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o monólogo interior em uma Abelha na Chuva de Carlos de Oliveira

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DA VOZ ENQUANTO MIMESE: O MONÓLOGO INTERIOR<br />

EM UMA ABELHA NA CHUVA DE CARLOS DE LIVEIRA<br />

da sua vida psíquica, do fluxo da sua consciência. T<strong>em</strong>os então o <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong>, que é<br />

<strong>uma</strong> variante ou caso-limite do discurso relatado, mas que Gérard Genette consi<strong>de</strong>ra<br />

“malencontreus<strong>em</strong>ent baptisé”, preferindo <strong>de</strong>signá-lo por “discurso imediato”. Na verda<strong>de</strong>, “o<br />

essêncial não é que seja <strong>interior</strong>, mas que seja “d’<strong>em</strong>blée... émancipé <strong>de</strong> tout patro<strong>na</strong>ge<br />

<strong>na</strong>rratif” (ibid.: 193). Esta <strong>em</strong>ancipação po<strong>de</strong> manter-se ao longo <strong>de</strong> toda a <strong>na</strong>rrativa como <strong>em</strong><br />

Les Lauriers Sont Coupés ou ape<strong>na</strong>s <strong>em</strong> enunciados soltos como os <strong>de</strong> Joyce e Faulkner, nos<br />

quais a instância <strong>na</strong>rrativa é mantida pelo contexto, mas à distância (ibid.: 194).<br />

Portanto, o acento tónico do <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong> não -recai <strong>na</strong> sua <strong>interior</strong>ida<strong>de</strong>, mas<br />

<strong>na</strong> sua imediatida<strong>de</strong> que lhe é <strong>uma</strong> das marcas distintivas, ao passo que aquela é <strong>uma</strong><br />

consequência <strong>de</strong>sta e é extensiva a todos os outros tipos <strong>de</strong> discurso apontados. Neles po<strong>de</strong>rá<br />

existir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as respectivas marcas da instância <strong>na</strong>rrativa apont<strong>em</strong> para fenómenos,<br />

experiências ou estados psíquicos das perso<strong>na</strong>gens. Estou a referir-me, por ex<strong>em</strong>plo, a formas<br />

ou expressões verbais, cuja <strong>de</strong>notação pertença às áreas do pensamento ou do sentimento,<br />

como as que indicam raciocínio, reflexão , dúvida, <strong>em</strong>oção, alegria, tristeza, <strong>de</strong>sespero, etc..<br />

Observe-se ainda que, para a reclassificação dos vários tipos <strong>de</strong> discurso e para a re<strong>de</strong>finição<br />

do <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong>, foi adoptado como critério, conforme se está a ver, o grau <strong>de</strong> presença<br />

do <strong>na</strong>rrador, que é total e exclusiva no discurso <strong>na</strong>rrativizado, coinci<strong>de</strong>nte ou simultânea no<br />

discurso transposto, reduzida ao mínimo e excluída no discurso relatado. Inversamente, a<br />

presença da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong> é quase ou mesmo exclusiva neste último, coinci<strong>de</strong>nte ou simultâneo<br />

no segundo e suprimida no primeiro.<br />

Estamos assim a ver quão longe nos encontramos já da imprecisão com que a crítica<br />

dos anos vinte encarou o <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong>. Outro reparo que se impõe diz respeito aos seus<br />

conteúdos, que não são, como já foi dito, ape<strong>na</strong>s aqueles que estão mais próximos do<br />

inconsciente. Segundo Robert Humphrey, a técnica do <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong> pouco ou <strong>na</strong>da t<strong>em</strong> a<br />

ver com o inconsciente da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, mas muito mais com a regra da livre associação <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ias (Humphrey, 1962:28, 43-44, 48, 69 –70 e 118).<br />

Não se pense, porém, que a mensag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sse discurso não-pronunciado se resume<br />

aos dados imediatos da consciência, mesmo que se trate <strong>de</strong> <strong>uma</strong> obra inteiramente subjectiva.<br />

Com efeito, a consciência não é ape<strong>na</strong>s consciência <strong>de</strong> si mesma, mas também consciência <strong>de</strong><br />

alg<strong>uma</strong> coisa, consciência do mundo que a interpela, nela interfere e nela se refracta, mas que,<br />

reciprocamente, é por ela interpelado, questio<strong>na</strong>do e modificado. Como traduzir neste caso,<br />

através do <strong>monólogo</strong> <strong>interior</strong>, a relação dialéctica entre esses dois mundos <strong>em</strong> confronto, que<br />

se <strong>de</strong>frontam no foro íntimo da perso<strong>na</strong>g<strong>em</strong>, o mundo do eu e o mundo do não-eu? Não é com<br />

certeza esta <strong>uma</strong> questão que se pu<strong>de</strong>sse pôr com exigências <strong>de</strong> resposta a<strong>de</strong>quada, aos<br />

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