O CONFLITO DAS FACULDADES - OUSE SABER!
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ser indiferente no propósito prático; com efeito,<br />
quem amaria a tal ponto o seu corpo para desejar<br />
arrastá-lo consigo na eternidade, quando pode passar<br />
sem ele? Portanto, a conclusão do Apóstolo — «Se<br />
Cristo não ressuscitou (vivificado segundo o corpo),<br />
também não ressuscitaremos (não viveremos mais<br />
após a morte)» — não é válida. Aliás, pouco importa<br />
(pois não se porá também como base do argumentar<br />
uma inspiração), ele apenas quis dizer que temos motivo<br />
para crer que Cristo vive ainda, e que a nossa fé<br />
é vã se até um homem tão perfeito não houvesse de<br />
viver após a morte (corporal), fé esta que a razão lhe<br />
inspirou (como a todos os homens), o levou à fé histórica<br />
numa coisa pública que ele admitiu candidamente<br />
como verdadeira e utilizou como argumento de<br />
uma fé moral da vida futura, sem se dar conta de<br />
que, sem esta última, dificilmente acreditaria em tal<br />
coisa. O propósito moral era assim alcançado, embora<br />
o modo de representação trouxesse em si a marca<br />
dos conceitos escolásticos em que ele foi educado.<br />
— De resto, a semelhante afazer opõem-se objecções<br />
importantes: a instituição da Ceia (triste entretenimento)<br />
em sua memória assemelha-se a uma despedida<br />
formal (e não apenas a um próximo encontro). As<br />
palavras de queixume na cruz expressam o fracasso<br />
de um objectivo (conduzir ainda, durante a sua vida,<br />
os Judeus à verdadeira religião), quando seria antes<br />
de esperar a alegria acerca de uma meta conseguida.<br />
Por último, a expressão dos discípulos em Lucas —<br />
«Pensávamos que Ele libertaria Israel» — também<br />
não permite depreender que eles estavam dispostos a<br />
revê-lo dentro de três dias, e menos ainda que algo<br />
lhes chegara aos ouvidos a propósito da sua ressurreição.<br />
— Mas porque é que, em virtude de um relato<br />
histórico que devemos deixar sempre no seu lugar<br />
(entre os adiaphorá), nos temos de envolver em tantas<br />
indagações e discussões sábias, quando se trata de<br />
religião para a qual, na referência prática, a fé que a<br />
razão nos infunde é já por si suficiente.<br />
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b) Na interpretação das passagens da Escritura em<br />
que a expressão é contrária ao nosso conceito racional<br />
da natureza divina e da sua vontade, os teólogos<br />
bíblicos já há muito tomaram como regra que o que<br />
está expresso à maneira humana (avÚQoononaúãjç) se<br />
deve interpretar de acordo com um sentido digno de<br />
Deus (útonçencúç); confessam assim, com toda a clareza,<br />
que a razão, em matérias de religião, é a suprema<br />
exegeta. — Mas, inclusive, se ao autor sagrado<br />
não se pode dar nenhum outro sentido a não ser<br />
aquele que, efectivamente conexo com as suas expressões,<br />
está em contradição com a nossa razão, esta sente-se,<br />
no entanto, autorizada a interpretar as suas passagens<br />
da Escritura como ela julgar adequado aos seus<br />
princípios, e não a explicar segundo a letra, se não quiser<br />
inculpar o autor de um erro; eis o que parece violar<br />
plenamente as regras supremas da interpretação e, no<br />
entanto, tal sempre se fez com a aprovação dos mais<br />
renomados teólogos. — Assim aconteceu com a doutrina<br />
de S. Paulo sobre a predestinação, a partir da<br />
qual se torna evidentíssimo que a sua opinião pessoal<br />
deve ter sido a predestinação no sentido mais estrito<br />
da palavra, doutrina que, por isso, foi também aceite<br />
na sua fé por uma grande Igreja protestante; porém,<br />
subsequentemente, foi de novo abandonada por uma<br />
grande parte desta Igreja ou, então, interpretou-se de<br />
outra maneira o melhor que foi possível, porque a razão<br />
a acha incompatível com a doutrina da liberdade,<br />
a imputação das acções e, por isso, com toda a moral.<br />
— Até onde a fé da Escritura se não encontra em<br />
nenhuma contravenção de certas doutrinas com princípios<br />
morais, mas somente com a máxima racional<br />
na apreciação de fenómenos físicos, os exegetas, com<br />
uma aprovação quase geral, explicaram muitos relatos<br />
bíblicos, por exemplo, o dos possessos (demoníacos),<br />
embora na Escritura tenham sido narrados no<br />
mesmo tom histórico que a restante história sagrada e<br />
seja quase indubitável que os seus autores os consideraram<br />
literalmente verdadeiros, de modo que a razão<br />
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