o monólogo interior em uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira
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DA VOZ ENQUANTO MIMESE: O MONÓLOGO INTERIOR<br />
EM UMA ABELHA NA CHUVA DE CARLOS DE LIVEIRA<br />
perso<strong>na</strong>gens ou a interferir no comportamento <strong>de</strong>las não reún<strong>em</strong>, a meu ver, condições <strong>de</strong><br />
sustentabilida<strong>de</strong>. Tratar-se-á <strong>de</strong> juízos indiciadores <strong>de</strong> agramaticalida<strong>de</strong>s e falhas estéticas que<br />
põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> causa a transparência da escrita, a coesão da obra, a regularida<strong>de</strong> comportamental do<br />
<strong>na</strong>rrador e a consciência artística do escritor 12 . Ora o probl<strong>em</strong>a não está <strong>na</strong> escrita, mas <strong>na</strong><br />
leitura. E o texto suporta todas as leituras, menos aquelas que ele não po<strong>de</strong> suportar, como,<br />
por ex<strong>em</strong>plo e <strong>em</strong> minha opinião, a que, nos enunciados <strong>em</strong> causa, <strong>de</strong>nega a voz à<br />
perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, para a atribuir ao <strong>na</strong>rrador. É aqui que está o fulcro da questão e a resposta para<br />
ela.<br />
5. Conclusão<br />
Para termi<strong>na</strong>r <strong>em</strong> síntese conclusiva, diga-se que há <strong>em</strong> Uma <strong>Abelha</strong> <strong>na</strong> <strong>Chuva</strong> três<br />
enunciados <strong>na</strong>rrativos com características comuns, <strong>de</strong> harmonia com o princípio da unida<strong>de</strong><br />
da acção e a coerência da <strong>na</strong>rrativa: ocupam pontos culmi<strong>na</strong>ntes, <strong>em</strong> associação com mais ou<br />
menos el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> diálogo; traduz<strong>em</strong> <strong>uma</strong> situação psicológica particularmente tensa,<br />
transmitida por meio da técnica romanesca do <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong> seguido <strong>de</strong> ou alter<strong>na</strong>ndo<br />
com a voz do <strong>na</strong>rrador <strong>em</strong> terceira pessoa; implicam o <strong>de</strong>sdobramento da consciência da<br />
perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> num eu e num ele <strong>em</strong> oposição a um você (primeiro), num eu e num você <strong>em</strong><br />
oposição a um ele (segundo e terceiro) ; <strong>em</strong> todos eles, as perso<strong>na</strong>gens encontram-se n<strong>uma</strong><br />
gran<strong>de</strong> solidão psicológica e até física (segundo e terceiro), que lhes tor<strong>na</strong> difícil ou mesmo<br />
impossível a comunicação com o outro – "solitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> monologueur, dont le véritable<br />
interlocuteur reste ‘le moi captif ’ " (Cohn, 1981:278). Ao mesmo t<strong>em</strong>po, revelam gran<strong>de</strong><br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> introspecção, <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e, no que diz respeito ao primeiro e<br />
segundo, ambos relativos a Álvaro Silvestre, um notável po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transfigurar <strong>em</strong> imagens e<br />
símbolos os objectos exteriores reflectidos <strong>na</strong> consciência. As suas vivências <strong>interior</strong>es são<br />
verbalizadas n<strong>uma</strong> linguag<strong>em</strong> que lhes é própria, cheia <strong>de</strong> conotações subjectivas, pertencente<br />
ao espaço <strong>em</strong> que se mov<strong>em</strong>, à sua maneira <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> pensar, às motivações do seu agir, ao<br />
seu universo <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong> crenças. Todas estas características concorr<strong>em</strong> para criar no leitor<br />
a sensação <strong>de</strong> entrar <strong>em</strong> contacto directo com a corrente da consciência, com a vida <strong>interior</strong><br />
das perso<strong>na</strong>gens. À luz <strong>de</strong>stes dados, não parece haver lugar para a focalização interventiva ou<br />
intromissões do <strong>na</strong>rrador nos passos referidas <strong>de</strong> Uma <strong>Abelha</strong> <strong>na</strong> <strong>Chuva</strong>. Embora se<br />
12 – É o que se po<strong>de</strong> inferir <strong>de</strong> expressões como “modalida<strong>de</strong> rara” (Silva, 3 1973), “<strong>em</strong>baciamento da escrita”<br />
(Seixo, 1976: 245 = 1986: 106); “ofuscação confusa” (ibid.: 247) “ambiguida<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>finição” (ibid.:248),<br />
“infracções a <strong>uma</strong> ord<strong>em</strong> estabelecida” (Camilo, 1976:651, “insuficiência <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> técnica” (ibid.), "aparição<br />
...surpreen<strong>de</strong>nte e <strong>na</strong>da lógica" (ibid.: 652), “perplexida<strong>de</strong>” (Reis, 1980:90), “estranheza” (ibid.), “<strong>de</strong>s infractions<br />
apparentes à l‘ordre du récit” (Santos, 1987:27-29), “perturbação imediata” (Baptista, 2003:83); “<strong>de</strong>sgraça<br />
<strong>na</strong>rratológica” (ibid.: 84), "a excepcio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta voz" (ibid.: 85), “anomalia <strong>na</strong>rratológica” (ibid.: 88 e 89) e<br />
outras.<br />
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