17.04.2013 Views

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

involuntariamente, mas, mesmo assim, não se tornavam mais aceitáveis para<br />

ele.<br />

No tribunal, <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> também notava, ou julgava notar, uma estranha atitu<strong>de</strong><br />

em relação à sua pessoa: ora tinha a impressão <strong>de</strong> que o olhavam como<br />

alguém que, em breve, <strong>de</strong>ixará uma vaga; ora os colegas caçoavam<br />

afetuosamente da sua hipocondria, como se a pavorosa, atroz e incrível coisa<br />

que se <strong>de</strong>senvolvia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le, sugando-o sem tréguas e arrastando-o<br />

irresistivelmente não sabia para on<strong>de</strong>, não passasse <strong>de</strong> um divertido tema para<br />

graçolas.<br />

Schwarz, entre todos, é o que mais o irritava, aquele Schwarz que, com o seu<br />

gênio folgazão, sua vivacida<strong>de</strong> e a sua elegância, lembrava o que ele próprio<br />

fora há <strong>de</strong>z anos passados.<br />

Aparecem amigos para um joguinho. Abancam-se, dão as cartas, ele recebe<br />

sete ouros. O parceiro diz: “Sem trunfos”, e o apóia com dois ouros. Que mais<br />

po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sejar?<br />

Devia se sentir alegre, animado — iria fazer uma gran<strong>de</strong> jogada. De repente,<br />

<strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> sente a dor obstinada, o gosto nauseabundo na boca, e parece-lhe<br />

estúpido, no estado em que se encontra, rejubilar-se com um gran<strong>de</strong> lance.<br />

Olha para seu parceiro, Mikhail Mikháilovitch, que fortemente bate com o punho<br />

na mesa e, por <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, não arrasta a vaza, mas empurra-a para ele, a fim<br />

<strong>de</strong> lhe dar o prazer <strong>de</strong> apanhá-la sem fazer esforço, sem mesmo ser preciso<br />

esten<strong>de</strong>r o braço. “Será que Mikhail Mikháilovitch me acha tão fraco que nem<br />

posso esten<strong>de</strong>r muito o braço?”, pensa, e esquece <strong>de</strong> contar os trunfos,<br />

<strong>de</strong>sperdiça um <strong>de</strong>les numa vaza já ganha e per<strong>de</strong> por três vazas. E o pior é<br />

que vê como o parceiro sofre, enquanto para ele aquilo é indiferente. E é<br />

horrível pensar porque aquilo lhe é indiferente.<br />

Todos vêem que ele não se sente bem e dizem-lhe: “Se está cansado,<br />

po<strong>de</strong>mos parar. Descanse um pouco”. Descansar? Não. De modo nenhum! E<br />

acabou a partida. Todos estão calados e sombrios. <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> não ignora que<br />

inspirou aquela atmosfera, mas não po<strong>de</strong> dissipá-la. Ceiam e cada um vai para<br />

o seu lado, e <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> ficou solitário, com a consciência <strong>de</strong> que sua vida está<br />

envenenada e que envenenava a dos outros e que o veneno não iria ser<br />

eliminado, mas sim penetrar cada dia mais fundamente no seu ser.<br />

E, com a consciência disso e com a sua dor física, além do terror, tinha <strong>de</strong> ir<br />

para a cama, on<strong>de</strong> freqüentemente ficava rolando, insone, a maior parte da<br />

noite. E <strong>de</strong> manhã era preciso levantar-se, vestir-se, ir para o tribunal, falar,<br />

escrever, ou então ficar em casa as vinte e quatro horas do dia, cada uma das<br />

quais era uma tortura. E sozinho tinha <strong>de</strong> viver assim à beira do abismo, sem<br />

ninguém que o compreen<strong>de</strong>sse e tivesse pena <strong>de</strong>le.<br />

V<br />

Assim correu um mês, <strong>de</strong>pois outro. Dias antes do Ano Novo, o cunhado veio à<br />

cida<strong>de</strong> e se hospedou em sua casa. <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> fora ao tribunal e Praskóvia<br />

Fiódorovna estava fazendo compras. Voltando do trabalho e entrando no<br />

escritório, encontrou o cunhado, um tipo vermelhaço esbanjando saú<strong>de</strong>, que<br />

<strong>de</strong>sfazia a mala. Ouvindo os passos <strong>de</strong> <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong>, ergueu a cabeça e olhou-o<br />

um instante, sem dizer nada. <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> leu tudo naquele olhar. O cunhado<br />

abriu a boca para uma exclamação <strong>de</strong> surpresa, mas se conteve. Esse<br />

movimento confirmava tudo.<br />

— Estou mudado, não estou?<br />

— Sim. Um quase nada.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!