Conservação da Natureza - E eu com isso? - Global Garbage
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O elevado índice de abandono <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s de camarão<br />
em cativeiro (estima<strong>da</strong> em 2007 por volta de 65% no estuário do rio<br />
Jaguaribe) culminou <strong>com</strong> impactos cumulativos nos estuários <strong>com</strong><br />
fazen<strong>da</strong>s certifica<strong>da</strong>s: doenças ocasiona<strong>da</strong>s por vírus (atingindo, no<br />
litoral oeste do Ceará, mais de 90% <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s e <strong>com</strong> per<strong>da</strong>s de até<br />
80% <strong>da</strong> produção), baixos níveis de tratamento dos efluentes (no estuário<br />
do rio Jaguaribe mais de 70% <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s não contavam <strong>com</strong> lagoas<br />
de sedimentação), localização <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s em ambientes regidos pelas<br />
marés, desmatamento do manguezal, extinção de largos setores de<br />
apicum e fragmentação do sistema estuarino; e as externali<strong>da</strong>des sociais<br />
que atingiram as <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>des litorâneas e ribeirinhas (MEIRELES e<br />
VICENTE DA SILVA, 2002; CASSOLA et al., 2004; MEIRELES et al.,<br />
2007; TEIXEIRA, 2008; NOGUEIRA et al., 2009).<br />
As consequências <strong>da</strong> massiva ocupação dos manguezais foram<br />
alerta<strong>da</strong>s por pesquisadores de vários países (pesquisas evidencia<strong>da</strong>s neste<br />
texto, entre várias outras), técnicos de ONG`s nacionais e internacionais<br />
(C-CONDEM, 2007), instituições governamentais (FAO, 2002; IBAMA,<br />
2005 e EMBRAPA, 2007), representantes do Congresso Nacional e<br />
lideranças <strong>com</strong>unitárias e indígenas. O Relatório do GT Carcinicultura,<br />
publicado em 2005, aprovado por unanimi<strong>da</strong>de pela Comissão de Defesa<br />
do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias <strong>da</strong> Câmara dos Deputados<br />
(MELO, 2005), denunciou os graves problemas ambientais, sociais e<br />
econômicos <strong>da</strong> carcinicultura que ocupava os bosques de manguezal e<br />
apicum. Pesquisas recentes sobre a situação dos mangues indicaram a<br />
carcinicultura <strong>com</strong>o uma <strong>da</strong>s maiores razões <strong>da</strong> sua destruição (ALONGI,<br />
2002; VALIELA et al., 2001). Barbier e Cox (2003) elaboraram modelo<br />
matemático (<strong>com</strong> análise dos manguezais de 89) que definiu uma relação<br />
positiva entre desenvolvimento <strong>da</strong> carcinicultura e per<strong>da</strong> de manguezal.<br />
Nos próximos 25 anos a carcinicultura e a intensa exploração pesqueira<br />
serão as maiores ameaças ao manguezal (ALONGI, op cit.).<br />
Os empresários deste setor alcançaram índices de inadimplência junto<br />
à Companhia de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (COGERH)<br />
na ordem de R$735.950,00 (pagando apenas 1,8% do valor cobrado)<br />
(CEARÁ, 2008) − dívi<strong>da</strong>s superiores às alcança<strong>da</strong>s por todo setor<br />
industrial do Estado.<br />
Biodiversi<strong>da</strong>de para quê? Para a essência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
Constatou-se que a indústria camaroneira levou em conta<br />
unicamente os custos de mercado em detrimento dos <strong>da</strong>nos ambientais,<br />
ecológicos, sociais, culturais e à biodiversi<strong>da</strong>de dos ecossistemas costeiros.<br />
Comuni<strong>da</strong>des foram expulsas de s<strong>eu</strong>s territórios, pescadores foram<br />
torturados, ameaçados de morte e impedidos de pescar.<br />
A certificação do camarão (“ajustes” na produção e <strong>com</strong>ercialização na<br />
tentativa de “sustentabili<strong>da</strong>de”) produzido em áreas de preservação<br />
permanente não pode ser utiliza<strong>da</strong> para legitimar passivo ambiental<br />
decorrente de um ciclo produtivo caracterizado pela insustentabili<strong>da</strong>de.<br />
Mesmo acarretando to<strong>da</strong> uma problemática ambiental e social,<br />
a carcinicultura foi privilegia<strong>da</strong> <strong>com</strong> incentivos financeiros dos Governos<br />
estadual e federal e bancos públicos e priva<strong>da</strong>s. O crescimento exponencial<br />
espantoso do cultivo de camarão marinho em cativeiro no Brasil (até<br />
2004) não constitui fenômeno espontâneo. Os responsáveis pelo<br />
crescimento vertiginoso, em parte, foram as políticas de desenvolvimento<br />
e de incentivo, pauta<strong>da</strong>s na lógica do agronegócio e implementa<strong>da</strong>s pelo<br />
estado brasileiro (BATISTA e TUPINAMBÁ, 2004).<br />
Foi demonstrado, portanto, que as funções ecológicas e sociais<br />
ind<strong>isso</strong>ciáveis do manguezal não representam “serviços ambientais” e<br />
“certificados verdes” para atingir novos mercados, <strong>com</strong>o também posto<br />
pela lógica de <strong>com</strong>pensar as emissões no mercado de carbono para<br />
“descarbonizar” a economia. A criação de camarão envolve os manguezais<br />
na mesma lógica <strong>da</strong>s disputas políticas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na voraci<strong>da</strong>de de<br />
transformá-lo em mais um sistema para o consumo exacerbado dos bens<br />
naturais (e inserido na categoria de resquícios, <strong>com</strong>o os de Cerrado, Mata<br />
Atlântica, entre outros).<br />
A criação de camarão industrial e as suas estratégias de<br />
“certificação” e “selos verdes” deverá levar em conta a quali<strong>da</strong>de<br />
socioambiental <strong>com</strong> a necessi<strong>da</strong>de de preservação dos manguezais e<br />
sua integri<strong>da</strong>de de modo a não interferir nas práticas e territórios<br />
<strong>com</strong>unitários.<br />
Os manguezais representam territórios-ecossistemas de amplo<br />
domínio dos povos e <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>des tradicionais e indígenas e<br />
<strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de planetária − reflexos <strong>da</strong> evolução de <strong>com</strong>plexos<br />
sistemas socioambientais e essências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> − que deverão<br />
ser resguar<strong>da</strong>dos, preservados, recuperados e conservados,<br />
em sua integri<strong>da</strong>de – uma receita <strong>com</strong> ingredientes sistêmicos<br />
e interdependentes − para transformar e potencializar a vi<strong>da</strong> e a<br />
biodiversi<strong>da</strong>de de todos.<br />
90 CONSERVAÇÃO DA NATUREZA<br />
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