Educação Matemática em Revista (Rio Grande do Sul), v. 7 ... - Unifra
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In: <strong>Educação</strong> <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong> (<strong>Rio</strong> <strong>Grande</strong> <strong>do</strong> <strong>Sul</strong>), v. 7, p. 33-41, 2006<br />
ANÁLISE DE RESOLUÇÕES DE QUESTÕES EM MATEMÁTICA:<br />
AS ETAPAS DO PROCESSO<br />
Helena Noronha Cury *<br />
Beatriz Konzen **<br />
Resumo: Neste artigo, t<strong>em</strong>os como objetivo apresentar uma meto<strong>do</strong>logia de análise de<br />
resoluções de questões de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>, fazen<strong>do</strong> uma analogia com as etapas da análise de<br />
conteú<strong>do</strong>. São indica<strong>do</strong>s os passos <strong>do</strong> processo, com um ex<strong>em</strong>plo detalha<strong>do</strong> de análise e<br />
classificação de respostas a uma questão de Álgebra <strong>do</strong> Ensino Fundamental. A seguir, os<br />
da<strong>do</strong>s são interpreta<strong>do</strong>s com o apoio de teorias que abordam o senti<strong>do</strong> de estrutura e os<br />
registros de representação s<strong>em</strong>iótica. Finalmente, são sugeridas algumas atividades gerais<br />
que pod<strong>em</strong> levar os alunos a desenvolver o pensamento algébrico.<br />
Palavras-chave: Análise de conteú<strong>do</strong>. Análise de erros. Pensamento algébrico.<br />
Introdução<br />
Os trabalhos que analisam respostas de alunos a questões de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>, <strong>em</strong> provas<br />
ou <strong>em</strong> exames oficiais, têm se fundamenta<strong>do</strong> <strong>em</strong> diversos autores para discutir as soluções<br />
apresentadas pelos estudantes. Da mesma forma, têm varia<strong>do</strong> os méto<strong>do</strong>s <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s para<br />
realizar as análises, sen<strong>do</strong>, muitas vezes, criações <strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>res, <strong>em</strong> uma tentativa de dar<br />
conta <strong>do</strong> material de suas investigações. Trabalhan<strong>do</strong> com análise de erros desde 1989, t<strong>em</strong>os<br />
desenvolvi<strong>do</strong> uma meto<strong>do</strong>logia que t<strong>em</strong> se mostra<strong>do</strong> adequada, possibilitan<strong>do</strong> que, após a<br />
análise das respostas, tenhamos um conjunto de da<strong>do</strong>s que pod<strong>em</strong> ser aborda<strong>do</strong>s sob diversos<br />
enfoques teóricos, pois sua interpretação vai depender <strong>do</strong>s objetivos da pesquisa e <strong>do</strong>s<br />
teóricos que a <strong>em</strong>basam.<br />
Para ex<strong>em</strong>plificar o trabalho que vimos desenvolven<strong>do</strong>, traz<strong>em</strong>os, neste artigo, um<br />
ex<strong>em</strong>plo de análise de uma questão de Álgebra <strong>do</strong> Ensino Fundamental, que fez parte de um<br />
teste aplica<strong>do</strong> a alunos calouros de várias Instituições de Ensino Superior gaúchas. São<br />
*<br />
Professora da Faculdade de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong> da PUCRS. Avenida Ipiranga, 6681, CEP 90619-900-Porto Alegre,<br />
RS. E-mail: curyhn@pucrs.br<br />
**<br />
Aluna <strong>do</strong> Curso de Licenciatura <strong>em</strong> <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong> da PUCRS, bolsista de Iniciação Científica da FAPERGS
apresenta<strong>do</strong>s os fundamentos da meto<strong>do</strong>logia que utilizamos, os passos da análise das<br />
respostas e, ao final, uma tentativa de interpretação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s.<br />
A Análise de Conteú<strong>do</strong><br />
A análise de conteú<strong>do</strong> é uma meto<strong>do</strong>logia de análise de da<strong>do</strong>s <strong>em</strong>pregada na área de<br />
Comunicação, de Ciências Sociais, de <strong>Educação</strong>, enfim, <strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os campos <strong>em</strong> que é<br />
possível interpretar mensagens produzidas por seres humanos, tanto orais como escritas. Uma<br />
das principais referências para a análise de conteú<strong>do</strong> é Bardin (1979), que a define como:<br />
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visan<strong>do</strong> obter, por<br />
procedimentos e objectivos de descrição <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> das mensagens,<br />
indica<strong>do</strong>res (quantitativos ou não) que permitam a inferência de<br />
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis<br />
inferidas) destas mensagens. (p. 42).<br />
Ainda que alerte sobre certos cuida<strong>do</strong>s na transposição da técnica para comunicações<br />
não-lingüísticas, a autora cita Henry e Moscovici (1968), que afirmam: “tu<strong>do</strong> o que é dito ou<br />
escrito é susceptível de ser submeti<strong>do</strong> a uma análise de conteú<strong>do</strong>.” (apud Bardin, 1979, p. 33).<br />
Assim, é possível utilizar essa técnica para compreender o conteú<strong>do</strong> de trabalhos escolares,<br />
entre eles as soluções apresentadas <strong>em</strong> provas de verificação da aprendizag<strong>em</strong> ou <strong>em</strong> testes<br />
específicos de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>.<br />
A intenção da análise de conteú<strong>do</strong> é a inferência de conhecimentos. Bardin (1979)<br />
comenta que o analista é “como um arqueólogo” (p.39), que busca, a partir de vestígios,<br />
reconstituir toda a estrutura <strong>do</strong> objeto encontra<strong>do</strong>. Da mesma forma, na análise das respostas<br />
<strong>do</strong>s alunos, o objetivo é compreender, a partir <strong>do</strong>s erros, quais são as suas dificuldades de<br />
aprendizag<strong>em</strong> e como pod<strong>em</strong>os auxiliá-los a superá-las.<br />
A análise de conteú<strong>do</strong>, originalmente <strong>em</strong>pregada para detectar mensagens de<br />
propaganda durante as guerras mundiais <strong>do</strong> século XX, usava méto<strong>do</strong>s quantitativos, para<br />
contag<strong>em</strong> da freqüência de determinadas palavras, por ex<strong>em</strong>plo. Mas, ao avaliarmos as<br />
produções <strong>do</strong>s alunos, se nos restringirmos apenas às contagens de determina<strong>do</strong>s tipos de<br />
respostas ou ao uso de técnicas estatísticas – importantes para estabelecer correlações, s<strong>em</strong><br />
dúvida – estar<strong>em</strong>os perden<strong>do</strong> a possibilidade de aprofundar os conhecimentos sobre suas<br />
dificuldades específicas, sobre os detalhes que apenas a análise <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> pode nos revelar.<br />
Se há uma solução escrita para a questão, pod<strong>em</strong>os verificar como o aluno encadeou<br />
os passos para resolver o probl<strong>em</strong>a. Nesse caso, a partir dessa produção escrita, pod<strong>em</strong>os<br />
detectar as dificuldades e classificar os erros cometi<strong>do</strong>s. Em seguida, aprofundan<strong>do</strong> a análise,
é possível elaborar estratégias de ensino que venham cont<strong>em</strong>plar as necessidades <strong>do</strong>s<br />
estudantes, <strong>em</strong> uma tentativa de qualificar o processo de ensino e aprendizag<strong>em</strong> de<br />
<strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>, <strong>em</strong> qualquer nível de ensino.<br />
Vamos, a seguir, apresentar as etapas da análise de conteú<strong>do</strong>, para, posteriormente,<br />
estabelecer uma analogia entre essa meto<strong>do</strong>logia e a que <strong>em</strong>pregamos para fazer análise <strong>do</strong><br />
conteú<strong>do</strong> das respostas a questões de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>.<br />
Para indicar as fases da análise de conteú<strong>do</strong>, nos apoiamos <strong>em</strong> alguns autores que<br />
discorr<strong>em</strong> sobre o t<strong>em</strong>a. Bardin (1979) considera que há três fases principais: pré-análise,<br />
exploração <strong>do</strong> material e tratamento <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, com inferência e interpretação. Triviños<br />
(1987) as renomeia como: pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencial. Moraes<br />
(1999) indica cinco etapas para o processo: preparação das informações; unitarização;<br />
categorização; descrição; e interpretação. Consideramos que esta última proposta detalha mais<br />
as fases apontadas pelos outros autores e vamos nos apoiar nela para explicitar os passos <strong>do</strong><br />
processo.<br />
O material utiliza<strong>do</strong> pelo investiga<strong>do</strong>r pode ser obti<strong>do</strong> por meio de questionários,<br />
entrevistas, <strong>do</strong>cumentos, relatos de observações, etc. Ao fazer uma leitura “flutuante” sobre<br />
esse material, <strong>em</strong> que se deixa impregnar pelos da<strong>do</strong>s, o pesquisa<strong>do</strong>r determina o corpus da<br />
pesquisa, ou seja, o campo no qual vai ser focalizada a atenção. (TRIVIÑOS, 1987). A<br />
preparação <strong>do</strong> material envolve, assim, a escolha e organização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, etapa <strong>em</strong> que o<br />
investiga<strong>do</strong>r precisa estar certo de que não foram descartadas informações; de que os<br />
<strong>do</strong>cumentos são homogêneos, ou seja, são to<strong>do</strong>s referentes a um mesmo t<strong>em</strong>a; de que são<br />
adequa<strong>do</strong>s para a análise. A preparação inclui, também, uma parte mais técnica, que consiste<br />
na disponibilização <strong>do</strong> material <strong>em</strong> algum meio físico: transcrição de gravações, elaboração<br />
de fichas, cópias xerográficas de <strong>do</strong>cumentos, etc.<br />
Em seguida, to<strong>do</strong> o material é li<strong>do</strong> novamente e inicia-se o processo de unitarização,<br />
consistin<strong>do</strong> <strong>em</strong> determinar as unidades de significa<strong>do</strong>, que pod<strong>em</strong> ser “palavras, frases, termos<br />
ou mesmo <strong>do</strong>cumentos <strong>em</strong> sua forma integral.” (MORAES, 1999, p. 16). Ao estabelecer as<br />
unidades, a elas são atribuí<strong>do</strong>s códigos, que pod<strong>em</strong> ser letras, números ou uma combinação de<br />
ambos.<br />
Toda pesquisa qualitativa envolve a percepção <strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>r; nesse caso, a<br />
unitarização e a codificação serão feitas de acor<strong>do</strong> com os pressupostos teóricos da<br />
investigação e as concepções de seu autor. No entanto, s<strong>em</strong>pre precisamos cuidar para que as<br />
unidades possam “ser interpretadas s<strong>em</strong> auxílio de nenhuma informação adicional”<br />
(MORAES, 1999, p. 17), pois serão agrupadas e interpretadas fora <strong>do</strong> contexto inicial.
A categorização consiste <strong>em</strong> agrupar os da<strong>do</strong>s codifica<strong>do</strong>s, a partir de critérios<br />
previamente defini<strong>do</strong>s ou que tenham <strong>em</strong>ergi<strong>do</strong> durante o processo. Esta etapa pode – e deve<br />
– ser feita <strong>em</strong> mais de um processo de agrupamento, pois o retorno periódico ao corpus faz<br />
com que as categorias sejam refinadas. Entre as qualidades apontadas por Bardin (1979) para<br />
definir um conjunto de “boas” categorias, estão:<br />
a) exclusão mútua: um mesmo el<strong>em</strong>ento não pode pertencer a duas classes distintas;<br />
b) homogeneidade: as classes dev<strong>em</strong> ser determinadas segun<strong>do</strong> um mesmo critério;<br />
c) pertinência: todas as categorias dev<strong>em</strong> ser significativas para o estu<strong>do</strong> e adequadas<br />
aos fundamentos teóricos que o subsidiam;<br />
d) objetividade: quan<strong>do</strong> as regras de classificação são definidas com suficiente<br />
clareza, é possível que diferentes pesquisa<strong>do</strong>res chegu<strong>em</strong> às mesmas classes<br />
quan<strong>do</strong> categorizam as mesmas unidades de conteú<strong>do</strong>. Patton (1980) sugere que,<br />
se houver mais de um investiga<strong>do</strong>r trabalhan<strong>do</strong> sobre um conjunto de da<strong>do</strong>s, é<br />
interessante que cada um produza sua classificação e que essas sejam depois<br />
comparadas, para refinar as classes.<br />
A etapa seguinte <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> consiste na descrição das categorias. Esta fase pode<br />
envolver, inicialmente, a elaboração de quadros ou tabelas, com as categorias <strong>em</strong>ergentes e o<br />
número de ocorrências de cada uma delas. A parte qualitativa consiste <strong>em</strong> produzir um texto-<br />
síntese que descreva os el<strong>em</strong>entos presentes <strong>em</strong> cada classe, com o apoio de citações diretas<br />
<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s.<br />
Finalmente, a última etapa consiste na interpretação, <strong>em</strong> que, a partir <strong>do</strong> conjunto de<br />
categorias, o investiga<strong>do</strong>r vai refletir sobre os da<strong>do</strong>s e, com base no referencial teórico e <strong>em</strong><br />
suas concepções sobre o t<strong>em</strong>a, vai buscar respostas às suas questões de pesquisa. Nessa fase<br />
final, <strong>em</strong> que se busca atingir a “compreensão mais aprofundada <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> das mensagens<br />
mediante inferência e interpretação” (MORAES, 1999, p. 24), o pesquisa<strong>do</strong>r vai ter el<strong>em</strong>entos<br />
para utilizar os resulta<strong>do</strong>s da pesquisa com fins teóricos – como a elaboração de<br />
fundamentações sobre o t<strong>em</strong>a – ou fins práticos, <strong>em</strong> que se abr<strong>em</strong> perspectivas para um<br />
trabalho melhor qualifica<strong>do</strong> com os participantes da pesquisa que responderam aos<br />
questionários ou foram entrevista<strong>do</strong>s.<br />
Ten<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong> de forma resumida as etapas da análise de conteú<strong>do</strong>, vamos, a<br />
seguir, ex<strong>em</strong>plificar a meto<strong>do</strong>logia que t<strong>em</strong>os desenvolvi<strong>do</strong>, com apoio de el<strong>em</strong>entos de uma<br />
pesquisa <strong>em</strong> andamento.<br />
A Análise da Questão de Álgebra
Docentes de nove Instituições de Ensino Superior gaúchas vêm desenvolven<strong>do</strong> um<br />
projeto de pesquisa, com apoio <strong>do</strong> CNPq, denomina<strong>do</strong> “Análise de erros <strong>em</strong> disciplinas<br />
mat<strong>em</strong>áticas de cursos superiores”, com os seguintes objetivos: a) analisar e classificar erros<br />
cometi<strong>do</strong>s por alunos ingressantes <strong>em</strong> disciplinas mat<strong>em</strong>áticas de cursos superiores; b)<br />
elaborar e desenvolver atividades para explorar as dificuldades detectadas; c) avaliar os<br />
resulta<strong>do</strong>s da experiência, por meio de questionários e entrevistas aplica<strong>do</strong>s a alunos e<br />
professores. Inicialmente, foi elabora<strong>do</strong> um teste de múltipla escolha, a ser aplica<strong>do</strong> a alunos<br />
calouros, versan<strong>do</strong> sobre conteú<strong>do</strong>s de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong> da <strong>Educação</strong> Básica. Ao la<strong>do</strong> de cada<br />
questão, havia um espaço <strong>em</strong> branco para que o estudante pudesse desenvolver a solução.<br />
Para uma apresentação detalhada <strong>do</strong> processo de análise que indicamos acima, escolh<strong>em</strong>os<br />
uma questão de Álgebra, <strong>em</strong> geral trabalhada na 7ª série <strong>do</strong> Ensino Fundamental, cujo<br />
enuncia<strong>do</strong> é o seguinte:<br />
O conjunto-solução, <strong>em</strong> ℜ , da equação<br />
a) {-4 , -5 } b) { - 5 } c) { - 4 } d) { 4 } e) { 5 }<br />
1 1 2<br />
+ = 2<br />
x + 5 2x<br />
+ 9 2x<br />
+ 19x<br />
+ 45<br />
Dos 368 alunos respondentes, 63 acertaram a alternativa correta, 171 erraram e 134<br />
não assinalaram qualquer opção. No entanto, o número de alunos que resolveram – ou<br />
tentaram apresentar alguma solução – no espaço <strong>em</strong> branco correspondente é de 78 alunos,<br />
sen<strong>do</strong> que, destes, apenas 13 mostraram uma resolução correta. Dessa forma, pode-se supor<br />
que os 50 alunos restantes que acertaram a questão, ou fizeram uma resolução mental – o que<br />
não é muito provável, pois o probl<strong>em</strong>a exige, pelo menos, que o aluno exiba a equação de<br />
primeiro grau correspondente - ou fizeram mentalmente substituições <strong>do</strong>s valores<br />
apresenta<strong>do</strong>s nas alternativas, até encontrar a solução, ou, ainda, “chutaram” a resposta.<br />
Para a análise específica <strong>do</strong>s erros <strong>em</strong> Álgebra, contamos com o auxílio da bolsista de<br />
Iniciação Científica da FAPERGS que é co-autora deste artigo. Na fase de preparação <strong>do</strong>s<br />
da<strong>do</strong>s, primeiramente separamos as 78 soluções e fiz<strong>em</strong>os cópia xerográfica, para ter um<br />
corpus sobre o qual focalizamos a atenção. Relen<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>samente as respostas <strong>do</strong>s<br />
estudantes, fomos atribuin<strong>do</strong> uma letra a cada ocorrência distinta de solução. Primeiramente,<br />
indicamos com C as soluções totalmente corretas; a seguir, fomos destacan<strong>do</strong> os erros e<br />
codifican<strong>do</strong>. Às vezes, <strong>em</strong> uma mesma resposta, encontramos <strong>do</strong>is ou mais tipos de erros; <strong>em</strong><br />
outras, somente uma parte da solução foi escolhida por nós para atribuir uma letra. De<br />
qualquer forma, nossas percepções, ao realizar a unitarização, estavam relacionadas ao<br />
é:
“como”, ou seja, queríamos saber como o aluno determina o denomina<strong>do</strong>r comum das frações<br />
<strong>do</strong> primeiro m<strong>em</strong>bro, como considera a igualdade entre os m<strong>em</strong>bros e como estabelece uma<br />
equação que permita determinar o valor de x.<br />
Feita a codificação, retomamos o conjunto das soluções para verificar se todas as<br />
ocorrências de erros estavam cont<strong>em</strong>pladas, e se, ao agrupá-las, compreendíamos o<br />
significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> erro. A categorização inicial deu orig<strong>em</strong> a 19 classes, descritas a seguir, com<br />
alguns ex<strong>em</strong>plos para elucidar certos casos.<br />
A: o aluno soma numera<strong>do</strong>res e denomina<strong>do</strong>res para adicionar as frações algébricas <strong>do</strong><br />
primeiro m<strong>em</strong>bro.<br />
B: a partir da igualdade (incorretamente obtida, pois somou os denomina<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
primeiro m<strong>em</strong>bro) de denomina<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s da equação, o aluno “passa” termos para<br />
um <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s e encontra uma expressão polinomial de segun<strong>do</strong> grau, usan<strong>do</strong> a fórmula de<br />
Baskhara para tentar encontrar raízes.<br />
Ex<strong>em</strong>plo: 3x +14 = 2x 2 - 19x + 45 = -3x – 14 + 2x 2 - 19x + 45 = 31 - 22x + 2x 2<br />
Neste ex<strong>em</strong>plo, há, ainda, erros de linguag<strong>em</strong> mat<strong>em</strong>ática, pois o aluno, ao “passar”<br />
termos para o segun<strong>do</strong> m<strong>em</strong>bro, encadeia todas as expressões com sinais de igualdade.<br />
D: o aluno multiplica corretamente os denomina<strong>do</strong>res <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>, mas depois<br />
tenta encontrar as raízes <strong>do</strong> polinômio encontra<strong>do</strong>, usan<strong>do</strong> a fórmula de Baskhara.<br />
E: o aluno tenta encontrar as raízes da expressão <strong>do</strong> denomina<strong>do</strong>r da fração <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />
direito da equação, usan<strong>do</strong> a fórmula de Baskhara<br />
F: o aluno tenta encontrar as raízes da expressão <strong>do</strong> denomina<strong>do</strong>r da fração <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />
direito da equação, usan<strong>do</strong> a fórmula de Baskhara, mas erra a aplicação da fórmula, <strong>em</strong> algum<br />
passo.<br />
Ex<strong>em</strong>plo:<br />
−19<br />
±<br />
x =<br />
2<br />
19 −<br />
4<br />
4.<br />
2.<br />
45<br />
− 19 ±<br />
=<br />
364 − 360 − 19 ±<br />
=<br />
4<br />
2<br />
G: o aluno inicia corretamente a adição das frações <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da equação<br />
(ainda que utilize o produto de to<strong>do</strong>s os denomina<strong>do</strong>res), mas erra a propriedade distributiva<br />
da multiplicação <strong>em</strong> relação à adição, além de “perder” a igualdade.<br />
= 2x<br />
3<br />
Ex<strong>em</strong>plo:<br />
( 2x<br />
+ 9)(<br />
2x<br />
2<br />
+ 19x<br />
2<br />
+ 19x<br />
+<br />
45)<br />
( x + 5)(<br />
2x<br />
+ 9)(<br />
2x<br />
+ 4x<br />
+ 10x<br />
+ ( x + 5)(<br />
2x<br />
2<br />
2<br />
+ 19x<br />
+<br />
+ 95x<br />
+ 20<br />
2<br />
+ 19x<br />
+<br />
45)<br />
45)<br />
=<br />
( x +<br />
2(<br />
5)(<br />
2<br />
x +<br />
x +<br />
9)(<br />
2<br />
H: O aluno “cria” uma regra para multiplicar extr<strong>em</strong>os e meios.<br />
Ex<strong>em</strong>plo 1: 2x+10+4x+18-4x 2 -19x-45=0<br />
4<br />
5)(<br />
2x<br />
+ 9)<br />
x<br />
2<br />
+ 19x<br />
+<br />
45)<br />
=
Ex<strong>em</strong>plo 2: 2(x+5+2x+9)=...<br />
No primeiro ex<strong>em</strong>plo, o aluno parece ter multiplica<strong>do</strong> (erradamente) os meios (o<br />
numera<strong>do</strong>r da fração <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito por cada binômio <strong>do</strong>s denomina<strong>do</strong>res das frações <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />
direito) e os extr<strong>em</strong>os (também erradamente) e depois “passou” os termos para o primeiro<br />
m<strong>em</strong>bro e igualou a zero, para tentar resolver a equação.<br />
No segun<strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plo, o aluno multiplicou os meios (erradamente, pois somou os<br />
denomina<strong>do</strong>res das frações <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito) e não soube continuar, completan<strong>do</strong> com<br />
pontinhos.<br />
I: No primeiro m<strong>em</strong>bro, o aluno soma numera<strong>do</strong>res e multiplica denomina<strong>do</strong>res.<br />
J: o aluno erra o produto <strong>do</strong>s denomina<strong>do</strong>res das frações algébricas porque utiliza<br />
incorretamente a propriedade distributiva da multiplicação <strong>em</strong> relação à adição. No ex<strong>em</strong>plo<br />
cita<strong>do</strong>, ainda erra por distração, ao copiar “19” como “9“.<br />
Ex<strong>em</strong>plo: (x+5)(2x+9)(2x 2 +9x+45)=2x 2 +2x 3 +10x 2 +45<br />
K: o aluno soma os denomina<strong>do</strong>res das frações <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> e iguala ao<br />
numera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito, l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong> algo que se expressa <strong>em</strong> “extr<strong>em</strong>os e meios”.<br />
Ex<strong>em</strong>plo: 2x+9+x+5=2<br />
2x+9+x+5-2=0<br />
3x=2-5-9<br />
3x=12<br />
L: a resolução <strong>do</strong> aluno é incompreensível; <strong>em</strong> alguns casos, destacam-se erros graves,<br />
<strong>em</strong> outros é possível descrever a resolução.<br />
Ex<strong>em</strong>plo 1: 2(-2x 2 +19x+45)=0<br />
-4x 2 +38x+90=0<br />
-38± K<br />
2<br />
( 38)<br />
Neste ex<strong>em</strong>plo, o aluno indica uma multiplicação que não faz senti<strong>do</strong>, iguala a zero e<br />
tenta aplicar a fórmula de Baskhara para achar raízes. Quan<strong>do</strong> não consegue continuar,<br />
desenha um bonequinho enforca<strong>do</strong> na ponta <strong>do</strong> sinal de radiciação.<br />
Ex<strong>em</strong>plo 2: x+5=x+10 x+5<br />
0= x+5 1<br />
x+5<br />
No ex<strong>em</strong>plo acima, o aluno determina, incorretamente, as raízes <strong>do</strong> denomina<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
segun<strong>do</strong> m<strong>em</strong>bro e fatora o polinômio, obten<strong>do</strong> 2(x-9)(x+10); após, inexplicavelmente, obtém<br />
x+5=x+10 e “cria” uma operação de divisão.
Ex<strong>em</strong>plo 3: 2x 2 +19x+4<br />
2x+9<br />
x+5<br />
2x 2 +2x+18<br />
x 2 +x+9<br />
Neste caso, o aluno soma (erradamente, ten<strong>do</strong>, ainda, copia<strong>do</strong> mal) os três<br />
denomina<strong>do</strong>res e depois divide a expressão obtida por 2, apesar de não ter uma equação para<br />
dividir ambos os m<strong>em</strong>bros.<br />
Ex<strong>em</strong>plo 4: 1(x+5)+1(2x+9)=2(2x 2 +19x+45)<br />
Neste último ex<strong>em</strong>plo, o aluno “cria” uma regra para somar frações algébricas.<br />
M: ten<strong>do</strong> erra<strong>do</strong> o início da solução (por ex<strong>em</strong>plo, soman<strong>do</strong> numera<strong>do</strong>res), o aluno,<br />
<strong>em</strong> seguida, aplica (corretamente) a multiplicação de extr<strong>em</strong>os e meios.<br />
N: o aluno tenta a solução apenas substituin<strong>do</strong> os valores da<strong>do</strong>s como alternativas,<br />
mas não consegue acertar porque erra as operações com frações.<br />
O: o aluno tenta encontrar valores que anulam os denomina<strong>do</strong>res, para eliminá-los,<br />
mas não sabe como continuar o processo.<br />
Ex<strong>em</strong>plo: x+5≠0<br />
P: o aluno indica que os denomina<strong>do</strong>res têm que ser maiores que um valor<br />
determina<strong>do</strong>, no caso, o oposto da raiz, mas não sabe o que fazer com os da<strong>do</strong>s.<br />
Ex<strong>em</strong>plo:<br />
1 1<br />
+<br />
x > 5<br />
x ><br />
9<br />
2<br />
Q: o aluno utiliza a fórmula de Baskhara para determinar as raízes da expressão <strong>do</strong><br />
−18<br />
denomina<strong>do</strong>r <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito, mas não sabe calcular , erran<strong>do</strong> o valor ou indican<strong>do</strong> que<br />
4<br />
não existe ( ∃ )<br />
R: o aluno multiplica os numera<strong>do</strong>res e os denomina<strong>do</strong>res das frações <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />
esquer<strong>do</strong> da equação.<br />
direito.<br />
S: o aluno soma os denomina<strong>do</strong>res <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> e iguala ao denomina<strong>do</strong>r <strong>do</strong> la<strong>do</strong>
Feita a classificação, contamos o número de ocorrências <strong>em</strong> cada classe, obten<strong>do</strong> os<br />
da<strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>s no quadro 1, a seguir.<br />
Classe Número de ocorrências Classe Número de ocorrências<br />
A 11 K 1<br />
B 1 L 10<br />
C 13 M 3<br />
D 1 N 13<br />
E 14 O 2<br />
F 9 P 1<br />
G 2 Q 6<br />
H 2 R 1<br />
I 1 S 1<br />
J 2<br />
Quadro 1 – Distribuição das classes de respostas<br />
Em uma nova leitura <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, notamos que podíamos refinar a categorização, com<br />
classes mais amplas, que responderiam melhor aos objetivos da pesquisa. Sen<strong>do</strong> assim,<br />
reagrupamos os da<strong>do</strong>s, obten<strong>do</strong> as seguintes categorias:<br />
I: o aluno soluciona corretamente a questão;<br />
II: o aluno não sabe adicionar frações algébricas; nesse caso, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da<br />
igualdade, surg<strong>em</strong> frações obtidas por:<br />
a) adição de numera<strong>do</strong>res e de denomina<strong>do</strong>res;<br />
b) adição de numera<strong>do</strong>res e multiplicação de denomina<strong>do</strong>res;<br />
c) multiplicação de numera<strong>do</strong>res e de denomina<strong>do</strong>res;<br />
d) adição de denomina<strong>do</strong>res, igualan<strong>do</strong> a soma ao denomina<strong>do</strong>r <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito.<br />
III: o aluno utiliza a fórmula de Baskhara para obter as raízes de um polinômio de 2º<br />
grau. Nessa classe, agrupamos as anteriores B, D, E, F e Q;<br />
IV: o aluno não sabe multiplicar polinômios, especialmente porque não <strong>em</strong>prega<br />
corretamente a propriedade distributiva da multiplicação <strong>em</strong> relação à adição. Nessa classe,<br />
agrupamos as anteriores G e J;<br />
V: o aluno tenta resolver a equação <strong>em</strong>pregan<strong>do</strong> a igualdade <strong>do</strong> produto <strong>do</strong>s extr<strong>em</strong>os<br />
e meios. Nessa classe, estão agrupadas as anteriores H, K e M;
VI: o aluno tenta resolver a questão apenas por substituição <strong>do</strong>s valores da<strong>do</strong>s como<br />
alternativas mas não sabe operar com frações. Em alguns casos, mesmo não ten<strong>do</strong> concluí<strong>do</strong> o<br />
processo, tenta encontrar valores que anulam os denomina<strong>do</strong>res, para eliminá-los, ou então<br />
indica que o denomina<strong>do</strong>r t<strong>em</strong> que ser maior que um determina<strong>do</strong> valor. É o caso das classes<br />
N, O e P;<br />
VII: nesta última classe, colocamos as soluções que são incompreensíveis, não sen<strong>do</strong><br />
possível descrevê-las indican<strong>do</strong> uma dificuldade <strong>em</strong> um tópico específico; <strong>em</strong> geral, cada<br />
ex<strong>em</strong>plo representa um caso à parte, como vimos nos ex<strong>em</strong>plos da categoria L.<br />
Após esse reagrupamento e obtidas sete classes, pod<strong>em</strong>os indicar, no quadro 2, o<br />
número e percentag<strong>em</strong> de ocorrências <strong>em</strong> cada uma delas.<br />
Classes Ocorrências<br />
nº %<br />
I 13 14<br />
II 14 15<br />
III 31 33<br />
IV 4 4<br />
V 6 6<br />
VI 16 17<br />
VII 10 11<br />
Total 94 100<br />
Quadro 2 – Distribuição das classes após reagrupamento<br />
Ten<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong> as classes <strong>em</strong> quadros e <strong>em</strong> textos-síntese, pod<strong>em</strong>os, então,<br />
interpretar os resulta<strong>do</strong>s. V<strong>em</strong>os que o maior número de erros concentrou-se na classe III.<br />
Consideramos que os alunos apresentam uma tendência a aplicar a fórmula de Baskhara<br />
s<strong>em</strong>pre que vê<strong>em</strong> uma expressão polinomial de segun<strong>do</strong> grau, não importan<strong>do</strong> qual é a<br />
pergunta e n<strong>em</strong> como a expressão foi obtida. E mais, não importan<strong>do</strong>, sequer, se a expressão é<br />
igual a um determina<strong>do</strong> valor numérico, o que permitiria, efetivamente, pensar <strong>em</strong> equação de<br />
segun<strong>do</strong> grau. Este erro aparece seguidamente <strong>em</strong> provas de Cálculo Diferencial e Integral,<br />
<strong>em</strong> questões envolven<strong>do</strong> limites ou derivadas (CURY, 2003), contribuin<strong>do</strong> para as<br />
dificuldades <strong>em</strong> Cálculo, relata<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>centes de várias Instituições de Ensino Superior.<br />
(CABRAL, 1998; NASCIMENTO, 2002; SAUER, 2004; AZAMBUJA et al., 2004, entre<br />
outros).
Os outros erros que tiveram alta ocorrência foram os <strong>do</strong> tipo VI, <strong>do</strong> tipo II e <strong>do</strong> tipo<br />
VII. Este último engloba as soluções <strong>em</strong> que não conseguimos compreender o pensamento <strong>do</strong><br />
aluno e seus ex<strong>em</strong>plos são casos únicos. O tipo VI envolve uma estratégia bastante comum<br />
<strong>em</strong> provas de múltipla escolha, que é a testag<strong>em</strong> das alternativas, e não pod<strong>em</strong>os considerar<br />
que seu uso é um erro, pois, se o objetivo é assinalar uma alternativa correta, muitos alunos<br />
acertaram a questão dessa forma. No entanto, ao tentar fazer as substituições, alguns<br />
estudantes mostraram não saber adicionar frações numéricas, ocorren<strong>do</strong> muitos <strong>do</strong>s<br />
procedimentos para adição de frações algébricas já indica<strong>do</strong>s na classe II, ou seja, somar<br />
numera<strong>do</strong>res e denomina<strong>do</strong>res, multiplicar numera<strong>do</strong>res e denomina<strong>do</strong>res, etc.<br />
É interessante apontar que alguns <strong>do</strong>s erros cometi<strong>do</strong>s pelos alunos, especialmente os<br />
relaciona<strong>do</strong>s com a falta de conhecimento sobre adição de frações, já foram detecta<strong>do</strong>s por<br />
Carry, Lewis e Bernard <strong>em</strong> 1980, sen<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong>s nomes para cada tipo de erro. Por ex<strong>em</strong>plo,<br />
o que nós chamamos de “somar numera<strong>do</strong>res e multiplicar denomina<strong>do</strong>res” (classe I da<br />
primeira categorização), foi chama<strong>do</strong> de “combinação de frações”. (Apud Mayer, 1986).<br />
Consideramos que a dificuldade com as operações no conjunto <strong>do</strong>s racionais é um<br />
probl<strong>em</strong>a que se reproduz <strong>em</strong> outros conteú<strong>do</strong>s, pois o estudante que não entendeu o processo<br />
de adição de frações numéricas, também não vai entender a adição de frações algébricas e,<br />
toda vez <strong>em</strong> que aparecer uma operação com frações, <strong>em</strong> qualquer outro conteú<strong>do</strong>, novamente<br />
vão surgir as dúvidas e os erros. Este fato também é orig<strong>em</strong> de dificuldades <strong>em</strong> qualquer<br />
resolução de probl<strong>em</strong>as, não só de <strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>, mas de Física e Química, no Ensino Médio ou<br />
Superior.<br />
Considerações Finais<br />
A última etapa da análise de conteú<strong>do</strong> envolve a interpretação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, com apoio<br />
de fundamentação teórica, para dar conta <strong>do</strong>s objetivos da pesquisa. Neste ex<strong>em</strong>plo por nós<br />
apresenta<strong>do</strong>, de análise de uma questão que envolve resolução de equação com frações<br />
algébricas, ao classificar as respostas e verificar quais os erros mais freqüentes, notamos que<br />
os probl<strong>em</strong>as parec<strong>em</strong> se concentrar <strong>em</strong> duas fontes: o reconhecimento de padrões não<br />
adequa<strong>do</strong>s à solução da questão e as dificuldades relacionadas às operações com frações.<br />
Hoch e Dreyfus (2004) apresentam resulta<strong>do</strong>s de uma pesquisa envolven<strong>do</strong> estudantes<br />
<strong>do</strong> ensino médio, com o objetivo de investigar o efeito <strong>do</strong> uso de parênteses na utilização,
pelos alunos, <strong>do</strong> que chamam de “senti<strong>do</strong> da estrutura” 1 . Primeiramente, os autores explicam<br />
que uma estrutura algébrica pode ser definida <strong>em</strong> termos de forma ou ord<strong>em</strong>, acrescentan<strong>do</strong><br />
que qualquer expressão ou sentença algébrica representa uma estrutura algébrica. Em seguida,<br />
perguntam: se duas expressões ou sentenças algébricas são equivalentes, elas possu<strong>em</strong> a<br />
mesma estrutura? E respond<strong>em</strong> com o ex<strong>em</strong>plo das expressões 30x 2 –28x+6 e (5x-3)(6x-2),<br />
que são equivalentes mas cujas interpretações – que preferimos chamar de “registros”,<br />
segun<strong>do</strong> a terminologia usada por Duval (2003) – são diferentes, pois a primeira é uma<br />
expressão quadrática, enquanto que a segunda é um produto de <strong>do</strong>is fatores lineares. No<br />
entanto, as duas têm a mesma estrutura e, saber qual delas utilizar <strong>em</strong> um determina<strong>do</strong><br />
contexto, é parte <strong>do</strong> que Hoch e Dreyfus (2004) defin<strong>em</strong> como “senti<strong>do</strong> de estrutura”:<br />
Senti<strong>do</strong> de estrutura, como se aplica na álgebra <strong>do</strong> ensino médio,<br />
pode ser descrito como uma coleção de habilidades. Essas habilidades<br />
inclu<strong>em</strong>: ver uma expressão ou sentença algébrica como uma entidade;<br />
reconhecer uma expressão ou sentença algébrica como uma estrutura<br />
previamente encontrada; dividir uma entidade <strong>em</strong> sub-estruturas, reconhecer<br />
conexões mútuas entre estruturas, reconhecer quais manipulações são<br />
possíveis de realizar e quais manipulações são úteis para realizar. (p. 51).<br />
Duval (2003) menciona a grande variedade de representações s<strong>em</strong>ióticas usadas <strong>em</strong><br />
<strong>Mat<strong>em</strong>ática</strong>: figuras geométricas, escritas algébricas, linguag<strong>em</strong> natural, entre outras. Para<br />
transformar uma representação <strong>em</strong> outra, pode-se realizar “tratamentos” e “conversões”. Os<br />
tratamentos são transformações dentro de um mesmo registro. Por ex<strong>em</strong>plo, passar de<br />
y=2x 2 -8x-10 para y=2(x-5)(x+1). As conversões são transformações que consist<strong>em</strong> <strong>em</strong> mudar<br />
o registro de representação, conservan<strong>do</strong>-se o objeto denota<strong>do</strong>. Por ex<strong>em</strong>plo, passar de<br />
y=2x 2 -8x-10 para o gráfico cartesiano correspondente a uma parábola que corta o eixo <strong>do</strong>s x<br />
nos pontos de abscissas 5 e –1.<br />
Nas idéias desses autores aqui cita<strong>do</strong>s, notamos que estão subjacentes as resoluções<br />
<strong>em</strong> que o aluno parte de uma determinada representação, correta, para outra, também correta<br />
ou que apresenta algum erro facilmente justificável pela própria teoria por eles apresentada.<br />
No entanto, <strong>em</strong> nossos ex<strong>em</strong>plos de tipos de erro na questão que envolve resolução de uma<br />
equação com frações algébricas, v<strong>em</strong>os alguns detalhes que extrapolam os conceitos de<br />
senti<strong>do</strong> de estrutura e de transformações de registros de representação.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, na resolução <strong>do</strong> tipo III, os alunos reconhec<strong>em</strong> uma estrutura, no<br />
denomina<strong>do</strong>r da fração <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> m<strong>em</strong>bro, ou na (incorreta) operação com os<br />
1 Structure sense, no original. Em nosso entender, uma outra tradução possível seria “percepção da estrutura”,<br />
mas conservamos a palavra “senti<strong>do</strong>” porque já a t<strong>em</strong>os li<strong>do</strong> <strong>em</strong> outros textos <strong>em</strong> língua portuguesa. Por<br />
ex<strong>em</strong>plo, Ponte (2005) traduz symbol sense por “senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> símbolo”. (p. 37).
denomina<strong>do</strong>res das frações <strong>do</strong> primeiro m<strong>em</strong>bro, a saber: uma expressão quadrática, que é<br />
automaticamente associada à fórmula de Bhaskara. Pod<strong>em</strong>os dizer que há falta <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de<br />
estrutura? Os alunos reconheceram uma expressão algébrica previamente estudada, a<br />
expressão quadrática, e rel<strong>em</strong>braram uma manipulação a ser realizada com tal expressão, o<br />
uso da fórmula de Bhaskara para determinar as raízes <strong>do</strong> polinômio. No entanto, não era este<br />
o objetivo da questão, ou seja, faltou, <strong>em</strong> nosso entender, antes de tu<strong>do</strong>, o reconhecimento de<br />
que havia uma equação, <strong>em</strong> que a solução estava a exigir uma operação com frações<br />
algébricas. E, neste ponto, falhou o reconhecimento da estrutura da adição, <strong>em</strong> que as partes<br />
são duas frações algébricas e a operacionalização dessa adição se faz por meio da<br />
determinação <strong>do</strong> denomina<strong>do</strong>r comum.<br />
Faltou, também, <strong>em</strong> nosso entender, a visualização de uma outra estrutura, que é a<br />
multiplicação de fatores lineares; ou seja, como passar <strong>do</strong> registro de representação<br />
(x+5)(2x+9) para o registro 2x 2 +19x+45. Duval (2003) aponta, de certa forma, essas<br />
dificuldades <strong>do</strong>s alunos, ao dizer:<br />
Numerosas observações nos permitiram colocar <strong>em</strong> evidência que os<br />
fracassos ou bloqueios <strong>do</strong>s alunos, nos diferentes níveis de ensino aumentam<br />
consideravelmente cada vez que uma mudança de registro é necessária ou<br />
que a mobilização simultânea de <strong>do</strong>is registros é requerida. (p. 210).<br />
Concordamos, ainda, com o mesmo autor, quan<strong>do</strong> ele cita Vygotsky para denunciar o<br />
engano de considerar que todas as representações de um mesmo objeto mat<strong>em</strong>ático têm o<br />
mesmo conteú<strong>do</strong>. Efetivamente, vimos que os alunos não reconheceram, na expressão <strong>do</strong> la<strong>do</strong><br />
esquer<strong>do</strong> da equação, uma adição de frações cujos denomina<strong>do</strong>res poderiam ser multiplica<strong>do</strong>s<br />
para obter o denomina<strong>do</strong>r da fração <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito, o que simplificaria extr<strong>em</strong>amente a<br />
resolução. Ou seja, os estudantes não reconheceram o registro<br />
equivalente a<br />
1 1<br />
+<br />
x + 5 2x<br />
+ 9<br />
como sen<strong>do</strong><br />
3x<br />
+ 14<br />
, o que lhes permitiria igualar os <strong>do</strong>is m<strong>em</strong>bros e obter uma<br />
2<br />
2x<br />
+ 19x<br />
+ 45<br />
simples equação de primeiro grau.<br />
O que fazer para ensinar os alunos a “ver” uma estrutura algébrica e reconhecer as<br />
possibilidades de trabalhar sobre ela? Pode-se ensinar “senti<strong>do</strong> de estrutura”? Essas são<br />
perguntas pertinentes, quan<strong>do</strong> se busca, como na pesquisa que estamos realizan<strong>do</strong>,<br />
desenvolver atividades para explorar as dificuldades detectadas. Hoch e Dreyfus (2004),<br />
depois de mostrar a professores de ensino médio as mesmas questões aplicadas aos estudantes<br />
participantes de sua pesquisa, constataram que apenas 50% tinham o “senti<strong>do</strong> da estrutura”,<br />
resolven<strong>do</strong> rapidamente a questão. Aqueles que não têm esse “senti<strong>do</strong>”, provavelmente não
encorajam seus alunos a usá-lo, fazen<strong>do</strong> com que estes, tediosamente, realiz<strong>em</strong> operações<br />
s<strong>em</strong>pre da mesma forma, s<strong>em</strong> procurar ver o to<strong>do</strong> antes das partes, s<strong>em</strong> entender o que estão<br />
fazen<strong>do</strong>. Assim, parece-nos que, neste ex<strong>em</strong>plo da resolução de equação com frações<br />
algébricas, t<strong>em</strong>os que planejar atividades que auxili<strong>em</strong> o aluno a desenvolver o pensamento<br />
algébrico que, segun<strong>do</strong> Ponte (2005), “diz respeito ao estu<strong>do</strong> das estruturas, à simbolização, à<br />
modelação e ao estu<strong>do</strong> da variação.” (p. 37).<br />
Consideramos que atividades como juntar os pontos para visualizar uma determinada<br />
figura, colorir regiões <strong>do</strong> plano, descobrir el<strong>em</strong>entos escondi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> uma figura, que são<br />
próprios da <strong>Educação</strong> Infantil, são as primeiras possibilidades de acostumar a criança a ver<br />
um to<strong>do</strong> que está fragmenta<strong>do</strong> <strong>em</strong> partes. Nas séries iniciais <strong>do</strong> ensino fundamental, pode-se<br />
trabalhar com a descoberta de padrões geométricos ou numéricos, a partir de atividades<br />
simples, como desenhar os el<strong>em</strong>entos seguintes de uma determinada seqüência de pontos ou<br />
figuras. Mais tarde, quan<strong>do</strong> os alunos já começam a trabalhar com a simbologia algébrica, é<br />
interessante partir de situações contextualizadas, para que o aluno possa modelar a solução e<br />
generalizar a solução. De qualquer forma, antes de operar com as expressões algébricas, o<br />
aluno deve entendê-las como formas de representar uma determinada situação, ou seja, como<br />
registros de representação. Acreditamos que somente uma aprendizag<strong>em</strong> com significa<strong>do</strong><br />
pode levar os estudantes à aquisição da habilidade de manipular símbolos e reconhecer a<br />
estrutura subjacente.<br />
Nosso objetivo, ao escrever este artigo, é apresentar uma visão geral sobre a<br />
meto<strong>do</strong>logia de análise de respostas a questões mat<strong>em</strong>áticas, <strong>em</strong> analogia com a análise de<br />
conteú<strong>do</strong>. Dessa forma, buscamos, ao final, uma interpretação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s da nossa pesquisa<br />
sobre a resolução de uma equação com frações algébricas, encerran<strong>do</strong>-se o ciclo de<br />
procedimentos da análise de conteú<strong>do</strong> das respostas. As sugestões de trabalho buscam atender<br />
ao segun<strong>do</strong> objetivo da pesquisa, que é a elaboração de atividades para explorar as<br />
dificuldades apontadas. A forma de impl<strong>em</strong>entação vai depender de uma série de fatores e as<br />
tentativas que for<strong>em</strong> realizadas serão investigadas, por meio de instrumentos varia<strong>do</strong>s, como<br />
questionários, observações de sala de aula ou entrevistas, conforme o último objetivo da<br />
pesquisa referida.<br />
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