A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...
A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...
A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói - Liceu Albert Sabin Ribeirão ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
arba grisalha e que por isso mesmo o que ambicionava era impossível, mas<br />
ainda assim ambicionava. E no comportamento <strong>de</strong> Guerássim para com ele<br />
havia qualquer coisa próxima daquilo que queria e <strong>de</strong> tal forma sentia-se um<br />
pouco confortado. <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> queria chorar, queria ser acariciado e consolado,<br />
mas quando chegava o seu colega Chebek, em vez <strong>de</strong> lágrimas e<br />
enternecimentos, <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> punha no rosto uma máscara <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong>,<br />
dignida<strong>de</strong> e profun<strong>de</strong>za e, pela força do hábito, trocava opiniões sobre<br />
<strong>de</strong>terminado acórdão da Corte <strong>de</strong> Apelação e obstinadamente <strong>de</strong>fendia seu<br />
ponto <strong>de</strong> vista. A falsida<strong>de</strong> à sua volta e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le envenenou mais do que<br />
tudo os seus <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros dias.<br />
VIII<br />
Era <strong>de</strong> manhã. Ele sabia que era <strong>de</strong> manhã unicamente porque Guerássim se<br />
fora e o criado Piotr viera apagar as velas, levantar as cortinas e<br />
silenciosamente começar a arrumação do quarto. Fosse manhã ou noite, sextafeira<br />
ou domingo, não havia diferença, tudo era igual para <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong>: a dor<br />
surda, implacável, incessante; a sensação <strong>de</strong> que a vida não parava <strong>de</strong> fugir; a<br />
certeza <strong>de</strong> que a odiosa e temida morte se aproximava como a única realida<strong>de</strong>;<br />
e sempre a mesma mentira. Que importância tinham, portanto, as semanas, os<br />
dias, as horas?<br />
— O senhor quer que sirva o chá?<br />
“Ele é or<strong>de</strong>iro e acha que os patrões precisam tomar chá <strong>de</strong> manhã”, pensou<br />
<strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong>, e respon<strong>de</strong>u apenas:<br />
— Não.<br />
— O senhor não quer passar para o divã?<br />
“Ele precisa arrumar o quarto, mas eu o atrapalho. Sou a sujeira e a<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m”, pensou, e disse somente:<br />
— Não, <strong>de</strong>ixe-me aqui.<br />
O criado continuou nos arranjos. <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> esten<strong>de</strong>u a mão. Piotr acercou-se,<br />
solícito:<br />
— Que <strong>de</strong>seja o senhor?<br />
— Meu relógio.<br />
Piotr apanhou o relógio, que se encontrava bem à mão <strong>de</strong> <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong>, e<br />
entregou-o ao amo.<br />
— Oito e meia. Já se levantaram?<br />
— Ainda não, senhor, a não ser Vassílli Ivánovitch era o filho —, que foi para o<br />
colégio. Mas Praskóvia Fiódorovna <strong>de</strong>u or<strong>de</strong>m para que a acordassem se o<br />
senhor a chamasse, quer que eu a acor<strong>de</strong>?<br />
— Não. Não é preciso. — “Talvez fosse bom eu tomar um chá”, pensou. E<br />
pediu: — Bem, traga-me o chá.<br />
Piotr encaminhou-se para a porta. <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> teve medo <strong>de</strong> ficar só. “Como retêlo?<br />
Ah, o remédio!”<br />
— Piotr, me dê a poção. — E pensou: “Por que não? Talvez me faça<br />
Tomou uma colher cheia. “Não. Não adianta nada. Tudo é bobagem,<br />
tapeação”, e o gosto enjoado, <strong>de</strong>sesperante, que tão bem conhecia. “Não. Não<br />
acredito em mais nada! Mas por que aquela dor? Que bom se ao menos<br />
parasse um pouquinho.” E gemeu. Piotr virou-se.<br />
— Não vá embora. Traga-me o chá.<br />
Piotr foi buscá-lo. Só, <strong>Ivan</strong> <strong>Ilitch</strong> gemia, não tanto da dor, por mais insuportável<br />
que fosse, mas <strong>de</strong> aflição. “E sempre a mesma coisa, a mesma, por dias e