1 A origem da coca pelo vício do Inca Alexandre C ... - ANPHLAC
1 A origem da coca pelo vício do Inca Alexandre C ... - ANPHLAC
1 A origem da coca pelo vício do Inca Alexandre C ... - ANPHLAC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Anais Eletrônicos <strong>do</strong> VIII Encontro Internacional <strong>da</strong> <strong>ANPHLAC</strong> Vitória – 2008<br />
ISBN - 978-85-61621-01-8<br />
de uma estética dependentista” que assola a cultura latino-americana desde os tempos<br />
<strong>do</strong> encontro entre os <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s. 19<br />
Existe a plataforma de autonomia política para os “índios principais”<br />
governarem o vice-reino quase sem intermediários – ou melhor, essa plataforma é<br />
para aqueles líderes que Guaman Poma considera legítimos, pois muitos curacas são<br />
cita<strong>do</strong>s como embusteiros, que se apropriam <strong>do</strong>s tributos gera<strong>do</strong>s <strong>pelo</strong>s índios comuns<br />
para alimentar muitos e maus costumes, como o de usar a <strong>coca</strong> na boca.<br />
Observe-se que as reformas são concebi<strong>da</strong>s em torno de um amplo programa<br />
morigerante cristão. Toman<strong>do</strong> assento numa retórica que emerge <strong>do</strong>s topoi de “<strong>vício</strong>s<br />
e virtudes”, 20 Guaman Poma impõe-se como conselheiro <strong>do</strong> rei numa linguagem de<br />
protesto social, procuran<strong>do</strong> diagnosticar os males causa<strong>do</strong>s <strong>pelo</strong> “pachakuti” <strong>da</strong><br />
conquista espanhola: o vice-reino é fruto de um pachacuti ou “mun<strong>do</strong> ao revés”, 21 e<br />
deve ser recoloca<strong>do</strong> na ordem.<br />
A denúncia de inúmeros “<strong>vício</strong>s” é dirigi<strong>da</strong> contra to<strong>da</strong>s as “castas e nações”,<br />
inclusive, em direção aos índios tributários mais humildes. A denúncia não é apenas<br />
artifício retórico para atacar certos elementos <strong>da</strong> estrutura <strong>do</strong> poder colonial, e certas<br />
condições sociais que resultam disso, ou para denegrir certos desafetos <strong>do</strong> cronista,<br />
pois representa, a meu ver, muito mais, é um projeto de mu<strong>da</strong>nça de hábitos ti<strong>do</strong>s por<br />
errôneos segun<strong>do</strong> o militante cristão, e efusivamente, por Guaman Poma. E entre os<br />
costumes considera<strong>do</strong>s viciosos <strong>pelo</strong> cronista indígena, está o de consumir as folhas<br />
<strong>da</strong> <strong>coca</strong>, que descreve freqüentemente como ato de “comer <strong>coca</strong>”.<br />
Para Guaman Poma, a comunhão pode ser ofereci<strong>da</strong> ao indígena apenas se<br />
19<br />
ZAPATA, Jorge. Guamán Poma, indigenismo y estética de la dependencia en la cultura peruana,<br />
1989, p. 19.<br />
20<br />
Em Aristóteles “el topos es un lugar imaginario al cual se acude en busca de argumentos que<br />
ayuden a probar un punto o a persuadir a un público. En la filosofía moral antigua, el topos más<br />
frecuente fue el de la denuncia de vicios y la alabanza de virtudes”. As principais fontes literárias dessa<br />
retórica estão na Ética de Aristóteles (IV a.C.), em obras de Cícero, Sêneca, e ain<strong>da</strong>, na Psychomachia<br />
de Prudêncio (séc. IV), hispano-latino preferi<strong>do</strong> como modelo para o esquema cristianiza<strong>do</strong> de <strong>vício</strong>s e<br />
virtudes posteriormente inscrito em obras de protesto social no medievo e nos séculos XVI e XVII<br />
(LÓPEZ-BARALT, op. cit., 1988, p. 297-8).<br />
21<br />
“pachakuti”, uma subversão cósmica, literalmente, um “mun<strong>do</strong> ao revés”. O último desses sismos<br />
vem através dessa conquista <strong>do</strong>s espanhóis, e a reviravolta <strong>do</strong>s costumes, <strong>da</strong>s atitudes, está em to<strong>do</strong>s os<br />
âmbitos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana. Para López-Baralt, “es curioso cómo (...) se conjugan la concepción nativa<br />
milenarista de mun<strong>do</strong> cíclico con el topos europeo de mun<strong>do</strong> al revés: en ambos casos el cataclismo se<br />
anuncia con una proliferación de vicios” (Ibid., p. 302). Salomon aprimora o significa<strong>do</strong> <strong>da</strong> tradução:<br />
“pacha kuti, ‘turn of space/time’” (“Testimonies: the making and reading of native South American<br />
historical sources”, 2000, p. 48).<br />
6