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Andreucci Pereira Gomes, Maria Cecilia Conheci-a através do ...

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“Prazer ou <strong>do</strong>r, gozo ou falta, vitória ou derrota, é tu<strong>do</strong> a mesma coisa”.<br />

“La BhagavadGîtâ” Canto II-38-39<br />

<strong>Andreucci</strong> <strong>Pereira</strong> <strong>Gomes</strong>, <strong>Maria</strong> <strong>Cecilia</strong><br />

<strong>Conheci</strong>-a <strong>através</strong> <strong>do</strong> irmão que me telefonou dizen<strong>do</strong> ser um caso de<br />

urgência.Uma mulher, 59 anos, divorciada, três filhos que, devi<strong>do</strong> a uma<br />

depressão melancólica, estava internada em um hospital havia uma<br />

semana, em um esta<strong>do</strong> de anorexia séria.<br />

Quan<strong>do</strong> a vi pela primeira vez, deparei-me com uma mulher pequena,<br />

frágil, deitada em um leito, com alimentação parenteral. Dois olhos pretos,<br />

grandes e delirantes, em um rosto pequeno, magro, S. havia atingi<strong>do</strong> um<br />

limite perigoso no peso: pesava 37 kg. Fiquei impactada.Nesse primeiro<br />

contato, S. não me dirigiuo olhar, nem a palavra. Seus olhos vazios<br />

miravam o infinito.Quan<strong>do</strong> me aproximei e sentei-me a seu la<strong>do</strong>, notei que<br />

rapidamente tentou olhar-me, logo voltan<strong>do</strong> à indiferença.A <strong>do</strong>r melancólica<br />

que a paralisava irradiava-se pelo quarto, inundan<strong>do</strong> meu<br />

ser.Paulatinamente, quase to<strong>do</strong>s os dias, aumentava o tempo de minha<br />

presença no hospital, sempre respeitan<strong>do</strong> o limite <strong>do</strong> suportável tanto para<br />

ela, como para mim, vivi<strong>do</strong> contratransferencialmente, tão pesada era a<br />

comunicação por identificação projetiva com esta paciente.Em uma das<br />

vezes, observei um fio <strong>do</strong> prazer que minha visita lhe propiciava, e o mar de<br />

desprazer, <strong>do</strong>r e angústia persecutória, que minha presença lhe causava.<br />

Gota a gota, como alimentan<strong>do</strong> um prematuro muito frágil, pingava o<br />

soro <strong>do</strong> alimento emocional na mente dessa paciente, <strong>através</strong> da<br />

comunicação verbal e não/verbal, da minha capacidade de rêverie (Bion) e<br />

continência (Bion), aumentan<strong>do</strong> paulatinamente nosso contato. Começamos<br />

a criar um ritmo nos nossos encontros, quatro vezes por semana, 45<br />

minutos, no fim <strong>do</strong> meu dia de trabalho. O setting analítico foi sen<strong>do</strong> teci<strong>do</strong><br />

e se tornan<strong>do</strong> mais sóli<strong>do</strong>. A esperança de uma conversa surgiu.<br />

Interessou-se pela minha pessoa.Porém, os espaços conquista<strong>do</strong>s por<br />

esses movimentos eram frágeis, pois, rapidamente, sua mente se perdia.<br />

Eu, como analista, e também como pessoa, sentia-me oscilar entre meu<br />

interesse por ela, refinan<strong>do</strong> minha observação de seus mínimos<br />

movimentos físicos ou mentais, alguns <strong>do</strong>s quais podia alcançar, e um<br />

profun<strong>do</strong> desânimo que inundava meu ser. Certo dia, cerca de um mês, no<br />

qual cuida<strong>do</strong>samente mantinha o setting de análise, quan<strong>do</strong> a enfermeira<br />

entrou perguntan<strong>do</strong> se ela queria ir ao banheiro, espantei-me. Ela levantouse<br />

da cama, pequena, esquálida, os pés no chão, arrastou o soro, e disse<br />

que ia só. Uma estranha força emanou de repente daquele corpo quase<br />

imóvel, e um olhar brilhante, carrega<strong>do</strong>, pareceu iluminar por um instante o


ambiente. Surpreendi-me epensei: esta mulher é capaz de erguer-se. Ela<br />

vai sair <strong>do</strong> hospital.<br />

Um mês depois teve alta. Continuou falan<strong>do</strong> comigo por telefone três<br />

vezes por semana, ainda bastante perseguida para manter um contato mais<br />

próximo. Passou-se mais um mês, quan<strong>do</strong> S., acompanhada pela<br />

enfermeira, ainda com sonda no nariz para a alimentação parenteral,<br />

começou a frequentar o consultório. Continuamos nosso trabalho.<br />

Durante meses a paciente olhava-me com seus olhos fugazmente febris,<br />

às vezes vazios e mortos, e a experiência analítica era pontuada por certa<br />

verbalização. Recusava-se ainda a alimentar-se, inclusive a beber água,<br />

hidratan<strong>do</strong>-se e alimentan<strong>do</strong>-se por sonda gástrica. Paulatinamente seu<br />

olhar começou a fixar-se em minha pessoa.Senti naquele vazio <strong>do</strong> nada,<br />

que muitas vezes se estabelecia entre nós, o esboço de um desejo, já<br />

observa<strong>do</strong> no hospital, muito tênue, muito rápi<strong>do</strong>, esforçan<strong>do</strong>-se para<br />

movimentar-se emocionalmente em direção à minha pessoa. Esse desejo<br />

foi evoluin<strong>do</strong> para um desejo voraz, avassala<strong>do</strong>r, canibal, anseio pela fusão<br />

e pelo estabelecimento da unidade narcísica primordial.<br />

Diz-nos Green (1988), em “Narcisismo de Vida, Narcisismo de Morte”.<br />

A teoria que se apoia sobre a experiência de análise na neurose de<br />

transferência, situa o objeto no centro de sua reflexão, enquanto o objeto<br />

da fantasia, ou ainda objeto <strong>do</strong> desejo. A teoria proveniente da análise<br />

<strong>do</strong>s “casos limites” continua a se ancorar no objeto da fantasia, mas não<br />

pode abstrair suas relações com o objeto real.(pág. 22)<br />

Green enfatiza ainda que a relaçãocom os objetos da realidade<br />

desempenham enorme importância na constituição psíquica <strong>do</strong> sujeito.Nos<br />

“casos limites”, seria como se o objeto psíquico coexistisse com o objeto<br />

real,como se uma dupla inscrição <strong>do</strong>s acontecimentos psíquicos atribuísse<br />

uma mesma realidade aos objetos da fantasia e aos objetos reais. No<br />

narcisismo, o objeto, fantasia<strong>do</strong> ou real, entra em relação conflitiva com o<br />

Eu. A sexualização <strong>do</strong> Eu, tem como consequência, transformar o desejo<br />

pelo Outro (Lacan), em desejo pelo Eu. O desejo muda, portanto,de objeto,<br />

pois o Eu se torna o seu próprio objeto de desejo.<br />

A fundamentação teórica de Freud se apoia sobre a formulação <strong>do</strong><br />

inconsciente, que funciona pela lógica <strong>do</strong>s processos primários. A lógica <strong>do</strong><br />

inconsciente é constituída por certas capacidades próprias <strong>do</strong> mesmo,<br />

como driblar a realidade, desconhecer a negação e a morte, ignorar o<br />

tempo, e ainda ser capaz de alucinar o objeto e realizar desejos. O vínculo<br />

que o sujeito cria com o objeto externo, portanto, não é devi<strong>do</strong> somente as<br />

suas necessidades concretas. Essa lógica <strong>do</strong> inconsciente foi denominada<br />

por Green (1979) de “lógica da esperança”, pois cria a possibilidade <strong>do</strong><br />

psiquismo<strong>do</strong> bebê se organizar, geran<strong>do</strong> “capacidades” para ele alucinar o<br />

seio, ilumina<strong>do</strong> pelo desejo, e não destruí-lo, impregna<strong>do</strong> pelo ódio.


Tanto Freud, quanto Green destacam a importância da realização<br />

alucinatória <strong>do</strong> desejo e suas funções básicas: representar psiquicamente a<br />

pulsão e criar uma existência imaginativa para o inconsciente, permitin<strong>do</strong> a<br />

criança alucinar uma realização psíquica, na qual ela faz parte de uma cena<br />

psíquica, com a qual tenta manobrar a realidade, toleran<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r da<br />

ausência. Porem o inconsciente freudiano da primeira tópica, a teoria da<br />

sexualidade infantil, <strong>do</strong> sonho, da realização <strong>do</strong> desejo, sofrem<br />

umatransformação, quan<strong>do</strong> Freud, em 1920, escreveu “Além <strong>do</strong> Princípio<br />

<strong>do</strong> Prazer”. O conceito da pulsão de morte, que já assombrava Melanie<br />

Klein, toma espaço na teoria freudiana.<br />

Para Klein a condição de alucinar o seio pelo bebê é vista de um outro<br />

vértice. Para ela, o bebê não tolera o excesso de angústia que o inunda,<br />

pela ausência <strong>do</strong> objeto, e o desamparo que o toma. Ataca e sente-se<br />

ataca<strong>do</strong> pelo horror <strong>do</strong> seio ausente, sen<strong>do</strong> toma<strong>do</strong> pela angústia de<br />

aniquilamento,crian<strong>do</strong> defesas. O bebê procura não só se defender <strong>do</strong>s<br />

objetos maus, mas também das fantasias inconscientes, que podem ser<br />

aterroriza<strong>do</strong>ras.Seu problema não estásomente em torno <strong>do</strong><br />

prazer/desprazer e realidade, fuga <strong>do</strong> desprazer a procura <strong>do</strong> prazer<br />

(Freud). O bebê kleiniano experimenta a angústia <strong>do</strong> aniquilamento. Suas<br />

defesas são uma questão de sobrevivência psíquica, sua luta é entre o<br />

gozo e a <strong>do</strong>r de sentir-se morren<strong>do</strong>, ambos em excesso, trazen<strong>do</strong> o perigo<br />

da desorganização mental.<br />

Green (1979), ao falar-nos da “lógica da desesperança”, apoia-se no<br />

bebê kleiniano, inunda<strong>do</strong> pela destrutividade, gerada pelo excesso de<br />

energia pulsional não atendida e assola<strong>do</strong> pela angústia de morte. Essa é<br />

uma característica da clínica <strong>do</strong>s casoslimites,para os quais o movimento<br />

em busca <strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> desejo e da sexualidade é obscureci<strong>do</strong>. Questões<br />

ligadas àdestrutividade, ao masoquismo e ao narcisismo, tornamserelevantes.Tais<br />

pacientes parecem viver em um mun<strong>do</strong> regi<strong>do</strong> por eles<br />

próprios, onde não foi ainda cria<strong>do</strong> um espaço interno para conter a<br />

alucinação <strong>do</strong> prazer, propiciada com o reencontro <strong>do</strong> objeto, mesmo que<br />

alucina<strong>do</strong>, pois este foi perdi<strong>do</strong>. A busca <strong>do</strong> prazer é substituída pela busca<br />

<strong>do</strong> desprazer. O nada, a ausência, são mais reais que a possibilidade de<br />

surgir algum objeto que produza alívio ou conforto. Estabelecem uma<br />

relação ambivalente com o objeto real, em constante esta<strong>do</strong> de conflito,<br />

impedin<strong>do</strong>qualquer afeto estável necessário para construir um vínculo. Com<br />

o analista, mantêm um vínculo impregna<strong>do</strong> pela transferência negativa, na<br />

oscilação rápida e constante da sua ambivalência afetiva (ódio e amor).<br />

Qual seria o melhor vértice para o analista se posicionar na relação<br />

transferencial com esses pacientes?<br />

Cabe ao analista ser capaz de sobreviver ao ódio, colocan<strong>do</strong> o<br />

analisan<strong>do</strong> em contato, aos poucos, com as vicissitudes <strong>do</strong> seu universo<br />

mental, sem tentar reassegurá-lo. É a maior prova de amor que ele pode<br />

dar ao paciente (Green).Na dificuldade de introjetar um bom objeto (Klein),


alicerçan<strong>do</strong>-se na ideia de narcisismo absoluto, Green propõe ainda a<br />

existência de um aspecto silencioso, invisível, que se encontra junto ao bom<br />

e mau objeto. Seria como se esses pacientes tivessem introjeta<strong>do</strong> não um<br />

continente que abrigaria os esboços das primeiras experiências afetivas<br />

reais com o seio real e as primeiras tentativas de representação (Bion), mas<br />

uma estrutura enquadrante vazia, um espaço psíquico vazio, transformação<br />

de um continente materno primitivo, que os envolve, e que eu denominaria<br />

de “manto da melancolia”.<br />

Observo S., na transferência, no decorrer da análise.Sinto a força de sua<br />

pulsão avassala<strong>do</strong>ra e o terror da mesma, que a faz esconder-se na<br />

anorexia <strong>do</strong> viver, colocan<strong>do</strong>-a em risco de vida.Na relação analítica<br />

começou a surgir a urgência de não perder as sessões, um imenso ódio<br />

pelas separações inevitáveis, um anseio poderoso para encontrar-se<br />

comigo novamente.Começou a esboçar-se o “narcisismo de vida” (Green),<br />

o desejo desespera<strong>do</strong> pela unidade fusional, e a saída de uma organização<br />

psíquica regida pela “lógica da desesperança” (Green, 1979). Qualquer<br />

palavra da analista que ameaçasse romper a alucinação dessa fusão, ou<br />

interditasse esse desejo, nesse momento de sua análise, era<br />

imediatamente rejeitada: “Não, não quero falar, nem pensar coisas que<br />

<strong>do</strong>em, você está sen<strong>do</strong> má comigo”. “Quero mais 10 minutos ou 15 minutos,<br />

o outro paciente que espere” “eu sempre preciso mais” “porque sofro mais”.<br />

Chegava e ainda chega às sessões dizen<strong>do</strong>-me: “estou mal, muito mal,<br />

pior”, ou “estou mais ou menos”, ou “como, não me diga que tem feria<strong>do</strong> e<br />

você não vai trabalhar, vocês analistas são uns folga<strong>do</strong>s”, ou “não me fale<br />

em férias, não quero mais ouvir”, ou “não tolero mesmo a separação”, nem<br />

de você, nem <strong>do</strong>s meus filhos, nem <strong>do</strong> meu irmão”. Ou ainda, quan<strong>do</strong> eu a<br />

observava pelo vidro da sala de espera, vin<strong>do</strong> rápida à sessão, andan<strong>do</strong><br />

bem, com o rosto sorrin<strong>do</strong> cheio de expectativa, que disfarçava ao entrar:<br />

“você não vê as minhas pernas, olhe como estou andan<strong>do</strong> mal”. Apesar de<br />

comunicar-lhe o que observei pelo vidro, ven<strong>do</strong>-a melhor, rebatia e voltava<br />

à sua ruminação melancólica. Fisicamente melhorou a olhos vistos, ganhou<br />

peso, sua insuficiência hepática evoluiu, teve alta.Emocionalmente, a<br />

analista ganhou mais espaço em seu psiquismo, como objeto de desejo,<br />

porém um desejo avassala<strong>do</strong>r.S., sente um estranho e primitivo prazer em<br />

minha presença, prolongan<strong>do</strong> as sessões ao máximo, tentan<strong>do</strong> manipular<br />

os horários das mesmas. Noções como tempo e espaço lhe <strong>do</strong>em,<br />

trazen<strong>do</strong>-lhe tormento e depressão. Às vezes sai de casa, não muito<br />

frequentemente, queixan<strong>do</strong>-se de que ninguém a procura. Na verdade, é<br />

sempre ela que deseja ser procurada. O movimento tem que ser centrípeto,<br />

pois ela exige que o centro seja sempre o Eu. Paulatinamente começa a<br />

desejar a viver, porém dentro ainda de suas premissas. Cria uma técnica<br />

para mascarar a percepção da ruptura da unidade fusional, ao trazer-me<br />

“sonhos”, que têm a função de preencher o vazio, entre as sessões, pois<br />

me diz que perde o que acontece conosco após separar-se de mim.


“Sonha” sempre que está rodeada por pessoas amadas, e,de repente, o<br />

sonho se interrompe.Quan<strong>do</strong> acorda, fica confusa, mas ainda feliz, não<br />

perceben<strong>do</strong> se está realmente acordada, ou se está ainda sonhan<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> percebe a diferença, ela se deprime. Esse artifício S.tem usa<strong>do</strong>,<br />

após algum tempo de análise, no intervalo entre as sessões e penso ser<br />

distinto da proposta anterior onde, a cada separação da analista ou de uma<br />

pessoa próxima, entrava em pânico, dizen<strong>do</strong>-me sentir-se cain<strong>do</strong> no vazio.<br />

Penso que S., está escolhen<strong>do</strong> entre mergulhar na “lógica<br />

dadesesperança” (Green, 1979), onde o seio ou a analista seriam<br />

eternamente destruí<strong>do</strong>s, e, portanto, eternamente maus e persecutórios,<br />

expon<strong>do</strong>-a à angústia de aniquilamento, ou na “lógica daesperança”<br />

(Green), na qual ela busca o re-encontro com o objeto, mesmo que no<br />

momento ainda seja o objeto alucina<strong>do</strong>, esboço da capacidade de sonhar,<br />

ou de fantasiar.<br />

Questiono como construir a possibilidade de trabalhar analiticamente<br />

com pacientes como S., em situações em que a questão é a sobrevivência<br />

física e mental.Como construir um limite mais flexível, capaz de conter a<br />

oscilação entre o princípio <strong>do</strong> prazer/desprazer e o princípio de realidade,<br />

entre PSDPD (Bion, 1962/1991), em pacientes que utilizam defesas<br />

preponderantemente narcisistas, diante de vivencias de catástrofe mental.<br />

Como lidar com pacientes que buscam anular toda a tensão gerada pelo<br />

desejo, o desejo <strong>do</strong> não-desejo, o “narcisismo de morte” (Green, 1988),<br />

verdadeira anorexia <strong>do</strong> viver e construir, na transferência, a possibilidade<br />

dessas mentes se movimentarem em busca <strong>do</strong> prazer, mesmo que seja<br />

<strong>através</strong> <strong>do</strong> desejo alucina<strong>do</strong>. Com esses pacientes, nesse momento de sua<br />

análise, seria uma condição vital. Diz-me: Você não me ligou, e quan<strong>do</strong> saí<br />

daqui tu<strong>do</strong> sumiu da minha cabeça. Ou: Porque eu não posso ser só o meu<br />

centro se é isso que consigo aguentar ainda?<br />

Recentemente observo em S., um movimento, de apreensão da sua<br />

realidade psíquica, a descriminação entre o fantasiar e a realidade. Diz-me<br />

sorrin<strong>do</strong> ao voltar da dentista, que ela era gentil,experiente, diferente <strong>do</strong><br />

“terrível” que havia imagina<strong>do</strong>.<br />

O que tenho aprendi<strong>do</strong> com pacientes como esses, no decorrer <strong>do</strong>s<br />

anos em que investigo e trabalho em psicanálise, seriaevoluir a minha<br />

capacidade de respeitá-los, quan<strong>do</strong> esses assinalam “seu limite” naquele<br />

momento de sua análise, e também evoluir minha condição de compaixão e<br />

paciência, para aguardar o desenvolvimento <strong>do</strong> processo analítico, até onde<br />

ele consiga chegar, ou mesmo alcançar níveis mais simbólicos, quan<strong>do</strong> a<br />

dupla, analista e paciente tem sorte, e não perdem a esperança.


Resumo:<br />

Desde Freud, impacta<strong>do</strong> pela descoberta da transferência na análise <strong>do</strong> caso<br />

Dora, até os dias de hoje, o trabalho clínico com pacientes gravemente<br />

comprometi<strong>do</strong>s, tem si<strong>do</strong> um desafio na pratica psicanalítica. Essas<br />

dificuldades têm impulsiona<strong>do</strong> os analistas contemporâneosa ousarem em<br />

suas investigações, crian<strong>do</strong> inovações na técnica, sem perderem o vértice<br />

psicanalítico. Este trabalho eminentemente clínico, elabora<strong>do</strong> para o 29º<br />

Congresso Fepal: “Invenção – Tradição” visa propiciar, <strong>através</strong> de material<br />

clínico garimpa<strong>do</strong> na análise de uma paciente com depressão melancólica,<br />

uma reflexão sobre a experiência emocional da dupla, na qual o analista<br />

trabalhan<strong>do</strong> em “situações limites”, é solicita<strong>do</strong> constantemente em sua<br />

capacidade de contensão, compaixão e necessidade de inovações, na tentativa<br />

de criar possibilidades de contato com sua paciente. Baseio-me, em minhas<br />

investigações, principalmente nos artigos de Freud: “Formulações sobre os<br />

<strong>do</strong>isprincípios <strong>do</strong> funcionamento mental” (1911/1969) e “Além <strong>do</strong> Princípio <strong>do</strong><br />

Prazer” (1920/1976), como também no viés com o qual Green aborda o esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> narcisismo (Freud, 1914/1974a), discriminan<strong>do</strong> “Narcisismo de Vida”,<br />

energia pulsional vital buscan<strong>do</strong> em esta<strong>do</strong> de alta tensão, a unidade fusional,<br />

e “Narcisismo de Morte”, onde não ocorre a busca ativa pela unidade fusional,<br />

mas a busca da inércia, <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de não pensamento/não sentimento, ou<br />

morte psíquica.<br />

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Freud, S. (1976). Além <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> prazer. In Edição standard brasileira das<br />

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