A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...
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filha, que se acusavam mutuamente <strong>de</strong> tê-lo perdido, o que gerou um sensível<br />
mal-estar.<br />
Fiódor Pietrichtchov perguntou a <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> se ele já vira Sarah Bernhardt. No<br />
primeiro momento <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> não compreen<strong>de</strong>u a pergunta, mas <strong>de</strong>pois<br />
respon<strong>de</strong>u:<br />
— Não. E você já viu?<br />
— Sim. já vi. Em AdtIenne Lecouvreur.<br />
Praskóvia Fiódorovna referiu-se a alguns papéis que Sarah Bernhardt<br />
<strong>de</strong>sempenhara magnificamente. A filha discordou. A conversa, então, recaiu<br />
sobre a elegância e o realismo que a atriz imprimia a certas cenas, e tomou o<br />
rumo <strong>de</strong> todas as conversas <strong>de</strong> tal natureza.<br />
No meio da conversação, Fiódor Pietrichtchov <strong>de</strong>itou um olhar a <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> e<br />
calou-se. Os outros também olharam para o enfermo e ficaram silenciosos.<br />
<strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> enfrentou-os com os olhos brilhando, visivelmente indignado. Era<br />
uma situação penosa — o silêncio tinha <strong>de</strong> ser quebrado. Mas ninguém se<br />
<strong>de</strong>cidia, medrosos todos <strong>de</strong> que a convencional mentira ficasse evi<strong>de</strong>nte e que<br />
imperasse a dura realida<strong>de</strong>. Lisa tomou, afinal, a iniciativa, mas ao tentar<br />
ocultar o que todos sentiam traiu-se.<br />
— Bem, já que temos <strong>de</strong> ir, está na hora — disse consultando o relógio, que<br />
fora presente do pai, e trocando com o jovem um imperceptível sorriso, cujo<br />
significado somente os dois sabiam.<br />
E levantou-se num frufru <strong>de</strong> sedas. Todos a imitaram, <strong>de</strong>ram as boas-noites e<br />
se foram.<br />
Quando se viu só, <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> foi tomado por um breve alívio: a falsida<strong>de</strong> saíra<br />
com eles. Mas ficara a dor, a mesma dor e o mesmo pavor que tornavam tudo<br />
tão monotonamente semelhante.<br />
Os minutos tornaram a seguir-se a outros muitos, as horas a outras horas,<br />
sempre na mesma toada, e o fim inevitável parecia cada vez mais próximo.<br />
— Sim, man<strong>de</strong> cá o Guerássim — respon<strong>de</strong>u a uma pergunta <strong>de</strong> Piotr.<br />
IX<br />
A mulher voltou tar<strong>de</strong>. Entrou nas pontas dos pés, ele ouviu. Abriu os olhos e<br />
logo fechou-os <strong>de</strong> novo. Ela quis mandar Guerássim embora e ficar junto <strong>de</strong>le.<br />
<strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> abriu os olhos e disse:<br />
— Não. Vá dormir.<br />
— Está doendo muito?<br />
— Como sempre.<br />
— Tome um pouco <strong>de</strong> ópio.<br />
Ele concordou e ingeriu a poção. A mulher saiu.<br />
Até perto das três horas, permaneceu imerso num penoso entorpecimento.<br />
Parecia-lhe que o empurravam dolorosamente para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um saco preto,<br />
estreito e fundo; forçam-no, mas não consegue passar pela boca do saco; está<br />
apavorado, porém, quer cair lá <strong>de</strong>ntro, como para se livrar da terrível dor que<br />
sente; luta, luta, cooperando, e, <strong>de</strong> repente, o saco se rompe, ele cai e torna à<br />
realida<strong>de</strong>.<br />
Guerássim permanece sentado no pé da cama, cochilando, calmo e paciente,<br />
enquanto ele está estendido <strong>de</strong> costas, os pés, magros, calçados <strong>de</strong> meias, se<br />
apóiam nos ombros do criado. A vela continuava a se queimar no castiçal. E a<br />
dor persistia.<br />
— Po<strong>de</strong> ir dormir, Guerássim — sussurrou.<br />
— Não estou cansado, senhor. Posso ficar mais um pouco.