18.04.2013 Views

o monólogo interior em uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira

o monólogo interior em uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira

o monólogo interior em uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

DA VOZ ENQUANTO MIMESE: O MONÓLOGO INTERIOR<br />

EM UMA ABELHA NA CHUVA DE CARLOS DE LIVEIRA<br />

1. O argumento<br />

Antes, porém, e para melhor nos situarmos, record<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> síntese, o argumento<br />

da <strong>na</strong>rrativa. Trata-se <strong>de</strong> um conflito conjugal entre um plebeu endinheirado e <strong>uma</strong> fidalga<br />

s<strong>em</strong> haveres mas muito ciosa dos seus pergaminhos. Ele, Álvaro Silvestre, era oriundo <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

família para qu<strong>em</strong>, segundo o <strong>na</strong>rrador, a luta pela vida era a lei supr<strong>em</strong>a da sobrevivência<br />

individual; ela, Maria dos Prazeres Pessoa <strong>de</strong> Alva Sancho pertencia a <strong>uma</strong> família nobre mas<br />

arrui<strong>na</strong>da. Tal união, um verda<strong>de</strong>iro mariage <strong>de</strong> raison realizado s<strong>em</strong> amor n<strong>em</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />

cozinharam-<strong>na</strong> os pais <strong>de</strong> ambos, como, aliás, acontece não raro <strong>na</strong> vida real, <strong>de</strong>ntro da mais<br />

estrita lei darwinia<strong>na</strong> da sobrevivência: do lado aristocrático, a necessida<strong>de</strong> humilhante <strong>de</strong><br />

matar a fome; do lado burguês, a ambicio<strong>na</strong>da promoção social conseguida pela troca <strong>de</strong><br />

sangue por dinheiro, segundo a fórmula usada pelo próprio <strong>na</strong>rrador. Ao contrário do<br />

casamento tal como se encontra <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> Júlio Dinis, sob a inspiração do Liberalismo <strong>em</strong><br />

geral e do princípio da livre iniciativa <strong>em</strong> particular, e encarado positivamente como elo <strong>de</strong><br />

harmonia e coesão das classes – a burguesia ascen<strong>de</strong>nte, dignificada pelo trabalho honesto e a<br />

aristocracia arrui<strong>na</strong>da (Os Fidalgos da Casa Mourisca, p.e.) – <strong>em</strong> <strong>Carlos</strong> <strong>de</strong> <strong>Oliveira</strong>, o enlace<br />

socialmente <strong>de</strong>snivelado constitui a antecâmara <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vida absurda. Em contraste flagrante<br />

com os sonhos cor-<strong>de</strong>-rosa que impreg<strong>na</strong>m <strong>de</strong> um álacre optimismo os epílogos dos romances<br />

<strong>de</strong> Júlio Dinis, <strong>em</strong> Uma <strong>Abelha</strong> <strong>na</strong> <strong>Chuva</strong>, a <strong>de</strong>sarmonia conjugal vai fazer recair todo o peso<br />

dos seus trágicos efeitos no el<strong>em</strong>ento h<strong>uma</strong>no que se encontra <strong>na</strong> base da pirâmi<strong>de</strong> social: o<br />

assassi<strong>na</strong>to do cocheiro Jacinto e o suicídio <strong>de</strong> Clara sua amada, que se afogou num poço,<br />

com um filho no ventre. Tecidas <strong>de</strong> complexos, recalcamentos, fixações, <strong>de</strong>pressões e outros<br />

ingredientes <strong>de</strong> matriz freudia<strong>na</strong> (Cruz, 1974), as relações domésticas e socais do casal<br />

<strong>de</strong>savindo são a<strong>na</strong>lisadas à luz da concepção marxista da luta <strong>de</strong> classes, e da<br />

incompatibilida<strong>de</strong> entre elas, segundo o código i<strong>de</strong>ológico do Neo-realismo, estratégica<br />

<strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ção intra-muros do Realismo socialista, movimento tutelado, como é sabido, pelo<br />

dirigismo intelectual da União Soviética <strong>de</strong> então. A fábula <strong>em</strong>erge <strong>de</strong> um fundo histórico que<br />

o escritor consi<strong>de</strong>ra pleno <strong>de</strong> actualida<strong>de</strong>, feito <strong>de</strong> “casamentos <strong>de</strong> conveniência, pruridos <strong>de</strong><br />

casta, miseriazinhas <strong>de</strong> pequenos burgueses, fraquezas <strong>de</strong> carácter, e gente que serve <strong>de</strong> bey<br />

<strong>de</strong> Túnis a isso tudo” (apud Silvestre, 2003:43).<br />

2. O <strong>monólogo</strong><br />

3

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!