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Capítulo 22<br />
as necessidades locais; é assim, por exemplo,<br />
que, em certos países, o casamento<br />
religioso é o único legítimo, em outros se<br />
necessita também de um casamento civil,<br />
em outros, enfim, só o casamento civil é<br />
o bastante.<br />
3. Mas, na união dos sexos, ao lado<br />
da lei divina material, comum a todos os<br />
seres vivos, existe outra lei divina, imutável<br />
como todas as leis de Deus, exclusivamente<br />
moral: é a lei de amor. Deus desejou que<br />
os seres se unissem não somente através<br />
dos liames da carne, mas através dos liames<br />
da alma, a fim de que a afeição mútua<br />
dos esposos se transferisse para seus filhos,<br />
e a fim de que fossem dois, em lugar de<br />
um, a amá-los, a cuidar deles e a fazê-los<br />
progredir. Nas condições ordinárias do casamento, foi considerada essa lei de amor?<br />
De forma alguma; o que se consulta não é a afeição de dois seres que um mútuo<br />
sentimento atrai um para o outro, porquanto o mais das vezes se transgride essa<br />
afeição; o que se busca não é a satisfação do coração mas a do orgulho, da vaidade,<br />
da cupidez, em suma, de todos os interesses materiais; quando tudo concorre<br />
para o melhor segundo esses interesses, diz-se que o casamento é conveniente;<br />
quando as bolsas estão bem abastecidas, diz-se que os esposos o estão igualmente,<br />
e podem ser bem felizes.<br />
Mas nem a lei civil, nem os negócios contratados através dela conseguem substituir<br />
a lei de amor, se esta não preside à união; resulta daí que, amiúde, o que se<br />
uniu à força se separa por si mesmo; que o juramento que se pronuncia ao pé do<br />
altar se transforma em perjúrio, caso seja dito como uma fórmula banal; daí as<br />
uniões infelizes, que terminam tornando-se criminosas; dupla infelicidade que se<br />
evitaria se, nas condições do casamento, não se fizesse abstração da única lei que<br />
o sanciona aos olhos de Deus: a lei de amor. Quando Deus disse: “Vocês formarão<br />
u’a mesma carne”, e quando Jesus disse: “Não separem vocês o que Deus uniu”,<br />
isso tem de ser entendido segundo a lei imutável de Deus e não segundo a lei variável<br />
dos homens.<br />
4. A lei civil é supérflua, portanto, e a gente precisa voltar aos casamentos conforme<br />
a natureza? Não, certamente; a lei civil tem por alvo regulamentar as relações<br />
sociais e os interesses das famílias, de acordo com as exigências da civilização; eis<br />
aqui porque ela é útil, necessária mas variável; ela tem que ser previdente, porque o<br />
homem civilizado não consegue viver como o selvagem; mas nada, absolutamente<br />
nada, se opõe a que ela seja o corolário da lei de Deus; os obstáculos ao cumprimento<br />
da lei divina derivam dos preconceitos e não da lei civil. Esses preconceitos,<br />
se bem que ainda vívidos, perderam já parte de seu domínio entre os povos esclarecidos;<br />
eles desaparecerão com o progresso moral, que abrirá, enfim, os olhos<br />
para os males sem conta, as faltas e mesmo os crimes que resultam das uniões<br />
contratadas à vista unicamente dos interesses materiais; e a gente perguntará, um<br />
dia, se é mais humano, mais caridoso, mais moral, cingir, um ao outro, uns seres<br />
que não são capazes de viver juntos do que lhes conceder a liberdade; se a perspectiva<br />
de um grilhão indissolúvel não aumenta o número das uniões irregulares.