1 A origem da coca pelo vício do Inca Alexandre C ... - ANPHLAC
1 A origem da coca pelo vício do Inca Alexandre C ... - ANPHLAC
1 A origem da coca pelo vício do Inca Alexandre C ... - ANPHLAC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Anais Eletrônicos <strong>do</strong> VIII Encontro Internacional <strong>da</strong> <strong>ANPHLAC</strong> Vitória – 2008<br />
ISBN - 978-85-61621-01-8<br />
Enquanto indica que o costume é particular <strong>do</strong>s “pontífices” <strong>do</strong> inca, também<br />
contempla uma maior abrangência <strong>do</strong> hábito: “hasta este tienpo lo uzan los yndios”. 38<br />
Além <strong>da</strong> declara<strong>da</strong> participação de Guaman Poma na campanha <strong>do</strong><br />
“extirpa<strong>do</strong>r” Albornoz, que lhe dá justificativa para o conhecimento de alguns rituais,<br />
parece haver convivência conflituosa com os costumes locais, ou conflito com gente<br />
que pratica tais costumes, pois o cronista se queixa que é persegui<strong>do</strong> por praticantes<br />
de certas cerimônias. 39 Também, o cronista índio deve ter absorvi<strong>do</strong> a tradição oral<br />
nativa, como aponta A<strong>do</strong>rno. 40<br />
Num <strong>do</strong>s relatos de Guaman Poma, a <strong>coca</strong> serve como ingrediente numa<br />
receita <strong>do</strong>s “pontífises hichezeros” <strong>do</strong>s incas. Junto com outras substâncias, como<br />
massa de milho com sangue (sanco), penas, prata e ouro, queimavam a <strong>coca</strong> dentro de<br />
uma panela. Daí “hablan” os “demonios del ynfierno”, para o “hechicero” saber <strong>da</strong>s<br />
coisas que se passam no mun<strong>do</strong>. 41 Se Guaman Poma demoniza o ritual <strong>do</strong> oráculo, o<br />
costume de adivinhar pela fumaça gera<strong>da</strong> num prepara<strong>do</strong> com <strong>coca</strong>, era algo<br />
recorrente, como destaca MacCormack, aparecen<strong>do</strong> em outros informes, como <strong>do</strong>s<br />
religiosos agostinhos de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVI, quan<strong>do</strong> “a fumaça <strong>da</strong> <strong>coca</strong> se eleva<br />
em direção ao Cria<strong>do</strong>r Ataguju”. 42<br />
Guaman Poma interpreta qualquer rito ou hábito com <strong>coca</strong> como feitiçaria. O<br />
uso <strong>da</strong> <strong>coca</strong> não é percebi<strong>do</strong> <strong>pelo</strong> cronista como antigo hábito nos Andes, mas sim,<br />
como excrescência de um perío<strong>do</strong> recente na história andina, quan<strong>do</strong> surge a i<strong>do</strong>latria.<br />
Os maus usos de ervas e poções têm uma história, têm <strong>origem</strong> num passa<strong>do</strong> de<br />
degeneração <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de – e <strong>da</strong> parcela andina dessa humani<strong>da</strong>de.<br />
Concentremos o foco de análise na primeira parte <strong>do</strong> manuscrito de Guaman<br />
Poma, a Nueva corónica. Na visão <strong>do</strong> tempo expressa nesse texto, a humani<strong>da</strong>de<br />
passa por várias “i<strong>da</strong>des”, o que recompõe uma tradição teleológica já inscrita na<br />
profecia hebréia <strong>do</strong> Livro de Daniel, perspectiva comum nos séculos XVI e XVII.<br />
Mas também, na ótica <strong>do</strong> cronista índio, como ain<strong>da</strong> sugere Salomon, as i<strong>da</strong>des, elas<br />
se sucedem a partir de cataclismas, os “pachacutis”, como já comenta<strong>do</strong>, e que podem<br />
38<br />
Ibid., 276[278].<br />
39<br />
Ibid.<br />
40<br />
ADORNO, op. cit., 1986, p. 16 e 47.<br />
41<br />
Ibid., 278[280].<br />
42<br />
MacCORMACK, Sabine. Religion in the Andes; vision and imagination in early colonial Peru,<br />
1991, p. 303.<br />
10