17.04.2013 Views

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

correção, a socieda<strong>de</strong> aprove”. Problemas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática, soluções igualmente práticas.<br />

Nada como refugiar-se no trabalho como forma <strong>de</strong> blindagem para evitar que algum incômodo nos<br />

perturbe e po<strong>de</strong>rmos assim, anestesiados, <strong>de</strong>ixar a vida seguir seu curso, sob controle: “Todo o interesse<br />

da sua existência se concentrou no mundo judiciário e esse interesse o absorvia. A consciência da sua<br />

força, que permitia aniquilar quem ele quisesse, a imponência da sua entrada no tribunal, a <strong>de</strong>ferência<br />

que lhe tributavam os subalternos, seus êxitos com superiores e subordinados e, sobretudo, a maestria<br />

com que conduzia os processos criminais e da qual se orgulhava – tudo isto lhe dava prazer e lhe enchia<br />

os dias, a par das palestras com os colegas, os jantares o [jogo] uíste. Assim a vida <strong>de</strong> <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> <strong>de</strong>corria<br />

da maneira que achava conveniente – agradável e digna”.<br />

Sobre o contentamento que o jogo lhe proporcionava, confi<strong>de</strong>ncia-nos o autor: “A alegria que <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong><br />

encontrava no trabalho era a alegria da ambição; as alegrias da vida social eram as da vaida<strong>de</strong>; mas as<br />

verda<strong>de</strong>iras alegrias eram as proporcionadas pelo uíste”. Entreve-se mais um pouco da alma do<br />

corretíssimo juiz <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong>: ambicioso, vaidoso e frívolo.<br />

Dentre as <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s nas quais encontrava prazer ocupavam-no uma inocente e tipicamente<br />

burguesa: a <strong>de</strong>coração e organização do lar; mas nem sequer nisso sua individualida<strong>de</strong> aflorava: “Teve a<br />

sorte, principalmente <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r comprar barato certas antigüida<strong>de</strong>s, que emprestavam à casa um ar<br />

pronunciadamente aristocrático. (...) Na verda<strong>de</strong>, havia ali o mesmo que se encontra nas casas <strong>de</strong> gente<br />

remediada, mas que preten<strong>de</strong> aparentar opulência e apenas consegue que se pareçam<br />

extraordinariamente umas com as outras (...) enfim, tudo aquilo que as pessoas <strong>de</strong> certa classe possuem<br />

para parecer com as pessoas da mesma classe. A casa <strong>de</strong> <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> era uma perfeita imitação, mas ele a<br />

achava absolutamente original”.<br />

Tudo corria relativamente bem na pacata e irretocável vida <strong>de</strong> <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong>. Até que um dia, envolvido na<br />

arrumação da nova casa, ansioso por <strong>de</strong>monstrar a um operário como queria que um serviço fosse<br />

executado, <strong>de</strong>u um passo em falso, escorregou duma escada e <strong>de</strong>u uma pancadinha <strong>de</strong> lado, na moldura<br />

da janela. Na hora, não sentiu muito, apenas uma dorzinha boba. Mas após esse episódio, as dores<br />

foram se tornando cada vez mais intensas e insuportáveis. Apesar <strong>de</strong> ter se submetido a renomados<br />

especialistas, nada pô<strong>de</strong> fazer. A morte o rondava.<br />

A inesperada condição <strong>de</strong> enfermo será extremamente favorável à observação, à avaliação isenta e<br />

imparcial dos relacionamentos cultivados com todos os que o cercavam, inclusive com seus colegas<br />

juízes. É com profundo <strong>de</strong>sapontamento que <strong>Ivan</strong> constata que, indiferentes, a única coisa que importava<br />

mesmo era manter o enfadonho, mas necessário, protocolo <strong>de</strong> visitas e confabular sobre quem ocuparia o<br />

posto que ele <strong>de</strong>ixará, bem como quem ficará com o cargo vago por aquele que o substituir, e assim por<br />

diante. Recapitulando seus valores, suas realizações e frustrações, conclui que “farinha do mesmo saco”,<br />

não teria agido diferente <strong>de</strong> seus interesseiros e ambiciosos amigos magistrados. Afundando num<br />

sofrimento <strong>de</strong>sesperado, <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> se dá conta da insignificância <strong>de</strong> sua vida, da fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<br />

conquistas. Apesar <strong>de</strong> suas dores físicas serem terríveis, doía ainda mais a sua consciência moral.<br />

Próximo à finitu<strong>de</strong> e com fome <strong>de</strong> imortalida<strong>de</strong>, a ânsia <strong>de</strong> encontrar propósito para sua breve e vulgar<br />

existência martelava-lhe o cérebro.<br />

Foram três meses, <strong>de</strong> intensa agonia. Depen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> auxílio para tudo, inclusive para as<br />

constrangedoras necessida<strong>de</strong>s fisiológicas, encontra na alma do singelo camponês Guerássin, ternura e,<br />

testemunha a bonda<strong>de</strong> humana. Certa vez, agra<strong>de</strong>cendo pelo <strong>de</strong>sagradável préstimo, ouviu o mujique<br />

afirmar que fazia isso com prazer; que qualquer um faria. Essa ingenuida<strong>de</strong> o comovia profundamente.<br />

Acalmava-lhe a presença <strong>de</strong>sse prestativo enfermeiro.<br />

Sob o crivo <strong>de</strong> uma luci<strong>de</strong>z perturbadora, repassou sua vida: “E quanto mais longe da infância e mais<br />

perto do presente, tanto mais as alegrias que vivera lhe pareciam insignificantes e vazias. A começar pela<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito. Nela conhecera alguns momentos realmente bons: o contentamento, a amiza<strong>de</strong>, as<br />

esperanças. Nos últimos anos, porém, tais momentos já se tornavam raros. Depois, no tempo do seu<br />

primeiro emprego, junto ao governador, gozara alguns belos momentos: amara uma mulher. Em seguida<br />

tudo se embrulhou e bem poucas eram as coisas boas. Para adiante, ainda menos. E, quanto mais<br />

avançava, mais escassas se faziam elas. Veio o casamento, um mero aci<strong>de</strong>nte e, com ele, a <strong>de</strong>silusão, o<br />

mau hálito da esposa, a sensualida<strong>de</strong> e a hipocrisia. E a monótona vida burocrática, as aperturas <strong>de</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!