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o monólogo interior em uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira

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DA VOZ ENQUANTO MIMESE: O MONÓLOGO INTERIOR<br />

EM UMA ABELHA NA CHUVA DE CARLOS DE LIVEIRA<br />

O <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong> é <strong>uma</strong> singularização ou caso-limite daquela perspectiva<br />

<strong>na</strong>rrativa que, <strong>na</strong> terminologia <strong>de</strong> Jean Pouillon, se <strong>de</strong>sig<strong>na</strong> por visão avec e sobressai <strong>de</strong> todas<br />

as outras modalida<strong>de</strong>s focais, <strong>de</strong>ntro do código representativo adoptado pelo <strong>na</strong>rrador <strong>em</strong><br />

Uma <strong>Abelha</strong> <strong>na</strong> <strong>Chuva</strong>. O <strong>na</strong>rrador, é certo, segue a focalização exter<strong>na</strong>, quando se trata <strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>rrar ou resumir acontecimentos ou acções, <strong>de</strong>screver paisagens, mostrar retratos e gestos,<br />

mas fá-lo <strong>de</strong> maneira tão hábil <strong>na</strong> terceira pessoa que <strong>de</strong>ixa no leitor a impressão <strong>de</strong> que todo<br />

esse domínio da realida<strong>de</strong> extrapsíquica se encontra orientado para e ao serviço da<br />

perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> central. O <strong>na</strong>rrador apaga-se o mais que po<strong>de</strong>. Parece mesmo que se escon<strong>de</strong> por<br />

<strong>de</strong>trás <strong>de</strong> <strong>uma</strong> corti<strong>na</strong>, para que os actores se mostr<strong>em</strong> por si mesmos, s<strong>em</strong> as intromissões<br />

pater<strong>na</strong>listas da instância <strong>na</strong>rrativa. Assim os retratos <strong>de</strong> Álvaro Silvestre e Maria dos Prazeres<br />

são-nos apresentados não do ponto <strong>de</strong> vista do <strong>na</strong>rrador, mas do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> cada um<br />

<strong>de</strong>sses perso<strong>na</strong>gens e do jor<strong>na</strong>lista da comarca, José <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros. Este vê as “feições paradas<br />

e sonolentas” “os olhos pouco ágeis”, enfim, a fisionomia do lavrador do Montouro, mas só<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter encarado “<strong>de</strong> novo com o seu rosto gordo” (1979: 8). Quanto à fidalga,<br />

“qualquer coisa esplêndida nela “gelava o jor<strong>na</strong>lista” que no-la retrata no “franzir irónico da<br />

boca, a avi<strong>de</strong>z do olhar, o tom escarninho da voz gelada”, como “<strong>uma</strong> mulher <strong>de</strong> mão cheia...<br />

mas dura <strong>de</strong> roer” (ibid.: 59). É só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> D. Maria dos Prazeres ter acendido o castiçal e<br />

ter ficado a olhar o marido, que este nos é apresentado “aos tropeções”, a cambalear <strong>na</strong> sua<br />

<strong>em</strong>briaguez, tal como era visto pela mulher à luz bruxuleante do castiçal” (ibid.: 61). Também<br />

a <strong>de</strong>scrição da paisag<strong>em</strong> noctur<strong>na</strong> é feita <strong>na</strong> perspectiva <strong>de</strong> Álvaro Silvestre, agora <strong>de</strong>bruçado<br />

sobre a janela para se libertar dos malefícios do álcool e se refrescar com a arag<strong>em</strong> fria e<br />

húmida da noite (ibid.: 67-69). O mesmo ângulo <strong>de</strong> visão se mantém <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição dos espaços<br />

<strong>interior</strong>es da casa (ibid.: 71, 103, 142), do <strong>de</strong>spontar da aurora (ibid.: 85 segs.), <strong>na</strong> evocação<br />

das manhãs infantis (ibid.: 97-100), etc.. Ângulo <strong>de</strong> visão, acrescente-se, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong><br />

cuja complexida<strong>de</strong> é revelada ao leitor não só pelo <strong>na</strong>rrador, mas por perso<strong>na</strong>gens como a<br />

própria mulher e o Dr. Neto, para além <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros acima mencio<strong>na</strong>do. Com efeito,<br />

D. Maria dos Prazeres consi<strong>de</strong>ra o marido como “<strong>uma</strong> criança <strong>de</strong> cinquenta anos”, que “anda<br />

doente com i<strong>de</strong>ias estranhas” (ibid.: 17), imag<strong>em</strong> que confirma o diagnóstico do Dr. Neto,<br />

médico do casal: “ cansaço, esgotamento nervoso, carroça fora dos eixos”. Aliás, ele<br />

“conhecia b<strong>em</strong> o inferno que era a vida dos Silvestres e no inferno o repouso é difícil” (ibid.:<br />

29).<br />

3.1. Os Retratos<br />

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