin:<br />

Os valores que informaram a elaboração do Código Civil de 1916, com a legitimidade da<br />

<strong>família</strong> e dos filhos fundada no casamento, vão dando lugar a uma nova dimensão, em que<br />

surgem <strong>como</strong> elementos de maior relevo a igualdade e o afeto. [...]. O contorno do modelo<br />

patriarcal e hierarquizado de <strong>família</strong>, com sua dimensão transpessoal, dá lugar a um novo<br />

modelo igualitário e fundado no afeto. 2<br />

Conforme se percebe, o que se pretende é justamente uma noção de<br />

abandono desta idéia engessada e conservadora do patriarcalismo, a fim de se erigir<br />

um novo conceito baseado em uma possibilidade de existência de estrutura sócioafetiva<br />

de <strong>família</strong>. Direitos básicos essenciais, que outrora foram sonegados para<br />

fins de manutenção do modelo patriarcal, tais <strong>como</strong> igualdade e dignidade, vêm <strong>à</strong><br />

tona quando passa-se para uma idéia de <strong>família</strong> <strong>eudemonista</strong>. Assim, deixa-se de<br />

levar tanto em consideração o aspecto biológico que liga pai e filho, para se dar<br />

maior atenção ao afeto entre ambos.<br />

Trata-se o patriarcado, de uma herança advinda do Direito Romano, em que o<br />

pai sempre esteve posicionado em uma condição de superioridade, submetendo os<br />

outros membros da <strong>família</strong> ao seu talante.<br />

Num momento posterior, o Código Civil Francês de 1804 procurou<br />

estabelecer uma noção institucional de <strong>família</strong>. Assim, deixa-se de ter a figura do pai<br />

única e exclusivamente <strong>como</strong> o membro detentor dos poderes, para ser tutelado o<br />

interesse da <strong>família</strong> enquanto instituição. Ou seja, não se pode deixar de ter em<br />

mente a hierarquização em detrimento do patriarcado absoluto.<br />

Assim observa Luiz Edson Fachin:<br />

2<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 17.<br />

10


Retomam-se, mais tarde, essas fontes, e em torno do Código Civil Francês de 1804 se<br />

compôs o modelo clássico, a <strong>família</strong> patriarcal e hierarquizada. [...] Na verdade, quando a<br />

<strong>família</strong> clássica atribui poderes ao pais, <strong>à</strong> primeira vista, está colocando a supremacia do<br />

homem na relação conjugal. Mas, num segundo momento, verifica-se que o interesse maior a<br />

ser tutelado não é do marido, e sim o da <strong>família</strong> enquanto instituição. 3<br />

Outro aspecto importante a ser observado, é que a figura do divórcio no<br />

conceito patriarcal de <strong>família</strong> tratava-se de algo praticamente condenado, tendo em<br />

vista justamente o aspecto “machista” de ser o pai o centro de tudo. Isso acabou<br />

sendo transmutado para uma perspectiva de divórcio integral, a partir do momento<br />

que surgiram novos valores para o tema. Em outras palavras, o ideal socioafetivo<br />

passou a configurar a sociedade conjugal de maneira plena.<br />

Assim demonstra novamente Luiz Edson Fachin:<br />

Vira o século e vêm novas décadas, outros valores, a exemplo da affectio maritalis. Valor<br />

socioafetivo que funda uma sociedade conjugal, matrimonializada ou não. A vigência do<br />

divórcio pleno é a prova disso.<br />

Nesta linha de raciocínio, fácil perceber a aliança da lei do Estado com a lei<br />

da Igreja. Para a igreja católica a figura do divórcio trata-se de algo que não deve<br />

ocorrer, principalmente pelos votos matrimoniais apresentados diante de Deus com<br />

a máxima utilizada no momento da celebração: “o que Deus uniu o homem não<br />

separa”. Assim, no aspecto da normatização, não há o que se distinguir entre Igreja<br />

e Estado sendo que antes de 1977, no aspecto do divórcio, ambos eram taxativos<br />

em suas opiniões negativas ao divórcio, independente de a união entre dois<br />

indivíduos estar sendo conduzida de maneira salutar ou não.<br />

De outra parte, a noção pretérita de <strong>família</strong> se identifica com o patrimônio. Em<br />

outras palavras, as posses de um determinado homem no âmbito da <strong>família</strong><br />

patriarcal e/ou os escravos havidos em seu poder, acabam por representar também<br />

um conceito de <strong>família</strong>. Neste ponto de vista, vê-se uma preocupação em direcionar<br />

todo o poder e toda a posse ao homem propriamente dito, sendo que a mulher<br />

assumia um papel meramente secundário. A esta era negado qualquer espécie de<br />

manifestação social, não podendo trabalhar ou estudar sem o consentimento do pai,<br />

antes do casamento ou do marido, após ele.<br />

Assim, Rozane da Rosa Cachapuz informa:<br />

3<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 65.<br />

11


A mulher era subjugada <strong>à</strong> condição de total submissão, ao ponto de juridicamente ser-lhe<br />

negada a capacidade absoluta. Era-lhe proibida a manifestação social, o estudo e o trabalho,<br />

sem o consentimento do pai ou do marido. 4<br />

De acordo com o exposto, vê-se que o modelo de <strong>família</strong> patriarcal, pelos<br />

mesmos motivos que ensejaram sua existência durante muito tempo, acabaram por<br />

importar em sua derrocada, não somente pelo aspecto negativo que ele<br />

representou, mas sim pela necessidade de ser esculpido um novo arquétipo, de<br />

certa forma corretor das deficiências encontradas no patriarcado. Neste sentido,<br />

cumpre seja feita uma análise mais específica deste modelo pretérito.<br />

4 CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Da <strong>família</strong> patriarcal <strong>à</strong> <strong>família</strong> contemporânea. Disponível em:<br />

Acesso<br />

em: 18 abr. 2009.<br />

12


2.0 O MODELO DE FAMÍLIA PATRIARCAL: EXERCÍCIO DE DESCONSTRUÇÃO<br />

Sem embargo de se fazer uma análise preconceituosa do tema, tampouco<br />

com aplicação de juízo de valor no sentido de informar se determinado modelo de<br />

<strong>família</strong> é bom ou ruim, deve-se antes apontar se determinado modelo é adequado<br />

ou não aos padrões demandados pela sociedade. Neste sentido, julga-se necessária<br />

a realização de um exercício de desconstrução do modelo patriarcal pelas razões<br />

adiante expostas.<br />

Com o passar dos anos, viu-se necessária a aplicação de outro conceito para<br />

<strong>família</strong>. Um conceito que estivesse voltado não tão somente ao preenchimento de<br />

uma característica patrimonial, mas sim também voltado ao ponto de vista afetivo da<br />

questão. Em outras palavras, a <strong>perpetuação</strong> de uma <strong>família</strong> ao longo dos anos,<br />

encontra-se diretamente proporcional <strong>à</strong> visualização das necessidades que também<br />

vão surgindo no decurso do tempo. E o que se vislumbra por necessidade em nossa<br />

sociedade atual, é a demanda por um elemento socioafetivo no arquétipo de <strong>família</strong>,<br />

fazendo com que o detalhe de o homem ser o centro, esteja com os dias contados.<br />

O ideal de <strong>família</strong> sempre esteve presente em todas as codificações, sendo<br />

que não foi diferente com o legislador civilista de 1916 e também não foi diferente<br />

com os constituintes anteriores a 1988. Ao tempo da vigência destes diplomas,<br />

ainda vigia e se exercia o modelo do patriarcado, fazendo com que todos os<br />

institutos legais presentes nestes textos, estivessem escoltados nos mesmos<br />

moldes. Após a Constituição da República de 1988, a qual serviu de certa influência<br />

para a elaboração do Código Civil de 2002, através do notório processo de<br />

“constitucionalização”, passou-se a ter uma aplicação maior de valores mais<br />

humanitários, erigidos aos auspícios de princípios de igualdade e dignidade.<br />

Luiz Edson Fachin assim anota:<br />

Da <strong>família</strong> patriarcal, matrimonializada e hierarquizada, os moldes contemporâneos abrem a<br />

noção para além do casamento civil ou do religioso com efeitos civis, apreendendo a união<br />

livre, a união estável e a monoparentalidade. Elasteceu o conceito impulsionado pelas<br />

mudanças históricas. 5<br />

Quando se fala em Direito de Família, deve-se lembrar de três ramificações<br />

importantes e que, dependendo do modelo que se aplica, podem tomar uma forma<br />

ou outra. Num primeiro momento trabalhamos com a idéia do matrimônio e todas as<br />

5<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 71.<br />

13


conseqüências envolvidas. Num segundo momento a questão da filiação. E, por<br />

derradeiro mas não menos importante, o aspecto do direito assistencial.<br />

Quase desnecessário mencionar a trágica conseqüência que representava a<br />

dissolução de um casamento ao tempo do patriarcado. Afinal, a partir do momento<br />

que se parte do princípio que esposa e filhos são propriedade interina dos pais,<br />

havendo <strong>como</strong> preocupação única a continuidade deste modelo para o fim dos dias,<br />

não há que se falar na existência de qualquer aspecto emocional ou sentimental. De<br />

igual forma ocorria com os filhos ilegítimos. Estes eram praticamente condenados <strong>à</strong><br />

impossibilidade de busca de suas origens e direitos, quase <strong>como</strong> se representasse o<br />

fruto diverso dos demais, desprovido de direitos mas repleto de proibições. Havia<br />

quase que uma noção de proteção por parte do Estado em manter um certo<br />

afastamento destes filhos havidos fora do casamento, do restante da <strong>família</strong>.<br />

Ao pintar o retrato nestes termos, é de fácil compreensão a necessidade de<br />

tomada de outras medidas que venham assegurar os direitos destes filhos, tão<br />

iguais quanto aos que concebidos no âmago do casamento. Assim se processa um<br />

exercício racional de asseguração de direitos.<br />

Outro ponto relevante a ser abordado a fim de contextualizar o patriarcado, é<br />

a figura da concubina. O ideal patriarcal e hierarquizado era deveras presente, que<br />

poder-se-ia pensar na figura de uma mulher que neste tempo era tida <strong>como</strong><br />

responsável pela concessão de prazer na cama, restando <strong>à</strong> esposa legítima o papel<br />

da procriação. Tamanhas eram as atrocidades cometidas contra as concubinas, que<br />

estas passaram a ser enquadradas <strong>à</strong> margem da sociedade.<br />

Neste sentido entende Rozane da Rosa Cachapuz:<br />

As relações entre homem e mulher sem casamento sempre existiram, principalmente,<br />

levando-se em consideração a carga atribuída <strong>à</strong> esposa. Esta era considerada apenas para<br />

procriação, enquanto a concubina era para dar prazer. 6<br />

Existe, nesta situação, um forte choque de bens jurídicos. Ou seja, era mais<br />

prático sujeitar uma pessoa <strong>à</strong> indiferença da sociedade por sua prática, muitas vezes<br />

lançando mão de subterfúgios agressivos de condenação, do que assegurar o direito<br />

<strong>à</strong> saúde, <strong>à</strong> vida e <strong>à</strong> dignidade desta pessoa. O provincianismo presente na mente<br />

social ao tempo do patriarcado limitava os olhos da sociedade <strong>à</strong> visualização<br />

6 CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Da <strong>família</strong> patriarcal <strong>à</strong> <strong>família</strong> contemporânea. Disponível em:<br />

Acesso<br />

em: 18 abr. 2009.<br />

14


somente do que as pessoas tinham de errado ou faziam de errado, ao invés de<br />

apontar suas qualidades enquanto membros da mesma categoria subjetiva.<br />

O instituto do divórcio, outrossim, guarda relevância em nossa abordagem. O<br />

casamento, caracterizado pela consolidação do vínculo conjugal, consolidado pela<br />

soberba chancela do Estado e da Igreja, nasce com a perspectiva de <strong>perpetuação</strong><br />

eterna. Neste particular, qualquer comentário acerca da dissolução matrimonial<br />

surge aos olhos do regime patriarcal <strong>como</strong> uma prática passível de condenação.<br />

Assim, o divórcio enquanto instituto permissivo para a constituição de uma nova<br />

sociedade conjugal, não existia, sendo que somente o casamento era provido de<br />

amparo legal.<br />

Com o perdão da redundância, mais uma vez não se vê qualquer indício de<br />

elementos socioafetivos na questão da ausência do divórcio. Este, nada obstante<br />

muitas vezes estar <strong>à</strong>s voltas de conflitos matrimoniais, acaba por representar a<br />

possibilidade do desfazimento de uma situação para a feitura de outra mais feliz que<br />

a primeira. Felicidade, este é o termo central quando se fala em ideal de <strong>família</strong> no<br />

século XXI. A idéia de felicidade não está em contrair nova sociedade conjugal, mas<br />

sim na possibilidade de acreditar que esta felicidade é atingível, tornando-se muito<br />

mais fácil sua conquista quando o lastro jurídico é presente.<br />

Para Rozane da Rosa Cachapuz:<br />

Através da ótica jurídico-social, o casamento só tem razão de ser, <strong>à</strong> medida que forma uma<br />

comunhão de vida entre homem e mulher. Quando essa comunhão houver sido,<br />

irremediavelmente rompida, torna-se incompreensível ser exigida a abstenção quanto <strong>à</strong><br />

formação, juridicamente reconhecida, de nova comunhão de vida, até mesmo <strong>como</strong> forma de<br />

realização das potencialidades mais altas do ser humano. 7<br />

No que tange a <strong>família</strong> patriarcal, cumpre-nos também abordar sua forma de<br />

constituição, que servirá de base para o entendimento da estrutura em que se erigiu,<br />

bem <strong>como</strong> descoberta de argumentos necessários para sua desconstrução.<br />

A palavra patriarcal já nos traz uma idéia de senhoria, ou seja, o patriarca era<br />

o senhor responsável pela gestão da <strong>família</strong>, formada não somente por esposa e<br />

filhos, <strong>como</strong> também pelos membros externos ao sangue, que eram os empregados,<br />

servos e escravos. Em razão da numerosidade de membros envolvida na formação<br />

da <strong>família</strong>, o chefe, identificado pela figura do pater representava também o poder<br />

7 CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Da <strong>família</strong> patriarcal <strong>à</strong> <strong>família</strong> contemporânea. Disponível em:<br />

Acesso<br />

em: 18 abr. 2009.<br />

15


econômico daquele núcleo de pessoas. Em razão disso, acaba por ser também o<br />

pater, a figura responsável por ditar o destino econômico de seus agregados,<br />

mesmo não sendo de seu sangue.<br />

Tais práticas vinculavam outros núcleos de pessoas que acabavam por se<br />

reportar também a figura do senhor, que eram algumas modalidades de autoridades<br />

religiosas, políticos e membros do poder. Neste sentido, nos é sensível imaginar que<br />

o destino político dos estados ao tempo do patriarcado, era regido aos interesses<br />

dos patriarcas, fazendo com que os núcleos familiares, igreja e estado estivessem<br />

sempre concordes entre si.<br />

Assim demonstra André Raboni:<br />

Na definição da <strong>família</strong> patriarcal, temos uma <strong>família</strong> numerosa, composta não só do núcleo<br />

conjugal e de seus filhos, mas incluindo um grande número de criados, parentes, aderentes,<br />

agregados e escravos, submetidos todos ao poder absoluto do chefe de clã [...]. Nele o pater<br />

seria o chefe do grupo familiar pai, mãe e filhos, mas faz referência a todos que giram em<br />

torno do núcleo centralizador [...]. Dessa forma, o patriarca constitui-se em um núcleo<br />

econômico e um núcleo de poder. 8<br />

Ainda mantendo a perspectiva da análise desconstrutiva do modelo, vê-se<br />

que trata-se de uma forma de organização familiar meramente voltada no vislumbre<br />

do poder e na mantença do mesmo. Isso fez com que a sociedade <strong>à</strong> época sempre<br />

estivesse dividida entre senhores e escravos, gerando a cisão social e<br />

marginalidade de alguns, fato presente até os dias atuais. Em outras palavras, em<br />

que pese termos de avaliar os meios de vida atuais de algumas pessoas, devemos<br />

ter em mente tratar-se uma conseqüência direta do arquétipo de <strong>família</strong> havido muito<br />

antes do processo de “constitucionalização” do direito de <strong>família</strong>.<br />

E foi a conjunção de todos os fatores supramencionados que serviram de<br />

influência para a elaboração dos conservadores dispositivos presentes para o Direito<br />

de Família no Código Civil de 1916. Ainda bastante presente o modelo patriarcal, a<br />

verossimilhança dos dispositivos com a expectativa dos grandes senhores e<br />

patriarcas, configurava-se <strong>como</strong> uma proteção grande em manter o poder nas mãos<br />

deste patriarca, com a figura do homem acima de tudo. A mulher, antes do processo<br />

constitucional de 1988, sempre esteve assumindo um papel meramente secundário,<br />

caracterizado pelo civilista de 1916 <strong>como</strong> auxiliar ao marido na tomada das<br />

decisões, quando este por si só não o fizesse de maneira isolada, tal qual previa o<br />

8 RABONI, André. Explicando o modelo de <strong>família</strong> patriarcal. Disponível em:<br />

Acesso em: 19 abr. 2009.<br />

16


tão conhecido pátrio-poder, devendo este permanecer sempre nas mãos do homem.<br />

Desta forma, o art. 380 do Código Civil de 1916 estabelecia: “Durante o casamento<br />

compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido, com a colaboração da<br />

mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo<br />

com exclusividade”. De maneira não distinta, o art. 233 também informava: “O<br />

marido é o chefe da sociedade conjugal”.<br />

Conforme estabelecido por muitos autores da época, a noção de mantença<br />

de poder nas mãos do homem, sempre esteve relacionada ao fato de somente<br />

persistir o poder de gerir a <strong>família</strong>, se esteve estivesse nas mãos de um dos<br />

cônjuges, sendo preferencialmente o homem, pelo fato de ser ele o mais capaz e o<br />

mais forte para enfrentar seu semelhante em sociedade. Esta era a concepção do<br />

civilista de 1916.<br />

Neste sentido, aponta Marta Regina Pardo Campos Freire:<br />

O pátrio-poder era uma prerrogativa do marido, pois ele era o chefe da <strong>família</strong>. A mulher<br />

ocupava um lugar secundário na hierarquia da titularidade dos direitos. [...] Entendia-se que o<br />

poder de gerir a <strong>família</strong> não poderia subsistir se não estivesse concentrado numa só pessoa,<br />

e que o homem, por sua superioridade natural, por ser mais forte, teria melhores condições<br />

de dirigir a <strong>família</strong>. 9<br />

A desconstrução aqui também se faz necessária, em razão de tratar-se de<br />

uma concepção deveras preconceituosa a certo termo. Afinal, a capacidade da<br />

mulher para gerir uma <strong>família</strong> é tão semelhante a do homem e um raciocínio neste<br />

sentido acaba incompatibilizando as realidades da época com a atual.<br />

Vê-se que esta espécie de concepção acabou gerando reflexos inclusive na<br />

sociedade ao tempo da vigência do patriarcado. As <strong>família</strong>s acabavam por<br />

concentrar-se mais nos meios rurais, envoltos de canaviais, tendo em vista ser o<br />

produto de comércio mais representativo da época. A economia se fazia da<br />

plantação das canas de açúcar, sendo que os proprietários de grandes extensões de<br />

terra representavam justamente a figura do patriarca. Época cronologicamente<br />

situada simultaneamente ao período da colonização do país, com a presença da<br />

corte portuguesa em terras brasileiras, fez com que os usos e costumes da<br />

sociedade sempre estivessem voltados ao atendimento dos interesses do pater.<br />

Enfim, visivelmente perceptível as influências geradas pela dominância do<br />

modelo de <strong>família</strong> patriarcal no Brasil até o advento do Código Civil de 2002,<br />

9 FREIRE, Marta Regina Pardo Campos. Poder familiar. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado em<br />

Direito Civil) – Direito das Relações Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 20.<br />

17


totalmente escoltado em reformas pensadas a partir de um processo de<br />

“constitucionalização” gerado pela Constituição Federal de 1988.<br />

Este arquétipo merece atenção em todos os seus aspectos, justamente a fim<br />

de servir <strong>como</strong> alvo de críticas e reformas até a instalação de um modelo que<br />

tivesse elementos socioafetivos presentes. Logicamente, nada obstante a presença<br />

de toda a reforma em nosso diploma civil atual, ainda estamos muito longe de servir<br />

<strong>como</strong> referência em preocupação com aspectos que visem a felicidade plena na<br />

união de pessoas, mas já está representado um primeiro passo neste sentido.<br />

Entende-se que em razão dos interesses sociais da época, outro modelo<br />

familiar seria praticamente inviável. Poder-se-ia inclusive apontar que, talvez diante<br />

da inexistência de um modelo hierarquizado <strong>como</strong> estes, não se fosse arquitetado o<br />

modelo <strong>eudemonista</strong> <strong>como</strong> base comparativa. A crítica que se faz é sim, justamente<br />

a inadequação dos modelos em subsunção <strong>à</strong>s demandas sociais ao tempo do<br />

pensamento em tais arquétipos.<br />

Num primeiro momento se tem a figura do matrimônio. Em uma sociedade em<br />

que cada vez mais as mulheres estão assumindo cargos e responsabilidades de<br />

gestão, muitas vezes acima da responsabilidade assumida por muitos homens, não<br />

há mais que se falar em poder familiar havido plenamente em mãos masculinas.<br />

Deve-se quebrar este clichê a ponto de elastecer esta interpretação para se dividir a<br />

gestão da <strong>família</strong> com a esposa.<br />

De igual forma pensa-se a figura do divórcio. Esta já representa uma<br />

evolução direcionada ao respeito a elementos socioafetivos. Ao tempo da<br />

inexistência de um instituto que valorizasse a possibilidade de dissolução de uma<br />

sociedade conjugal, as pessoas permaneciam neste status, em razão da aliança<br />

existente entre o poder do Estado e o poder da Igreja, cujos interesses eram<br />

comuns, independente de representar algo positivo para o casal ou não. Já nos dias<br />

de hoje, isto sem tem alterado, visto que a figura do divórcio é uma realidade. Assim,<br />

o Estado passou a chancelar a dissolução da sociedade conjugal quando esta, por<br />

seus elementos, não guarda mais condições de <strong>perpetuação</strong>.<br />

Assim, em razão do exposto, passa-se a verificar a necessidade emergente<br />

de se estabelecer um modelo que passe a propiciar felicidade na formação de<br />

elementos familiares e trabalhe com conceitos de socioafetividade. Somente assim<br />

estar-se-á atendendo a demanda social atual.<br />

18


3.0 O MODELO EUDEMONISTA DE FAMÍLIA: VISÃO DE REFORMA<br />

Acredita-se que o ponto central da retórica deste capítulo esteja justamente<br />

voltada para o processo de “constitucionalização” suportado pelo novo diploma civil<br />

pátrio, por conta das influências recebidas pela Constituição de 1988 que,<br />

abalroando as mazelas existentes em codificações passadas, procura o conceito de<br />

socioafetividade quando se fala em <strong>família</strong> e/ou direito de <strong>família</strong>.<br />

A caráter de exemplo, os filhos havidos fora do casamento em concepções<br />

anteriores <strong>à</strong> 1988 e mais especificamente anteriores ao Código Civil de 2002, não<br />

eram tidos <strong>como</strong> filhos providos de direitos, realidade que passou a ser<br />

eminentemente alterada a partir do momento que novos conceitos de <strong>família</strong><br />

passaram a ser levados em conta.<br />

A <strong>família</strong> patriarcal, única e exclusivamente preocupada ao atendimento dos<br />

interesses do patriarca, deixa de manifestar preocupação com o instituto que<br />

representa a <strong>família</strong> enquanto uma união afetiva de pessoas. Neste sentido, com o<br />

advento de elementos de vanguarda no conceito de <strong>família</strong> de hoje, os filhos<br />

passam a ter o direito a um ambiente digno e sadio.<br />

Assim estabelece Luiz Edson Fachin:<br />

Sob a ótica dos filhos, consiste, isso sim, num direito básico de ter <strong>família</strong> e crescer num<br />

ambiente digno e sado, ao menos o atendimento de suas necessidades fundamentais:<br />

habitação, saúde e educação. 10<br />

Em razão do atendimento de tais interesses no âmbito da <strong>família</strong>, chega-se<br />

inclusive ao ponto da discussão a respeito do ramo do Direito em que se enquadra o<br />

Direito de Família: Direito Público ou Direito Privado?<br />

Tendo em vista os interesses eminentemente privados, acaba-se por destinar<br />

os cuidados do Direito de Família ao Direito Privado. Em que pese tal fato, o<br />

casamento a partir do momento que deixa de ser considerado <strong>como</strong> contrato e<br />

passa a ser concebido <strong>como</strong> instituição, enquadra-se mais na figura do Direito<br />

Público. Assim, os dois ramos convivem em congruência.<br />

Nas palavras de Luiz Edson Fachin:<br />

Na especialização racionalista, debate-se a integração com a seara pública ou a permanência<br />

no domínio privado. Diante das peculiaridades, chegaria a sustentar-se <strong>como</strong> ramo quase<br />

autônomo, nem público, nem privado. Mais que isso, no mesmo horizonte, haveria o Direito<br />

Público de Família e o Direito Privado de Família. 11<br />

10<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 74.<br />

11<br />

Id.<br />

19


Apesar da tentativa que se faz em compreender o Direito de Família no<br />

âmbito do Direito Público, diz-se tratar-se ainda em grande parte de Direito Privado,<br />

tendo em vista todas as manifestações de vontade indispensáveis <strong>à</strong> sua<br />

constituição. Ou seja, a <strong>família</strong> só existe e se mantém por disposições próprias de<br />

vontade de cada sujeito. De outra parte, na parcela do Direito de Família<br />

denominado por Direito Matrimonial, o casamento somente é chancelado <strong>à</strong> luz da<br />

outorga do Estado, não deixando de ter parcela pública.<br />

Assim dispõe Luiz Edson Fachin:<br />

Se decidir casar, evidentemente o fará por um ato de tal liberdade, mas sendo a <strong>família</strong><br />

matrimonializada, só poderá fazê-lo pelo meio através do qual o Estado prescreve. Regra<br />

cogente, mas isso não significaria ausência de deliberação própria, que, no entanto, depende<br />

de certas circunstâncias [...]. 12<br />

De outra parte, a discussão reside nas evoluções sofridas pelo novo<br />

entendimento do Direito de Família com o advento da Constituição de 1988. Antes<br />

do novo código, ainda sob influências patriarcais, a informação legal se dava da<br />

seguinte forma: “O marido define o domicílio da <strong>família</strong>”. Após o processo de<br />

“constitucionalização”, a discurso passou a mudar, quando a direção da <strong>família</strong><br />

passou a ser diárquica, sendo que a idéia é informada de outra maneira: “A direção<br />

da <strong>família</strong> é exercida igualmente pelo marido e pela mulher”.<br />

De acordo com Luiz Edson Fachin:<br />

A Constituição de 1988 estabeleceu a direção diárquica da <strong>família</strong> <strong>à</strong> luz da igualdade. Para o<br />

antigo Código Civil: “O marido define o domicílio da <strong>família</strong>”, coerente com a direção unitária<br />

do modelo familiar. Para a Constituição Federal: “A direção da <strong>família</strong> é exercida igualmente<br />

pelo marido e pela mulher”. 13<br />

Outro importante aspecto a ser mencionado nesse descritivo da <strong>família</strong><br />

<strong>eudemonista</strong>, diz com a passagem do Código Civil para o Código Constitucional,<br />

algo já mencionado de maneira tênue em parágrafos anteriores.<br />

A definição de <strong>família</strong> está voltada a esta passagem. Antes, todas as<br />

disposições eram previstas no Código Civil de 1916, onde predominava o aspecto<br />

patriarcal, hierarquizado e transpessoal. A característica <strong>eudemonista</strong> de <strong>família</strong>,<br />

com noções de socioafetividade, passou a surgir com o advento da Constituição<br />

Federal de 1988, onde o aspecto passou a ser de igualdade substancial, plural e<br />

<strong>eudemonista</strong>.<br />

12<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 76.<br />

13<br />

Ibid., p.77.<br />

20


Luiz Edson Fachin assim determina:<br />

Num sentido amplo, contextualizado, a <strong>família</strong> se define juridicamente, nesse momento<br />

contemporâneo, na passagem do Código <strong>à</strong> Constituição. Com a vigência da Constituição em<br />

1988, que chamou para si o papel de lei fundamental da <strong>família</strong> até então ocupado pelo<br />

Código Civil de 1916 e leis esparsas. [...] Tocadas pela dimensão contemporânea, indicam o<br />

Direito de Família de “outra ordem”, aquela da igualdade substancial, da visão plural e<br />

<strong>eudemonista</strong>. 14<br />

Um espécime erigido nos moldes mais específicos do modelo <strong>eudemonista</strong> é<br />

<strong>família</strong> não matrimonializada. Aqui inserem-se a união estável, a união livre e a<br />

monoparentalidade.<br />

Sobre a união estável pode-se dizer tratar-se de uma organização familiar<br />

parecida com o casamento, podendo neste se converter <strong>à</strong> critério do casal. Ou seja,<br />

não existe até a conversão em casamento, uma certidão comprobatória do mesmo,<br />

sendo que o casal permanece na condição de casado por livre disposição de sua<br />

vontade.<br />

Já no que toca <strong>à</strong> união livre, a conversão em casamento não é possível, visto<br />

tratar-se de algo não lastreado pelo direito, por referir uma relação paralela ao<br />

casamento. Deveras parecida com a figura do concubinato em tempos pretéritos.<br />

A monoparentalidade, acredita-se, representa o maior exemplo de modelo<br />

<strong>eudemonista</strong>, visto que na sociedade pré-constitucional de 1988, jamais imaginarse-ia<br />

a possibilidade de denominar <strong>família</strong>, aquela formada sem a necessidade da<br />

presença de um dos genitores. Pois assim se demonstra a presença de elementos<br />

socioafetivos mais que intensos para identificar o modelo <strong>eudemonista</strong> nesta<br />

modalidade de <strong>família</strong> não matrimonial.<br />

Para Luiz Edson Fachin:<br />

No espaço da pluralidade familiar tem assento a <strong>família</strong> não matrimonializada. Nesse ninho<br />

sem moldura apresenta-se a união estável, a união livre e monoparentalidade. A união<br />

estável liga-se a um padrão familiar próximo ao casamento, facultada a conversão em<br />

casamento [...] a união livre corresponde a uma associação informal não suscetível de<br />

conversão, e as <strong>família</strong>s monoparentais são formadas em diversos modelos que não se<br />

resumem a pais e mães solteiras. Entes sob nova arquitetura de relação familiar. 15<br />

No aspecto das relações não matrimoniais, vale a discussão acerca da<br />

intervenção ou não estatal sobre a regulamentação dessas relações, quer seja no<br />

aspecto do matrimônio em si, quer seja no aspecto patrimonial envolvendo tais<br />

14<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 81.<br />

15<br />

Ibid., p. 92.<br />

21


elações. Por tratar-se de relações não matrimoniais, certa parcela de entendimento<br />

informa que a intervenção do Estado deve ser mínima, devendo apenas existir uma<br />

proteção legal voltada para o aspecto patrimonial que envolve as relações. Porém, a<br />

problemática deste aspecto encontra-se no fato de abordar um nicho muito restrito<br />

de pessoas, em razão de abordar o aspecto patrimonial <strong>como</strong> sendo o principal.<br />

Assim, a opção pela união sem o matrimônio acabaria sendo a menos dispendiosa<br />

financeiramente. Em razão disso, a intervenção legal existe.<br />

Neste particular, a legislação deve apresentar uma intervenção mínima, sob<br />

pena de incorrer em incentivo da prevalência do mais forte sobre o mais fraco,<br />

quando se trata de questões econômicas e culturais.<br />

Assim demonstra Luiz Edson Fachin:<br />

Há refutação para quem entenda que o Estado deve se manter no limite negativo, isto é, não<br />

deve se imiscuir nas relações pessoais derivadas de uniões não matrimonializadas. [...]<br />

Quando muito, intervir nas chamadas relações patrimoniais, isto é, definir regras sobre<br />

partilha do patrimônio [...] Elitista e equivocada a crítica segundo a qual a nova legislação é<br />

exageradamente concessiva. Deixar ao sabor destas circunstâncias a regulação destas<br />

relações é sustentar que prevaleça a opressão do mais forte (econômica e culturalmente)<br />

sobre o mais fraco. 16<br />

Conforme se observa, existe uma preocupação com a intervenção do Estado<br />

na regulação destas formas de relação, entendendo as mesmas <strong>como</strong> maneiras de<br />

constituição de <strong>família</strong>. Em outras palavras, nas codificações passadas, tais práticas<br />

de constituição familiar seriam reputadas <strong>como</strong> nada ortodoxas. Porém, para a<br />

legislação atual, a preocupação é tão existente quando <strong>à</strong>quela repousada sobre as<br />

relações matrimoniais ordinárias. Mais um reflexo <strong>eudemonista</strong> presente na<br />

hermenêutica legislativa.<br />

Alguns modelos de legislação esparsa também refletem a presença de<br />

reforma legislativa para o semblante de asseguração de direitos havidos por conta<br />

do eudemonismo. Um desses exemplos é o direito de alimentos e direito sucessório,<br />

havidos no status familiar de “companheirato”, presente na lei ordinária 8.971/1994.<br />

Ao tratarmos de mais alguns pontos específicos de evolução jurídica,<br />

podemos mencionar a questão da mulher perante o direito e a questão da união civil<br />

de pessoas do mesmo sexo. Procura-se aqui, falar em evolução jurídica e não<br />

evolução legislativa, posto que muitos dispositivos legais ainda mantêm o ranço da<br />

16<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 96-97.<br />

22


perspectiva patriarcal ante <strong>à</strong>s novas tendências de hermenêutica jurídica. Deveras<br />

ignorante a nosso ver, mas que nos tribunais têm sofrido reformas no momento de<br />

sua aplicação.<br />

A caráter de exemplo, a situação da mulher ainda tem se expressado de<br />

maneira bastante preconceituosa e discriminatória, uma vez escoltar-se na<br />

interpretação patriarcal. De outro lado, o preceito de igualdade, fomentando afeto e<br />

solidariedade, já vem tomando lugar em muitos produtos do Poder Judiciário.<br />

Como entende Luiz Edson Fachin:<br />

O estereótipo do modelo clássico superado tem se reproduzido no Judiciário, sem que seja<br />

lícito reduzir as idéias emergentes de sentenças e acórdãos a uma visão monolítica. É<br />

possível asseverar, de um lado, ainda, o predomínio de valoração negativa das novas<br />

condutas, mas, de outro, afirma-se tenuamente os novos valores, <strong>como</strong> o da igualdade entre<br />

os gêneros. 17<br />

No que tange <strong>à</strong> união civil realizada entre pessoas do mesmo sexo, pode-se<br />

mencionar a existência de alguns precedentes jurisprudenciais existentes. Vale<br />

dizer, presença de um julgado realizado no Rio de Janeiro, reconhecendo com<br />

algumas limitações a união civil de pessoas do mesmo sexo, posto que presente a<br />

noção de afeto e companheirismo, bem <strong>como</strong> interesses comuns. Ou seja, mais um<br />

viés de eudemonismo.<br />

Para não incorrer em parcialidade de opinião absoluta, o relator do julgado<br />

realizado no Rio de Janeiro, lança mão do discurso voltado ao atendimento da não<br />

intervenção do Estado na vida íntima de outrem, a invés da utilização de discurso<br />

moralista e/ou conservador. Enquadrado <strong>como</strong> intimidade, reconhecidamente<br />

caracterizado <strong>como</strong> personalíssimo, o direito <strong>à</strong> orientação sexual procura informar<br />

justamente a possibilidade de não ser relevante quando trata-se de constituição<br />

familiar.<br />

Nas palavras de Luiz Edson Fachin:<br />

O direito personalíssimo <strong>à</strong> orientação sexual conduz a afastar a identificação social e jurídica<br />

das pessoas por esse predicado. Andou, ao menos em parte, contra essa trilha de<br />

preconceito o acórdão, antes mencionado, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de<br />

Janeiro, quando, na voz do relator, assentou ser “impertinente qualquer indagação sobre a<br />

vida íntima de um e de outro”, evitando resvalar para um subjetivismo discutível. 18<br />

Cumpre ser informado, outrossim, quando se trata do Direito assumindo<br />

posições de uniões civis formadas por casais do mesmo sexo, que esta é uma<br />

17<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.117.<br />

18<br />

Ibid., p.121.<br />

23


ealidade presente diante de nossos olhos, não podendo o Direito abdicar-se de<br />

fornecer uma resposta juridicamente válida e condizente com a situação que se lhe<br />

apresenta. A realidade sempre acaba superando o Direito, posto que posterior.<br />

Neste sentido, as respostas do Poder Judiciário não podem e não devem ser<br />

tendenciosas a preceitos patriarcais, desprovidos de eudemonismo, a ponto de não<br />

atender a demanda social. Ainda existem muitos julgados arraigados a velhos<br />

preceitos e/ou respondidos ao nível da ausência de posição específica, talvez por<br />

receio da contraprestação de seus pares. Em que pese tais fatos, alguns julgados,<br />

tal <strong>como</strong> o mencionado no Rio de Janeiro, já compreendem a gravidade da situação<br />

de uma não resposta, ditando o direito de maneira concreta, ainda que<br />

ingenuamente referenciado. Esta sim trata-se de uma posição desprovida de<br />

discriminação, que aceita a dicção do direito a casais do mesmo sexo, não por<br />

serem do mesmo sexo, visto que a orientação sexual, <strong>como</strong> reiteradamente<br />

mencionada no decorrer deste projeto, refere direito personalíssimo, mas sim por<br />

serem sujeitos em busca de solução jurídica para sua demanda.<br />

De acordo com Luiz Edson Fachin:<br />

Há, por conseguinte, um estereótipo do modelo clássico superado que tem se reproduzido,<br />

sem que seja lícito reduzir as idéias emergentes de sentenças e acórdãos a uma única<br />

concepção monolítica. Se, de um lado, predomina a valoração negativa das condutas, de<br />

outro afirma-se tenuamente os novos valores, <strong>como</strong> a igualdade entre os gêneros, liberdade<br />

e não discriminação. 19<br />

O que deve ser mencionado também, quando se trata de união civil entre<br />

pessoas do mesmo sexo, é o aspecto patrimonial inerente <strong>à</strong> aquisição de bens por<br />

parte desse casal. Assim, a legislação esparsa que regula uniões não matrimoniais<br />

traz em termos genéricos a divisão dos bens com o companheiro, que auxilia na<br />

aquisição do patrimônio.<br />

Saindo da seara patrimonial e adentrando no âmbito paternal das <strong>família</strong>s<br />

constituídas por pessoas do mesmo sexo, não pode-se deixar de mencionar o<br />

respeito <strong>à</strong> diferença. Conforme pode ser observado em nossa retórica até então,<br />

muitas são as possibilidades de constituição de <strong>família</strong>, sendo que uma delas voltase<br />

<strong>à</strong> busca pelo elemento de afeto e gerador de felicidade e amor na <strong>família</strong>. Em<br />

outras palavras, o conceito de <strong>família</strong> foge do argumento da necessidade de<br />

procriação, a fim de respeitar a noção do vínculo afetivo <strong>como</strong> sendo o principal.<br />

19<br />

FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo Código Civil brasileiro. 2ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 123.<br />

24


Não fosse dessa forma, estariam sendo excluídos de proteção jurídica os casais que<br />

auto deliberadamente decidem não ter filhos, e/ou aqueles que não podem tê-los por<br />

circunstâncias alheias <strong>à</strong> sua vontade. A fim de abarcar também estas situações, o<br />

modelo <strong>eudemonista</strong> de <strong>família</strong> surge <strong>como</strong> alternativa mais completa.<br />

Nas palavras de Juliane Mayer Grigoleto:<br />

E nos filiamos a corrente que considera a união entre homossexuais <strong>como</strong> <strong>família</strong>, porque<br />

acreditamos que a <strong>família</strong> é um grupo de pessoas ligadas por interesses ou convicções<br />

comuns. Não abrange somente o fim reprodutivo porque o que seria dos casais que não<br />

podem ter filhos? E os que podendo decidem não ter? Será que não merecem proteção do<br />

Estado? Assim, optamos pela <strong>família</strong> <strong>eudemonista</strong> que considera a busca de uma vida feliz,<br />

de maneira individual ou coletiva, o princípio e o fundamento dos valores morais, julgando<br />

eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem <strong>à</strong> felicidade, o que não<br />

depende necessariamente da diversidade de sexos e do casamento. 20<br />

Nossa legislação, durante muito tempo, vinculou a questão da adoção de<br />

crianças a um pressuposto casamento. Se continuássemos perpetuando esta idéia,<br />

a adoção por homossexuais seria impossível legalmente, tendo em vista a<br />

constituição de <strong>família</strong> por homossexuais ainda não ser tutelada pelo Direito. Porém,<br />

<strong>como</strong> a união civil entre pessoas do mesmo sexo, nada obstante não referir<br />

casamento, o refere união estável, sendo perfeitamente possível a adoção neste<br />

caso. Reiterando, a tônica reside na questão do afeto, do carinho e da união dos<br />

membros do casal para a constituição da <strong>família</strong> e concessão de um ambiente sadio<br />

para o adotado. Desta forma, deveras preconceituoso seria tolher esta modalidade<br />

de adoção por razões ligadas <strong>à</strong> uniformidade de gênero sexual.<br />

Assim, diante do exposto no presente capítulo, sensivelmente perceptível o<br />

fato de o modelo <strong>eudemonista</strong> de <strong>família</strong> ser algo de necessidade absoluta quando<br />

se realiza qualquer espécie de hermenêutica da área no século XXI. O Direito de<br />

Família, tal qual o modelo de <strong>família</strong> estabelecido ao longo dos anos, sustentou-se<br />

única e exclusivamente pelo fato de existir um vislumbre das novas tendências e ter<br />

passado por um intenso processo de adaptação.<br />

Justifica-se, muitas vezes, o conceito patriarcal de <strong>família</strong>, pela estada do<br />

aspecto econômico no âmbito desta <strong>família</strong>. Ocorre que, com o advento da<br />

industrialização, a economia passa a ser direcionada aos grandes campos<br />

industriais e ao comércio, permanecendo apenas o semblante afetivo no âmbito<br />

20 GRIGOLETO, Juliane Mayer. Aspectos conjunturais da adoção de crianças por<br />

homossexuais. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6502> Acesso em: 22<br />

abr. 2009.<br />

25


familiar, escoltado no sentimento. Em outras palavras, deixa-se de pensar única e<br />

exclusivamente na <strong>família</strong> <strong>como</strong> um meio para sustentar um negócio e passa-se a<br />

imaginá-la <strong>como</strong> uma agregação afetiva e salutar de pessoas.<br />

Por derradeiro, vê-se o eudemonismo não <strong>como</strong> um critério supletivo ao<br />

modelo patriarcal, mas sim <strong>como</strong> um arquétipo sem o qual, o conceito de <strong>família</strong> e a<br />

proteção desta pelo Direito, acabariam encontrando um caminho sem volta, cujo<br />

destino seria o insucesso.<br />

26


4.0 HOMOAFETIVIDADE: REFLEXO DO EUDEMONISMO<br />

Acredita-se que a tônica aqui esteja completamente voltada <strong>à</strong> utilização de<br />

dois meios básicos de interpretação construídos pelo Direito <strong>como</strong> ferramenta de<br />

trabalho. Vale dizer: interpretação extensiva e analogia.<br />

Neste sentido, quer-se dizer que, em que pese um texto legal lance mão de<br />

separar o homem e a mulher na identificação de um casamento ou de uma união<br />

estável, referido conceito pode ser transmitido, outrossim, para as relações<br />

homoafetivas. Em outras palavras, <strong>como</strong> o próprio nome traz: homoafetividade,<br />

trata-se de um relacionamento que possui por escopo exatamente o que se pretende<br />

de uma relação, aos olhos do Estado, não obstante o disposto no art. 1514 do<br />

Código Civil.<br />

O art. 1723 do Código Civil, ao mencionar termos <strong>como</strong> convivência pública,<br />

contínua e duradoura, está justamente apontando características perfeitamente<br />

passíveis de configuração por casais homossexuais. Se, tal <strong>como</strong> ocorre em casais<br />

heterossexuais, a procriação não refere um elemento indispensável para a<br />

configuração da <strong>família</strong>, por motivos outrora abordados em nossa explanação, para<br />

os casais homoafetivos a interpretação não deve ser diferente, mesmo porque<br />

institutos <strong>como</strong> a adoção, conseguem abalroar de maneira hiperbólica os<br />

argumentos destinados <strong>à</strong> procriação.<br />

Nestes termos, defende Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, em artigo publicado no<br />

sítio do Instituto Brasileiro de Direito de Família:<br />

Considerando que a interpretação extensiva e a analogia são técnicas de interpretação<br />

jurídica que visam colmatar lacunas na legislação, deve-se fazer uma análise para se saber<br />

se a situação não-citada pelo texto normativo é idêntica ou idêntica no <strong>essencial</strong> <strong>à</strong>quela<br />

citada pelo texto normativo, de forma que, se a resposta for positiva, estender o regime<br />

jurídico da situação expressamente citada <strong>à</strong>quela que não o foi pela interpretação extensiva<br />

ou pela analogia, respectivamente. Ou seja, se as situações forem idênticas, aplicar-se-á a<br />

interpretação extensiva; se as situações forem distintas mas tiverem o mesmo elemento<br />

<strong>essencial</strong>, aplicar-se-á a analogia. Em ambos os casos, o resultado será o mesmo: a<br />

extensão do regime jurídico da situação expressamente citada <strong>à</strong> situação não-citada pelo<br />

texto normativo. [...] A própria legislação traz as respostas, através de sua interpretação<br />

teleológica. O art. 1.511 do CC/02 afirma que o casamento civil estabelece uma "comunhão<br />

plena de vida" entre os cônjuges. O art. 1.723 do CC/02 afirma que a união estável é aquela<br />

pautada por uma "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo<br />

de constituição de <strong>família</strong>". Constituir <strong>família</strong> não significa "ter filhos", "pretender ter filhos" ou<br />

mesmo "poder ter filhos", pois, se fosse este o caso, casais heteroafetivos estéreis não<br />

poderiam ter sua união estável reconhecida e não poderiam se casar, o que evidentemente<br />

não é o caso. 21<br />

21 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Homoafetividade e <strong>família</strong>. Casamento civil, união estável e<br />

adoção por casais homoafetivos <strong>à</strong> luz da isonomia e da dignidade humana. Disponível em: <<br />

http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=434> Acesso em: 24 abr. 2009.<br />

27


Neste aspecto da extensão dos modelos de interpretação aos casais<br />

viventes de maneira homoafetiva, pode-se dizer que o elemento afeto procura<br />

determinar a formação da organização familiar, mas não o afeto tal <strong>como</strong> o é<br />

imaginado. A fim de se configurar <strong>família</strong>, há de se imaginar, muito além do afeto<br />

puro e simplesmente, a presença do amor familiar, que é a união de todos os<br />

valores bons e positivos impostos por nossa Constituição no sentido de justificar<br />

uma <strong>família</strong> formada por laços de união estável. Como, em nosso entendimento, tais<br />

valores são perfeitamente utilizados e exercidos por casais homoafetivos, não há<br />

que se falar em não transmitir esse direito de união estável a esses casais, inclusive<br />

para efeito de adoção.<br />

As novas tendências de nossa sociedade demandam uma resposta jurídica <strong>à</strong><br />

questão. Praticamente impossível imaginar que o Poder Judiciário, esfera<br />

responsável por realizar a subsunção dos fatos <strong>à</strong>s norma e, diante da ausência<br />

destas, uma interpretação capaz de fornecer resposta <strong>à</strong> todas as perguntas da vida<br />

social, para esta questão permaneça silente.<br />

Para Paulo Roberto Iotti Vecchiatti:<br />

Isso é importante de ser destacado porque há uma corrente doutrinária que, quando enfrenta<br />

o argumento do afeto existente na união homoafetiva diz que o afeto seria irrelevante para o<br />

deslinde da causa - mas, <strong>como</strong> não é o mero afeto que se defende <strong>como</strong> o elemento<br />

formador da <strong>família</strong> contemporânea, mas o citado amor familiar, o argumento improcede. [...]<br />

Pode-se indagar porque se fala em interpretação extensiva ou analogia. Como mencionado,<br />

as duas versam sobre uma situação citada pelo texto normativo e outra não citada, embora a<br />

interpretação extensiva refira-se a duas situações idênticas e a analogia refira-se a duas<br />

situações que, embora diferentes em algum aspecto, são idênticas no <strong>essencial</strong>, naquilo que<br />

justifica a normatização do fato regulamentado. Nesse sentido, considero que as uniões<br />

homoafetivas são idênticas <strong>à</strong>s uniões heteroafetivas tendo em vista que ambas são pautadas<br />

pelo mesmo amor familiar, sendo absolutamente irrelevante o fato de termos duas pessoas<br />

do mesmo sexo em um caso e duas pessoas de sexos diversos em outro, o que não<br />

configura nenhuma diferença - não mais do que a existente entre um casal heteroafetivo<br />

formado por brancos e um casal heteroafetivo formado por negros. Mas, caso se considere<br />

que isso configuraria uma "diferença" entre as situações, então só se pode concluir que não<br />

se trata de uma diferença relevante na medida em que ambas as uniões são pautadas pelo<br />

mesmo elemento <strong>essencial</strong>, a saber: o amor familiar, que é o elemento formador da <strong>família</strong><br />

contemporânea. 22<br />

Fato mais que notório e que demanda nossa atenção ao abordar este tema, é<br />

que na situação das uniões homoafetivas, tal qual elas vêm sendo abordadas pelo<br />

Direito, têm sofrido uma severa discriminação jurídica nas palavras de Paulo<br />

Vecchiatti. Pode-se dizer que uma série de direitos assegurados aos casais<br />

22 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Homoafetividade e <strong>família</strong>. Casamento civil, união estável e<br />

adoção por casais homoafetivos <strong>à</strong> luz da isonomia e da dignidade humana. Disponível em: <<br />

http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=434> Acesso em: 24 abr. 2009.<br />

28


heteroafetivos e que, diante da aplicação da analogia e da interpretação extensiva,<br />

poderiam estar sendo consagrados também aos casais homoafetivos. Em outras<br />

palavras, não existe tratamento isonômico para os casais do mesmo sexo na<br />

legislação brasileira, salvo algumas manifestações esparsas demonstradas pelo<br />

Poder Judiciário e tampouco respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.<br />

Quando está-se tratando da idéia concernente <strong>à</strong> isonomia, não se está<br />

querendo, única e exclusivamente, tratar da vedação de manifestações arbitrárias,<br />

mas sim da função social da igualdade na mesmo tom.<br />

Assim dispõe Paulo Vecchiatti:<br />

Por outro lado, é de se notar que a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello deve ser<br />

complementada com a ponderação de Canotilho no sentido de que o princípio da isonomia<br />

não se resume <strong>à</strong> proibição do arbítrio (tão bem explicitada pelo primeiro), mas também <strong>à</strong><br />

função social da igualdade, no sentido de ser a isonomia uma imposição constitucional<br />

relativa que, por isso, a caracteriza <strong>como</strong> uma forma de eliminação das desigualdades<br />

fáticas. Em outras palavras, ainda que a isonomia genericamente considerada não<br />

fundamente um dever absoluto de legislação, fundamenta um dever de legislação relativo,<br />

uma imposição constitucional acessória, uma exigência de atuação relativa, no sentido de<br />

que quando existirem pessoas <strong>essencial</strong>mente iguais <strong>à</strong>quelas que foram objeto de<br />

regulamentação legal [e, com muito mais razão, absolutamente iguais], o princípio da<br />

igualdade exige para estes uma disciplina legal igual <strong>à</strong> estabelecida para os casos já<br />

regulados, fundamentando um dever legislativo de atuação nesse sentido. 23<br />

Ao tratarmos que a singularização dada ao tratamento da união estável e do<br />

casamento civil, em certa medida representa uma discriminação jurídica na<br />

aplicação do princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana, aviltando os<br />

motivos para os quais o princípio foi criado, quer-se dizer que este último princípio<br />

não está sendo aplicado a todas as pessoas da coletividade. Em outras palavras, ele<br />

foi criado para que abarcasse todas as situações a todas as pessoas, sem<br />

precedência de relativização, visando a distribuição da felicidade. Assim, o gênero<br />

sexual de um casal, de maneira alguma deve ser <strong>baliza</strong> para fins de lançamento de<br />

efeitos dos princípios.<br />

Como o princípio da dignidade da pessoa humana representa um princípio<br />

expresso em nossa Constituição e o tratamento dado aos casais homoafetivos, pelo<br />

Direito, tem desrespeitado a aplicação do princípio, não só da dignidade da pessoa<br />

humana <strong>como</strong> também da isonomia, pode-se falar sem receio de conseqüência, que<br />

23 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Homoafetividade e <strong>família</strong>. Casamento civil, união estável e<br />

adoção por casais homoafetivos <strong>à</strong> luz da isonomia e da dignidade humana. Disponível em: <<br />

http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=434> Acesso em: 24 abr. 2009.<br />

29


está-se diante de uma inconstitucionalidade veemente, em razão da discriminação<br />

aplicada ao caso.<br />

Assim dispõe Paulo Roberto Iotti Vecchiatti:<br />

Dessa forma, considerando a inexistência de uma motivação lógico-racional que justifique a<br />

discriminação de casais homoafetivos em relação a casais heteroafetivos por conta<br />

unicamente da orientação sexual e do sexo de um dos membros do casal (pois, se um dos<br />

membros do casal fosse de sexo oposto ao seu, não se obstaria seu casamento civil ou união<br />

estável, donde comprovada a discriminação por sexo também neste caso), assim <strong>como</strong> pela<br />

inexistência de coerência de dita discriminação com os demais valores constitucionais (em<br />

especial da promoção do bem estar de todos, da justiça e da pluralidade), então afigura-se<br />

inconstitucional o não-reconhecimento do casamento civil e da união estável entre casais<br />

homoafetivos - pelos direitos negados (isonomia) e pelo arbitrário menosprezo aos casais<br />

homoafetivos que só serão verdadeiramente felizes se puderem consagrar sua união pelo<br />

casamento civil, por toda a simbologia que ele traz (dignidade da pessoa humana). 24<br />

Outro ponto a ser abordado com o fim de justificar a possibilidade de união<br />

estável por parte de casais homoafetivos, reside no aspecto de que antes havia uma<br />

preocupação por parte do Estado em atender a forma pela qual a <strong>família</strong> era<br />

constituída. No entanto, em razão dos novos valores, inclusive pela substituição do<br />

termo pátrio poder para poder familiar, as novas diretrizes seguem o aspecto em que<br />

a <strong>família</strong> possui de substância, de conteúdo. Ou seja, deixa-se de preocupar com a<br />

forma pura e simplesmente, para dedicar atenção ao conteúdo do espaço em que<br />

uma <strong>família</strong> se desenvolve. E pensando por este prisma, os relacionamentos<br />

homoafetivos auferem o mesmo status de casais heteroafetivos, no que concerne<br />

aos escopos de busca da felicidade, auxílio mútuo, convivência e companheirismo.<br />

A proteção jurídica que era dispensada com exclusividade <strong>à</strong> 'forma' familiar (pense-se no ato<br />

formal do casamento) foi substituída, em conseqüência, pela tutela jurídica atualmente<br />

atribuída ao 'conteúdo' ou <strong>à</strong> substância: o que se deseja ressaltar é que a relação estará<br />

protegida não em decorrência de possuir esta ou aquela estrutura, mesmo se e quando<br />

prevista constitucionalmente, mas em virtude da função que desempenha - isto é, <strong>como</strong><br />

espaço de troca de afetos, assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou<br />

convivência entre pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos<br />

diferentes. 25<br />

A fim de corroborar tudo quanto foi expressado até o presente momento,<br />

cumpre-nos transcrever excertos de votos dados por magistrados conformes <strong>à</strong> teoria<br />

esboçada, justificando o positivismo discriminatório existente e derrubando-o com<br />

argumentos hiperbólicos, escoltados nos princípios da isonomia e da dignidade da<br />

pessoa humana. Assim informa-se a necessidade de aplicação da interpretação<br />

24 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Homoafetividade e <strong>família</strong>. Casamento civil, união estável e<br />

adoção por casais homoafetivos <strong>à</strong> luz da isonomia e da dignidade humana. Disponível em: <<br />

http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=434> Acesso em: 24 abr. 2009.<br />

25 Id.<br />

30


extensiva e da analogia, a fim de não cair no mesmo erro, posto que já devidamente<br />

justificada sua aplicação neste caso, em razão de representar a essência do<br />

conceito de <strong>família</strong> que sem tem em nossa sociedade atual.<br />

Das decisões:<br />

APELAÇÃO CÍVEL 70012836755/2005 (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO<br />

SUL). UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA<br />

PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união<br />

homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16<br />

anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais<br />

podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas<br />

pelo afeto, assumem feição de <strong>família</strong>. A união pelo amor é que caracteriza a entidade<br />

familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e<br />

do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos<br />

direitos humanos por ser forma de privação do direito <strong>à</strong> vida, violando os princípios da<br />

dignidade da pessoa humana e da igualdade.<br />

[...]<br />

Além de a apelada ser dependente de D. no centro de servidores do IPE e na farmácia<br />

Droganossa (fls. 42-4), ainda mantinham conta conjunta em lojas (fl. 45).<br />

Outrossim, adquiriram, em condomínio, o imóvel localizado na Rua Jaguari, na razão de<br />

18,51% para a apelada e 81,49% para a falecida. Contudo, no decorrer da relação, optaram<br />

por redefinir as frações ideais no percentual de 50% para cada uma (fls. 193-4), fato que<br />

denota comunhão de vida, de interesses e de embaralhamento patrimonial.<br />

A prova oral também vem ao encontro da tese exposta na exordial, porquanto as<br />

testemunhas confirmam que L. e D. viviam <strong>como</strong> marido e mulher (fls. 310-21).<br />

Não bastassem esses elementos, com o passar dos anos, o casal resolveu adotar o menino<br />

D. F. C., cujo nome, inclusive, foi escolhido em homenagem <strong>à</strong> falecida, cujo apelido era D., e<br />

que também foi eleita a madrinha do infante. A criança foi registrada em nome da apelada,<br />

constando <strong>como</strong> testemunhas a de cujus e a apelante N.<br />

Ainda que tal adoção tenha sido procedida de forma irregular (<strong>à</strong> brasileira), tal circunstância<br />

denota o desiderato do par de formar uma <strong>família</strong>, haja vista o fato de não poderem gerar<br />

filhos entre si.<br />

Nesse passo, cabe registrar que a falecida tratava D. <strong>como</strong> filho. Instituiu o afilhado <strong>como</strong> seu<br />

beneficiário no pecúlio GBOEX (fl. 60), desejava transferir a sua parte no imóvel adquirido em<br />

conjunto com a recorrida para o infante (fl. 59), mandava cartões para a apelada em conjunto<br />

com o menino (fls. 66-70) e arcava com as despesas inerentes ao sustento deste (fls. 195-6 e<br />

202-5). A simples leitura do cartão da fl. 71, escrito para o afilhado, não deixa dúvidas de que<br />

o tinha <strong>como</strong> filho.<br />

Igualmente, não prospera a alegação de que a apelada teria retornado <strong>à</strong> residência comum,<br />

após uma separação, somente por interesses econômicos.<br />

[...]<br />

Inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetua através dos<br />

séculos, não pode mais o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que,<br />

enlaçadas pelo afeto, assumem feição de <strong>família</strong>. A união pelo amor é que caracteriza a<br />

entidade familiar ais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das<br />

relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito <strong>à</strong><br />

vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória. Deixemos de lado as<br />

aparências e vejamos a essência.<br />

[...]<br />

A Constituição Federal proclama o direito <strong>à</strong> vida, <strong>à</strong> liberdade, <strong>à</strong> igualdade e <strong>à</strong> intimidade (art.<br />

5º, caput) e prevê <strong>como</strong> objetivo fundamental, a promoção do bem de todos, “sem<br />

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”<br />

(art. 3º, IV). Dispõe, ainda, que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e<br />

liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI). Portanto, sua intenção é a promoção do bem dos<br />

cidadãos, que são livres para ser, rechaçando qualquer forma de exclusão social ou<br />

tratamento desigual.<br />

31


Outrossim, a Carta Maior é a norma hipotética fundamental validante do ordenamento<br />

jurídico, da qual a dignidade da pessoa humana é princípio basilar vinculado umbilicalmente<br />

aos direitos fundamentais. Portanto, tal princípio é norma fundante, orientadora e condicional,<br />

tanto para a própria existência, <strong>como</strong> para a aplicação do direito, envolvendo o universo<br />

jurídico <strong>como</strong> um todo. Esta norma atua <strong>como</strong> qualidade inerente, logo indissociável, de todo<br />

e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e<br />

autodeterminação de cada indivíduo.<br />

[...]<br />

Por conseguinte, a Constituição da República, calcada no princípio da dignidade da pessoa<br />

humana e da igualdade, se encarrega de salvaguardar os interesses das uniões<br />

homoafetivas. Qualquer entendimento em sentido contrário é que seria inconstitucional. E<br />

quanto <strong>à</strong> tutela específica dessas relações, aplica-se analogicamente a legislação<br />

infraconstitucional atinente <strong>à</strong>s uniões estáveis.<br />

[...]<br />

Diante de todos esses elementos, a existência da relação afetiva exsurge dos autos,<br />

revelando-se impositiva a manutenção da sentença que a reconheceu.<br />

Nesses termos, correta se mostra a sentença de lavra da Dra. Jucelana Lurdes Pereira dos<br />

Santos que conferiu efeitos jurídicos <strong>à</strong> relação havida, reconhecendo direitos sucessórios <strong>à</strong><br />

apelada.<br />

Por tais fundamentos, é de ser negado provimento ao apelo. 26<br />

Em razão dos argumentos expostos pela desembargadora, visivelmente<br />

perceptível a consonância com o que expusemos em nossos parágrafos anteriores,<br />

no sentido de reconhecer o relacionamento homoafetivo publicamente, com base na<br />

Constituição Federal e nos princípios de igualdade e da dignidade da pessoa<br />

humana.<br />

Eis mais alguns excertos jurisprudenciais:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA<br />

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente<br />

a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período<br />

de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos,<br />

não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas<br />

pelo afeto, assumem feição de <strong>família</strong>. A união pelo amor é que caracteriza a entidade<br />

familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura<br />

exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre<br />

pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito <strong>à</strong> vida, bem <strong>como</strong> viola os<br />

princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO<br />

ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A<br />

ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem<br />

mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os<br />

costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais<br />

(art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de<br />

Vasconcellos Chaves. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima<br />

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em<br />

17/11/2004).<br />

[...]<br />

O tratamento analógico das uniões homossexuais <strong>como</strong> entidades familiares segue a<br />

evolução jurisprudencial iniciada em meados do séc. XIX no Direito francês, que culminou no<br />

reconhecimento da sociedade de fato nas formações familiares entre homem e mulher não<br />

vinculadas pelo casamento. À época, por igual, não havia, no ordenamento jurídico positivo<br />

26 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Negação de apelo. Apelação Cível nº<br />

70012836755 / 2005. Relatora: Desembargadora: Maria Berenice Dias. 21 dez. 2005. Sítio do<br />

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.<br />

32


asileiro, e nem no francês, nenhum dispositivo legal que permitisse afirmar que união fática<br />

entre homem e mulher constituía <strong>família</strong>, daí por que o recurso <strong>à</strong> analogia, indo a<br />

jurisprudência inspirar-se em um instituto tipicamente obrigacional <strong>como</strong> a sociedade de fato.<br />

Houve resistências inicialmente? Claro que sim, <strong>como</strong> as há agora em relação <strong>à</strong>s uniões<br />

entre pessoas do mesmo sexo. O fenômeno, a meu ver, é rigorosamente o mesmo. Vejam :<br />

não estou afirmando que tais relacionamentos constituem exatamente uma união estável. O<br />

que estou dizendo é que, se é para tratar por analogia, muito mais se assemelha a uma união<br />

estável do que a uma sociedade de fato. Por quê? Porque a affectio que leva estas duas<br />

pessoas a viverem juntas, a partilharem os momentos bons e maus da vida é muito mais a<br />

affectio conjugalis do que a affectio societatis. Eles não estão ali para obter resultados<br />

econômicos da relação, mas, sim, para trocarem afeto, e esta troca de afeto é que forma uma<br />

entidade familiar. Pode-se dizer que não é união estável, mas é uma entidade familiar, com a<br />

devida vênia de opiniões respeitabilíssimas em contrário.<br />

Estamos hoje, <strong>como</strong> muito bem ensina Luiz Edson Fachin, na perspectiva daquilo que ele<br />

chama de <strong>família</strong> <strong>eudemonista</strong>, ou seja, a <strong>família</strong> que se justifica exclusivamente pela busca<br />

da felicidade, da realização pessoal dos seus indivíduos. E essa realização pessoal pode darse<br />

dentro da heterossexualidade ou da homossexualidade, é uma questão de opção, ou de<br />

determinismo, controvérsia esta sobre a qual a Ciência ainda não chegou a uma conclusão<br />

definitiva, mas, de qualquer forma, é uma decisão, e, <strong>como</strong> tal, deve ser respeitada.<br />

Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem é o amor. Prefiro dizer amor<br />

mesmo, não mero afeto, porque o afeto, conforme as teorias psicanalíticas afirmam, pode ser<br />

o ódio também. Todo sentimento é um afeto, de forma que me parece mais adequado dizer<br />

que são relações de amor, cercadas, ainda, por preconceitos. Como tal, são aptas a servir de<br />

base a entidades familiares equiparáveis, para todos os efeitos, <strong>à</strong> união estável entre homem<br />

e mulher.<br />

Em contrário a esse entendimento costuma-se esgrimir sobretudo com o argumento de que<br />

as entidades familiares estão especificadas na Constituição Federal, e que dentre elas não se<br />

alinha a união entre pessoas de mesmo sexo. 27<br />

Outra manifestação de relatoria da Desembargadora Maria Berenice Dias,<br />

porém nesta última citação, apresenta-se manifestação do Desembargador Luiz<br />

Felipe Brasil Santos, que figurou <strong>como</strong> revisor no feito, seguindo a mesma linha<br />

apresentada até então. Aproveitamos para transcrever citação feita pelo<br />

Desembargador, de texto redigido por Maria Celina Bodin de Moraes.<br />

O argumento jurídico mais consistente, contrário <strong>à</strong> natureza familiar da união civil entre<br />

pessoas do mesmo sexo, provém da interpretação do Texto Constitucional. Nele encontramse<br />

previstas expressamente três formas de configurações familiares: aquela fundada no<br />

casamento, a união estável entre um homem e uma mulher com ânimo de constituir <strong>família</strong><br />

(art. 226, §3º), além da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art.<br />

226, §4º). Alguns autores, em respeito <strong>à</strong> literalidade da dicção constitucional e com<br />

argumentação que guarda certa coerência lógica, entendem que ‘qualquer outro tipo de<br />

entidade familiar que se queira criar, terá que ser feito via emenda constitucional e não por<br />

projeto de lei’”.<br />

“O raciocínio jurídico implícito a este posicionamento pode ser inserido entre aqueles que<br />

compõem a chamada teoria da ‘norma geral exclusiva’ segundo a qual, resumidamente, uma<br />

norma, ao regular um comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação<br />

todos os demais comportamentos. Como se salientou em doutrina, a teoria da nomra geral<br />

exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos ordenamentos jurídicos , há uma outra<br />

norma geral (denominada inclusiva), cuja característica é regular os casos não previstos na<br />

27 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Negação de apelo. Apelação Cível nº<br />

70009550070 / 2004. Relatora: Desembargadora: Maria Berenice Dias. Revisor: Desembargador:<br />

Luiz Felipe Brasil Santos. 17 nov. 2004. Sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.<br />

Porto Alegre.<br />

33


norma, desde que semelhantes a ele, de maneira idêntica. De modo que, frente a uma<br />

lacuna, cabe ao intérprete decidir se deve aplicar a norma geral exclusiva, usando o<br />

argumento a contrario sensu, ou se deve aplicar a norma geral inclusiva, através do<br />

argumento a simili ou analógico”.<br />

“Sem abandonar os métodos clássicos de interpretação, verificou-se que outras dimensões,<br />

de ordem social, econômica, política, cultural etc., mereceriam ser consideradas , muito<br />

especialmente para interpretação dos textos das longas Constituições democráticas que se<br />

forjaram a partir da segunda metade deste século. Sustenta a melhor doutrina,<br />

modernamente, com efeito, a necessidade de se utilizar métodos de interpretação que levem<br />

em conta trata-se de dispositivo constante da Lei Maior e, portanto, métodos específicos de<br />

interpretação constitucional devem vir <strong>à</strong> baila”.<br />

“Daí ser imprescindível enfatizar, no momento interpretativo, a especificidade da normativa<br />

constitucional – composta de regras e princípios –, e considerar que os preceitos<br />

constitucionais são, <strong>essencial</strong>mente, muito mais indeterminados e elásticos do que as demais<br />

normas e, portanto, ‘não predeterminam, de modo completo, em nenhum caso, o ato de<br />

aplicação, mas este se produz ao amparo de um sistema normativo que abrange diversas<br />

possibilidades’. Assim é que as normas constitucionais estabelecem, através de formulações<br />

concisas, ‘apenas os princípios e os valores fundamentais do estatuto das pessoas na<br />

comunidade, que hão de ser concretizados no momento de sua aplicação’ ”.<br />

“Por outro lado, é preciso não esquecer que segundo a perspectiva metodológica de<br />

aplicação direta da Constituição <strong>à</strong>s relações intersubjetivas, no que se convencionou<br />

denominar de ‘direito civil-constitucional’, a normativa constitucional, mediante aplicação<br />

direta dos princípios e valores antes referidos, determina o iter interpretativo das normas de<br />

direito privado – bem <strong>como</strong> a colmatação de suas lacunas –, tendo em vista o princípio de<br />

solidariedade que transformou, completamente, o direito privado vigente anteriormente, de<br />

cunho marcadamente individualístico. No Estado democrático e social de Direito, as relações<br />

jurídicas privadas ‘perderam o caráter estritamente privatista e inserem-se no contexto mais<br />

abrangente de relações a serem dirimidas, tendo-se em vista, em última instância, no<br />

ordenamento constitucional”.<br />

“Seguindo-se estes raciocínios hermenêuticos, o da especificidade da interpretação<br />

normativa civil <strong>à</strong> luz da Constituição, cumpre verificar se por que a norma constitucional não<br />

previu outras formas de entidades familiares, estariam elas automaticamente excluídas do<br />

ordenamento jurídico, sendo imprescindível, neste caso, a via emendacional para garantir<br />

proteção jurídica <strong>à</strong>s uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, ou se, ao contrário, tendo-se<br />

em vista a similitude das situações, estariam essas uniões abrangidas pela expressão<br />

constitucional ‘entidade familiar’”.<br />

“Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988, além dos dispositivos enunciados em tema<br />

de <strong>família</strong>, consagrou, no art. 1º, III, entre os seus princípios fundamentais, a dignidade da<br />

pessoa humana, ‘impedindo assim que se pudesse admitir a superposição de qualquer<br />

estrutura institucional <strong>à</strong> tutela de seus integrantes, mesmo em se tratando de instituições com<br />

status constitucional, <strong>como</strong> é o caso da empresa, da propriedade e da <strong>família</strong>’. Assim sendo,<br />

embora tenha ampliado seu prestígio constitucional, a <strong>família</strong>, <strong>como</strong> qualquer outra<br />

comunidade de pessoas, ‘deixa de ter valor intrínseco, <strong>como</strong> instituição capaz de merecer<br />

tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de maneira instrumental,<br />

tutelada na media em que se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da<br />

personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes’. É o fenômeno da<br />

‘funcionalização’ das comunidades intermediárias – em especial da <strong>família</strong> – com relação aos<br />

membros que as compõem”.<br />

“A proteção jurídica que era dispensada com exclusividade <strong>à</strong> ‘forma’ familiar (pense-se no ato<br />

formal do casamento) foi substituída, em consequência, pela tutela jurídica atualmente<br />

atribuída ao ‘conteúdo’ ou <strong>à</strong> substância: o que se deseja ressaltar é que a relação estará<br />

protegida não em decorrência de possuir esta ou aquela estrutura, mesmo se e quando<br />

prevista constitucionalemnte, mas em virtude da função que desempenha – isto é, <strong>como</strong><br />

espaço de troca de afetos, assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou<br />

convivência entre pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos<br />

diferentes”.<br />

“Se a <strong>família</strong>, através de adequada interpretação dos dispositivos constitucionais, passa a ser<br />

entendida principalmente <strong>como</strong> ‘instrumento’, não há <strong>como</strong> se recusar tutela a outras formas<br />

de vínculos afetivos que, embora não previstos expressamente pelo legislador constituinte, se<br />

34


encontram identificados com a mesma ratio, <strong>como</strong> os mesmo fundamentos e com a mesma<br />

função. Mais do que isto: a admissibilidade de outras formas de de entidades ‘familiares’<br />

torna-se obrigatória quando se considera seja a proibição de qualquer outra forma de<br />

discriminação entre as pessoas, especialmente aquela decorrente de sua orientação sexual –<br />

a qual se configura <strong>como</strong> direito personalíssimo –, seja a razão maior de que o legislador<br />

constituinte se mostrou profundamente compromissado com a com a dignidade da pessoa<br />

humana (art. 1º, II, CF), tutelando-a onde quer que sua personalidade melhor se desenvolva.<br />

De fato, a Constituição brasileira, assim <strong>como</strong> a italiana, inspirou-se no princípio solidarista,<br />

sobre o qual funda a estrutura da República, significando dizer que a dignidade da pessoa é<br />

preexistente e a antecedente a qualquer outra forma de organização social”.<br />

“O argumento de que <strong>à</strong> entidade familiar denominada ‘união estável’ o legislador<br />

constitucional impôs o requisito da diversidade de sexo parece insuficiente para fazer concluir<br />

que onde vínculo semelhante se estabeleça, entre pessoas do mesmo sexo serão capazes, a<br />

exemplo do que ocorre entre heterossexuais, de gerar uma entidade familiar, devendo ser<br />

tutelados de modo semelhante, garantindo-se-lhes direitos semelhantes e, portanto, também,<br />

os deveres correspondentes. A prescindir da veste formal, a ser dada pelo legislador<br />

ordinário, a jurisprudência – que, em geral, espelha a sensibilidade e as convenções da<br />

sociedade civil –, vem respondendo afirmativamente”.<br />

“A partir do reconhecimento da existência de pessoas definitivamente homossexuais, ou<br />

homossexuais inatas, e do fato de que tal orientação ou tendência não configura doença de<br />

qualquer espécie – a ser, portanto, curada e destinada a desaparecer –, mas uma<br />

manifestação particular do ser humano, e considerado, ainda, o valor jurídico do princípio<br />

fundamental da dignidade da pessoa, ao qual está definitivamente vinculado todo o<br />

ordenamento jurídico, e da conseqüente vedação <strong>à</strong> discriminação em virtude da orientação<br />

sexual, parece que as relações entre pessoas do mesmo sexo devem merecer status<br />

semelhante <strong>à</strong>s demais comunidade de afeto, podendo gerar vínculo de natureza familiar”.<br />

“Para tanto, dá-se <strong>como</strong> certo o fato de que a concepção sociojurídica de <strong>família</strong> mudou. E<br />

mudou seja do ponto de vista dos seus objetivos, não mais exclusivamente de procriação,<br />

<strong>como</strong> outrora, seja do ponto de vista da proteção que lhe é atribuída. Atualmente, <strong>como</strong> se<br />

procurou demonstrar, a tutela jurídica não é mais concedida <strong>à</strong> instituição em si mesma, <strong>como</strong><br />

portadora de um interesse superior ou supra-individual, mas <strong>à</strong> <strong>família</strong> <strong>como</strong> um grupo social,<br />

<strong>como</strong> o ambiente no qual seus membros possam, individualmente, melhor se desenvolver<br />

(CF, art. 226, §8º)”. 28<br />

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 1. AÇÃO NOMINADA DE SOCIEDADE DE<br />

FATO. IRRELEVÂNCIA. FUNDAMENTO DA PRETENSÃO CENTRADO NA UNIÃO<br />

HOMOAFETIVA. PLEITO DE MEAÇÃO. 2. ENTIDADE FAMILIAR. RELAÇÃO FUNDADA NA<br />

AFETIVIDADE. 3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA<br />

E DA IGUALDADE. 4. POSSÍVEL ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL. 5. COMPETÊNCIA<br />

DA VARA DA FAMÍLIA. ACOLHIMENTO DO CONFLITO.<br />

[...]<br />

1. A admissibilidade do conflito de competência<br />

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do conflito de competência.<br />

2. As particularidades da hipótese sub judice<br />

Registro impropriedade na nominação da ação - 'ação de dissolução de sociedade de fato' -,<br />

o que poderia sugerir conclusão diversa daquela constante nesta decisão.<br />

É que, em verdade, o autor pretende é a atribuir "ao requerente o direito de meação dos bens<br />

constituídos no curso da união" (fl. 03) (grifei) - o que só é possível <strong>à</strong> luz do direito de <strong>família</strong>.<br />

Isso porque a dissolução de sociedade de fato configura matéria de cunho exclusivamente<br />

patrimonial, incompatível com meação que só está presente no regime de bens. Se não<br />

28 MORAES, Maria Celina Bodin de. A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a<br />

perspectiva civil-constitucional. Vol. 1. p. 89-112. apud BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do<br />

Rio Grande do Sul. Negação de apelo. Apelação Cível nº 70009550070 / 2004. Relatora:<br />

Desembargadora: Maria Berenice Dias. Revisor: Desembargador: Luiz Felipe Brasil Santos. 17 nov.<br />

2004. Sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.<br />

35


astasse, o pano de fundo da pretensão inicial é a alegada relação homoafetividade havida<br />

entre o autor e o falecido P. J. de M., pautada no afeto.<br />

Referido raciocínio, consigne-se por cautela, não afronta o princípio da congruência, pois,<br />

afinal, o que se aprecia é o pedido formulado, independentemente da nominação da<br />

demanda. É sabido que "O nomem iuris conferido <strong>à</strong> petição, desde que adaptável ao<br />

procedimento legal, não implica em inadequação do meio processual" (TJSC, Apelação cível<br />

n. 2003.020538-1, da Capital, rel. Des. JOSÉ VOLPATO DE SOUZA, j. em 09.12.2003).<br />

Ademais, é de se apontar outra conseqüência grave da discussão. Se se entender que há<br />

mera sociedade de fato, chamando a competência do juízo cível, a solução da lide haverá de<br />

ser lançada tendo em conta a contribuição de cada um dos 'companheiros' para, depois,<br />

determinar-se a divisão proporcional <strong>à</strong> contribuição individual. Todavia, se de união<br />

homoafetiva estável se tratar, impõe-se a partilha igualitária, nos termos do regime legal,<br />

sendo desimportante a contribuição material de cada um.<br />

Enfim, essas são as premissas que irão iluminar a posição que segue.<br />

3. O mérito<br />

Dispõe o art. 5º, LIII, da Constituição Federal que: "Ninguém será processado nem<br />

sentenciado senão pela autoridade competente".<br />

A controvérsia dos autos reside em estabelecer a competência - da vara da <strong>família</strong> ou da vara<br />

cível - para processar demanda intitulada "ação de reconhecimento e dissolução de<br />

sociedade de fato", tendo <strong>como</strong> pano de fundo a existência de união homoafetiva.<br />

De início, impõe-se tecer algumas considerações introdutórias.<br />

3.a A <strong>família</strong> contemporânea e o afeto<br />

A Constituição Federal estatui em seu art. 226 que a "<strong>família</strong>, base da sociedade, tem<br />

especial proteção do Estado".<br />

A definição de <strong>família</strong> não é e não pode ser estanque. As transformações políticas,<br />

econômicas, culturais e sociais vêm ao longo dos tempos transmudando as relações<br />

interpessoais.<br />

O conceito de entidade familiar ampliou-se consideravelmente ao longo dos tempos, para<br />

incluir, inclusive, relacionamentos não advindos do casamento legal, <strong>como</strong> a união estável. A<br />

discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos restou afastada pelo legislador. A paternidade<br />

socioafetiva é tema relevante nas ações de investigação de paternidade do vínculo biológico,<br />

chegando ao ponto de superá-la, por vezes (CC/02, art.1.597, V). Enfim, o delineamento da<br />

<strong>família</strong> contemporânea tem no afeto sua mola propulsora.<br />

Sobre a evolução do conceito de <strong>família</strong>, leciona RODRIGO DA CUNHA PEREIRA:<br />

A partir de LACAN e LÉVI-STRAUSS, podemos dizer que <strong>família</strong> é uma estruturação psíquica<br />

em que cada membro ocupa um lugar, uma função. Lugar de pai, lugar de mãe, lugar de<br />

filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. Tanto é assim, uma<br />

questão de "lugar", que um indivíduo pode ocupar o lugar de pai ou mãe, sem que seja o pai<br />

ou a mãe biológicos. Exatamente por ser uma questão de lugar, de função exercida, que<br />

existe o milenar instituto da adoção. Da mesma forma, o pai ou a mãe biológicos podem ter<br />

dificuldade em ocuparem este lugar de pai ou de mãe, tão necessários e essenciais <strong>à</strong> nossa<br />

estruturação psíquica e formação <strong>como</strong> seres humanos e Sujeitos de Direitos.<br />

É essa estruturação familiar que existe antes, e acima do Direito, que nos interessa trazer<br />

para o campo jurídico. E é sobre ela que o Direito vem, através dos tempos, e em todos os<br />

ordenamentos jurídicos, regulando e legislando, sempre com o intuito de ajudar a mantê-la<br />

para que o indivíduo possa, inclusive, existir <strong>como</strong> cidadão (sem esta estruturação familiar, na<br />

qual há um lugar definido para cada membro, o indivíduo seria psicótico) e trabalhar na<br />

construção de si mesmo, ou seja, na estruturação do ser-sujeito e das relações interpessoais<br />

e sociais, que possibilitam a existência dos ordenamentos jurídicos.<br />

Nossa velha e constante indagação persiste: o que é que garante a existência de uma<br />

<strong>família</strong>? Certamente não é o vínculo jurídico e nem mesmo laços biológicos de filiação são<br />

garantidores. Essas relações não são necessariamente naturais. Elas são da ordem da<br />

cultura, e não da natureza. Se assim fosse não seria possível o milenar instituto da adoção,<br />

por exemplo. Devemos, então, a partir da compreensão, e da constatação, de que é possível<br />

estabelecer um conceito universal para <strong>família</strong>, revisitar o inciso III do art. 16 da Declaração<br />

Universal dos Direitos do Homem, já que <strong>família</strong> não é natural, mas <strong>essencial</strong>mente cultural.<br />

(PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, Direitos Humanos, Psicanálise e Inclusão Social, in<br />

Revista Brasileira de Direito de Família, Vol. 16, jan./fev./mar. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM,<br />

2003).<br />

36


LOURIVAL SEREJO completa que:<br />

Qualquer que seja a <strong>família</strong> do futuro, as tendências previsíveis em suas características já<br />

estão presentes em grande maioria das <strong>família</strong>s atuais, a saber: despatrimonialização<br />

(substituição da preocupação capitalista de acumular bens pela valorização das relações<br />

familiares autênticas entre os membros de uma <strong>família</strong>), valoração dos aspectos afetivos da<br />

convivência familiar, igualdade dos filhos, desbiologização do conceito de paternidade,<br />

guarda dos filhos a terceiros, companheirismo, democracia interna mais acentuada,<br />

instabilidade, mobilidade e inovação permanente. (SEREJO, Lourival. Direito Constitucional<br />

da Família. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 23).<br />

Não se pode perder de vista que: "o direito não regula sentimentos, mas as uniões que<br />

associam afeto a interesses comuns, que, ao terem relevância jurídica, merecem proteção<br />

legal, independentemente da orientação sexual do par" (DIAS, Maria Berenice. União<br />

homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2001, p. 68).<br />

Dir-se-á que o art. 226 da Constituição Federal dispõe que "a <strong>família</strong>, base da sociedade, tem<br />

especial proteção do Estado", é composta tão-somente de três espécies: a) o casamento (art.<br />

226, §1º); b) a união estável entre homem e mulher (art. 226, §3º); e c) comunidade formada<br />

por qualquer dos pais e seus descendentes, qual seja, a <strong>família</strong> monoparental (art. 226, §4º) .<br />

A sujeitar-se, o intérprete, ao texto frio e explícito da norma constitucional, não constituiriam<br />

<strong>família</strong>, por exemplo, a entidade formada por avô e neto, tio e sobrinho, irmãos, sogra e nora<br />

etc., comunidades, todas, fundadas <strong>essencial</strong>mente no afeto.<br />

Por tal incongruência, é que se sustenta que a conceituação da <strong>família</strong> não deve ficar<br />

concentrada na letra da lei, mas agregar fatores sociais, culturais e econômicos, que são<br />

dinâmicos. Sua compreensão não há de ser limitativa, restritiva ou excludente, mas sim<br />

ampliativa e inclusiva, de modo a observar seu caráter plural e instrumental.<br />

O legislador pátrio sinaliza evolução nesse sentido. A Câmara dos Deputados aprovou<br />

recentemente o Projeto de Lei n. 6.222/05, estabelecendo novas regras para adoção. Embora<br />

tenha sido excluído do texto original a possibilidade de adoção por casais homoafetivos, foi<br />

mantida a alteração que acrescenta o parágrafo único ao art. 25 do Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente, definindo que: "Entende-se por <strong>família</strong> extensa ou ampliada aquela que se<br />

estende além da unidade pais/filhos e/ou da unidade do casal, formada por parentes<br />

próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e<br />

afetividade". O Projeto segue agora para o Senado Federal.<br />

A redação do art. 2º, §1º, I, da Lei n. 10.836/04, que criou o Programa Bolsa Família,<br />

estabelece que considera-se <strong>família</strong>, para fins daquela legislação: "a unidade nuclear,<br />

eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou<br />

de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém<br />

pela contribuição de seus membros";<br />

Por tudo, vê-se que a compreensão acerca da <strong>família</strong> contemporânea vai além do<br />

casamento, da união estável e da monoparentalidade, pois, absorvidas as transformações<br />

sócio-culturais, proteger também <strong>à</strong>queles segmentos fundados no afeto.<br />

3.b União homoafetiva e legislação estrangeira<br />

As questões que envolvem o reconhecimento da união homoafetiva vêm sendo debatidas em<br />

vários países, com níveis de liberdade distintos.<br />

Conforme dados da Anistia Internacional, mais de 70 países do mundo consideram a<br />

homossexualidade crime e em 30 países constatou-se abusos aos direitos humanos dos<br />

homossexuais, também chamados 'crimes de ódio, conspiração e silêncio" (DIAS, Maria<br />

Berenice. DIAS, União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Do<br />

Advogado, 2001, p. 51).<br />

O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas assentou que leis que proíbam relações<br />

homoafetivas entre adultos violam o disposto no art. 1º do Pacto Internacional de Direitos<br />

Civis e Políticos, que dispõe: "Todos os povos têm direito <strong>à</strong> autodeterminação. Em virtude<br />

desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu<br />

desenvolvimento econômico, social e cultural."<br />

O primeiro país a reconhecer legalmente a união homoafetiva foi a Dinamarca, no ano de<br />

1989. Adotou um modelo de 'parceria registrada', através do registro do relacionamento de<br />

casais homossexuais, linha posteriormente seguida por outros países nórdicos: Suécia,<br />

Noruega e Islândia. Os primeiros parceiros dinamarqueses, e do mundo, a formalizar sua<br />

união foram Axel (72 anos) e Eigil Axil (67 anos), que mantiveram uma relação de 40 anos de<br />

37


vida em comum (MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo. Belo<br />

Horizonte: Del Rey, 2004, p. 92).<br />

Na esteira da tendência de reconhecimento legal da união homoafetiva, a Holanda conta com<br />

a legislação mais liberal sobre a matéria, estando na vanguarda ao estender aos casais<br />

homoafetivos, desde 2001, o direito ao casamento. A Bélgica enveredou pela mesma trilha e,<br />

no ano de 2003, autorizou o casamento de pessoas do mesmo sexo.<br />

A Constituição da África do Sul, de 1996, proíbe expressamente qualquer discriminação<br />

fundada na orientação sexual, porém, não reconhecia o casamento entre pessoas do<br />

mesmos sexo. Em 2006, após o Tribunal Constitucional do país entender que a legislação até<br />

então existente discriminava homossexuais ao definir o casamento <strong>como</strong> "uma união entre<br />

um homem e uma mulher", o Parlamento sul-africano aprovou lei que possibilita o casamento<br />

entre pessoas do mesmo sexo ao prever: "a união voluntária de duas pessoas, solenizada e<br />

registrada por um casamento ou união civil".<br />

Na Europa ocidental, a Alemanha conta desde 2001 com legislação que prevê direitos <strong>à</strong>s<br />

uniões homoafetivas. Na Inglaterra, embora sob forte resistência, em 2001 possibilitou-se o<br />

registro das uniões. A França, no ano de 1999, aprovou o Pacto Civil de Solidariedade<br />

(PACs) entre pessoas do mesmo sexo, equiparando os membros dos PACs aos cônjuges. Na<br />

Espanha, a lei catalã, do ano de 1998, prevê um modelo parecido com o PAC francês. O<br />

parlamento português, em março de 2001, aprovou o Decreto 56/VIII, que traz em seu bojo<br />

medidas protetivas <strong>à</strong>s uniões de fato.<br />

Já o Tratado de Amsterdã, concluído em 1997, autoriza o Conselho da União Européia, após<br />

consulta ao Parlamento Europeu, a tomar medidas sancionatórias contra atos discriminatórios<br />

decorrentes de orientação sexual.<br />

Aliás, em janeiro deste ano, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a França por<br />

ter impedido uma mulher homossexual e sua companheira de adotar uma criança, em uma<br />

decisão sem precedentes. A condenação abarcou o pagamento <strong>à</strong> litigante de 10 mil euros por<br />

danos morais, além de cobrir suas despesas judiciais, no valor de 14.528 euros (Disponível<br />

em: , acesso em:<br />

12.03.2008).<br />

Nas Américas, o Canadá autoriza a extensão de benefícios de saúde a parceiros do mesmo<br />

sexo, e o casamento de pessoas do mesmo sexo desde 2005. Em caso de discriminação<br />

decorrente da orientação sexual, aquele país reconhece a violação <strong>à</strong> garantia constitucional<br />

da igualdade.<br />

Em Buenos Aires, na Argentina, a Lei n. 1004/2002, promulgada em janeiro de 2003 pelo<br />

Decreto n. 63, possibilita a formalização das uniões civis de pessoas do mesmo sexo naquela<br />

cidade, com a criação de registro público próprio, estabelecendo união civil aquela "formada<br />

livremente por duas pessoas, independentemente de seu sexo ou orientação sexual".<br />

Posteriormente, o Uruguai transformou-se no primeiro país da América Latina em legalizar a<br />

união civil entre homossexuais, em dezembro de 2007, ao aprovar a chamada "união<br />

concubinária". Referida legislação reconhece e regula todas as relações estáveis entre<br />

pessoas que vivem juntas por mais de cinco anos, inclusive do mesmo sexo.<br />

Nos Estados Unidos, de uma maneira geral, os estados não autorizam o casamento entre<br />

pessoas do mesmo sexo. No estado da Califórnia, em recente julgado de sua Corte Suprema<br />

(maio/2008), aprovou-se a suspensão <strong>à</strong> proibição do casamento de pessoas do mesmo sexo.<br />

A decisão coloca a Califórnia, junto com o estado de Massachusetts, <strong>como</strong> os únicos estados<br />

americanos onde pessoas do mesmo sexo podem se casar legalmente.<br />

Enfim, essa é uma breve panorâmica sobre o cenário atual acerca do reconhecimento dos<br />

direitos em favor da união homoafetiva em alguns países.<br />

Após essa rápida contextualização, passo <strong>à</strong> análise sob o enfoque da Constituição Federal.<br />

3.c União homoafetiva e as garantias constitucionais<br />

Não se desconhece o posicionamento no sentido que: "O relacionamento homoafetivo entre<br />

pessoas do mesmo sexo não pode ser reconhecido <strong>como</strong> união estável, a ponto de merecer<br />

a proteção do Estado, porquanto o § 3º do art. 226 da Carta Magna e o art. 1.723 do Código<br />

Civil somente reconhece <strong>como</strong> entidade familiar aquela constituída entre homem e mulher."<br />

(TJSC, Apelação Cível n. 2006.016597-1, da Capital, Relator: Des. MAZONI FERREIRA, j.<br />

em 28.09.2006). No mesmo sentido: STJ, Resp 648763 / RS, rel. Min. CESAR ASFOR<br />

ROCHA, j. em 07.12.2006; e TJSC, Apelação Cível n. 2006.046480-0, rel. Des. MARCUS<br />

TULIO SARTORATO, j. em 29.07.2008.<br />

Ouso divergir, venia.<br />

38


A união homoafetiva <strong>como</strong> entidade familiar<br />

O afeto, <strong>como</strong> já explicitado, é elemento <strong>essencial</strong> das relações interpessoais e a união<br />

homoafetiva é uma realidade social. A convivência com base no afeto não é um privilégio dos<br />

heterossexuais.<br />

Nos relacionamentos homossexuais, o amor, o afeto, o desejo, o erotismo e as relações<br />

sexuais estão tão fortemente presentes que saltam as barreiras do estigma social. Esse<br />

complexo de fatores, da ordem do não -racional e até do subconsciente, manifesta-se<br />

independentemente da orientação sexual e representa uma das melhores maneiras de se<br />

realizar <strong>como</strong> ser humano (MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo<br />

sexo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 59).<br />

Argumento no sentido de que o casamento/união estável teriam por fim a procriação, não<br />

serve, a meu sentir, <strong>como</strong> justificava <strong>à</strong> desqualificação da união homoafetiva. Primeiro, a<br />

paternidade não advém somente do vínculo biológico, uma vez que adoção é uma realidade,<br />

primada na socioafetividade. Segundo, "a impotência generandi tanto quanto a concipiendi<br />

jamais foram causa de desfazimento de vínculo matrimonial, até mesmo em face do Direito<br />

canônico." (DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto<br />

Alegre: Do Advogado, 2001, p. 67).<br />

Nesse ponto, de registrar-se recente situação noticiada pela imprensa, dando conta que uma<br />

americana, nascida mulher, após legal e anatomicamente (retirada de seios, administração<br />

de hormônios) mudar para o sexo masculino, engravidou, por inseminação artificial,<br />

constituindo-se no primeiro "pai grávido" de que se tem notícia:<br />

Prestes a completar 1 mês, SUSAN JULIETTE passa bem, depois de fazer história: o corpo<br />

que a gestou, por inseminação artificial, pertence, para todos os fins legais, a um homem, o<br />

americano THOMAS BEATIE, 34 anos, que nasceu Tracy Lagondino mas removeu os seios,<br />

fez tratamento hormonal e mudou de sexo. Beatie diz que o parto foi normal e que já se<br />

recuperou. "Peso 2 quilos menos que antes de engravidar. E não tenho marca de estria",<br />

comemora o pai-mãe. A companheira Nancy, 45, está amamentando (por indução, com<br />

hormônios e estímulo). "Somos, finalmente, a <strong>família</strong> que sempre sonhamos", diz.<br />

(Revista Veja, edição 207, 30 de julho de 2008, disponível em:<br />

, acesso em 31.07.2008).<br />

A defesa de que a união homoafetiva não é entidade familiar por fugir aos padrões "normais"<br />

também se mostra discriminatória e em extrema dissintonia com o conceito contemporâneo<br />

de <strong>família</strong>.<br />

Embora a discussão sobre o tema gire em torno do reconhecimento <strong>como</strong> entidade familiar, é<br />

incontroverso que a união homoafetiva é fato lícito.<br />

Não se pense, todavia, que a <strong>família</strong> homoafetiva se confunde com a <strong>família</strong> casamentária -<br />

fundada no casamento, união formal entre pessoas de sexos diferentes - ou <strong>como</strong> <strong>família</strong><br />

convivencional - fundada na união estável, <strong>como</strong> laço informal entre pessoas de sexos<br />

diferentes. Trata-se de modelo familiar autônomo, <strong>como</strong> a comunidade entre irmãos, tios e<br />

sobrinhos e avós e netos, merecedor de especial proteção do Estado" (FARIAS, Cristiano<br />

Chaves de. Reconhecer a obrigação alimentar nas uniões homoafetivas: uma questão de<br />

respeito <strong>à</strong> Constituição da República. Revista Brasileira de Direito de Família. n. 28. fev. mar.<br />

2005. Porto Alegre: síntese, IBDFAM, 2005, p. 33) (grifo nosso).<br />

O modelo de <strong>família</strong> sofreu grandes transformações, e continuará mutante. Cabe ao operador<br />

do Direito de Família estar atento e em sintonia com as transformações que clamam<br />

respostas jurídicas.<br />

Nesse contexto, a questão merece enfrentamento <strong>à</strong> luz dos princípios constitucionais<br />

(dignidade, igualdade e segurança jurídica).<br />

Nos últimos anos, a moderna dogmática constitucional vem operando a distinção qualitativa<br />

ou estrutural entre regra e princípio, com o intuito de superar o positivismo legalista.<br />

A Constituição passa a ser encarada <strong>como</strong> um sistema aberto de princípios e regras,<br />

permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos<br />

direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa<br />

matéria deve especial tributo <strong>à</strong>s concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimento a ela<br />

dados por Robert Alexy. A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria<br />

jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria (BARROSO, Luís<br />

Roberto; BARCELLOS, Ana Paulade. A nova interpretação constitucional. Organizador: Luís<br />

Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 340)<br />

39


A Constituição Federal consagra em seu art. 1º, III, o princípio da dignidade humana <strong>como</strong><br />

fundamento da República Federativa do Brasil, constituindo-se em verdadeira pedra de toque<br />

do sistema jurídico pátrio. É princípio natural positivado pelo ordenamento jurídico, e tem<br />

<strong>como</strong> premissa o respeito ao ser humano, dentro da sua individualidade.<br />

Na Carta Constitucional, apesar de não privilegiar especificamente determinado direito<br />

individual quando os delimita no artigo definidor das cláusulas pétreas (art. 60, § 4 o ), sem<br />

dúvidas enaltece os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1 o ,<br />

III).<br />

Desse modo, "devem ser levados em conta, em eventual juízo de ponderação, os valores que<br />

constituem inequívoca expressão desse princípio (inviolabilidade de pessoa humana, respeito<br />

<strong>à</strong> sua integridade física e moral, inviolabilidade do direito de imagem e da intimidade)"<br />

(MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 62-63). E continua o julgador:<br />

Fica evidente aqui que, também no Direito brasileiro, o princípio da dignidade humana<br />

assume relevo ímpar na decisão do processo de ponderação entre as posições em conflito.<br />

(p. 69-70) (grifo nosso).<br />

Destaca SARLET que "A dignidade da pessoa humana é a qualidade integrante e<br />

irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e<br />

protegida. Não é criada, nem concedida pelo ordenamento jurídico, motivo por que não pode<br />

ser retirada, pois é inerente a cada ser humano." (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da<br />

pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:<br />

Livraria do Advogado, 2001. p. 41).<br />

E completa aquele doutrinador:<br />

O Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar<br />

aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda<br />

ordem constitucional, inclusive (e especialmente) das normas definidores de direitos e<br />

garantias fundamentais, que igualmente integram (juntamente com os princípios<br />

fundamentais) aquilo que se pode - e neste ponto parece haver consenso - denominador de<br />

núcleo <strong>essencial</strong> da nossa Constituição formal e material. (SARLET. Ingo Wolfgang.<br />

Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto<br />

Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 64).<br />

Dentre as múltiplas possibilidades de sentido da idéia de dignidade, leciona LUÍS ROBERTO<br />

BARROSO que duas delas são reconhecidas pelo conhecimento convencional: 'I) ninguém<br />

pode ser tratado <strong>como</strong> meio, devendo cada indivíduo ser considerado <strong>como</strong> fim em si<br />

mesmo; II) todos os projetos pessoais e coletivos de vida, quando razoáveis, são dignos de<br />

igual respeito e consideração, são merecedores de igual "reconhecimento". E completa o<br />

jurista que o "não reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo viola essas duas<br />

dimensões nucleares da dignidade humana" (BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas<br />

iguais: o reconhecimento das relações homoafetivas no Brasil. Disponível em:<br />

, acesso em<br />

11.08.2008).<br />

Desta forma, a inclinação sexual não pode ser fator de exclusão do indivíduo, nem tampouco<br />

retirar-lhe a garantia de viver com dignidade.<br />

Sob outro prisma, a ausência de regime jurídico a ser aplicado <strong>à</strong>s uniões homoafetivas, se<br />

excluída a incidência dos efeitos da união estável, gera insegurança jurídica.<br />

Da lição de ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO extrai-se que:<br />

A vida familiar com segurança jurídica é o ideal, também porque o Estado está preocupado<br />

com sua própria existência. A <strong>família</strong> é seu forte, seu sustentáculo, sua própria vida, a menor<br />

porção da sociedade, dentro do lar. E a <strong>família</strong>, por sua vez, encontra sua força na<br />

convivência pacífica e segura de seus membros, irmanados no amor (AZEVEDO, Álvaro<br />

Villaça. Estatuto da <strong>família</strong> de fato: de acordo com o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo:<br />

Atlas, 2002, p. 241).<br />

No âmbito familiar, questões <strong>como</strong> alimentos, guarda de filhos, meação, direito hereditário,<br />

exoneração de alimentos para ex-cônjuge que viva em união homoafetiva etc, ficariam <strong>à</strong><br />

margem do sistema jurídico.<br />

Perante terceiros, a indefinição do regime jurídico da união homoafetiva, se reconhecida<br />

apenas sociedade de fato, proporciona também insegurança jurídica. Dúvidas remanesceriam<br />

sobre outorga marital, responsabilidade patrimonial por dívidas individuais ou comuns aos<br />

companheiros e inelegibilidade eleitoral.<br />

40


Nessa linha, "se é possível interpretar o direito posto de modo a prestigiar o princípio da<br />

segurança jurídica, e inexistindo outro valor constitucional que a ele se oponha, será contrária<br />

<strong>à</strong> Constituição a interpretação que frustre a concretização de tal bem jurídico" (BARROSO,<br />

Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento das relações homoafetivas no Brasil.<br />

Disponível em: ,<br />

acesso em 11.08.2008).<br />

As concepções jurídicas contemporâneas de igualdade remetem ao conceito aristotélico.<br />

Para Aristóteles, a identificação do que é justo ocorre por intermédio de juízos sobre o que é<br />

bom e melhor. A pesquisa dialética encerrada no seio da pólis estabelece a correção destes<br />

juízos. Quanto mais amplas forem as circunstâncias informadoras do julgamento, maior será<br />

o grau de justiça alcançado no ato de julgar e, por conseqüência, a realização do princípio da<br />

igualdade (RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação<br />

sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 28).<br />

LUÍS ROBERTO BARROSO assenta que:<br />

O conteúdo do princípio da igualdade sofreu uma importante expansão nas últimas décadas.<br />

No contexto do embate entre capitalismo e socialismo, os temas centrais de discussão<br />

gravitam em torno da promoção de igualdade material e da redistribuição de riquezas. Com o<br />

fim da guerra fria, entraram na agenda pública outros temas, sobretudo os que envolvem as<br />

denominadas políticas de reconhecimento, designação sob a qual se travam as discussões<br />

acerca de etnia, gênero e orientação sexual. Sob o influxo do princípio da dignidade da<br />

pessoa humana, passou-se a enfatizar a idéia de que devem ser respeitados todos os<br />

projetos pessoais de vida e todas as identidades culturais, ainda quando não sejam<br />

majoritárias. (BARROSO, Luis Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento das<br />

relações homoafetivas no Brasil. Disponível em:<br />

, acesso em<br />

11.08.2008).<br />

Além de seu preâmbulo, a Constituição Federal ratifica o princípio da igualdade em seu art.<br />

5º, caput, ao estabelecer que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer<br />

natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade<br />

do direito <strong>à</strong> vida, <strong>à</strong> liberdade, <strong>à</strong> igualdade, <strong>à</strong> segurança e <strong>à</strong> propriedade".<br />

Reafirmada a intenção do constituinte originário, no art. 3º, IV, da CF, consta que constituem<br />

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem<br />

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.<br />

Por certo que, no âmbito da igualdade formal, a orientação sexual está incluída na vedação <strong>à</strong><br />

discriminação por gênero.<br />

A igualdade material, no que toca <strong>à</strong> orientação sexual, institui, na relação homoafetiva, o<br />

direito de ser tratado igualmente e o dever de dispensar tratamento igual, sempre que não<br />

houver fundamento racional para a desigualdade. O preconceito ou ponto de vista particular<br />

jamais pode ser tido <strong>como</strong> fundamento para atitudes discriminatórias (BARROSO, Luís<br />

Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento das relações homoafetivas no Brasil.<br />

Disponível em: ,<br />

acesso em 11.08.2008).<br />

Sob esse prisma, resta saber se na dualidade de sexos exigida na regra do art. 226, § 3º, da<br />

Constituição Federal, há congruência entre a distinção de regime estabelecido e a<br />

desigualdade de situações correspondentes (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo<br />

Jurídico do princípio da igualdade. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 35).<br />

Eis o conteúdo do art. 226, § 3°, da CF: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a<br />

união estável entre o homem e a mulher <strong>como</strong> entidade familiar, devendo a lei facilitar sua<br />

conversão em casamento".<br />

Muitas vezes, na busca de solução de eventuais conflitos, equivocadamente busca-se o<br />

estabelecimento de superioridade entre os direitos individuais. Contudo, apesar de não se<br />

negar que a Constituição apresenta diferentes pesos dentro da ordem constitucional -<br />

inquestionável que o direito <strong>à</strong> vida tem precedência sobre os demais direitos individuais, vez<br />

que é pressuposto para o exercício dos demais -, é certo que a fixação de rigorosa<br />

prevalência entre diferentes direitos individuais acabaria por desnaturá-los por completo,<br />

ensejando desvalor com a própria Lei Maior, que é um complexo normativo unitário e<br />

harmônico. Uma valoração hierárquica, de antemão lançada, diferenciada somente pode ser<br />

admitida em casos especialíssimos.<br />

O Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, do STF, ressalta:<br />

41


Na tentativa de fixar uma regra geral, consagra Dürig a seguinte fórmula: valores relativos <strong>à</strong>s<br />

pessoas têm precedência sobre valores de índole material (Persongutwert geht vor<br />

Sachgutwert).<br />

Tal <strong>como</strong> apontado por Rüfner, a tentativa de atribuir maior significado aos direitos individuais<br />

não submetidos <strong>à</strong> restrição legal expressa em relação <strong>à</strong>queloutros, vinculados ao regime de<br />

reserva legal simples ou qualificada, revela-se absolutamente inadequada, por não apreender<br />

a natureza especial dos direitos individuais. A previsão de expressa restrição legal não<br />

contém um juízo de desvalor de determinado direito, traduzindo tão-somente a idéia de que a<br />

sua limitação é necessária e evidente para a compatibilização com outros direitos ou valores<br />

constitucionalmente relevantes. (MENDES, Gilmar Ferreira. Direito fundamentais. In: Direitos<br />

Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3 ed., Saraiva: São Paulo, 2004. Material<br />

da 4ª aula da Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de<br />

Especialização TeleVirtual em Direito Constitucional - UNISUL - IDP - REDE LFG. p. 53-54).<br />

O constitucionalista português JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO explica:<br />

O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem<br />

existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes<br />

princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição <strong>como</strong> uma ordem ou<br />

sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo,<br />

que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais,<br />

transportadores de idéias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até<br />

antagônicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas<br />

positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, <strong>como</strong> é óbvio, o pluralismo e<br />

antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador.<br />

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a<br />

criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruição da<br />

tendencial unidade axio-lógico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de<br />

momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás<br />

exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma «lógica do<br />

tudo ou nada», antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o<br />

seu «peso» e as circunstâncias do caso. (in: Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Livraria<br />

Almedina, 1993. p. 190).<br />

Para LUIS ROBERTO BARROSO a referência homem e mulher da regra daquele artigo (art.<br />

226, §3°, da CF) não traduz em vedação da extensão <strong>à</strong>s relações homoafetivas e completa:<br />

Nem o teor do preceito nem o sistema constitucional <strong>como</strong> um todo contêm indicação nessa<br />

direção. Extrair desse preceito tal conseqüência seria desvirtuar a sua natureza: a de norma<br />

de inclusão. De fato, ela foi introduzida na Constituição para superar a discriminação que,<br />

historicamente, incidira sobre as relações entre homem e mulher que não decorressem do<br />

casamento. Não se deve interpretar uma regra constitucional contrariando os princípios<br />

constitucionais e os fins que a justificaram (BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais:<br />

o reconhecimento das relações homoafetivas no Brasil. Disponível em:<br />

, acesso em<br />

11.08.2008)<br />

ADAUTO SUANES assenta que o §3º, do art. 226, da Constituição Federal, bem <strong>como</strong> as leis<br />

que o regulamentam, afrontam o espírito e a letra da Constituição de 1988, quando<br />

restringem a proteção legal apenas <strong>à</strong>s uniões estáveis de pessoas de sexo diferente, fazendo<br />

uma distinção que os princípios supraconstitucionais, albergados no art. 5º, não autorizavam,<br />

nem mesmo <strong>como</strong> exceção (SUANES, Adauto, apud DIAS, Maria Berenice. União<br />

homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2001, p. 85).<br />

De concluir-se, então, que a norma não proíbe a união homoafetiva, porquanto constituiria<br />

afronta ao princípio constitucional da igualdade.<br />

Todavia, mesmo na perspectiva da igualdade, deve-se preservar as diferenças. A intenção<br />

não está num nivelamento sistemático das relações homoafetivas aos modelos já existentes.<br />

Ressalvadas as peculiaridades, almeja-se um sistema paritário que não promova<br />

discriminações sob o critério da orientação sexual (MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União<br />

entre pessoas do mesmo sexo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 171).<br />

Preenchimento da lacuna legislativa e o princípio da analogia<br />

Viu-se, por tudo, que não é possível que há norma proibitiva ao reconhecimento das uniões<br />

homoafetivas, o que, ao revés, seria inconstitucional, insisto. Ora, havendo omissão<br />

normativa, cabe ao intérprete supri-la. Vejamos.<br />

42


O princípio da indeclinabilidade estatuído no art. 126, do Código de Processo Civil,<br />

estabelece que: "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar lacuna ou obscuridade da<br />

lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá <strong>à</strong><br />

analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito". Na mesma linha, o art. 4º, da Lei<br />

de Introdução ao Código Civil: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com<br />

a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".<br />

A analogia se aplica para os casos em que "não haja regramento expresso na lei sobre<br />

determinada matéria, o juiz pode aplicar outra norma legal prevista para a situação jurídica<br />

semelhante" (NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil<br />

Comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 335).<br />

Nas uniões homoafetivas os elementos essenciais da união estável podem se encontrar<br />

presentes: convivência pública, pacífica e duradoura com o intuito de constituir <strong>família</strong>.<br />

Entretanto, estabelece ANA CARLA HARMATIUK MATOS que "tal estreitamento está<br />

relacionado aos aspectos próprios da affectio maritalis sem a presença da formalização" (in<br />

União entre pessoas do mesmo sexo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 88).<br />

Enquanto, por injustificável omissão do legislador, "não forem disciplinadas as novas<br />

estruturas familiares que florescem independentemente da identificação do sexo do par,<br />

ninguém, muito menos os operadores do Direito, pode fechar os olhos a essas realidades"<br />

(DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Do<br />

Advogado, 2001, p. 19/20).<br />

Daí porque se invoca o princípio da analogia para concluir-se que: a) a Constituição Federal<br />

abriga expressamente três tipos de <strong>família</strong>: casamento, união estável com dualidade de<br />

sexos e <strong>família</strong> monoparental; b) a união homoafetiva, <strong>como</strong> outra espécie de <strong>família</strong>, está<br />

protegida implicitamente pela Constituição; c) a outra espécie de <strong>família</strong>, apesar da falta de<br />

norma específica, é defluência da própria ordem jurídica e equiparável, pela presença de<br />

elementos semelhantes, <strong>à</strong>s uniões estáveis, com caráter de entidade familiare. (BARROSO,<br />

Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento das relações homoafetivas no Brasil.<br />

Disponível em: ,<br />

acesso em 11.08.2008).<br />

Diante de todo exposto, a melhor forma de integração da lacuna legislativa é atribuir <strong>à</strong> união<br />

homoafetiva a natureza de grupo familiar - equiparável, a meu sentir, <strong>à</strong> união estável<br />

heterossexual - , por analogia.<br />

3.d Panorama jurisprudencial<br />

A matéria aqui discutida está longe de ser pacífica. A jurisprudência pátria vem<br />

gradativamente mudando para acolher as uniões homoafetivas <strong>como</strong> entidades familiares<br />

dignas de reconhecimento.<br />

No Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática, o Ministro CELSO DE MELO, em<br />

sede da ADI n. 3300, sinaliza posicionamento no sentido aqui defendido:<br />

UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E<br />

JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS.<br />

PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES.<br />

DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.278/96.<br />

NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1.723 DO NOVO<br />

CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE<br />

CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA.<br />

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO<br />

NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART. 226,<br />

§ 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE<br />

SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA<br />

EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER<br />

VEICULADA EM SEDE DE ADPF?<br />

Mesmo julgando extinto o processo, ante <strong>à</strong> ocorrência de óbice formal, assentou o Ministro no<br />

corpo da decisão:<br />

Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de<br />

conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social<br />

da matéria - cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de argüição de<br />

descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto <strong>à</strong> tese sustentada pelas<br />

entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica<br />

construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (<strong>como</strong> os da<br />

43


dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do<br />

pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado<br />

admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito<br />

personalíssimo <strong>à</strong> orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade éticojurídica<br />

da união homoafetiva <strong>como</strong> entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se<br />

extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito<br />

e na esfera das relações sociais.<br />

Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio,<br />

incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas<br />

inadmissíveis, vem sendo externada, <strong>como</strong> anteriormente enfatizado, por eminentes autores,<br />

cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta<br />

correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania <strong>à</strong>s uniões estáveis<br />

homoafetivas (LUIZ EDSON FACHIN, "Direito de Família - Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo<br />

Código Civil brasileiro", p. 119/127, item n. 4, 2003, Renovar; LUIZ SALEM VARELLA/IRENE<br />

INNWINKL SALEM VARELLA, "Homoerotismo no Direito Brasileiro e Universal - Parceria<br />

Civil entre Pessoas do mesmo Sexo", 2000, Agá Juris Editora, ROGER RAUPP RIOS, "A<br />

Homossexualidade no Direito", p. 97/128, item n. 4, 2001, Livraria do Advogado Editora -<br />

ESMAFE/RS; ANA CARLA HARMATIUK MATOS, "União entre Pessoas do mesmo Sexo:<br />

aspectos jurídicos e sociais", p. 161/162, Del Rey, 2004; VIVIANE GIRARDI, "Famílias<br />

Contemporâneas, Filiação e Afeto: a possibilidade jurídica da Adoção por Homossexuais",<br />

Livraria do Advogado Editora, 2005; TAÍSA RIBEIRO FERNANDES, "Uniões Homossexuais:<br />

efeitos jurídicos", Editora Método, São Paulo; JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, "A<br />

Natureza Jurídica da Relação Homoerótica", "in" "Revista da AJURIS" nº 88, tomo I, p.<br />

224/252, dez/2002, v.g.) (grifo nosso).<br />

Também no STF tramita a ADPF n. 132, de relatoria do Min. CARLOS AYRES BRITTO,<br />

argüida pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que visa a aplicação do<br />

regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, <strong>à</strong>s uniões<br />

homoafetivas de funcionários públicos civis daquela unidade da Federação. Referida<br />

demanda aguarda julgamento.<br />

Instada, a Advocacia-Geral da União (AGU), por seu Advogado-Geral José Antonio Dias<br />

Toffoli, emitiu naqueles autos parecer favorável ao reconhecimento da união homoafetiva<br />

<strong>como</strong> entidade familiar. Assentou a AGU que:<br />

A compreensão do texto normativo não pode ignorar, com base nos parâmetros<br />

constitucionais, os vínculos e as relações de afeto que mantêm os integrantes de uniões<br />

homoafetivas. Se é certo que a Carta Maior prevê, de modo expresso, em seu art. 226, o<br />

casamento (§ 2º), a união estável (§ 3º) e a <strong>família</strong> monoparental (§ 4º) <strong>como</strong> entidades<br />

familiares, não se pode afirmar que o conjunto de suas normas permite excluir de similar<br />

tratamento jurídico outras relações baseadas no mesmo suporte fático: (i) auto-determinação,<br />

(ii) afeto e (iii) pleno exercício da liberdade pela deliberada intenção de convivência íntima e<br />

estável, a fim de alcançar objetivos comuns.<br />

Já se afirmou em doutrina que "a <strong>família</strong> existe para a satisfação de seus membros e <strong>como</strong><br />

materialização de uma situação compartilhada por pessoas que vivem juntas, trocando<br />

experiências e partilhando de vida em comum. Há a opção pessoal de cada um de unir e<br />

partilhar de sentimentos comuns."<br />

Nesses termos, pode-se afirmar que, a despeito de a Carta de 1988 não haver contemplado -<br />

de modo expresso - o tratamento jurídico das uniões homoafetivas no capítulo que dedica <strong>à</strong><br />

<strong>família</strong>, a evolução e a complexidade das relações humanas estão a exigir do sistema jurídico<br />

respostas adequadas para a resolução dessas controvérsias, intimamente ligadas ao pleno<br />

exercício dos direitos humanos fundamentais.<br />

Com efeito, pode-se afirmar que o tratamento diferenciado entre as entidades familiares<br />

expressamente previstas na Constituição Federal e as uniões homoafetivas não apresenta<br />

justificativa plausível, sob a ótica do princípio da igualdade. É ofensivo ao senso comum - e <strong>à</strong><br />

força normativa do princípio da isonomia - que, no caso do art. 19 do Decreto-lei nº 220/75,<br />

possa ser deferida licença para aquele companheiro ou cônjuge para tratar da doença de seu<br />

consorte, sendo impossível ao que mantém união homoafetiva estável - cuja relação se funda<br />

nos mesmos pressupostos de liberdade e de afeto que as outras uniões - similar tratamento.<br />

(disponível : , acesso em: 14.08.2008) (grifo<br />

nosso).<br />

44


No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no REsp. n. 238.715, relator o Ministro<br />

HUMBERTO GOMES DE BARROS, mesmo não conhecido o recurso, restou registrado:<br />

PROCESSO CIVIL E CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 282/STF.<br />

UNIÃO HOMOAFETIVA. INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA<br />

MÉDICA. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA.<br />

- Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não<br />

se conhece do Recurso Especial, <strong>à</strong> míngua de prequestionamento.<br />

- A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente <strong>à</strong> união estável, permite a inclusão<br />

do companheiro dependente em plano de assistência médica.<br />

- O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não<br />

diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.<br />

- Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para<br />

evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de<br />

ementas não basta.<br />

(STJ, Resp 238.715, Terceira Turma; Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. em<br />

07.03.2006) (grifo nosso).<br />

Do corpo do julgado colhe-se que:<br />

A questão a ser resolvida resume-se em saber se os integrantes de relação homossexual<br />

estável tem direito <strong>à</strong> inclusão em plano de saúde de um dos parceiros.<br />

É grande a celeuma em torno da regulamentação da relação homoafetiva (neologismo<br />

cunhado com brilhantismo pela e. Desembargadora Maria Berenice Dias do TJRS).<br />

Nada em nosso ordenamento jurídico disciplina os direitos oriundos dessa relação tão<br />

corriqueira e notória nos dias de hoje.<br />

A realidade e até a ficção (novelas, filmes, etc) nos mostram, todos os dias, a evidência<br />

desse fato social.<br />

Há projetos de lei, que não andam, emperrados em arraigadas tradições culturais. A<br />

construção pretoriana, aos poucos, supre o vazio legal: após longas batalhas, os tribunais,<br />

aos poucos proclamam os efeitos práticos da relação homoafetiva. Apesar de tímido, já se<br />

percebe algum avanço no reconhecimento dos direitos advindos da relação homossexual.<br />

[...]<br />

Como disse acima, nada disciplina os direitos oriundos da relação homoafetiva. Há, contudo,<br />

uma situação de fato a reclamar tratamento jurídico. A teor do Art. 4º da LICC, em sendo<br />

omissa a lei, o juiz deve exercer a analogia.<br />

O relacionamento regular homoafetivo, embora não configurando união estável, é análogo a<br />

esse instituto.<br />

Com efeito: duas pessoas com relacionamento estável, duradouro e afetivo, sendo homem e<br />

mulher formam união estável reconhecida pelo Direito. Entre pessoas do mesmo sexo, a<br />

relação homoafetiva é extremamente semelhante <strong>à</strong> união estável.<br />

Trago esse fundamento pois, ainda que não tido por ofendido, ele está implícito nas razões<br />

do acórdão recorrido. Além disso, o STJ pode se utilizar de fundamento legal diverso daquele<br />

apresentado pelas partes. Não estamos estritamente jungidos <strong>à</strong>s alegações feitas no recurso<br />

ou nas contra-razões (Cf. AgRg no Resp 174.856/NANCY e Edcl no AgRg no AG<br />

256.536/PÁDUA. No STF, veja-se o RE 298.694-1/PERTENCE- Plenário). Vinculamo-nos,<br />

apenas, aos fatos lá definidos (cf. AgRg no AG 2.799/CARLOS VELLOSO, dentre outros). A<br />

interpretação dos dispositivos legais é feita dentro de um contexto.<br />

Finalmente, não tenho dúvidas que a relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente <strong>à</strong><br />

união estável, permite a inclusão do companheiro <strong>como</strong> dependente em plano de assistência<br />

médica.<br />

O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não<br />

diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.<br />

(corpo do acórdão supra) (grifo nosso).<br />

Na Quarta Turma da mencionada Corte, até esta data, encontra-se em andamento o<br />

julgamento do Resp. n. 820475, tendo <strong>como</strong> relator o Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,<br />

com resultado parcial. O relator, Min. PÁDUA RIBEIRO, acompanhado pelo Min. MASSAMI<br />

UYEDA, votou favoravelmente ao reconhecimento da união homoafetiva <strong>como</strong> entidade<br />

familiar. O julgamento de desempate, a cargo do voto do Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, está<br />

previsto para esta data, por coincidência.<br />

O sempre citado precedente do Tribunal Superior Eleitoral também deve ser registrado.<br />

Naquela Corte, em sede de Recurso Especial Eleitoral n. 24.564, de relatoria do Min.<br />

45


GILMAR MENDES, restou reconhecida a inelegibilidade de companheira que vive em relação<br />

homoafetiva estável, nos termos do art. 14, § 7°, da Constituição Federal:<br />

REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO<br />

ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO.<br />

INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.<br />

Os sujeitos de uma relação estável homossexual, <strong>à</strong> semelhança do que ocorre com os de<br />

relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se <strong>à</strong> regra de inelegibilidade<br />

prevista no art. 14, § 7°, da Constituição Federal.<br />

Recurso a que se dá provimento.<br />

(TSE, Resp Eleitoral n. 24.564, rel. Min. GILMAR MENDES, j. em 01.10.2004).<br />

Nos Tribunais Pátrios, é da Corte do Rio Grande do Sul o pioneirismo no reconhecimento da<br />

união homoafetiva <strong>como</strong> entidade familiar, e a competência das varas de <strong>família</strong> para dirimir<br />

os conflitos daí advindos:<br />

UNIAO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO<br />

PARADIGMA.<br />

Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do<br />

mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas.<br />

Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar,<br />

mesmo em sua natural atividade retardatária. nelas remanescem conseqüências semelhantes<br />

as que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos<br />

princípios gerais do direito, relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade<br />

humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento<br />

deve ser partilhado <strong>como</strong> na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor<br />

hermenêutica. apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo<br />

entre os parceiros. (Apelação Cível Nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de<br />

Justiça do RS, rel. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, j. em 14.03.2001).<br />

Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aplicando o princípio da analogia,<br />

reconheceu-se a relação homoafetiva da ex-esposa do lá apelante <strong>como</strong> causa de<br />

exoneração de alimentos, nos termos do art. 1.708, do Código Civil:<br />

ALIMENTOS. RELACIONAMENTO HOMOSSEXUAL DA MULHER. COMPROVAÇÃO.<br />

PEDIDO DE EXONERAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PRINCÍPIO DA ANALOGIA.<br />

Apelação Cível. Relação homoafetiva entre o ex-cônjuge mulher do apelado com<br />

companheira, comprovada nesta lide. Pedido do ex-cônjuge marido de sua exoneração de<br />

prestação alimentícia <strong>à</strong> ex-mulher por este motivo. Concessão pelo Juízo monocrático da<br />

exoneração obrigacional familiar requerida em tela, com fundamento no princípio da analogia,<br />

em face do disposto no artigo 1.708 do Código Civil Brasileiro ("Com o casamento, a união<br />

estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos"). conhecimento e<br />

desprovimento do apelo.<br />

(TJRJ, Apelação Cível n. 2006.001.24129, rel. Des. CELIO GERALDO M. RIBEIRO, j. em<br />

15.08.2006) (grifo nosso).<br />

No âmbito deste Tribunal, o reconhecimento da união homoafetiva se restringe a fins<br />

previdenciários. Eis os pertinentes precedentes:<br />

PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - DEPENDENTE - COMPANHEIRO DE<br />

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA - EXISTÊNCIA DE<br />

PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - FUMUS BONI IURIS DECORRENTE DE INTERPRETAÇÃO<br />

SISTÊMICA DO DIREITO - PERICULUM IN MORA QUE SE ORIGINA DO CARÁTER<br />

ALIMENTAR DA VERBA<br />

O fato de a legislação previdenciária estadual não regular expressamente os benefícios<br />

devidos nos casos em que a dependência se originar de união estável homoafetiva não<br />

implica óbice <strong>à</strong> concessão liminar de pensão por morte ao companheiro de servidor público<br />

falecido. No caso, o fumus boni iuris decorre da interpretação sistêmica do direito e o<br />

periculum in mora do caráter alimentar da verba.<br />

(Agravo de Instrumento n. 2004.021459-6, da Capital, Relator: Des. LUIZ CÉZAR<br />

MEDEIROS, j. em 04.11.2004);<br />

E:<br />

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA - REEXAME NECESSÁRIO - UNIÃO<br />

HOMOAFETIVA - RECONHECIMENTO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS - POSSIBILIDADE<br />

46


- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - PRECEDENTES -<br />

APELO E REEXAME NECESSÁRIO INACOLHIDOS.<br />

Em face de lacuna legislativa, cabe ao Judiciário oferecer proteção jurídica <strong>à</strong>s situações<br />

oriundas de união homoafetiva, através de uma interpretação sistemática, com fundamento<br />

nos princípios da dignidade humana, igualdade e repudio a discriminação.<br />

'"Como direito e garantia fundamental, dispõe a Constituição Federal que todos são iguais<br />

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. É o 'caput' do art. 5°.<br />

'"Conforme o ensinamento mais básico de Direito Constitucional, tais regras, por retratarem<br />

princípios, direitos e garantias fundamentais, se sobrepõem a quaisquer outras, inclusive<br />

aquela esculpida no art. 226 § 3°, que prevê o reconhecimento da união estável entre homem<br />

e a mulher..." (Homoafetividade o que diz a Justiça. Dias, Maria Berenice. Porto Alegre.2003.<br />

p. 109)<br />

(Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2007.021488-2, da Capital, Relator: Des.<br />

FRANCISCO OLIVEIRA FILHO, j. em 07.08.2007) (grifo nosso).<br />

Não há se invocar, venia, o argumento segundo o qual a questão resume-se <strong>à</strong> seara<br />

patrimonial, não trazendo, essa compreensão, prejuízo ao autor. É que se as demandas nas<br />

quais se discute patrimônio, nas uniões heterossexuais (casamento e união estável), são<br />

processadas nas unidades de <strong>família</strong>, razão por que, entender-se o contrário em relação <strong>à</strong><br />

homoafetividade, ensejaria discriminação fundada na inclusão sexual, o que não é tolerável.<br />

É da jurisprudência:<br />

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE<br />

RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA. UNIÃO FORMADA POR CASAIS DO<br />

MESMO SEXO. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. CONSTITUIÇÃO PROÍBE<br />

QUALQUER FORMA DE DISCRIMINAÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. É competente o<br />

Juízo de Direito da 1ª Vara de Família da Capital para julgar ação declaratória de união<br />

formada por casais do mesmo sexo, por ser incabível em nossa Carta Magna qualquer forma<br />

de discriminação. (TJ-MS; CC 2007.030521-7/0000-00; Campo Grande; Terceira Turma<br />

Cível; Rel. Des. Paulo Alfeu Puccinelli; DJEMS 28/02/2008; Pág. 31);<br />

E:<br />

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.<br />

ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA E DE IMPOSSIBILIDADE<br />

JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA. PRECEDENTES.<br />

1. Não ocorre carência de fundamentação na decisão que deixa de se referir expressamente<br />

ao texto de lei que subsidiou a conclusão esposada pelo julgador quanto <strong>à</strong> decisão do caso.<br />

2. Está firmado em vasta jurisprudência o entendimento acerca da competência das Varas de<br />

Família para processar as ações em que se discutem os efeitos jurídicos das uniões<br />

formadas por pessoas do mesmo sexo. 3. Não há falar em impossibilidade jurídica do pedido,<br />

pois a Constituição Federal assegura a todos os cidadãos a igualdade de direitos e o sistema<br />

jurídico encaminha o julgador ao uso da analogia e dos princípios gerais para decidir<br />

situações fáticas que se formam pela transformação dos costumes sociais. 4. Não obstante a<br />

nomenclatura adotada para a ação, é incontroverso que o autor relatou a existência de uma<br />

vida familiar com o companheiro homossexual. 5. No entanto, embora comprovada a relação<br />

afetiva entretida pelo par, não há prova suficiente da constituição de uma entidade familiar,<br />

nos moldes constitucionalmente tutelados. Por igual, não há falar em sociedade de fato, por<br />

não demonstrada contribuição <strong>à</strong> formação do patrimônio, nos moldes da Súmula 380 do STF.<br />

AFASTADAS AS PRELIMINARES, NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE. (TJRS,<br />

Apelação Cível Nº 70016239949, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:<br />

LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Julgado em 20.12.2006) (grifo nosso).<br />

Por tudo, com todas as vênias possíveis em face de incursões que transbordam a<br />

competência, tenho que a alegada relação, centrada e movida por afeto, há de ser dirimida<br />

perante o juízo de <strong>família</strong>, mesmo que, ao final, eventualmente, se conclua que a prova<br />

impede o reconhecimento da relação <strong>como</strong> entidade familiar.<br />

Conclusão<br />

Em suma, voto pelo acolhimento do presente conflito para declarar competente para<br />

processar o pleito o Juízo suscitado, qual seja, a vara da <strong>família</strong> da comarca de Lages.<br />

DECISÃO<br />

Ante o exposto, por maioria, a Câmara decide acolher o conflito para declarar competente o<br />

Juízo suscitado, qual seja, a vara da <strong>família</strong> da comarca de Lages, nos termos supra.<br />

47


O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato,<br />

com voto vencido, dele participando a Exma. Sra. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Rita . 29<br />

Com base nas transcrições supra que, nada obstante deveras delongadas,<br />

cumprem ser mencionadas em nosso projeto, no sentido de caracterizar com<br />

propriedade ainda mais recrudescida a necessidade de interpretação das<br />

associações homoafetivas com base no princípio da isonomia e da dignidade da<br />

pessoa humana, posto que princípios constitucionais e, utilizando-se de<br />

interpretação extensiva e analogia, estendem seus efeitos a essa modalidade de<br />

constituição familiar.<br />

Enfim, pode-se mencionar que a sociedade mudou muito, e<br />

concomitantemente <strong>à</strong> alteração social, a aplicação do Direito ao caso concreto<br />

também mudou em uma perspectiva de adaptabilidade <strong>à</strong>s novas realidades.<br />

Logicamente está-se muito distante de um status plenamente perfeito, mas muito<br />

mais próximo do que estaria, caso essas manifestações esparsas não estivessem<br />

sendo realizadas nos tribunais e doutrinadores não estivessem construindo<br />

argumentos baseados em contraprestação <strong>à</strong> discriminação.<br />

29 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Acolhimento de conflito. Conflito de<br />

competência nº 2008.030289-8. Relatora: Desembargador: Henry Petry Junior. 20 out. 2008. Sítio do<br />

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Florianópolis.<br />

48


CONCLUSÃO<br />

Pelas razões expostas no presente trabalho, pode-se assumir que não há<br />

outra forma de compreender as organizações familiares atualmente, que não através<br />

da perspectiva <strong>eudemonista</strong>.<br />

Relações civis entre pessoas do mesmo sexo, tão iguais quanto relações<br />

heteroafetivas, baseiam-se no mesmo princípio destas, qual seja: afeto, convivência<br />

mútua, felicidade, amor e compreensão. Enfim, muitos são os valores que são base<br />

para a justificativa do reconhecimento público das uniões homoafetivas.<br />

E aqui, não fala-se somente nas uniões, afinal, é deveras relevante tratarmos<br />

dos princípios que regem referida cumplicidade. Nesta quadra, vale ressaltar o<br />

entendimento constitucional dado <strong>à</strong> questão. Ou seja, a partir do momento que se<br />

tem a interpretação extensiva e a analogia aplicadas ao caso em que inexiste<br />

qualquer previsão legal, estar-se-á diante de um tratamento isonômico e diretamente<br />

proporcional <strong>à</strong> dignidade da pessoa humana.<br />

Num primeiro momento tínhamos a figura do pai <strong>como</strong> sendo o centro da<br />

<strong>família</strong>, por conta de razões econômicas, hierárquicas etc. Não obstante, referido<br />

entendimento passa a ser alterado com o processo de “constitucionalização” do<br />

Direito de Família.<br />

Por derradeiro, é de nosso entendimento que tudo em sociedade que volta-se<br />

a regular regras e comportamentos, deve estar em constante atualização, a fim de<br />

que a realidade encarada <strong>como</strong> um processo eterno de evolução, sempre esteja<br />

protegida pelo Direito. E que, mesmo diante da inexistência de normas reguladoras,<br />

preveja meios de aplicar a lei ao caso concreto, sem deixar de fornecer uma devida<br />

resposta jurídica <strong>à</strong> questão apresentada.<br />

Nos dias de hoje, irresponsáveis são as hermenêuticas que ainda voltam-se a<br />

preceitos patriarcais de <strong>família</strong>. Sabemos que, direcionando nossa defesa para o<br />

prisma <strong>eudemonista</strong> de <strong>família</strong>, estaremos fazendo com que muitas pessoas que<br />

vivem em um limiar incerto de sentimento, passem a incorporar sentimentos puros<br />

<strong>como</strong> amor e felicidade, fazendo com que suas vidas sejam conduzidas de maneira<br />

menos penosa. Enfim, a sociedade atual, com suas mazelas e infortúnios, já<br />

representa um “coliseu” de homens gladiadores havendo a preocupação atenta do<br />

Direito, imaginemos <strong>como</strong> seria diante da indiferença.<br />

49


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

01. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Negação de<br />

apelo. Apelação Cível nº 70009550070 / 2004. Relatora: Desembargadora: Maria<br />

Berenice Dias. Revisor: Desembargador: Luiz Felipe Brasil Santos. 17 nov. 2004.<br />

Sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.<br />

02. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Negação de<br />

apelo. Apelação Cível nº 70012836755 / 2005. Relatora: Desembargadora: Maria<br />

Berenice Dias. 21 dez. 2005. Sítio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande<br />

do Sul. Porto Alegre.<br />

03. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Acolhimento de<br />

conflito. Conflito de competência nº 2008.030289-8. Relatora: Desembargador:<br />

Henry Petry Junior. 20 out. 2008. Sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Santa<br />

Catarina. Florianópolis.<br />

04. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Da <strong>família</strong> patriarcal <strong>à</strong> <strong>família</strong> contemporânea.<br />

Disponívelem: Acesso em: 18 abr. 2009.<br />

05. FACHIN, Luiz Edson. Direito de <strong>família</strong>: Elementos críticos <strong>à</strong> luz do novo<br />

Código Civil brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.<br />

06. FREIRE, Marta Regina Pardo Campos. Poder familiar. São Paulo, 2007.<br />

Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Direito das Relações Sociais. Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo.<br />

07. GRIGOLETO, Juliane Mayer. Aspectos conjunturais da adoção de crianças<br />

por homossexuais. Disponível em:<br />

Acesso em: 22 abr. 2009.<br />

08. MORAES, Maria Celina Bodin de. A união entre pessoas do mesmo sexo:<br />

uma análise sob a perspectiva civil-constitucional. Vol. 1. p. 89-112. apud<br />

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Negação de apelo.<br />

Apelação Cível nº 70009550070 / 2004. Relatora: Desembargadora: Maria Berenice<br />

Dias. Revisor: Desembargador: Luiz Felipe Brasil Santos. 17 nov. 2004. Sítio do<br />

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.<br />

09. RABONI, André. Explicando o modelo de <strong>família</strong> patriarcal. Disponível em:<br />

Acesso em: 19 abr. 2009.<br />

10. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Homoafetividade e <strong>família</strong>. Casamento civil,<br />

união estável e adoção por casais homoafetivos <strong>à</strong> luz da isonomia e da<br />

dignidade humana. Disponível em: <<br />

http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=434> Acesso em: 24 abr. 2009.<br />

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