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Sete Visões: Ambição - rtavares consultoria & treinamento

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[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 2<br />

Projeto Se7e <strong>Visões</strong><br />

&<br />

Crazy Artística<br />

apresentam<br />

Se7e <strong>Visões</strong><br />

Ж <strong>Ambição</strong> Ж<br />

Alec Silva<br />

Alfer Medeiros<br />

Diego Alves<br />

Eduardo Oliveira<br />

Isaac Guedes<br />

Mary Aline<br />

Tracy Anne<br />

1ª Edição


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 3<br />

Sobre o Projeto<br />

Sou poeta e escritor, e certo dia, cansado de ver tantas antologias que selecionam textos<br />

e não autores, resolvi chamar 6 amigos para comporem um livro de contos. Por sorte<br />

― ou Destino, não o sei bem ―, Alfer Medeiros, autor de Fúria Lupina Brasil, aceitou o<br />

meu convite, dando dicas para esta obra que cá está finalizada. E a ajuda de Diego Alves<br />

veio na criação do nome: Projeto Se7e <strong>Visões</strong>.<br />

Eu sinceramente não sei como definir este projeto, pois o fiz apenas por passatempo;<br />

no entanto, ganhou uma medida colossal, superando e muito minhas expectativas. Embora<br />

o espaço seja limitado a 7 autores, a lista de espera e de escritores interessados em participar<br />

me surpreende.<br />

Mas, o que torna este projeto inovador?<br />

Bem, para começar, não houve seleção de textos, apenas de autores, escolhidos e<br />

chamados por mim. Outra coisa que difere: os contos, embora pertença a cada autor, teve<br />

um dedilho dos demais, tornando-o melhor. Os autores, de diversas idades e estilos, possuem<br />

uma visão ímpar sobre o tema abordado ― <strong>Ambição</strong>. E, o que é mais legal de tudo<br />

isso: o oitavo conto, escrito a sete visões, reúne os sete primeiros, com um estilo diferente<br />

de narrar.<br />

Neste volume de abertura temos bons autores, jovens de grande talento e que merecem<br />

um espaço na literatura, seja ela fantástica ou tradicional. Os contos são todos voltados<br />

a algum tipo de ambição, revelando o lado negro da humanidade, o lado que destrói<br />

tudo o que é mais valioso. Aventura, suspense, horror, comédia, ficção científica, drama e<br />

muita fantasia enchem estas páginas, garantindo o divertimento do leitor e a reflexão, pois<br />

eu creio que a boa literatura deve transmitir morais e coisas que nos ajudem a evoluir como<br />

seres humanos. Por isso criei o projeto.<br />

Por ora é tudo, mas em breve estarei de volta, com mais 7 autores muito talentosos,<br />

em mais outro volume do Se7e <strong>Visões</strong>. Desejo a todos uma excelente leitura e uma magnífica<br />

visão do tema, afinal cada leitor tem um ponto de vista diferente, o que deve ser respeitado<br />

e valorizado.<br />

Abraços a todos e até breve.<br />

Alec Silva


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 4<br />

Prefácio<br />

"Antologia" vem do grego ανθολογία, "coleção de flores". Um ramalhete literário. Ao<br />

se pensar em ramalhete, provavelmente vem à mente um conjunto de flores da mesma cor,<br />

ou, quando muito, de duas espécies delas. Posso pensar, agora, num ramalhete vermelho.<br />

Mas não é o que acontece na coleção de flores literária, principalmente se reúne mais<br />

de um autor. É como aquele que passeia pelo campo, colhendo um exemplar da flor que<br />

mais lhe chama atenção. Algumas podem ser maiores, outras terem um perfume exótico, e<br />

há ainda as espinhosas. Pode-se esperar tudo de uma coleção de flores como esta - menos<br />

monotonia, repetição. Cada flor é uma experiência única. E Se7e <strong>Visões</strong> leva isso ao extremo,<br />

ao ápice: não são contos delimitados por um tema, e muito menos pela visão limitada<br />

de uma só pessoa.<br />

Quando se fala em nova literatura brasileira, há uma dificuldade em se encontrar<br />

nomes fortes e conhecidos como nas décadas passadas. A literatura brasileira, sempre prolífica<br />

em diversos estilos, com nomes conhecidos mundialmente, não anda recebendo a<br />

atenção que merece. E, longe de ser por falta de leitores, ou um sinal de que vivemos uma<br />

época carente de talentos, é justamente o contrário: brasileiros leem bastante, e os bons<br />

autores pululam. Em obras não publicadas, blogues e antologias - com alguns que conseguiram<br />

solidificar suas carreiras. Criou-se todo um novo pensamento mercadológico, e as<br />

editoras, que antes tinham o papel de preparar, rodar e divulgar uma obra, agora, em sua<br />

maioria, agem como gráficas, fazendo trabalhos por demanda, e deixando os autores à<br />

própria sorte em seguida.<br />

A maior verdade, estampada nas páginas de Se7e <strong>Visões</strong> - e compartilhada por incontáveis<br />

trabalhos nacionais -, é que talento não falta. O caminho que existe hoje, para o livro<br />

impresso - bancar sua edição e divulgá-lo por conta, e esperar que boas vendas conquistem<br />

alguma editora grande -, não é o único possível, e o livro digital já aponta outros horizontes<br />

para novos autores.<br />

Assim como é uma amostra do que o futuro nos reserva, Se7e <strong>Visões</strong> também traz<br />

uma pitada do trabalho de cada um de seus autores, brindando-nos, por fim, com o resultado<br />

de um desenvolvimento mútuo de todos eles. Que o perfume das flores se espalhe<br />

pelo ar!<br />

Eric Musashi


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 5<br />

Suor Suor e e Sangue<br />

Sangue<br />

Diego Alves<br />

Diego Alves nasceu na cidade de Pederneiras, SP, em 1988.<br />

Sempre gostou de ler e ouvir histórias, e aos dez anos começou a escrever as dele.<br />

Quando estava na sexta série, ficou em segundo lugar no Terceiro Concurso de Contos,<br />

Crônicas e Poesias de Pederneiras.<br />

Em 2009, foi classificado para a segunda fase do Mapa Cultural, Categoria Literatura, da<br />

cidade de Pederneiras.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 6<br />

“O guerreiro da luz raramente sabe o resultado de uma batalha quando esta acaba. O movimento da luta gerou<br />

muita energia à sua volta, e existe um momento onde tanto a vitória como a derrota ainda é possível.”<br />

(“O Manual do Guerreiro da Luz”, Paulo Coelho)<br />

“Minha visão embaça pelo constante suor que me cai nos olhos, mas apenas o vulto<br />

de meu oponente e o zumbido que sua espada emite ao cortar o ar já é o suficiente para<br />

que eu ataque e defenda com a minha.”<br />

Estes eram os pensamentos que passavam pela cabeça de Eriot, um cavaleiro de armaduras<br />

enferrujadas e sujas por fuligem e barro.<br />

Era uma grande batalha que era travada naquele prado que antecipava um pequeno<br />

bosque, o barulho das lâminas se chocando podia ser ouvido de longe.<br />

“Desista,‘cavaleiro sem teto’! Estas terras pertencem ao grande rei Silk, rei de todos<br />

os homens, e iremos derrubar estas árvores para ampliar as colheitas reais.”<br />

Poucos sabiam o verdadeiro nome de Eriot, os que sabiam temiam a dizê-lo, pois eram<br />

amigos muito próximos ou eram aqueles que foram derrotados por ele em duelo.<br />

E “o cavaleiro sem teto” era considerado inimigo de sua alteza há algum tempo, desde<br />

que a expansão das terras reais começou ― exatamente um ano após esse inicio.<br />

E era exatamente essa época que passava nas lembranças de Eriot em meio à batalha,<br />

a mais difícil que ele estava tendo em tempos. Em sua frente, confrontando-o, estava Adrian,<br />

conhecido como “O Honrado”, sempre acreditando no caminho da espada e repugnando<br />

aqueles que o desrespeitavam.<br />

Na mente de Eriot, os tempos em que ele também era um subordinado do rei.<br />

***<br />

Um ano e seis meses antes, Taberna do Leão Manso, um lugar onde bardos, cavaleiros<br />

e guerreiros se reuniam para beber cerveja e contar suas aventuras.<br />

A algazarra era grande, os fanfarrões se embriagavam e soltavam fortes gargalhadas,<br />

elogios às damas que o serviam ou afrontas àqueles ao seu redor.<br />

Os guerreiros que ali frequentavam ― embora fedidos e peludos ― eram bem aceitos<br />

pelos talentosos e refinados bardos e os bem asseados e educados cavaleiros. Em uma das<br />

mesas, perto da janela, estava Eriot_“O Destemido”, cavaleiro de grandes honras e batalhas<br />

em nome do rei.<br />

Uma das donzelas que trabalhavam na taberna se aproximou para atendê-lo.<br />

― O que deseja, senhor? ― perguntou a moça, com um belo sorriso nos lábios.<br />

― Uma cerveja fria e um faisão ― disse ele, estendendo duas moedas de ouro.<br />

Espantada, a jovem donzela apressou-se em dizer.<br />

― Senhor, duas moedas de ouro é muito. A cerveja e o faisão custam apenas vinte<br />

moedas de prata.<br />

Eriot puxou uma das mãos da donzela e colocou as duas moedas sobre ela.<br />

― Pegue! Fique com uma para você e use a outra para pagar minha conta, mas não<br />

diga a seu patrão, pois ele pode querer lhe tirar a moeda que lhe dei. Conheço a ganância<br />

dos homens.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 7<br />

Sem saber se ficava feliz ou confusa, a jovem tratou de ir buscar o que aquele cavaleiro<br />

em sua frente havia pedido.<br />

Retornando, perguntou por que ele não bebia e se divertia na companhia dos outros<br />

naquele lugar.<br />

― Não que eu não aprecie a companhia e as gargalhadas. Veja pela janela! Os mensageiros<br />

do rei estão se espalhando pela cidade. Algo está para acontecer e não me contento<br />

em saber que haverá um novo derramamento de sangue.<br />

Sabendo quem era o cavaleiro em sua frente e as coisas que ele já fizera no passado, a<br />

jovem teve que perguntar.<br />

― Pensei que você fosse um cavaleiro que já havia participado de muitas batalhas<br />

pelo rei.<br />

― Sim, mas uma batalha nunca é algo bom, nem para aqueles que acreditam saírem<br />

vitoriosos ou aqueles que acreditam ser os derrotados.<br />

A jovem queria saber por que a opinião de Eriot ― um cavaleiro que matou a muitos<br />

― era tão pacifista. Quando foi lhe perguntar, foi interrompida pelo mensageiro real, que<br />

gritava na praça em frente à taberna.<br />

― Ajuntem-se todos! Há uma mensagem do rei para todos os seus súditos! ― esperneou<br />

o mensageiro, até ficar vermelho por falta de ar.<br />

Quando a praça estava lotada, e muitos querendo saber da mensagem, o mensageiro<br />

real começou.<br />

― O rei planeja expandir seu reino para adquirir novos súditos e aumentar a famosa<br />

e farta colheita real. E, como presente àqueles que aceitam o domínio de sua alteza, ele dará<br />

a oportunidade a quem desejar lutar em nome dele, essa honra não será mais apenas<br />

dos cavaleiros! ― e um tumulto começou na praça, os cavaleiros esbravejando por essa<br />

notícia e os outros contentes.<br />

E o mensageiro real prosseguiu:<br />

― Todos aqueles que quiserem lutar pelo rei, deverão deixar seus nomes no castelo,<br />

e aqueles a quem as honras e conquistas forem grandes, haverá recompensas em ouro equivalente<br />

a coragem de seus atos e o grau de lealdade ao rei!<br />

E assim a mensagem foi dada por encerrada: o mensageiro real desceu de seu palanque<br />

e rumou ao castelo.<br />

E muitos se apressaram; a euforia tomava conta de todos, os fazendo rumar mais do<br />

que depressa em deixar seus nomes. Menos Eriot, que, ainda encostado ao batente da porta<br />

da taberna, olhava toda aquela cena, quando a jovem que o havia servido apareceu e<br />

perguntou:<br />

― Não irá também, cavaleiro?<br />

― Nós, cavaleiros, somos automaticamente cadastrados em qualquer missão, mas isso<br />

que o rei fez agora me preocupa mais do que qualquer outra coisa que já passou anteriormente<br />

pela cabeça de nossa alteza.<br />

― E o que o preocupa tanto? ― perguntou a jovem.<br />

― Deixar que pessoas comuns, sem o <strong>treinamento</strong> necessário, lutem no campo de batalha,<br />

exceto os guerreiros que sempre estiveram lutando por dinheiro. O que um simples<br />

camponês, querendo arrumar um sustento a sua sofrida família, poderá fazer quando tiver<br />

que bater espadas contra os inimigos, a não ser deixar mais uma poça de sangue sobre a<br />

grama?


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 8<br />

A jovem também demonstrou certa tristeza ao perceber que Eriot tinha razão em suas<br />

palavras. Ele já previa a chacina que estava prestes a acontecer.<br />

E assim muitos camponeses se cadastraram nas batalhas da expansão.<br />

Vestidos com armaduras dadas pelos soldados do reino, que lhes pesavam o corpo, e<br />

armados com espadas e escudos que mal podiam levantar.<br />

Os guerreiros, os bardos e os cavaleiros que ali estavam já percebiam a falta de preparo<br />

daquele exército e estranhavam que o rei os havia recrutado.<br />

Eriot, assim como os demais cavaleiros, foi eleito general de um grupo de homens ―<br />

no total foi formado duzentos grupos de mil soldados. E esses eram denominados de “expansionistas”,<br />

trajados de suas armaduras prateadas, cobertas por uma túnica azul com o<br />

brasão real costurado a elas.<br />

E assim as batalhas, as violentas batalhas em nome do rei começaram. Em campo de<br />

batalha, Eriot sentia carregando em suas costas a responsabilidade por todos aqueles camponeses<br />

em sua volta, pediu ajuda aos guerreiros para lhes ensinar algo ― que fosse o mínimo<br />

possível ― para não ficarem completamente leigos em batalha.<br />

Porém, ele não esperava que fosse se defrontar com o exército mais temido por todos<br />

os reis que dominavam aquelas antigas terras: o exército negro do grande rei Mind, o traiçoeiro,<br />

governante de toda terra a oeste.<br />

O exército conhecido como “peste negra”, formado por trezentos e cinquenta homens.<br />

Os mais habilidosos e mortais que pudessem ser treinados.<br />

― O que nossa alteza pretende? Mandando-nos combater a “peste negra” com um<br />

exército de camponeses desarmados?<br />

E o sangue daqueles comandados por Eriot foi derramado por toda a pradaria, onde<br />

o combate teve seu desenrolar.<br />

Apenas Eriot ficou vivo, enquanto lutava sozinho contra dez cavaleiros de uma vez.<br />

O general, ao ver a cena e a força de Eriot, pediu para que seus homens se afastassem.<br />

― Você é um bravo guerreiro, não é apenas um simples cavaleiro seguindo ordens<br />

de um rei, assim como os homens de meu exército, você é um guerreiro. Sua vitória hoje é<br />

poder viver, não matarei um guerreiro de tamanha honra.<br />

Dizendo isso o general de armaduras negras partiu, juntamente com seus homens.<br />

Eriot estava ajoelhado no chão, coberto por sangue ― não o dele, e sim, daqueles mil<br />

que tentara salvar ― e, quando não havia mais ninguém ali, apenas ele e os que morreram,<br />

derramou suas lágrimas de tristeza.<br />

― Por quê? ― desesperou-se. ― Não pude protegê-los, não tive nem a decência de<br />

morrer junto com eles! Por que este mundo tem que ser movido pela morte? A espada deveria<br />

ser usada para trazer a paz e proteger os fracos! Do que serve esta lâmina em minha<br />

mão, se não pude fazer isso?<br />

E soltando um grito, que junto ao som, lançou toda sua ira e tristeza, chamou a atenção<br />

de quem ele não esperava.<br />

Um forte vento soprou por toda a pradaria, e de repente em pé, em sua frente, estava<br />

uma bela mulher vestida com um longo vestido de seda branco que balançava ao sabor do<br />

vento.<br />

Eriot acreditou que o choque da batalha o havia deixado louco.<br />

― Sou Andressa, deusa do vento e da brisa, do orvalho da manhã, e me compadeci<br />

de ti, destemido cavaleiro, e sei como conseguir a paz que teu coração tanto anseia. Preci-


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 9<br />

sas sentir o descanso eterno daqueles que pela honra merecem. Quero que durmas tranquilo<br />

em minha suave maresia...<br />

― Se realmente é uma deusa, prove ressuscitando a todos que aqui estão! ― desafiou<br />

ele a sua própria razão.<br />

― Não posso trazer os mortos de volta, querido cavaleiro, mas vejo que também se te<br />

levar comigo com todo esse ódio no seu coração, minhas delicadas carícias não te aquietarão<br />

e em minha casa tu não conseguirás descansar.<br />

Falando isso, o vento ficou ainda mais forte, e o sopro fez com que todo o sangue e os<br />

corpos daquele lugar se transformassem num bosque de mil árvores.<br />

― Proteja este bosque! Não deixes que o rei o derrube! Eu te darei a força necessária<br />

para isso! Não duvides da paz que ele trará, mesmo que ela seja tardia. Pois a recompensa<br />

vem para aqueles que lutam por seus objetivos.<br />

― Sim, farei isso...<br />

Eriot se levantou, cravou sua espada no chão.<br />

― Protegerei este bosque, que nomearei de “Bosque das Mil Vitórias”, até que o rei<br />

tome consciência de todo mal que está fazendo nestes últimos tempos...<br />

***<br />

A batalha entre Adrian e Eriot já durava mais de duas horas, sem que nenhum deles<br />

conseguisse achar uma brecha para um golpe definitivo.<br />

― Por que protege esse bosque com tanto afinco? –- perguntou Adrian.<br />

― Apenas porque é preciso... –- respondeu Eriot, avançando contra Adrian, deixando<br />

aberta a brecha que terminou aquele combate.<br />

Adrian enfiou a espada na costela de Eriot.<br />

Eriot caiu de joelhos e olhando para o céu, deixou uma lágrima escorrer pelo canto<br />

dos olhos e num último suspiro disse:<br />

― Falhei em meu sonho... Desculpem-me todos...<br />

E ele morreu ali mesmo, ajoelhado.<br />

Adrian aproximou-se dele, e olhou em seus olhos e um resto da luz ainda brilhava<br />

neles.<br />

― Cortarei sua cabeça e a levarei ao rei ― disse Adrian.<br />

Mas ao desferir sua espada contra o pescoço do corpo sem vida de Eriot, uma mão o<br />

impediu. E Adrian viu a deusa Andressa segurando sua espada.<br />

A deusa acolheu o corpo de Eriot em suas vestes.<br />

― Descansa, querido cavaleiro! Agora te nomeio meu guerreiro e dormirá para sempre<br />

em meus braços.<br />

Então soprou fortemente, derrubando Adrian no chão.<br />

Adrian, assustado, ciente do que acabou de acontecer, montou em seu cavalo e olhou<br />

para o bosque.<br />

― Você está morto, mas fui eu que perdi a batalha! Descanse agora, grande guerreiro<br />

da luz, aproveite a paz que o céu lhe deu! Agora sei que estive lutando contra quem não<br />

devia.<br />

Adrian galopou até o castelo e se dirigiu ao rei e contou sua história, e ainda afirmou<br />

que não deixaria, assim como Eriot, que derrubassem aquele bosque, que agora sabia que<br />

era sagrado.<br />

O rei, irado, disse que não aceitaria outra subversão e chamou os guardas para que<br />

jogassem Adrian nas masmorras.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 10<br />

Porém ninguém apareceu. Adrian chegara no momento em que o filho do rei Esteban<br />

― aliado aos que ali estavam ― havia planejado matar o pai e tomar a coroa. E assim se fez.<br />

Adrian, assustado, perguntou o porquê disso; então o príncipe ― agora novo rei ―<br />

revelou:<br />

― Meu pai havia enlouquecido, planejava matar a todos os camponeses e queimar<br />

todo o reinado. Dizia que assim construiria um novo reino, renascido das cinzas, mais forte<br />

e poderoso. Unindo-se ao rei Mind do oeste.<br />

Adrian também descobriu que ambos, Silk e Mind, planejavam ampliar a “peste negra”<br />

e matar a todos os reis daquele mundo.<br />

E nomeado cavaleiro supremo do rei, ajudou Esteban a destronar Mind, e fez mais:<br />

apaziguaram todas as guerras entre os reis daquela terra.<br />

E por onde passava, contava a historia de certo “cavaleiro sem teto”.<br />

Adrian, então, trouxe àquela terra a era conhecida como “Era da Paz Verdadeira”.<br />

Infelizmente a paz não dura para sempre...


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 11<br />

b V{|yÜx wÉ hÇ|vÜÇ|É<br />

Alec Silva<br />

Alec Silva é um dos pseudônimos de Alex Silva Dias, escritor e poeta baiano nascido em<br />

1991, amante da literatura fantástica e da aventura.<br />

Escritor desde os 10 anos, apenas aos 14 resolveu levar um pouco a sério a criação literária, o<br />

que já lhe rendeu mais de 260 poesias, 60 contos e 23 títulos em prosa, desde noveletas a ro-<br />

mances de sagas.<br />

Participou de uma antologia poética organizada pela Casa do Novo Autor apenas por brinca-<br />

deira, além de ter alguns contos e poesias publicados em alguns sites.<br />

Atualmente está prestes a publicar seu primeiro romance, Ariane, escrito em 2007, pela Petra<br />

Lumen Editora, e uma coletânea de noveletas, pela Editora Multifoco, além de escrever uma<br />

série de fantasia composta por 17 volumes, uma saga de quatro livros em parceria com uma ami-<br />

ga, organizar uma antologia em parceria com a Irmandade Literária e outros projetos em conjun-<br />

to com amigos escritores.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 12<br />

“O unicórnio, através da sua intemperança e incapacidade de se dominar, e devido ao deleite<br />

que as donzelas lhe proporcionam, esquece a sua ferocidade e selvajaria. Ele põe de parte a<br />

desconfiança, aproxima-se da donzela sentada e adormece no seu regaço. Assim os caçadores<br />

conseguem caçá-lo.”<br />

(Leonardo da Vinci)<br />

A jovem descansava sobre a pedra, tendo ambos os seios formosos, ainda com a flor<br />

da pureza, tão belos e encantadores, desnudos. Ela cantarolava um hino sobre o amor,<br />

despreocupadamente, enquanto suas mãos delicadas eram envolvidos por madeixas sedosas.<br />

Seus cabelos dourados, cacheados e longos cobriam-lhe as costas e parte do peito, mas<br />

nada que atrapalhasse a visão do par de seios claros e atrativos. Os olhos negros, de um<br />

brilho vivo como as estrelas, fitavam um animal que se aproximava timidamente, uma<br />

figura curiosa e rara naqueles tempos turbulentos.<br />

Os olhos esmeralda do ser estavam fixos nos seios da donzela, ansiando mamar em<br />

cada um deles e aninhar-se nos braços suaves da humana, esquecer-se de tudo o que o<br />

cercava e o fazia sempre temer a humanidade.<br />

Medo era algo que não existia naquele momento para a criaturinha rara. Não havia o<br />

mínimo sinal de preocupação ou instinto de sobrevivência. Apenas o desejo ilusório e<br />

nada mais.<br />

As orelhas, sempre alertas, agora estavam baixas e desavisadas. Cada passo, num<br />

trote lento e macio na grama baixa da relva, era arriscado, mas dado com tamanha firmeza<br />

que mais parecia um leão, seu cruel predador e inimigo natural, do que o que era realmente.<br />

A camponesa estendeu a mão esquerda, tocando a fronte do animal sagrado, roçando<br />

seu chifre tão valioso. Seus dedos delicados afagaram os pelos rasos e sedosos da criatura.<br />

Tal gesto fez o belo ser aproximar-se ainda mais, permitindo que a jovem afagasse também<br />

a crina longa e sedosa de seu pescoço.<br />

– Sentes fome? – indagou a donzela, numa voz suave e chamativa. – Ou sede?<br />

O belo animal relinchou, batendo o casco na grama com grande euforia, respondendo-lhe<br />

precisamente a última pergunta. Em nenhum momento o olhar abandonou o alvo<br />

de seu desejo, o motivo de sua aventura arriscada até aquela clareira.<br />

A língua quente do animal tocou a pele clara, delicada e perfumada da virgem, em<br />

seu umbigo formoso, fazendo-a arrepiar-se com o contato. Apreciando a lambida em seu<br />

ventre, a camponesa subiu a cabeça da criatura sagrada com seus dedos suaves até um de<br />

seus seios, sentindo o calor gostoso dos lábios equinos em seu mamilo.<br />

O corpo pequeno do ser selvagem aconchegou-se ao da donzela, aninhando-se<br />

completamente nos seus braços. Tudo o que ele queria era obter algum carinho e beijar os<br />

seios firmes da jovem, sentir seu desejo natural ser saciado outra vez.<br />

A camponesa emocionou-se por ter nos braços um animal tão belo e raro, que em<br />

breve seria sacrificado para saciar a ambição de um caçador. Ela poderia espantá-lo, mas<br />

precisava da recompensa para impedir a execução do pai, pois este contraíra uma dívida<br />

numa taverna e o valor devia ser coberto pela sua morte ou pelo seu pagamento imediato.<br />

Sabendo que o destino do animal se aproximava, a jovem afagou a criatura dourada


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 13<br />

enquanto sentia os lábios equinos chuparem-lhe o mamilo esquerdo e a pele do seio, numa<br />

sucção tanto gentil quanto forte, prazerosa e dolorosa.<br />

Os olhos esmeralda do animal sagrado cerraram-se, entregando-se ao prazer sublime<br />

de beijar tão belo peito virgem. Era o sono da paz, o prólogo da morte que espreitava num<br />

enorme galho, da árvore mais alta daquela floresta.<br />

Olhos azuis-metálicos de um homem rude acompanhavam toda a cena, desde a<br />

longa espera até o adormecimento embriagado do unicórnio dourado. Com grande<br />

cuidado e o mínimo de ruído possível, ele armou um arco, retesando a corda e apontando<br />

a seta envenenada para a presa fragilizada e vulnerável. Somente no sono de descanso e<br />

distração, quando a guarda estava baixa, é que uma criatura tão veloz e selvagem poderia<br />

ser abatida e seu valioso corno poderia ser arrancado e tido como troféu.<br />

Com toda a calma, afinal a caça não se moveria tão cedo, o caçador buscou o melhor<br />

ângulo para ferir a bela criatura. A precisão de sua mira era algo que espantava a todos,<br />

inclusive a ele mesmo, pois derivava de um feitiço feito por uma fada há muitos anos.<br />

– Pense bem antes de fazeres isso, filho! – pediu uma mulher belíssima, sentada ao<br />

lado do caçador.<br />

– Pelos nossos deuses, mãe! – assustou-se o homem, fitando a mulher.<br />

– Irás mesmo matar um animal sagrado por causa de poder?<br />

– O unicórnio dourado é raro e seu chifre, valioso e poderoso, tu bem sabes disso<br />

melhor do que qualquer um.<br />

– Matar um animal sagrado é um pecado para o qual não há perdão.<br />

A mulher, de um olhar manso e sábio, da cor da rosa, falava docemente na esperança<br />

de dobrar o filho. Suas vestes compridas, arroxeadas, criavam um contraste com a sua pele<br />

clara, delicada e aveludada e os cabelos brancos como a neve.<br />

– O pecado é algo que alguém inventou para nos manter parados, aceitando o que a<br />

vida nos deu, mesmo que tudo seja um reles traseiro de cavalo.<br />

– Modera a tua língua ao falares comigo, pois ainda sou a tua mãe!<br />

O caçador olhou para ela, ainda vendo a presa aninhada no colo da virgem. Ele não<br />

queria que aquela conversa toda atrapalhasse a sua caçada tão perfeita e valiosa, que fora<br />

planejada tão cuidadosamente.<br />

– Perdoa minha falta de modos, mas eu tenho uma presa para abater – falou o filho,<br />

fitando o semblante sereno da fada.<br />

Percebendo que era inútil discutir ante a teimosia do caçador, a mulher desapareceu<br />

por encantamento, mas a sua voz ainda alertou o filho pela última vez:<br />

– Eu te avisei, filho! Prepara-te para pagar o preço pela tua ambição!<br />

Alheio à advertência, o homem voltou seus olhos azuis-metálicos para o unicórnio<br />

dourado, mais precisamente ao seu chifre único, no centro da testa.<br />

O chifre do animal sagrado e belo era de diamante cristalino como a água da<br />

nascente, e tão duro quanto o coração de um homem dominado pelo ódio. Além dos<br />

poderes dados a quaisquer chifres de unicórnios, como a cura, a longevidade e as<br />

propriedades afrodisíacas, o corno diamantino realizava qualquer desejo, sobretudo os de<br />

riquezas e os de imortalidade.<br />

Outra vez a corda do arco fora esticada, com a seta mortal mirada para a parte mais<br />

vital do corpo da caça. Era a hora de abater a presa valiosa.<br />

O dom que recebera ao nascer, um presente de sua mãe, agora lhe era muito mais<br />

necessário. Se errasse, perderia a presa.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 14<br />

A jovem acariciava a cabeça do unicórnio, tocando por vezes no chifre diamantino,<br />

que lhe roçavam a pele da barriga incomodamente, deixando lágrimas rolarem pelo<br />

semblante triste. Ela sabia que a hora fatídica se aproximava.<br />

O belo animal agora sugava suavemente o mamilo da donzela, totalmente envolto no<br />

manto do sono e da morte, encantado pela pureza da humana.<br />

Quando a flecha zuniu, cortando o ar furiosamente, selavam-se os Destinos dos três<br />

personagens da caçada cruel. A seta penetrou não apenas o frágil coração do unicórnio,<br />

mas também a alma da jovem e a sorte do caçador.<br />

Ao sentir a flecha no interior de seu corpo, o animal sagrado deu um salto,<br />

mordiscando o mamilo da donzela, provocando um corte um pouco profundo e um<br />

gritinho de dor dela, que afastou-se para trás, levando a mão ao ferimento que sangrava. A<br />

criatura, em seguida, trotou algumas vezes, jogando-se de um lado a outro, jorrando<br />

sangue rubi através da ferida aberta, chocando-se contra o que conseguia achar, sentindo<br />

uma dor imensa e insuportável. Berrava incessantemente.<br />

Os olhos esmeralda do unicórnio fitaram os olhos negros da camponesa,<br />

demonstrando toda a dor, todo o ressentimento, toda a fraqueza e todo o arrependimento<br />

que sentia. Aquilo machucou mais ainda a alma da jovem humana.<br />

A seguir, a criatura sagrada e rara tombou moribunda, arfando o último oxigênio<br />

que seus pulmões suportavam, sentindo tudo arder por dentro. Ofegante, pôde ver botas<br />

de couro aproximando-se e algo gélido percorrer-lhe a garganta. Depois, para sempre,<br />

apenas as trevas.<br />

– Maldito! – gritou a donzela, cobrindo o busto com uma manta, estacando o sangue<br />

e cobrindo a sua nudez.<br />

O homem limpava o sangue da adaga nos pelos da cabeça do animal abatido,<br />

esboçando um grande sorriso de satisfação. Ignorando os insultos da jovem isca, ele<br />

cravou a ponta da lâmina ao redor da base do corno da presa, tentando retirar o precioso<br />

troféu.<br />

– Para! – urrou a camponesa, sentindo nojo diante de tanta crueldade.<br />

– Cala-te, camponesa! – gritou o caçador, impaciente, sem fitá-la.<br />

– Tu és um monstro sem alma!<br />

– Como ousas? – urrou ele, virando-se para a jovem e apontando ameaçadoramente a<br />

lâmina a altura de sua garganta.<br />

– Mataste um animal sagrado por ambição!<br />

– Se eu o matei, é porque tu me ajudaste.<br />

A mão firme do homem puxou o chifre diamantino com toda a força, arrancando-o<br />

do crânio, trazendo também músculos, nervos e sangue. A sua força descomunal era outra<br />

característica do sangue feérico.<br />

A donzela avançou em direção ao caçador, sem temer a faca que a ameaçava,<br />

tentando vingar-se de algum modo, mas tudo o que conseguiu foi ser agarrada pelos<br />

cabelos dourados, com grande violência.<br />

– Melhor te aquietares, jovem! – mandou o homem, falando rudemente. – Se<br />

pretendes manter-te honrada, vá embora com o teu pagamento!<br />

A camponesa ouviu um saquinho de couro com algumas moedas tilintando em seu<br />

interior. O caçador o segurava, com agressividade, na mesma mão que portava o chifre do<br />

unicórnio bem próximo ao seu rosto delicado.<br />

Sem escolha, ela pegou a maldita recompensa e saiu o mais rápido que pôde de perto


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 15<br />

da cena do crime hediondo, desejando apenas que os deuses tivessem compaixão de sua<br />

pobre alma pecadora.<br />

Olhando para o chão verde e macio, coberto pelo sangue da criatura pura, o homem<br />

pegou o belo chifre.<br />

– Finalmente eu tenho-te – falou ele, tomado pelo desejo e pela loucura, fitando o<br />

corno de tamanho valor e poder.<br />

O brilho que o puro e sagrado diamante produzia era fascinante. Nada em todo o<br />

mundo era tão belo, valioso e cobiçado quanto aquele chifre diamantino de unicórnio.<br />

Muitos dariam a vida e matariam para poder ter a chance de tocar nele. E agora era seu,<br />

apenas seu e de ninguém mais.<br />

Era a hora do caçador fazer seu pedido, algo que há anos buscava recuperar.<br />

Fechando os olhos, retornando aos tempos em que era marido e pai, o caçador<br />

relembrou a família que possuía antes da peste negra devastar tudo. Primeiro foram os<br />

filhos; com a morte deles, os sonhos dele e da esposa acabaram-se. Não haveria mais como<br />

ensinar os filhos a serem pessoas de bem, a cavalgarem pelos bosques, pescar em rios e<br />

lagos. A mulher, desesperada, buscou a ajuda da magia dos antigos, sendo presa,<br />

torturada e morta pela Inquisição. Desde então, em seu mundo de perdas e amarguras, ele<br />

almejou um meio de reencontrar a família, fazer o Anjo da Morte devolver as pessoas que<br />

ele tanto amava.<br />

Em suas buscas, conheceu um mago que lhe contou sobre o unicórnio dourado e o<br />

seu poderoso chifre. Era daquilo que ele precisava – e já havia se passado dez anos desde<br />

que iniciou suas andanças de reino em reino, matando outras criaturas, como dragões e<br />

cervos brancos, para poder ganhar dinheiro e encontrar a sua valiosa presa.<br />

Ainda de olhos cerrados, o homem fez o seu pedido:<br />

– Eu quero reencontrar minha esposa e meus filhos!<br />

O chifre diamantino brilhou intensamente, pronto para realizar o pedido de seu<br />

portador.<br />

Quando o caçador pronunciou a última palavra, o seu corpo estremeceu; em seguida,<br />

como um saco de farinha trazida do moinho, tombou decapitado. Caindo sobre o gramado<br />

já embebedado de sangue sagrado, ambas as partes do corpo regaram ainda mais o lugar,<br />

agora amaldiçoado.<br />

Finalmente, o homem encontraria a sua família.<br />

Segurando uma espada recurva, a figura com o rosto coberto por um capuz negro e<br />

empoeirado, de longas vestes em um mesmo tom de cor, olhava o corpo sem vida. Sem<br />

hesitar, o misterioso carrasco pegou o chifre de diamante, tirando-o da mão firme do<br />

morto.<br />

Após limpar a lâmina escura nas roupas da vítima, ele montou em um horrendo<br />

cavalo negro como as trevas e partiu para o interior da floresta, carregando consigo o<br />

grande prêmio.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 16<br />

Vampiros Existem?<br />

Mary Aline Moraes<br />

Sou Mary Aline Pinto de Moraes, nasci na cidade de Lins, no estado de São Paulo, no dia<br />

08 de Agosto de 1989. Hoje eu curso a faculdade de Direito, em São José do Rio Preto,<br />

estado de São Paulo.<br />

Nas horas livres escrevo... ou tento, pelo menos.<br />

Escrevo desde que minha professora tia Hatisuy (não sei se é assim que escreve; faz tempo) da<br />

primeira série, que me deu uma imagem da Magali, da Turma da Mônica, para escrever um texto<br />

sobre a imagem.<br />

Conforme o tempo foi passando, eu fui sofrendo influência de vários autores; sou grande fã de<br />

inúmeras obras, as quais estou com preguiça de citar agora.<br />

Não sei se de fato escrevo bem, pois nunca gosto do que escrevo, mas eu sei que cada vez mais<br />

vou em buscar de melhorar minha técnica e continuarei sempre a escrever, pois não é uma profis-<br />

são, é uma diversão!<br />

Obrigada e voltem sempre.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 17<br />

Para ser sincera, eu não pensava sobre essas criaturas da noite há muito tempo. Em<br />

pleno século XVIII é comum ouvirmos histórias sobre vampiros, e eu sempre tive a curiosidade<br />

de saber se eles de fato existiam ou eram apenas fruto da imaginação de um autor<br />

seriamente perturbado ― ou bêbado.<br />

Minha curiosidade me fez investigar sobre esse mito quando eu era mais nova; descobri<br />

que tudo começou com lendas sobre demônios sugadores de sangue. Tais histórias, à<br />

medida que os anos se passavam, iam adquirindo a forma pela qual, hoje, conhecemos os<br />

vampiros.<br />

Houve um tempo em que eu desejei encontrar um vampiro, mesmo com todos falando<br />

que eles são criaturas medonhas, desalmadas e destituídas de sentimentos humanos.<br />

Ora, por favor... Se eles são seres mortos que vagam pela terra, como poderiam ter<br />

sentimentos?<br />

Suspirei enquanto observava o local: uma taberna suja e fedida. Não era o local ideal<br />

para uma mulher de vinte e dois anos estar às onze horas da noite. Então, agora, deve vir a<br />

pergunta: “Mas o que diabos você está fazendo nessa taberna, Samantha?” Admito que é<br />

uma boa pergunta ― mas a resposta é simples e muito plausível.<br />

Pois bem, meu caro leitor (ou leitora): estou aqui a pedido de um grande amigo, Anthonny.<br />

Ele me disse que viria para se encontrar comigo e, então, me daria provas cabais<br />

de que um vampiro de fato existia. Entendeu o título, agora?<br />

No entanto, para um inglês, Anthonny está muito atrasado.<br />

Pensando bem, qual será a prova que ele me dará da existência de vampiros? Droga,<br />

às vezes eu odeio ser tão curiosa...<br />

Observei a taberna mais uma vez. O dono me olhava estranhamente, com certo ar de<br />

cobiça ― e posso dizer que o mesmo acontecia com os outros homens naquele local; afinal,<br />

eu era a única mulher ali.<br />

Devo admitir que não eu sou exatamente um modelo de beleza, mas meus olhos castanho-claros<br />

e meu cabelo ruivo faziam sucesso entre alguns homens; já recebi ― e recusei<br />

― vários cortejos formais. Afinal, já era raro que um pai deixasse sua filha estudar. Por isso,<br />

quando meu pai me permitiu trilhar esse caminho em busca do conhecimento, decidi<br />

que não poderia simplesmente abandonar tal oportunidade por um simples casamento.<br />

Imagine só: eu, vivendo como dona-de-casa, dedicando-me exclusivamente aos filhos e ao<br />

marido!<br />

Bem, isso me leva novamente à questão de eu ter aceito o convite de Anthonny e voltado<br />

para a Inglaterra: os vampiros.<br />

Beijei meu crucifixo.<br />

Bestas do inferno.<br />

Não, eu não estou falando dos vampiros, mas dos homens que estão me comendo<br />

com os olhos. Prefiro a companhia de um vampiro sedento, querendo me sugar até a última<br />

gota de sangue a esses homens imundos. Anthonny tem mais dez minutos para chegar;<br />

caso contrário, eu vou embora. E que se lasque o que ele tem a me dizer ou a me mostrar.<br />

Minha curiosidade tem limite.<br />

Acho...


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 18<br />

― Boa noite, madame. Gostaria de me acompanhar até minha alcova? ― falou um parvo,<br />

sentando-se na cadeira ao meu lado.<br />

― Gostaria de me acompanhar até o cemitério para que eu possa fazer rituais de magia<br />

negra com seu corpo? ― repliquei.<br />

Ele arregalou os olhos e abriu a boca, mas não houve nenhuma resposta. Acredito<br />

que seu cérebro finalmente fora requisitado a pensar em algo diferente de sexo e bebida.<br />

Ele começou a ficar vermelho.<br />

― Senhorita, estamos atrasados ― uma voz masculina informou.<br />

Algo me ergueu no ar. Quase gritei, mas reconheci a tempo o homem que me colocara<br />

embaixo de seu braço e me transportara como se eu fosse um livro qualquer saindo da<br />

prateleira.<br />

― Samantha! Ficou louca? ― ele me colocou no chão quando já estávamos a uma distância<br />

segura dos ouvidos da taberna. ― Além de correr o risco de ser violentada, ainda correu<br />

o risco de ser acusada de bruxaria. Você poderia morrer queimada!<br />

― Foi ele quem começou ― cruzei os braços em minha típica cena de garota mimada<br />

e emburrada.<br />

Às vezes ― mas só às vezes ― detesto ser filha única, pois fui muito mimada em alguns<br />

momentos de minha vida.<br />

― Crianças são mais maduras que você.<br />

Preparei-me para dar uma resposta, mas, como sempre, Anthonny começou a andar<br />

e eu precisei me apressar para alcançá-lo. Ele é quase quinze centímetros mais alto, ou seja,<br />

é visível a vantagem que ele tem sobre os meus passos.<br />

Observei Anthonny por um instante. O cabelo loiro estava penteado para trás; se eu<br />

não o conhecesse, poderia muito bem confundi-lo com algum nobre, principalmente com<br />

aquele terno e o sobretudo (que eu aposto duzentas libras como ele foi roubado de algum<br />

varal no caminho até a taberna).<br />

― Não fique me caluniando.<br />

Pisquei rápido, enquanto o observava. Ele lê pensamentos?!<br />

― Bruxaria! ― gritei.<br />

― Não, sua louca. Eu apenas a conheço bem o suficiente para saber o que está pensando<br />

quando faz essas caretas.<br />

― Calado, Anthonny!<br />

Nunca tinha parado para pensar: eu fico fazendo caretas?<br />

Ele esboçou um daqueles seus sorrisos cínicos; resolvi desconsiderar a existência dele<br />

por ora, mas minha ideia de ignorá-lo foi interrompida pela mão em meu ombro, que começava<br />

a me conduzir pelas ruas escuras de Londres.<br />

Não posso evitar esse sentimento de felicidade por estar usando calças e um casaco<br />

grosso. Sei que é estranho uma mulher de calças, mas também vão se perguntar o porquê<br />

de estar andado à noite sozinha com um homem, correndo o risco de ser chamada de meretriz?<br />

Então esqueça a calça; ela era a vestimenta mais apropriada para aquele momento.<br />

― Aonde vamos, Anthonny?<br />

― Na carta que eu lhe mandei, eu disse que provaria a existência de vampiros, e é exatamente<br />

o que eu vou fazer.<br />

― Certo, Anthonny... Prove-me.<br />

Por um ínfimo momento, não entendi o sorriso pervertido que surgiu no rosto dele.<br />

Maldito!


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 19<br />

A verdade é que Anthonny estava obcecado por essa ideia de provar que vampiros<br />

existiam. Claro que provar para mim seria o mais lógico vindo dele, já que, quando éramos<br />

crianças, conversamos muito sobre esse assunto.<br />

Fui tomada por um sentimento de nostalgia. Anthonny tem a minha idade; nossos<br />

pais foram grandes amigos... Até o acidente com sua mãe, o que deixou seu pai completamente<br />

louco. Por algum motivo ― coerente ou não ― a grande ambição dele é essa: encontrar<br />

um vampiro e viver para contar histórias para seus futuros netos (apesar de que, com<br />

a média de vida atualmente, seria um grande feito de Anthonny viver tempo suficiente<br />

para contar aos netos histórias de seu encontro com os vampiros).<br />

A mão de Anthony me pressionou com força. Por que ele está usando luvas? Nem está<br />

tão frio assim. Ele me puxou para um lugar mais escuro na rua.<br />

Ele observava algo...<br />

Olhei na direção que ele mirava ― ou que, pelo menos, eu deduzi que ele estava mirando.<br />

Uma casa de promiscuidade?<br />

Olhei para ele.<br />

Safado!<br />

― Não é nada disso... Presta atenção!<br />

Seus olhos azuis me pareciam sinceros. Estagnei por um momento.... Que eu me<br />

lembrava, os olhos dele são verdes! Eu o conheço desde criança, tenho certeza que seus<br />

olhos são verdes.<br />

Voltei a analisá-lo. Deve ser a luz, lembrando-me que, às vezes, seus olhos mudavam<br />

de cor.<br />

Aqueles olhos azuis fizeram lembrar-me de algumas lendas gregas muito antigas:<br />

segundo elas, pessoas com olhos azuis poderiam ser vampiros. Ri, pensando em como minha<br />

imaginação era fértil.<br />

― Aquele homem é Rudolf Grenalles – ele indicou com o dedo.<br />

Observei o homem. Ele era tão magro que seria facilmente confundido com um poste<br />

se ficasse ao lado de um.<br />

― Certo. Interessante. O que isso significa?<br />

― Ele é um vampiro.<br />

― Sério?! Não me lembro de lendas dizendo que vampiros possuem um grande apetite<br />

sexual.<br />

― Samantha... Você não entende. Meretrizes são perfeitas para vampiros. Quem sentiria<br />

falta delas? Muitas nem possuem família! É fácil matar, sugar o sangue. Ninguém saberia<br />

quem foi o culpado.<br />

― Mas outras meretrizes sentiriam falta, não? Talvez a dona da casa também? Ou, então,<br />

o padeiro?<br />

― Padeiro?!<br />

― Elas comem pão, não comem?<br />

Ele estalou a língua em seu típico gesto de “você é uma idiota, Samantha”. Pisei no<br />

pé dele por isso. Com quem ele pensa que está lidando?<br />

― Sua pestinha.<br />

Esperei que ele me beliscasse (como sempre fazia), no entanto ele segurou meu punho<br />

e voltou a me conduzir pela rua.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 20<br />

Odeio ser arrastada dessa forma. Devo confessar que senti vontade de gritar por socorro<br />

e vê-lo apanhando de alguma boa alma que viesse em meu auxílio.<br />

Finalmente paramos de andar, e, novamente, ele me puxou para um lugar mais escuro<br />

(dessa forma acharei que ele está com intenções não tão puras). Apesar de que, como é<br />

obcecado por vampiros, seria muito mais fácil ele ter essas intenções com o tal Rudolf ―<br />

afinal, ele é o tal vampiro que Anthonny tanto procura.<br />

Senti o ar faltar quando Rudolf pulou para uma sacada. Eram quase cinco metros de<br />

altura. Nenhum humano normal conseguiria fazer algo semelhante.<br />

― Viu? ― perguntou Anthonny.<br />

Observei-o de soslaio. Aquele sorriso triunfante e o brilho nos olhos me intrigaram.<br />

Acho que fiquei bêbada com aquele cheiro na taberna.<br />

― É um vampiro!<br />

― Fale baixo.<br />

Ele arregalou os olhos e observou a casa que Rudolf entrara. Não, ele não nos ouvira.<br />

Felizmente, sou nova demais para morrer.<br />

― Como você descobriu sobre ele?<br />

― Investiguei algumas famílias tradicionais e nobres. Procurei qualquer envolvimento<br />

deles com alguma morte inexplicável.<br />

― E deu sorte?<br />

― Amo essa palavra. Sorte.<br />

― De quem é a casa?<br />

― De Philiph e Virginia Mcter; são recém-casados e o senhor Mcter está viajando a<br />

negócios.<br />

― Anthonny, se ele de fato é um vampiro, devíamos ir ajudar a mulher.<br />

― Sim, Samantha. Essa ação seria a mais plausível.<br />

― Então por que diabos você está ainda aqui, apenas observando? Agora aquele tal<br />

Rudolf deve estar sugando até a última gota de sangue daquela mulher.<br />

― Você está certa.<br />

Ele não se moveu e continuara a segurar o meu punho.<br />

― Então vamos?<br />

― Aonde, minha cara?<br />

― Anthonny, você me faz vir da Irlanda para a Inglaterra para me fazer ver um vampiro<br />

matar uma humana e não fazer nada para impedir?<br />

― O que você poderia fazer para impedi-lo? Esfregar o crucifixo em sua face?<br />

Devo admitir que ele esteja certo sobre eu não saber o que fazer. Não, aquela sensação<br />

de impotência estava me enlouquecendo.<br />

― Você trouxe estacas? Prata? Alho? Água benta?<br />

― Por que razão eu traria isso, Samantha?<br />

Olhei para ele, perplexa. Acredito que minha mente esteja me pregando uma peça.<br />

Ele realmente falara o que eu acho que ouvi?<br />

Não.<br />

Nego-me a acreditar que a ambição de Anthonny chegara ao ponto de ser uma devoção<br />

aos vampiros. Ele sempre quisera provar que essas criaturas existiam. Provar que seu<br />

pai não estava louco quando contou que sua esposa havia sido atacada por um vampiro.<br />

Mas... aquilo era infame.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 21<br />

Ser obstinado a provar que eles existiam era algo totalmente diferente de ser devoto à<br />

existência de um deles. Por Deus, ele tem todos os motivos do mundo para querer se tornar<br />

um caçador de vampiros, e agora ele está aqui, na minha frente, totalmente crente que<br />

há um vampiro atacando uma mulher naquela casa, e não faz um movimento sequer para<br />

salvar a mulher! Isso é tão... Faltam-me palavras para descrever.<br />

― Anthonny...<br />

Senti a luva dele sobre os meus lábios, impedindo-me de continuar a falar.<br />

Rudolf descia da sacada com leveza, como se o seu corpo não possuísse qualquer peso;<br />

senti Anthonny me puxando para o breu; precisei apertar meus olhos e forçar minha<br />

visão para conseguir distinguir Rudolf dos poucos homens que ainda estavam na rua.<br />

― Vamos segui-lo.<br />

Não houve tempo para que eu me queixasse. Anthonny voltou a me arrastar pelas<br />

ruas. Estava ficando cansada daquela puxação.<br />

Observei melhor Rudolf. Recordo-me das lendas dizendo que vampiros não possuem<br />

reflexo. Aonde tem um espelho quando se precisa de um?<br />

― Anthonny, para de me puxar dessa forma! ― briguei, quando ele levou-me até um<br />

local mais escuro ― outra vez ― e, novamente, ele tapou minha boca e apontou para uma<br />

taberna que suposto vampiro adentrava. ― Por Deus, Anthonny! O que diabos você está<br />

pretendendo com tudo isto? Ficar seguindo um homem... Por que não fez nada para ajudar<br />

aquela mulher?<br />

― Calma, Samantha.<br />

― Calma?!<br />

Respirei fundo; ele estava pedindo para apanhar.<br />

― Por que diabos não entrou na casa daquela mulher para salvá-la?<br />

― Eu não estava interessado em salvá-la.<br />

― Anthonny... não estou reconhecendo você.<br />

― Samantha... antes de se mudar para Irlanda, eu prometi que daria provas cabais<br />

acerca da existência de vampiros. Pois bem, minha cara, Rudolf é uma dessas provas.<br />

― Anthonny, não estou lhe entendendo.<br />

Ele sorriu, repousando as mãos sobre minha cintura e me trazendo ao encontro de<br />

seu corpo. Quis perguntar o que ele estava fazendo, mas o gesto de tirar as luvas me chamou<br />

a atenção. Por que ele estava tirando as luvas naquele momento?<br />

― Lembro que você possuía essa ambição de comprovar a existência de vampiros<br />

tanto quanto eu, Samantha.<br />

Havia algo na voz dele que fez minha mente gritar.<br />

Mandou-me correr.<br />

Minhas pernas não me obedeceram.<br />

― Anthonny?!<br />

Minha voz saiu falha.<br />

O que era aquele sentimento angustiante_<br />

― Sabe aqueles mitos que vampiros podem transformar humanos em vampiros?<br />

― Tenho uma vaga lembrança sobre essa parte dos mitos.<br />

― Gostaria de provar a existência dos vampiros se tornando uma deles?<br />

Minha mente pareceu parar de trabalhar.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 22<br />

Senti a mão dele em meu pescoço, afastando meu cabelo lentamente. Sua mão era fria,<br />

muito fria. O que era realmente estranho, se analisarmos que ele estava usando luvas até<br />

poucos segundos.<br />

― Os vampiros possuem um grande poder de hipnose.<br />

― Você...<br />

Estava difícil pensar; eu não queria acreditar no que a minha mente estava me falando.<br />

Não o Anthonny...<br />

Senti o seu nariz passar sobre a pele do meu pescoço.<br />

― Você...<br />

Certo, estou repetindo muito “você”, mas eu realmente estou completamente paralisada,<br />

sem saber como agir, o que falar...<br />

Quando ele me virou, segurando o meu rosto com suas mãos frias, me encolhi. Seus<br />

olhos estavam vermelhos, faiscando.<br />

― Quando, Anthonny?<br />

― Algumas semanas antes de lhe escrever.<br />

― Chamou-me aqui para...<br />

― Por ser alguém que estimei muito em minha vida. Proponho-lhe a se tornar uma<br />

imortal juntamente a mim, Samantha.<br />

― Por que eu deveria aceitar?<br />

― O poder não é tentador?<br />

― Passar a eternidade me alimentando de sangue de humanos...?<br />

― Não é tão ruim assim.<br />

― Anthonny, você está completamente louco.<br />

― Não. Finalmente estou lúcido.<br />

― Rudolf fora uma isca para me trazer para esse lugar mais afastado? Aquela é uma<br />

taberna de vampiros? ― Correto, minha cara. Você é digna de se tornar minha parceira. É<br />

incrivelmente inteligente.<br />

― Quer me tornar uma vampiresa?!<br />

― Reitero: você era mais esperta.<br />

Se eu possuísse os movimentos do meu corpo, com toda certeza teria dado um tapa<br />

na face daquele ordinário. Aquele sorriso estava me irritando ainda mais.<br />

― Vamos, Samantha... É muito poder para ser recusado.<br />

Admito, estava tentada a aceitar sua oferta. Todos os meus estudos antigos sobre<br />

vampiros me vieram à mente ao mesmo tempo. Eu teria toda a eternidade para adquirir<br />

mais conhecimento, veria a evolução humana, congelaria no tempo. Minha maior dúvida<br />

era se eu não me arrependeria com os anos.<br />

Pois bem... Eu me arrependi.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 23<br />

DEUS DEUS DA DA MORTE<br />

MORTE<br />

Tracy Anne Duarte<br />

Eu sou incapaz de gostar de algo que escrevo. Há quem goste, então deve haver algo de bom.<br />

Só não descobri ainda.<br />

Portanto, estou longe de me considerar uma boa escritora. E já que é assim, escrevo sobre o<br />

que gosto: mortes, sangue, torturas (sim, sou uma pessoa de valores deturpados). Como sei que<br />

há muita gente assim por aí, então vamos nos divertir lendo cenas em que pessoas morrem!<br />

Tracy


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 24<br />

Tudo estava tão silencioso que até mesmo o crepitar das chamas das velas me parecia<br />

alto em demasia. Sim, aquele era um momento tenso, mas eu não moveria um dedo para<br />

mudar a situação.<br />

Se havia algo que eu me negava a fazer, com certeza, era me obrigar a gostar dele.<br />

Eu apenas o observava, tentando achar algum defeito em sua figura. Buscava qualquer<br />

coisa que pudesse me ajudar em minha inclinação a não gostar daquele homem. Infelizmente,<br />

não havia nada em sua aparência que eu pudesse usar contra ele.<br />

Eu tinha vontade de me referir a ele como um homem comum. Mas, se o fizesse, seria<br />

mentira. O cabelo loiro envolvia o rosto pálido como uma aura luminosa, o nariz reto e<br />

romano dava-lhe um ar aristocrático, enquanto as sobrancelhas angulosas deixavam sua<br />

expressão quase divertida. Seus olhos dourados me observavam com clara curiosidade ―<br />

ao que parecia, ele também me considerava um inimigo. Sim, com certeza eu era seu adversário,<br />

além de ser o irmão de sua esposa.<br />

Cansado daquele jogo de reconhecimento, olhei para ela. Elize, minha irmã, tão formosa<br />

em seu vestido bege de linho caro. Os cabelos loiro-acinzentados caindo em ondas<br />

até a cintura, os olhos dourados ― estranhamente muito parecidos com os do marido,<br />

Cassius ― me encarando com inocente vivacidade.<br />

― Alain... ― ela me chamou, erguendo uma sobrancelha, pedindo uma silenciosa<br />

explicação sobre algo que eu não entendia.<br />

― Elize... ― repliquei, cruzando os braços.<br />

Eu estava enfurecido. O que ela tinha na cabeça para viajar de Siena até Paris, justamente<br />

quando a França ficara em polvorosa com as atitudes de Napoleão?<br />

― Acho que é você quem me deve explicações. Incluindo o fato de ter se casado sem<br />

minha aprovação ― meus olhos o procuraram, eu queria mostrar o quanto sua presença<br />

me irritava.<br />

Ele sorriu ironicamente, deixando bem claro que minha opinião não o afetaria.<br />

Elize riu com ar maroto e Cassius se afastou de nós para observar os títulos dos livros<br />

que estavam dispostos na estante ao lado da lareira.<br />

― Você perdeu esse direito quando deixou Siena, Alain ― ela se aproximou de mim<br />

e me abraçou.<br />

Minha irritação cedeu um pouco perante tal gesto de carinho. A verdade é que, no<br />

fundo, eu estava feliz por vê-la.<br />

Dei um suspiro resignado e a afastei de meus braços.<br />

― O que diabos você está fazendo aqui? ― perguntei quase exasperado, observando<br />

com o canto dos olhos seu marido tirar um livro da estante.<br />

― O que você queria que eu fizesse? Você me manda uma carta dizendo “Olá, minha<br />

querida irmã. Vou virar o deus da morte. Adeus” e imaginava que eu ficaria parada em<br />

Siena sem procurar saber que idiotice era aquela da qual você estava falando?<br />

A pequena boca rosada ficou entreaberta ao final do discurso. Era difícil acreditar<br />

que uma criatura tão pequena e bela como ela poderia exprimir sua opinião de forma tão<br />

decidida.<br />

― Minha carta não era assim ― resmunguei, voltando para trás da minha mesa de<br />

mogno trabalhado.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 25<br />

Era bom dar uma distância razoável entre mim e ela – ainda mais agora que eu havia<br />

percebido que ela só lera o que a interessava para me criticar depois.<br />

― Realmente, sua carta não estava escrita em tais termos. O que é uma infelicidade,<br />

pois, se estivesse, eu simplesmente riria como se ela fosse uma piada.<br />

Sim, eu sabia que ela faria isso. Deuses era uma piada até mesmo entre nós, os magos.<br />

Mas eu tinha fé de que ela acreditasse em mim. Ela, na verdade, era a única criatura<br />

que poderia fazê-lo. Pois nós dois havíamos crescido ouvindo a lenda de Larcel enquanto<br />

aprendíamos os princípios de magia com nosso pai.<br />

― Não é uma piada. Eu finalmente consegui concluir a pesquisa que eu precisava<br />

para vencer Larcel e tomar seu lugar como Deus da Morte.<br />

Ela deu uma rápida risada estupefata.<br />

― Você só pode estar brincando!<br />

― Não estou.<br />

Ela abriu a boca para falar algo, mas voltou a fechá-la, como se não tivesse certeza do<br />

que dizer.<br />

Elize respirou fundo algumas vezes, para depois começar a me repreender:<br />

― A história de Larcel é somente uma lenda, Alain. Pensei que você soubesse disso.<br />

Não existem deuses, muito menos mortais que possam tomar seu lugar. Papai nos contava<br />

isso para que nos empenhássemos no estudo da magia.<br />

Ela falava tão calmamente que me senti inclinado a acreditar em suas palavras. Mas<br />

eu não poderia fazer isso, não depois de passar toda a minha vida estudando para me<br />

transformar no Deus da Morte. Não depois de sonhar em ser Larcel.<br />

― É real, Elize ― eu não sabia se eu estava tentando convencer a ela ou a mim mesmo.<br />

― Eu sei que é real. Se fosse só uma história, por que papai diria que Larcel era nosso<br />

ancestral? Que nossa família era descendente do Deus da Morte?<br />

Ela riu.<br />

― Eu não entendo, Alain. Por que você se apega a essa lenda? Eu nem mesmo entendo<br />

por que você quer virar um Deus da Morte ― a ironia dela fez com que eu me irritasse<br />

novamente. Não era concebível para mim que minha irmã oito anos mais jovem me repreendesse<br />

na frente de seu marido.<br />

― Eu sei o que estou fazendo, Elize ― minha voz soou cortante, mas não pareceu<br />

abalá-la.<br />

― Certo. Imagino que sim. E o que você irá fazer para vencer Larcel? Como irá fazer<br />

para encontrá-lo? Você por acaso tem algum plano?!<br />

― Elize... ― resmunguei, demonstrando irritação, suplicando nas entrelinhas que ela<br />

parasse de me sabatinar daquela forma.<br />

― Vamos considerar, hipoteticamente, que tudo isso possa ser real. Por que você desejaria<br />

ser Larcel?<br />

Para minha infelicidade, eu não tinha a resposta.<br />

― Eu sei que papai sempre quis que você fosse o melhor. E que você encontrou, na<br />

figura de Larcel, a possibilidade de orgulhá-lo; mas isso, Alain, acabou se tornando uma<br />

tola obsessão infantil sem motivos. Você não vê?<br />

― Não é uma tola obsessão, Elize. O que há de errado em querer poder? ― minhas<br />

palavras saíram quase em um sussurro, como se eu não tivesse plena certeza do que dizia.<br />

― E você se orgulha de falar isso?<br />

Ergui os olhos para fitá-la.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 26<br />

― Sim. Não vejo nenhum problema no fato de ser ambicioso. Não tenho nenhum<br />

impedimento moral quanto a isso.<br />

Ela emitiu um som de escárnio.<br />

― Nem sempre ambição é o suficiente, Alain.<br />

Eu a encarei com irritação, mas ela não hesitou por causa de meu olhar. Pelo contrário:<br />

devolvia na mesma moeda, com um ar quase ameaçador.<br />

Ela olhou para o marido, de repente, e eu segui seu olhar. Cassius parecia muito entretido<br />

na leitura de um livro de magia que eu havia adquirido havia pouco tempo.<br />

― The Black Pullet não é um livro muito confiável. E a leitura em francês não deve ser<br />

muito fácil para um italiano. Devo ter uma tradução para o latim em algum lugar – minhas<br />

palavras não o enganaram, ele sabia que eu estava troçando dele.<br />

― Não se preocupe. A língua francesa em nada me incomoda. E eu prefiro ler na língua<br />

original ― ele disse, sem tirar os olhos do livro. ― Afinal, um estudioso como você<br />

deve saber que a tradução às vezes distorce algumas ideias.<br />

Eu dei um sorriso frio. Aquele jogo parecia empatado.<br />

― Tenho certeza que sim.<br />

Elize estava cônscia de nossa rivalidade, e riu baixinho. Olhei para ela e notei que<br />

minha irritação se esvaía novamente. Elize tinha essa maldita qualidade de acalmar os ânimos.<br />

Resolvi, por ora, parar com aquilo tudo:<br />

― Acho melhor vocês se instalarem. Pedirei a uma criada que os leve até um quarto.<br />

― Obrigado ― Cassius disse, colocando o livro de novo na estante.<br />

― Elize ― chamei. ― Sobre os planos para vencer Larcel, procure-me mais tarde.<br />

Cassius me olhou. Ele sabia o que eu queria dizer com aquelas palavras: eu não o<br />

queria por perto enquanto estivesse falando com ela.<br />

Ela me encarou por alguns instantes, ponderando, e, por fim, acenou afirmativamente.<br />

Sentei-me na cadeira, observando os dois saírem do gabinete. Antes que eles chegassem<br />

à porta, pude ouvir o comentário de Cassius:<br />

― Seu irmão é bonitão, deveria tê-lo conhecido antes de ter decidido me casar com<br />

você.<br />

Elize riu, enquanto se apoiava no braço dele.<br />

― Às vezes você me assusta com esses comentários.<br />

Antes de fechar a porta, Cassius lançou um último olhar para mim. Um olhar que<br />

não era nem de longe apaziguador. Ele me ameaçava.<br />

ω<br />

Na necromancia convencional, um mago age através dos corpos em boa conservação para invocar espíritos<br />

e usar seus conhecimentos para adivinhação. Esse método requer grande poder do invocador e também<br />

do espírito invocado.<br />

ω<br />

A porta do quarto se abriu vagarosamente, e o barulho das dobradiças chamou minha<br />

atenção.<br />

Elize acenou do vão e entrou, fechando a porta atrás de si com cuidado.<br />

Vê-la usando um robe diáfano sobre a camisola branca não fez bem ao meu estado de<br />

espírito. Imaginar que o tal Cassius a veria daquela forma fez meu sangue ferver.<br />

Respirei fundo para me acalmar e fechei o livro que tinha nas mãos.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 27<br />

Elize olhou em volta com curiosidade; parecia estranhar a simplicidade do quarto e a<br />

grande quantidade de livros e pergaminhos que estavam em cima de uma mesa.<br />

― Você demorou ― comentei, colocando o livro cuidadosamente no criado-mudo.<br />

― Eu estava me decidindo se valeria à pena vir aqui para ouvir você falar mais bobagens<br />

sobre Larcel, o mago poderoso que tomou o lugar do deus Plutão ― a ironia dela foi acompanhada<br />

por um giro de escárnio de seus olhos.<br />

― Antes disso, temos que conversar sobre algo ― a mudança de assunto pareceu<br />

surpreendê-la, e ela esperou pacientemente que eu continuasse ―, você só tem dezenove<br />

anos, Elize. Você é muito nova para estar casada.<br />

Ela sentou-se na beirada da cama, um sorriso divertido brincando nos lábios.<br />

― Você falaria isso mesmo que eu tivesse oitenta anos.<br />

Decidi não responder ao gracejo dela. Afinal, talvez ela estivesse certa.<br />

― Mesmo assim ― desconversei ―, eu queria ter aprovado o homem que você escolheu<br />

como marido.<br />

― Isso seria impossível. Afinal, você foi embora de Siena muito antes de eu resolver<br />

me casar com Cassius ― mais uma vez ela me acusava nas entrelinhas com suas palavras.<br />

E aquilo me fez sentir como se uma mão gelada apertasse meu coração. Eu ignoraria a acusação<br />

de quem quer que fosse, menos dela.<br />

― Eu não podia ficar em Siena, Elize. Você sabe muito bem que eu seria acusado pela<br />

Igreja se continuasse estudando necromancia na Itália. Sem falar que a maioria dos magos<br />

dessa área está aqui em Paris.<br />

Alguma coisa que eu falara a fez ficar pálida. E isso me preocupou.<br />

― Você continua estudando necromancia?! ― ela falou vagarosamente, mais para si<br />

mesma do que para mim.<br />

― Continuo. O que você achava que eu fazia aqui? ― eu ri de forma divertida. ― Eu<br />

andei estudando todos os tipos de necromancia conhecidas. Da necromancia zulu à indígena<br />

americana. Aprendi coisas que esses magos daqui nunca poderão compreender. Eu<br />

descobri, através de um papiro egípcio, como invocar espíritos através de restos mortais<br />

antigos, acredita? É incrível! É algo que está muito além da necromancia europeia.<br />

― Isso é errado, Alain ― ela arfou, interrompendo-me.<br />

― O quê?<br />

Ela parecia atormentada, e alisava as saias brancas com insistente determinação, como<br />

se elas pudessem ajudá-la a esquecer o que a afligia.<br />

― A necromancia é errada.<br />

― Vai me dizer que agora está acreditando nessas besteiras que as pessoas estão...<br />

Ela me interrompeu novamente:<br />

― Você acha certo forçar espíritos a voltarem para cá e serem atormentados pelas<br />

lembranças que demoram tanto para sumir? ― Ela falava de forma rápida, quase desesperada.<br />

― Eles acabam... desejando voltar. Por que você acha que eles nos dizem sobre o futuro?<br />

É somente para poderem ficar mais alguns momentos que fossem no mundo dos vivos.<br />

Não é certo fazer isso, Alain.<br />

Eu permaneci calado por alguns instantes. Aquela torrente de informações ― mesmo<br />

que não fizessem muito sentido – havia me deixado desnorteado.<br />

― Eu... não entendo. Como você descobriu isso? ― perguntei, ainda confuso.<br />

Ela hesitou em me dar uma resposta por alguns segundos. Depois sussurrou:<br />

― Através da necromancia.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 28<br />

Aquela frase tirou-me do torpor. Fazendo com que eu quase sentisse nojo de minha<br />

adorada Elize.<br />

― Não é irônico, minha irmã? ― o tom que eu usava era mais que sarcástico, era impessoal.<br />

― Existe um nome que define isso: hipocrisia.<br />

― Não se atreva, Alain. O que estou falando é o que sei que é verdade.<br />

O rosto dela estava desfigurado pela cólera. Naquele momento, ela me odiava.<br />

― Então como você ousa a troçar de mim e de minha crença no deus Larcel?<br />

― Por que isso é impossível.<br />

Completamente irado, levantei-me da cama e a puxei pelo braço. Aproximando-me<br />

da mesa com ela gritando impropérios atrás de mim.<br />

― É impossível?! ― exclamei, pegando um papiro e estirando no tampo da mesa. ―<br />

Houve mais Deuses da Morte na história do que qualquer outro deus de mitologia. Hades,<br />

Cizin, Itonde, Ereshkigal, Kala e tantos outros. E você acha que é a primeira vez que há<br />

uma substituição de um deus? No Egito antigo, o deus Osíris tomou o lugar do deus Andjeti.<br />

E advinha só: ele era Deus da Morte.<br />

― Isso é mitologia, Alain. Larcel nem mesmo aparece na mitologia romana. E lembre-se<br />

que na lenda foi Plutão, ou Hades, não me importa, quem o indicou para substituílo.<br />

Deveria haver alguma lenda sobre ele, você não acha?<br />

― Não naquela época. Ser um deus no tempo da queda da mitologia era pedir para<br />

ser caçado ― repliquei.<br />

― Larcel era humano.<br />

― Larcel era poderoso. E nós não sabemos qual é a verdadeira natureza dos deuses.<br />

Talvez eles não sejam mais do que humanos com muito poder ― comentei, abrindo livros<br />

a procura de trechos que pudessem embasar meus argumentos.<br />

― Que eu saiba, deuses são imortais. Isso não me parece uma característica de um<br />

humano – ela voltara com sua mortificante ironia, e tive vontade de esganá-la.<br />

― Já disse: nós não conhecemos os pormenores da divindade.<br />

― Exatamente por isso que digo que você está louco. Não entendo por que você insiste<br />

nessa idéia idiota ― ela fechou o livro que estava em minhas mãos, tocando meus<br />

dedos numa súplica silenciosa.<br />

― Elize... ― balancei a cabeça de um lado para o outro com um suspiro cansado.<br />

― Como você irá achar esse Deus da Morte?<br />

― Através da necromancia.<br />

Ela riu zombeteiramente.<br />

― E como vai vencê-lo?<br />

― Através da necromancia que aprendi com os anos de estudo.<br />

Ela me encarou. Estava estupefata com minhas respostas.<br />

― Você é um tolo! Só consigo chegar a essa conclusão ― ela exclamou, afastando-se<br />

de mim com um safanão.<br />

― Se sou um tolo e estou errado, então você não tem nada a temer ― falei.<br />

Estava realmente cansado daquela discussão. Ela nunca conseguiria fazer com que eu<br />

desistisse daquilo que eu queria. A verdade era que eu amava minha ambição muito mais<br />

do que a ela.<br />

Olhei para ela, estranhando seu silêncio. O olhar complacente dela fez com que eu<br />

me irritasse novamente. Quem ela pensava que era para ter pena de mim?


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 29<br />

Ela suspirou em rendição e levou a mão ao pescoço, tirando o colar que usava: uma<br />

corrente prateada com um pingente de pedra avermelhada.<br />

Ela hesitou por alguns momentos e estendeu o colar para mim.<br />

― Pedra Cornalina? ― ironizei. ― Você acha mesmo que um amuleto irá me proteger<br />

do Deus da Morte?<br />

Ela fechou o cordão em volta de meu pescoço.<br />

― Não, meu irmão. Só peço que o amuleto o proteja de você mesmo! ― e saiu do<br />

quarto sem mais uma palavra.<br />

Ela havia desistido de mim.<br />

ω<br />

Aquele era o melhor lugar para pôr meu plano a cabo ― as catacumbas de Paris. Era<br />

até estranho saber que embaixo daquela cidade, nos túneis que séculos atrás eram usados<br />

para a exploração das pedreiras, havia algo tão sombrio quanto criptas com os ossos de<br />

milhões de pessoas (ossos esses que estavam dispostos pelas paredes dos corredores de<br />

forma macabramente artística). Os que eram longos e mais regulares formavam uma parte<br />

da parede adornada por crânios, e, por trás dessa muralha, os ossos menores e com menos<br />

constância de forma. Aquele lugar provava que os humanos, mesmo que não admitissem,<br />

viam beleza na morte.<br />

Os túneis, somente por sua finalidade, já eram assustadores. A luminária a óleo, que<br />

eu carregava em uma das mãos, clareava alguns metros à frente e atrás. Além daquele pequeno<br />

pedaço visível, só havia escuridão. O que me dava a claustrofóbica impressão de<br />

que eu estava em perigo.<br />

Respirei vagarosamente, numa tentativa de me acalmar. Coloquei a luminária no<br />

chão e estendi um pedaço de pano branco que eu carregava. No tecido, eu havia desenhado<br />

um diagrama contendo ideias de quase todas as teorias que eu já havia pesquisado. Eu<br />

iria testar uma magia que invocaria muitos espíritos ao mesmo tempo, usando partes de<br />

corpos ― os ossos ― antigos demais para serem usados na necromancia tradicional.<br />

Eu tinha fé de que daria certo, pois usaria os mesmos princípios de combinação dos<br />

antigos para criar todas as magias existentes.<br />

Sim, daria certo. Tinha que dar certo.<br />

Eu tinha certeza de que, dentre os milhares de espíritos que eu invocaria, haveria um<br />

que me diria a localização do Deus da Morte Larcel. E, com isso, eu estaria um passo mais<br />

perto de vencê-lo. Teria o controle que ele nunca possuíra.<br />

Estendi as mãos ao lado do tecido branco e respirei fundo, mais uma vez. Senti um<br />

frio na barriga típico de meu nervoso estado de espírito.<br />

Meus lábios se estenderam em um sorriso ansioso: depois de tantos anos estudando e<br />

me preparando, finalmente havia chegado o dia em que eu venceria Larcel.<br />

Comecei a recitar as palavras em egípcio antigo que iniciariam o ritual de invocação.<br />

Nada aconteceu nos primeiros momentos, mas eu era um necromante experiente, sabia<br />

que as coisas podiam ser mais demoradas do que era desejado. Enquanto isso, forçava<br />

a minha mente para recordar as palavras com exatidão: não queria cometer um erro que<br />

fosse - qualquer deslize poderia comprometer o desempenho da magia.<br />

As palavras quase se perderam em minha mente quando senti uma pressão gigantesca<br />

sendo exercida sobre meu corpo. Era como se uma mão enorme estivesse tentando me<br />

esmagar. Continuei a invocação sem hesitar, falando as palavras que fiquei decorando por<br />

meses.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 30<br />

A minha respiração ficou acelerada, como se eu tivesse corrido por quilômetros sem<br />

descanso. Minha testa estava molhada de suor, que escorria e pingava do meu queixo.<br />

Meu corpo estava reagindo de uma forma totalmente estranha à magia. Nas invocações<br />

normais, eu nunca havia sentido um poder tão latente como aquele.<br />

Fechei os olhos por alguns momentos antes de continuar. Minha cabeça latejava de<br />

dor.<br />

E eu soube o momento exato em que os espíritos estavam surgindo quando senti<br />

meu corpo inteiro se arrepiar. A sensação mais vitoriosa que tive em toda a minha vida.<br />

Eu havia conseguido!<br />

Sim, eu estava certo. Soltei uma risada quase gutural, enquanto sentia tudo à minha<br />

volta se tornar angustiantemente frio. Os túneis estavam inundados pelo sentimento de<br />

desespero. Eu só não sabia se era meu ou dos espíritos que agora me faziam companhia.<br />

Apoiei-me no chão com as mãos, enquanto meu corpo tremia. Minha risada ainda<br />

ecoava em meus ouvidos. A imagem de Elize, estranhamente, surgindo por relances em<br />

minha mente. Eu adoraria mostrar para ela o quanto estava errada.<br />

Eu estava tão absorto em meu orgulho que não notei quando a atmosfera mudou<br />

bruscamente, dissipando rapidamente a sensação de agonia. Agora, só havia a calmaria<br />

típica – e assustadora.<br />

Não notava mais a presença dos espíritos, agora só havia eu... e alguém.<br />

― Um dia eu deixarei de abrir os portões. Quem sabe assim, vocês, necromantes, notam<br />

o tamanho da burrice que fazem ― a voz dura soou atrás de mim, congelando-me.<br />

Meus olhos arregalados em choque, as mãos suando.<br />

Era ele.<br />

O silêncio mortificante foi quebrado pelo som dos passos lentos e torturantes dele reverberando<br />

em meu corpo petrificado. Ele se aproximava.<br />

― Larcel... ― sussurrei, sentindo minha voz falhar, odiando-me por não conseguir<br />

me mover.<br />

Ele parou exatamente à minha frente, acocorando-se para dobrar o tecido branco em<br />

que o diagrama estava desenhado.<br />

Não consegui erguer os olhos, fiquei observando as mãos pálidas estendendo o pano<br />

para mim.<br />

Ergui minha mão com lentidão e segurei o tecido frouxamente. Eu implorava a mim<br />

mesmo, para que meu corpo reagisse de qualquer forma que fosse.<br />

A mão macilenta tocou minha face suada.<br />

― Era assim que você queria me vencer, Alain? ― a voz grave era calma, mas, certamente,<br />

me irritou. ― Você só tinha esse poder para me mostrar?<br />

Eu sentia uma inexplicável vontade de socá-lo. Em meu peito queimava uma raiva<br />

muito mais intensa do que aquela simples frase arrogante conseguiria causar a outrem.<br />

Esse novo sentimento reiterou minhas forças. Finalmente eu entendia que ódio era<br />

aquele que eu sentia. Não acreditei por um momento, mas se havia algo que eu havia aprendido<br />

durante todos aqueles anos, era que eu deveria confiar em meus instintos.<br />

Ergui a vista. Mas eu já sabia quem ele era antes mesmo de encarar seus olhos dourados.<br />

― Cassius... ― rosnei, minha mão se fechando em punho.<br />

Eu sentia minha cabeça doer de tanta raiva e frustração.<br />

Ele se levantou, o sorriso divertido estampado na face.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 31<br />

Eu não conseguia acreditar no que via. Não conseguia crer que Cassius havia me seguido<br />

até as catacumbas.<br />

Ergui-me com dificuldade, o corpo ainda enfraquecido por causa da magia. O que,<br />

talvez, foi uma coisa boa. Pois, se eu conseguisse me movimentar normalmente, esmurraria<br />

aquele rosto lívido.<br />

Só me vinha uma explicação para ele estar ali. E eu não conseguia acreditar que Elize<br />

pedira para o marido se intrometer em meus planos. Eu não conseguiria perdoá-la por ter<br />

feito algo como aquilo.<br />

― Vá embora, Cassius. E reze para que eu nunca mais o veja na vida! ― minha voz<br />

soou tão embargada de ódio que pareceu nocivo até mesmo para mim, que não me importava<br />

com sentimentos negativos.<br />

Cassius riu enquanto se aproximava da parede de ossos, observando curiosamente a<br />

forma como eles haviam sido dispostos.<br />

― Por favor, já que estamos em um momento tão formal, me chame de Larcel ― ele<br />

retrucou, esticando a mão para tocar um dos crânios.<br />

As palavras dele demoraram alguns segundos para fazer sentido em minha mente. E<br />

aquilo me pareceu tão absurdo que não conjecturei nem por um segundo que fosse verdade.<br />

― Por favor... ― reclamei, um sorriso zombeteiro formando-se em minha boca. ―<br />

Você não acha mesmo que vou acreditar nisso, não é?<br />

― Que cruel. Pensei que você seria o único que acreditaria ― ele suspirou, afetadamente.<br />

― É tão ruim ser um deus nessa época. Plutão era quem sabia o que era bom, com<br />

todas aquelas virgens e sacrifícios.<br />

― Eu mataria você, se tivesse forças ― grunhi, fechando os olhos por causa da súbita<br />

ânsia de vômito que me acometeu.<br />

― Mas você não tem.<br />

Abri os olhos para encará-lo.<br />

― Acho melhor você ir embora, Cassius ― sussurrei.<br />

Os olhos dele me procuraram, e desceram até o diagrama que eu apertava entre minhas<br />

mãos.<br />

― E acho melhor que essa magia que você tem em mãos nunca mais seja usada novamente<br />

― a expressão dele se tornou séria, e o tecido começou a esquentar gradativamente<br />

contra minha pele. Em questão de segundos eu não conseguia mais segurá-lo e o<br />

soltei. Estupefato, vi o pano pegar fogo enquanto caía.<br />

― O quê?! ― exclamei, completamente horrorizado, afastando-me em um pulo das<br />

cinzas que se amontoavam no chão.<br />

― Sei que você mantém uma cópia do diagrama em sua casa. Mas não se preocupe,<br />

eu tratarei de queimá-la também. Eu não irei tolerar que essas coisas monstruosas atrapalhem<br />

ainda mais o equilíbrio que tenho lutado por séculos para manter ― a voz dele estava<br />

dura, fria. Fazia com que arrepios subissem pela pele do meu braço.<br />

Curiosamente, minha ira foi subjugada pelo medo. Algo em minha mente me avisava<br />

de que eu deveria fugir dali o mais rápido que pudesse, que eu estava correndo sério perigo.<br />

E foi quando entendi: Cassius era a ameaça.<br />

Eu não conseguia acreditar, mas minha mente teimava em mostrar a verdade para<br />

que eu pudesse fugir. Cassius realmente era Larcel. A minha frente estava o Deus que eu<br />

admirei por toda a vida.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 32<br />

Arfei ruidosamente, enquanto dava alguns passos para longe dele.<br />

― Ah! – ele sorriu. ― Agora está acreditando que sou Larcel? Foi tão fácil convencêlo,<br />

Alain. Estou decepcionado.<br />

― Não pode ser possível! ― exclamei. ― Como... como você pode ser... Você é o... ―<br />

um pensamento desesperado surgiu em minha mente: Elize também estava em perigo. ―<br />

Elize!<br />

Meu peito se apertou em dor. Meus pulmões pareciam queimar como se respirar já<br />

não fosse tão fácil. E ele sorriu.<br />

― Você está brincando com minha irmã?! Não se atreva a tocar nela, seu desgraçado!<br />

― o medo de perdê-la foi maior o medo que eu sentia dele, tornando meus pensamentos<br />

incoerentes, desesperados.<br />

― Brincar? Ao contrário do que sua limitada mente imagina, Alain, a imortalidade<br />

não nos ensina a brincar com tudo. Na verdade, nos mostra que as coisas são mais sérias<br />

do que parecem.<br />

― O que... você quer dizer com isso? ― perguntei, completamente confuso e aterrorizado.<br />

Ele suspirou e se aproximou de mim. Senti meu corpo inteiro enregelar de terror ― e<br />

me odiava por saber que meu corpo me traía em um momento tão crucial.<br />

― Você estava certo o tempo todo, Alain. A imortalidade não restitui o poder. Com o<br />

passar do tempo, até os deuses não conseguem mais executar suas funções. Por isso temos<br />

que achar substitutos para continuar o trabalho que acontece há milênios. Infelizmente, os<br />

Deuses da Morte são os deuses que chegam ao limite mais rápido, já que sempre há necromantes<br />

imbecis que nos forçam a abrir os portões sem motivo.<br />

Ele me observava com atenção. Parecia estar interessado em minha reação. E estava<br />

se referindo abertamente a mim.<br />

― O que minha irmã tem a ver com isso? ― minha respiração estava tão difícil que<br />

tive que me esforçar para as palavras saírem com fluência.<br />

― Eu sempre cuidei de minha família, Alain. Mesmo que vocês teimassem em usar<br />

essa maldita arte da necromancia ― ele ergueu a sobrancelha, em deboche. ― Eu sempre<br />

estive observando vocês. Acontece que Elize me surpreendeu quando notou o erro que<br />

cometia ao ser uma necromante. Tal capacidade e preocupação me tocaram.<br />

― Pare de baboseiras! ― gritei, completamente nervoso e apreensivo.<br />

Eu não suportava a ideia de que minha irmã estava sendo enganada por Larcel.<br />

Ele me lançou um olhar recriminador.<br />

― Eu escolhi a Elize para me suceder como Deus da Morte.<br />

As palavras dele me acertaram como se fossem um murro, o ar saindo de meus pulmões<br />

em uma lufada rápida.<br />

― Co... como?! ― gaguejei.<br />

― Sua irmã tem o poder para me suceder. Foi ela quem eu escolhi para receber a imortalidade<br />

― ele parecia sério em suas palavras, mas nada diminuiria minha surpresa.<br />

Eu não conseguia acreditar: Elize era a escolhida pelo deus Larcel para substituí-lo.<br />

― Todo esse tempo... eu estive treinando para isso. E, na verdade, minha irmã conseguiu<br />

o que eu queria sem nem mesmo ter consciência de tal fato? ― eu olhei em volta,<br />

desamparado. ― Tudo o que fiz foi em vão?<br />

Ele deu de ombros, elegantemente.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 33<br />

― Ainda não dei a imortalidade a ela, Alain. Se você puder me convencer a mudar<br />

de decisão... ― ele falava devagar, como se quisesse que eu entendesse sua fala por partes.<br />

― Está querendo que eu lute com você?<br />

Cassius riu alto.<br />

― Lutar? Não, não. Acho impossível que você me vença. Mas, pense pelo lado bom,<br />

para virar um Deus da Morte não é a mim que você tem que vencer.<br />

― O quê?!<br />

― Você achava mesmo que conseguiria o que queria somente me vencendo? ― ele<br />

riu novamente. ― Não, meu caro, não é assim tão simples. ― Ele se encostou à parede de<br />

ossos tranquilamente, como se não houvesse nada de estranho ali. ― Você tem que vencer<br />

a morte.<br />

Franzi o sobrolho, completamente confuso. O que ele queria dizer com vencer a morte?<br />

Nem pude meditar sobre o que ele falara, pois senti uma dor terrível na base do estômago.<br />

Uma sensação parecida com náuseas, só que muito, muito pior.<br />

Meus joelhos cederam, e eu caí no chão, apoiando-me nas mãos para tentar me levantar<br />

novamente. Senti algo escorrer pelo canto de minha boca. E só notei o que era quando<br />

vi a poça de sangue se formando abaixo de mim.<br />

Pus as mãos na frente da boca, que prontamente cuspiu sangue nelas.<br />

― Ah, como demorou em começar. Acho que foi por causa do amuleto que você está<br />

usando no pescoço. Acredito que tenha sido Elize quem o deu.<br />

Ergui os olhos desesperadamente para ele, que me observava friamente.<br />

― Foi... você?<br />

― Não, Alain. Foi você.<br />

Meus braços não aguentaram e caí em cima de meu próprio sangue, puxando o ar sofregamente.<br />

― Sabe, você acha mesmo que essas magias que vocês fazem são fortes o suficiente<br />

para invocar um espírito do plano deles para este?!<br />

Minha vista estava completamente embaçada. Mas ainda conseguia ouvir a voz acusadora<br />

e sarcástica dele. Mesmo que eu tivesse que me esforçar muito para entender.<br />

― Cada vez que vocês fazem uma invocação, minha magia, automaticamente, abre<br />

os portões para a passagem do espírito. Do contrário, o necromante morreria só por tentar<br />

fazer o feitiço. Acontece que a minha magia não reconheceu os conceitos do diagrama que<br />

você usou em sua invocação. E, por isso, os portões não foram abertos por mim... Foram<br />

abertos por você.<br />

Eu senti que ele iria embora depois de tal discurso. No entanto, ele continuou:<br />

― Sua força vital não suportou o estresse, Alain... Eu sinto muito, você nunca seria<br />

capaz de me substituir com esse poder simplório.<br />

Eu estava morrendo. Finalmente eu entendi com exatidão o que estava acontecendo.<br />

Meu corpo não aguentava mais ficar vivo. Mas eu não queria morrer, e lutava desesperadamente<br />

contra o inevitável.<br />

A imagem de Elize apareceu mais uma vez em minha mente, como um fantasma que<br />

me acolhia no fim. Eu não sabia ao certo se me arrependia do que havia feito, mas tinha<br />

certeza que não gostava nenhum pouco de admitir que ela estava certa.<br />

Meu coração batia rápido dentro do peito, uma última e desesperada tentativa de se<br />

manter vivo. Mas eu já havia perdido as esperanças, já não ansiava lutar pela minha existência.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 34<br />

Lentamente, fui parando de sentir minhas mãos e pés, enquanto meu peito ardia como<br />

fogo. Estava acabando. E era horrível.<br />

Ao final, pensei em como, ironicamente, as criptas pareciam o lugar perfeito para<br />

minha morte. Eu findaria como os milhões que estavam ali. E não me importava... Parecia<br />

certo.<br />

Antes que minha vida finalmente se esvaísse, pude ouvir as últimas palavras de Cassius,<br />

não mais que uma voz ao longe:<br />

― Você deveria ter ouvido sua irmã, Alain... Nem sempre ambição é o suficiente.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 35<br />

A Ilha das Ambições<br />

Isaac Guedes<br />

Isaac Guedes, esse deve ser eu ou precisamente alguém parecido. (Brincadeira...)<br />

Nasci em 1989; escrevo desde meus oito anos, quando descobri a importância das palavras em<br />

minha vida; gosto de escrever sobre tudo, entretanto prefiro falar de amor, um amor impossível,<br />

irreal, improvável, inaceitável, inacreditável, idealizado, e tudo mais...<br />

Conquanto por que escrevo?<br />

Certamente para fugir de uma vida real e entrar em um mundo em que posso tudo; escrevo por-<br />

que sou um sonhador e tenho um desejo imprescindível, o qual infelizmente eu não poderei dizê-<br />

lo, pelo fato de não querer, mas em breve você descobrirá; isso é caso o queiras descobrir...<br />

Bom, espero que me compreenda se caso for possível, às vezes me acho um maluco, não pelo o<br />

que sou e sim pelo que escrevo.<br />

Quer saber? Deixa para lá vamos ao conto.<br />

Havia um mago muito rico, cuja riqueza era incalculável. Sem nenhum herdeiro, ele<br />

pensava no que faria com toda sua fortuna, já que não conhecia ninguém que fosse digno<br />

de herdá-la.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 36<br />

Depois de muito tempo procurando por alguém para ser seu herdeiro, não tendo encontrado,<br />

teve uma idéia interessante: numa ilha distante escondeu toda sua riqueza; foram<br />

feitos os mapas indicando o lugar exato de toda a sua fortuna e distribuído para pessoas<br />

de todo o mundo.<br />

Muitas pessoas se apressaram em procurar pelo tesouro, no entanto ao chegarem à<br />

ilha percebiam algo diferente; tratava-se de uma ilha encantada; sua entrada era guardada<br />

por dois guardiões.<br />

Todos poderiam entrar na ilha, porém ela trazia muitos perigos. Todas as pessoas<br />

que entravam lá não conseguiam retornar.<br />

Avisados pelos guardiões da ilha, homens encapuzados, altos, robustos e portando<br />

escudos e lanças, sobre os encantos, muitos acabaram desistindo de procurar pelo tesouro<br />

e voltavam para casa.<br />

Restaram apenas sete pessoas, entre aventureiros e pessoas que ambicionavam a riqueza<br />

do rei. Todas estavam cientes de que talvez nunca mais retornassem para suas casas,<br />

porém o sonho de se tornarem ricas era mais alto, valeria correr o risco.<br />

Quando os sete jovens entraram na ilha acabaram se perdendo um do outro. Primeiro<br />

veio um clarão, como se o sol engolisse a Terra completamente.<br />

A ilha era realmente encantadora! Havia árvores gigantescas, pássaros, animais diversos,<br />

flores belíssimas, ventos impetuosos que causavam redemoinhos devastadores,<br />

cores vivas e difíceis de serem numeradas!<br />

Alec, um dos sete, com o mapa em mãos, estava sozinho na floresta. Pensava em encontrar<br />

o tesouro e o quanto antes sair daquela ilha que tanto lhe apavorava.<br />

Todos os outros seis pensavam o mesmo.<br />

No entanto, ao olharem seus mapas perceberam que nenhum era parecido com o outro.<br />

Diego, Alfer, Tracy Anne, Mary Aline, Eduardo, Isaac e Alec eram as pessoas em<br />

busca do tesouro.<br />

Todos distantes um do outro, não imaginavam que o pior ainda estava por vir; a noite<br />

naquele lugar era muito perigosa.<br />

Diego era um rapaz muito simples, contudo muito esquentado: quando o irritavam,<br />

ele cometia atos inconsequentes. Sempre carregava em suas costas uma mochila preta, a<br />

qual era bem protegida.<br />

Alfer tinha o desejo de construir uma casa imensa e nunca vista antes; para isso faria<br />

o que fosse possível, até mesmo passar por cima de seus amigos ou companheiros de busca.<br />

Tracy Anne, ao contrário do que muitos imaginavam, não era uma pessoa muito amorosa:<br />

pensava somente em si ― muito linda, usava roupas pretas, seus cabelos eram<br />

longos, suas unhas bem feitas; toda hora se olhava no espelho que trazia em uma bolsa.<br />

Mary Aline era muito legal, porém atrapalhada. Nunca conseguia terminar algo, deixando-o<br />

sempre pela metade, mas era muito decidida ― jamais havia voltado com sua<br />

palavra.<br />

Eduardo, sério, não desistia facilmente daquilo que queria e não se contentava com o<br />

que tinha, sempre querendo mais e mais.<br />

Alec, garoto inteligente, sincero nas palavras, criativo, bom amigo ― entretanto, péssimo<br />

inimigo. Sempre sorridente, trazia em seus olhos um segredo do qual sua vida dependia.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 37<br />

Isaac, esse sim era um problema: não tinha medo de nada, gostava de ser desafiado,<br />

jamais havia perdido um desafio, encarava a vida de frente; seu sonho era encontrar o tesouro<br />

e ajudar seus pais.<br />

A noite se aproximava, fazia muito frio, já era o momento de procurar um lugar para<br />

pernoitar. Não foi difícil encontrar um lugar adequado para dormir. Quando o sol sumiu<br />

completamente, ninguém conseguia enxergar nada. Havia uma total escuridão, no céu não<br />

havia estrelas nem lua. Apenas gritos e lamentações. Todos se perguntavam quem seriam<br />

e por que lamentavam tão desesperadamente. As sombras pareciam ter vida, pois se movimentavam<br />

de um lado a outro, tentando agarrar os aventureiros. Nenhum animal emitia<br />

um único som, parecendo temer algum mal existente na ilha.<br />

Quando o sol surgiu no leste, já passava das oito.<br />

Eles haviam sobrevivido até que facilmente aquela noite; entretanto, para surpresa<br />

de todos, os sete se encontravam novamente juntos no mesmo lugar ― onde tinham se<br />

desencontrado pela primeira vez.<br />

Confusos, um perguntava para o outro como aquilo era possível, mas ninguém sabia<br />

responder; resolveram mais uma vez se separar e irem à procura do tesouro.<br />

Andando pela ilha, novamente separados, não conseguiam encontrar pistas da localização<br />

do tesouro; passaram a suspeitar que todos os mapas estavam, de certa forma, errados.<br />

Este foi o segundo dia em busca do tesouro.<br />

A noite chegou mais uma vez; ainda mais escura, os gritos pareciam mais fortes e cada<br />

vez mais próximos, os animais estavam totalmente quietos, as sombras ainda mais terríveis.<br />

Havia algo de estranho naquela ilha, a questão era: o quê?<br />

A noite parecia ter durado mais do que a anterior ― e realmente durou.<br />

Quando amanheceu, passava das nove horas; o dia ficava cada vez menor.<br />

Novamente, ao acordarem, estavam todos reunidos. Como aquilo era possível?<br />

Mais uma vez foram cada um para o seu lado, embora houvesse agora o temor de<br />

adentrarem a selva, sozinhos. Era a ambição que os fazia tão desunidos, pois nem um nem<br />

outro queriam dividir a enorme riqueza do mago. A busca continuava sem sucesso. À noite<br />

o frio era implacável e a escuridão intensa, o mal se arrastava mais ainda pelo local. Eles<br />

começaram a ver vultos mais distintos das sombras; os gritos pareciam estar a poucos metros.<br />

Os jovens começaram a se preocupar; desejaram que o dia amanhecesse o mais breve<br />

possível ― o que começou a demorar cada vez mais.<br />

Juntos outra vez tentaram entender o que estava acontecendo.<br />

Alec, tomando a palavra, disse:<br />

― Não sei o que está acontecendo; cada dia que se passa a noite fica maior, ouço gritos,<br />

vejo vultos.<br />

― Pode ter certeza que sim ― disse Alfer, com um ar de preocupado. ― Esta ilha me<br />

parece cada vez mais estranha, a lua não aparece, nem as estrelas.<br />

Mary Aline, tropeçando em um galho de árvore, perguntou:<br />

― Alguém teria alguma sugestão?<br />

Depois de algum tempo em silêncio, Isaac sugeriu:<br />

― Façamos o seguinte: hoje vamos nos dividir em grupos e aí procuraremos pelo tesouro.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 38<br />

― Não! Eu mesmo vou procurar pelo tesouro sozinho! ― exclamou Diego, todo possessivo.<br />

― Eu também vim sozinho para cá e sozinho voltarei ― concluiu Eduardo, concordando<br />

com Diego.<br />

Tracy Anne, depois de ter ouvido tudo em silêncio, falou:<br />

― Realmente a coisa aqui é séria, muito mais do que imaginamos. Os dias ficam cada<br />

vez mais curtos, pode até acontecer de não haver mais a claridade do sol daqui algum<br />

tempo. Minha sugestão é que nos unamos por ora. Desvendaremos o mistério juntos. Ficaremos<br />

em grupo, mas acho que vai ficar tudo igual, com os mesmos riscos.<br />

Todos concordaram e continuaram a busca pelo tesouro, agora em dois grupos, porém<br />

a ambição os fez pensar se aquela escolha fosse a mais acertada.<br />

O dia estava lindo, o sol estava quente, e Alec resolveu parar debaixo de uma árvore<br />

para descansar um pouco.<br />

Alfer e Eduardo, embora cansados, continuaram suas buscas.<br />

Diante de um rio que cortava ao meio da ilha, Tracy resolveu se banhar. Depois de<br />

ter analisado se havia alguém por perto ― pois optara por trilhar um caminho sozinha ―,<br />

tirou aos poucos suas roupas. Ela tinha o corpo perfeito ― realmente ela era linda! Entrou<br />

na água lentamente; a água estava quente, gostosa.<br />

Ela passou um bom tempo naquele banho, sentindo-se tranquila e leve. Ao sair de<br />

dentro do rio, foi surpreendida por uma gigantesca cobra, com escamas salientes em volta<br />

do pescoço (que pareciam muito mais rochas que escamas de um réptil) logo depois de ter<br />

vestido suas roupas ― exceto suas botas.<br />

Tracy Anne não teria como vencer aquela cobra. A solução era apenas correr. Mas a<br />

cobra lhe perseguiu...<br />

A jovem corria sem direção. Já cansada acabou tropeçando em uma pedra. No chão,<br />

ela olhava para o ofídio e deu um grito que ecoou por toda ilha. A cobra abriu sua bocarra,<br />

exibindo a língua negra e bifurcada, e a engoliu.<br />

Enquanto estava dentro da barriga da cobra, num momento em que se misturaram os<br />

sentimentos de raiva e desespero dentro do coração de Tracy, algo inconcebível aconteceu.<br />

Misteriosamente as unhas dela cresceram e se tornaram afinadas como de um animal selvagem.<br />

E com essas unhas ela rompeu o estomago da serpente, livrando-se de sua morte e<br />

provocando a de sua predadora.<br />

Enquanto isso, Alec e os outros também estavam sendo atacados por cobras gigantescas,<br />

todas com escamas assustadoramente salientes em volta do pescoço.<br />

Cada um dos jovens havia ganhado poderes especiais nos momentos em que lutaram<br />

pela vida.<br />

Diego havia se tornado mais rápido, conseguindo escapar dos botes ― sempre lento<br />

e forte, ele agora era ágil e frágil como um beija-flor.<br />

Alfer conseguia controlar os animais com sua mente e a cobra era inofensiva para ele<br />

― ele sempre fora incapaz de exercer influência sobre qualquer um.<br />

Alec agora era muito forte, matando o ofídio com um único golpe de um tronco ―<br />

embora inteligente, o rapaz nunca foi bom de briga, sempre apanhando na escola.<br />

Eduardo tinha a capacidade de ficar invisível e sem transmitir calor ― fora da ilha,<br />

ele era sempre o centro das atenções.<br />

Mary conseguia escalar as árvores como se fosse uma primata com cinco membros<br />

(quatro patas e um rabo) ― ela não era mais tão desajeitada como antes.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 39<br />

E Isaac podia voar ― era um medo que ele tinha, mas ali parecia não atormentá-lo<br />

nem um pouco.<br />

Todos eles conseguiram sobreviver e pensaram como haviam ganhado aqueles poderes.<br />

Agora estavam todos reunidos, exibindo-se com os poderes que ganharam e contando<br />

as aventuras que tiveram.<br />

Mais uma vez o dia foi embora. A noite não seria problema para eles, graças aos dons<br />

que haviam adquirido. Nada de sombras, gritos, lamentações, vultos ou cobras gigantes.<br />

Porém, se enganaram; seus poderes haviam despertado seres que se alimentavam de<br />

magia, de seus poderes.<br />

Alec já estava dormindo quando acordou assustado, pois ouviu um barulho entre as<br />

árvores. Curioso para saber do que se tratava, resolveu investigar e se deparou com uma<br />

gigantesca aranha, toda negra e peluda, olhos vermelhos. Pensou ele:<br />

“Com apenas um soco a matarei.”<br />

Estava errado: ela lançou teias que lhe atingiram e de alguma forma pareciam acabar<br />

com sua força sobre-humana, deixando-o imóvel.<br />

As teias da aranha eram resistentes. Alec, com sua força tentava se soltar, entretanto<br />

seu esforço era inútil, pois a aranha sugava sua força vital, deixando-o cada vez mais fraco.<br />

Isaac estava testando seus poderes aéreos, sem temer mal algum, quando ouviu um<br />

grito. Percebendo que se tratava de Alec, resolveu ajudá-lo voando em sua direção. E se<br />

deparou com ele todo amarrado sendo atacado pela aranha gigante. Então, em um vôo<br />

rasante, pegou-o e o levou para longe dali, salvando sua vida.<br />

Por fim, mais uma noite havia se passado. Desta vez o sol raiou às doze e meia, e todos<br />

se encontravam mais uma vez juntos, relatando terem confrontado as aranhas. Do dia<br />

restava apenas quatro horas e meia ― talvez em dois dias o sol não aparecesse mais.<br />

Desta vez eles concordaram, em unanimidade, de juntos procurarem o tesouro. Eles<br />

encontraram uma primeira pista numa caverna que o mapa marcava como a Caverna do<br />

Medo.<br />

Lá era muito escuro; ao longe brilhava uma luz intensa.<br />

Os sete jovens entraram na caverna e sentiram um medo que lhes arrepiava a espinha.<br />

A caverna refletia suas fraquezas e seus receios, como as surras que Alec levava; a<br />

raiva que Tracy sentia do mundo machista que a julgava fraca; as quedas que Isaac levou<br />

quando criança; as vezes que Mary não concluiu uma tarefa confiada a ela; as vezes que<br />

Diego foi preso por arrumar brigas; as inimizades de Eduardo por ser ele tão popular; e as<br />

oportunidades que Alfer perdeu por ser tão incapaz de tentar se impor numa reunião de<br />

negócios, o que o levou a perder o emprego; lá dentro perderam seus poderes. Mesmo<br />

com o medo eles decidiram continuar até a luz ― quem sabe não seria ali que estaria o tão<br />

sonhado tesouro?<br />

No meio da caverna milhares de morcegos os atacaram, animais enormes e assustadores.<br />

Alfer tentou controlá-los, no entanto não conseguiu; a solução foi correr até a luz.<br />

Por muito pouco conseguiram escapar e chegaram ao final da caverna: era o final da<br />

jornada. A luz era a saída que levava de volta para o mundo deles ― um pouco mais embaixo,<br />

num abismo, estava uma enorme quantidade de ouro.<br />

Os sete estavam felizes, porque haviam encontrado o que procuravam, havia ouro<br />

suficiente para todos. Então apareceu diante deles um senhor de cabelos brancos que disse:


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 40<br />

― Aqui tenho sete pequenos alforjes de ouro, com uma coisa muito valiosa dentro.<br />

Estou dando para vocês dividirem entre si, com a condição de deixarem todo esse ouro aí<br />

embaixo, e então saírem são e salvos daqui. Vocês é que decidem. Se caso decidirem ficar<br />

com um pequeno alforje cada um, poderão voltar para casa, mas se decidirem que querem<br />

mais e adentrar no abismo para pegar o ouro, pode ter certeza que nunca sairão dessa ilha.<br />

A escolha é de vocês!<br />

Dito isso desapareceu, deixando sete pequenos alforjes.<br />

Era uma escolha muito difícil...<br />

― O que faremos? ― perguntou Isaac.<br />

― Eu mesmo vou encher minha mochila, meus bolsos, vou levar tudo que puder ―<br />

disse Diego, pronto para se jogar no abismo dourado.<br />

― Mas, e o que o velhinho disse? ― alertou Tracy Anne.<br />

― Eu mesmo não quero ficar aqui preso para sempre ― falou Isaac.<br />

―Nem eu! ― exclamaram Alec e Mary.<br />

Por fim, cada um tomou sua decisão: Isaac, Tracy Anne, Mary Aline e Alec decidiram<br />

ficar cada um com um alforje, enquanto Diego, Eduardo e Alfer, além de pegarem cada<br />

um o seu alforje, desceram para pegar o ouro.<br />

Os quatro, que resolveram ficar apenas com um alforje cada um, subiram por uma<br />

escada e conseguiram sair da ilha.<br />

O senhor de cabelos brancos apareceu mais uma vez para eles e disse:<br />

― Parabéns! Vocês fizeram a escolha correta, por isso vou lhes revelar o mistério<br />

que cerca a ilha. As noites ficam cada vez maiores nela pela falta de união de cada um.<br />

Todas as vezes que vocês procuravam sozinhos pelo tesouro nada iriam encontrar, pois o<br />

segredo estava na união.<br />

― E aqueles gritos que ouvimos todas as noites? ― perguntou Alec.<br />

― Os gritos eram de todas as pessoas que fizeram escolhas erradas; lamentam por<br />

não terem feito as mesmas escolhas que vocês fizeram.<br />

― E aqueles poderes que ganhamos? ― questionou Isaac.<br />

― Os poderes eram dados para todos que estavam na ilha, para suprir o que lhes<br />

faltavam.<br />

Todos entenderam as palavras do ancião ― qualidades que eles deviam ter para poderem<br />

ir cada vez mais longe.<br />

― E por que, na caverna, perdemos nossos poderes? – indagou Tracy Anne.<br />

― A caverna é a ligação entre o mundo de vocês e a ilha. Aqui fora vocês já não têm<br />

poder algum.<br />

― O que aconteceu com os três que decidiram ficar lá? ― questionou Isaac.<br />

― Os três, por serem ambiciosos e não se contentarem com aquilo que lhes fora dado,<br />

juntar-se-ão aos outros que se lamentam e nunca mais sairão de lá.<br />

Feitas todas as perguntas e dadas todas as respostas, o senhor de cabelos brancos desapareceu.<br />

Os quatro jovens retornaram para suas casas. Ao chegarem lá, quando tiraram o ouro<br />

dos saquinhos, tiveram uma surpresa: o ouro rendeu dez vezes mais.<br />

Isaac conseguiu ajudar seus pais e ainda pôde realizar o sonho que considerava impossível:<br />

voar ao redor do mundo, pois aprendeu que as asas dos sonhos movimentam as<br />

grandes coisas, e não é preciso ter medo de cair.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 41<br />

Alec confiou mais em seus talentos e em sua inteligência, e não na força bruta, que<br />

apenas produz guerras e sofrimentos.<br />

Tracy Anne construiu uma grande empresa, sendo muito mais bem-sucedida que<br />

muito homem, provando que além de beleza, ela tinha força de vontade e capacidade para<br />

comandar uma empresa ― e ficou ainda mais bela (na verdade, até me apaixonei por ela,<br />

só que nunca terei uma chance de ficar ao lado dela, afinal de contas ela é apenas uma personagem<br />

e eu, o escritor).<br />

Mary Aline, dessa vez se deu bem: construiu um clube, com sete piscinas, parques<br />

temáticos, sendo tão bem sucedida quanto a outra companheira de aventura, e pela primeira<br />

vez terminou alguma coisa.<br />

Todos aprenderam lições valiosas naquela jornada de autodescobertas. Às vezes a<br />

nossa riqueza está bem mais próxima do que imaginamos, por isso é necessário fazermos<br />

as escolhas certas. Nem sempre a riqueza é tudo; de que adianta sermos ricos se não temos<br />

a felicidade? A vida é feita de coisas boas e ruins; cabe a nós a escolha certa, embora nem<br />

sempre a fazemos. Sempre há uma nova chance ― é certo que não podemos desperdiçá-la.<br />

Embora soasse como final de desenho animado, era isso que haviam aprendido.<br />

Ora ou outra se perguntavam sobre os três que se aventuraram na ambição de mais<br />

riquezas. Que fim os teria levado? Mas a resposta, infelizmente era conhecida por todos,<br />

embora nunca tenham regressado para a ilha para saberem.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 42<br />

God Jul<br />

Eduardo Oliveira<br />

Eduardo Oliveira nasceu em Porangatu-GO, em maio de 1992.<br />

Sua experiência com as histórias começou um pouco depois da entrada no Ensino Fundamen-<br />

tal: iniciou a produção de um “livro” (uma história de cinquenta páginas, mas uma grande conquis-<br />

ta para uma criança daquela idade) e chegou a concluí-lo, porém o único arquivo digital do conto<br />

acabou se perdendo com o tempo.<br />

Com o passar dos anos, começou a desenvolver outras áreas de interesse literário, produzindo<br />

textos para trabalhos da escola ou apenas por hobby. Em 2002, teve o poema O Pesca-<br />

dor publicado em uma coletânea produzida pela escola. No mesmo ano, adaptou a história do<br />

livro Odisseia para o cinema, elaborando um roteiro que seria utilizado pela própria turma para<br />

a produção do filme. Criou também um roteiro baseado no livro Draculinha, Um Astro em Hol-<br />

lyblood, e em 2008 um roteiro para curta-metragem do livro Amor de Perdição.<br />

Durante a vida escolar, criou pequenas histórias e contos, mas também desenvolveu uma<br />

paixão pelas rimas. O trabalho com versos foi variado: produziu inúmeras poesias e paródias,<br />

aventurando-se também na composição de músicas.<br />

Kär olhou novamente para trás, antes de seguir caminho. Fitou pela última vez a cidade<br />

de Rovaniemi, situada na bifurcação dos rios Kemijoki e Ounasjoki ― queria deixar


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 43<br />

gravada na memória aquela última imagem: a de uma cidade indefesa que parecia ser engolida<br />

pela neve. E, junto com a cidade, todo o passado dele.<br />

΅<br />

Um garotinho loiro, com seus cinco anos recém-celebrados, resolveu sair momentaneamente<br />

de seu universo restrito aos dois duendes de madeira com os quais brincava<br />

para fazer uma pergunta ao pai:<br />

― Papai, como é o Papai Noel?<br />

O pequeno Kär ergueu os olhos de onde estava, ainda sentado no chão. O pai esculpia<br />

algo na perna de um banquinho e pareceu não notar a pergunta do filho. O avô ―<br />

que tentava se aquecer na lareira ― veio com dificuldade ao encontro do neto e sentou-se<br />

à sua frente ― atitude que resultou em um longo suspiro do pai de Kär.<br />

― Querido ― o avô iniciou, com certa dificuldade devido às vertigens que sentia<br />

periodicamente ― o Papai Noel é um velho alto, gordo, sorridente... Anda por aí com uma<br />

túnica vermelha...<br />

Kär voltou a olhar para os bonequinhos, mas ouvia atentamente e estava processando<br />

tudo o que ele dizia.<br />

― E o quê mais?<br />

― Deixe-me pensar... Ah, sim!<br />

O avô levantou o indicador da mão esquerda, como se encontrasse uma resposta.<br />

― Ele tem uma grande barba branca!<br />

O garoto, repentinamente, ergueu o rosto e fitou o avô, curioso.<br />

― Igual à sua? ― ele perguntou, apontando para ele.<br />

O pai e o avô se entreolharam.<br />

― É, querido.<br />

O menino deu um sorriso.<br />

΅<br />

Ele não parava de andar, enquanto as lembranças vinham impiedosas à mente.<br />

Mesmo sem saber para qual direção ia, seguiu ininterruptamente até certo ponto, onde<br />

ouviu um barulho de algo se mexendo à sua direita. Estava tão absorto em pensamentos<br />

que não podia mensurar o tempo que havia se passado ― ainda mais com aquele sol que<br />

teimava em permanecer na linha do horizonte, mesmo à noite.<br />

Observou rapidamente o local à sua volta, procurando um sinal de pegadas ou o<br />

vulto de algum animal, mas não encontrou nada. Quando sentiu que estava seguro em<br />

continuar seu caminho, voltou a andar. E as memórias continuaram chegando.<br />

΅<br />

Agora um pouco mais velho ― com seus dez anos recém-completados ―, Kär tinha<br />

sua curiosidade aguçada por pensamentos mais complexos. Ciente de que podia contar<br />

cada vez menos com o pai para conversar, ele recorreu ao avô, que ardia em febre na cama<br />

colocada próxima ao fogo. Apesar do calor febril que emanava de seu corpo, o velho sentia<br />

um frio que lhe gelava os ossos, mas nem por isso deixou de dar atenção ao netinho questionador.<br />

― Vô, como o Papai Noel consegue entregar os presentes de todas as crianças? Devem<br />

existir mais de mil! ― Kär disse, com os braços abertos.<br />

O velho riu da ingenuidade do neto.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 44<br />

― É por isso que ele é um ser mágico, meu filho: porque consegue fazer coisas que<br />

nós não conseguimos entender ― a tosse violenta o interrompeu. ― Essas coisas não se<br />

explicam...<br />

O garoto balançou a cabeça e saiu, fingindo conformação. A resposta foi como ele<br />

imaginava: evasiva e oca. Mas ele não se resignou ― os adultos eram assim mesmo...<br />

΅<br />

Havia momentos em que Kär tinha de se arrastar pela neve. Suas articulações ardiam,<br />

e ele mal se mantinha de joelhos. Havia perdido completamente a noção de tempo e<br />

espaço ― poderiam ter se passado dias ou semanas―, e ele se sentia cansado como se tivesse<br />

caminhado até a Rússia. Mas, para ele, o mais provável era que se houvessem passado<br />

apenas algumas horas, já que ele não levara comida consigo e os sinais de fome começaram<br />

a aparecer recentemente (não tão recentemente, mas pararam de aumentar em certo<br />

momento). Agora, até mesmo as sensações de cansaço, frio e fome eram abstratas: ao<br />

mesmo tempo em que se sentia vivo e cheio de energia, imaginava que estaria prestes a<br />

morrer no meio da neve.<br />

΅<br />

O garoto loiro de treze anos observava atônito a fumaça que subia. A imagem do<br />

corpo de seu avô, lentamente digerido pelas chamas da pira funerária, causava reações<br />

distintas no pai e no filho ― os únicos que presenciavam a cena.<br />

― O Papai Noel também morre? ― Kär perguntou, ainda olhando para o fogo.<br />

O pai deixou cair a primeira lágrima, e Kär sentiu-se culpado ao vê-lo chorando.<br />

Antes que o garoto pudesse se retratar, o pai deu as costas para a fogueira e começou a<br />

andar em direção à cidade. Kär ficou contemplando o fogo por mais alguns segundos, mas<br />

logo correu para alcançar o pai.<br />

Os dois permaneceram calados por muito tempo; apenas o silvo do vento frio quebrava<br />

o silêncio de vez em quando. Após cerca de duas horas, chegaram a casa.<br />

΅<br />

Kär sentiu que, não fosse o frio que congelava até sua respiração, lágrimas cairiam;<br />

no entanto, logo percebeu que a falsa sensação fora apenas o prenúncio de um sentimento<br />

maior e mais cruel: o ódio que começava a se instalar nele.<br />

O rapaz teve a impressão de ouvir um barulho diferente daquele que se repetia em<br />

seu ouvido há horas ― um ruído abafado, que parecia vir de longe e “estacionava” em<br />

frente a ele.<br />

Kär parou de andar pela segunda vez. Concentrou-se no barulho e tentou identificar<br />

de onde vinha. Virou um pouco para a esquerda e seguiu. À medida que o ruído aumentava,<br />

ficava também mais nítido. Mesmo com a tempestade de neve que se anunciava,<br />

o rapaz conseguiu avistar um brilho cuja origem se separava dele por algumas centenas de<br />

metros.<br />

΅<br />

Mesmo com seus catorze anos, idade em que os outros garotos já flertavam com as<br />

moças da cidade e fantasiavam aventuras com as belas mulheres que vinham da capital<br />

acompanhando seus maridos, Kär ainda viajava pelo mundo dos seres mágicos sobre os<br />

quais aprendeu quando criança. A diferença era que, agora, seu avô não estava mais lá<br />

para responder às suas indagações.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 45<br />

― Eu queria saber uma coisa... ― o garoto perguntou, enquanto lixava a mesa de<br />

centro com o pai, que ficou em silêncio. ― É sobre o Papai Noel.<br />

A reação do homem foi imediata: esmurrou a mesa e levou a mão à testa logo depois,<br />

como se refletisse.<br />

― Desculpe-me, filho ― ele olhou diretamente para Kär, que naquele instante teve<br />

coragem de fitá-lo também. Seus olhos azuis estavam desejosos por uma resposta, e os do<br />

velho pareciam arrependidos pela grosseria. ― Diga o que é!<br />

― Onde ele mora? Como as pessoas fazem para chegar até ele?<br />

Os dois, após a pergunta, voltaram a lixar a mesa. O homem, perdido em lembranças,<br />

deu um suspiro.<br />

― Boa pergunta ― um riso se formou no rosto do pai, que olhou para cima e disse,<br />

contemplando algo que parecia estar além do teto: ― Sabe, seu avô dizia que para chegar<br />

até ele, não é preciso saber o endereço, é só ir na direção que o seu coração mandar e desejar<br />

encontrá-lo com todas as suas forças.<br />

Kär notou que o pai estava sendo sincero dessa vez, e sorriu. Estava mais do que satisfeito<br />

com a resposta.<br />

΅<br />

Kär resmungou para si mesmo, em tom de escárnio. Não se perdoava por ainda acreditar<br />

em seres como esse tal de Papai Noel. Mas não podia simplesmente fugir da realidade:<br />

desde bebê, fora condicionado a crer em sua existência ― não só por lendas, mas<br />

por experiências pessoais. Ele sempre recebeu presentes, por mais pobres que os pais fossem;<br />

e, por mais miséria que estivessem passando, os presentes sempre eram exatamente o<br />

que ele queria na época ― e, mesmo que nunca dissesse a ninguém quais eram, Kär sempre<br />

os recebia.<br />

Era isso que o fazia acreditar cegamente na existência daquele ser fantástico, e manter<br />

essa crença que era tão execrada pelos outros de sua idade. Se ele ao menos nunca tivesse<br />

tido provas de que era realmente verdade... Seus pedidos infantis, infelizmente,<br />

nunca ajudaram a derrubar a incredulidade dos outros: eram brinquedos, doces caros e<br />

outras “coisinhas efêmeras”.<br />

Kär voltou a se concentrar no trajeto. Queria poder se livrar daqueles pensamentos<br />

para, de uma vez por todas, esquecer o tal Papai Noel e voltar pra casa a salvo. Ele sabia<br />

que, deixando de acreditar, nem adiantaria procurar a residência do bom velhinho ― e,<br />

assim, só lhe restaria dar meia-volta e tomar o caminho para Rovaniemi. Mas sabia, também,<br />

que deixaria de lado tudo o que não podia ser esquecido (e isso seria inadmissível<br />

para alguém que já havia sofrido até ali por culpa dessa crença). Se tudo havia dado errado,<br />

não seria certo jogar tudo para trás antes que o ciclo se completasse. Seria injusto com<br />

ele mesmo.<br />

E ele tomou essa decisão sabendo que sua crença fora sua ruína.<br />

΅<br />

Os habitantes de Rovaniemi nunca simpatizaram com os métodos pedagógicos da<br />

família de Kär. O pai, mesmo que sempre estivesse exausto do trabalho, conferia ao filho<br />

único uma educação exemplar, ao contrário de muitos outros que impediam as crianças de<br />

frequentarem a escola para ajudarem nos ofícios. E é por isso que, dentre todas as famílias<br />

da cidade, a única que se aproximava do modelo de “lar feliz” era a de Kär ― justamente<br />

o garoto mais infeliz de todos.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 46<br />

“Carinho” não era o ponto forte de seus pais, mas isso ficava por conta do avô ―<br />

que desempenhava tal função muito bem. O pai, quando tinha tempo para dedicar ao filho,<br />

também sabia ser carinhoso; todavia, com a crise econômica que rondava a região, sua<br />

vida se resumia a trabalhar. E Kär, consciente da situação desde pequeno, não cobrava<br />

muita atenção dele (pode-se dizer que até isso ele aprendeu) – até porque... se os outros garotos<br />

pareciam viver bem sem amor, por que ele teria que ser diferente?<br />

Por incontáveis vezes, Kär ansiava por maquinar uma ideia realmente perversa que<br />

conseguisse chamar a atenção dos outros, mas nem isso ele conseguia. Sua família o educou<br />

tão bem, dando lições sólidas acerca da honestidade e da solidariedade, que ele nem<br />

ao menos conseguia pensar em algo “mau” para fazer.<br />

Esse era um dos principais problemas: os outros garotos, e até mesmo os pais deles,<br />

não aceitavam aquela conduta ― destoante de toda ideologia revoltosa da época. Os moradores<br />

da cidade invejavam aquela aparente harmonia familiar (que era realmente estranha<br />

para os moldes oitocentistas). Para eles, a família de Kär tinha algo muito estranho por<br />

trás de suas atitudes. Na verdade, a única coisa realmente “esquisita” na família do garoto<br />

era a crença inabalável naquele ser místico conhecido como “Papai Noel”.<br />

Para os outros, aquela lenda era apenas um instrumento pedagógico de coerção, para<br />

forçar as crianças a serem obedientes sob qualquer circunstância ― já que o Papai Noel<br />

só trazia presentes para os que fossem bonzinhos durante o ano todo. Kär sabia da regra, e<br />

a seguia à risca; em consequência disso, em todas as vésperas de Natal, um belo presente<br />

aparecia embaixo de sua cama.<br />

No entanto, a partir de certo tempo, somente ele conseguiu se manter na lista do<br />

Papai Noel dentre os da sua idade. Os outros, é claro, não gostavam daquela aparente<br />

“preferência” do bom velhinho, e logo pelo menino mais idiota da cidade ― aquele que<br />

não participava das arruaças à tarde, não roubava carne do mercado, não espiava as senhoritas<br />

trocando de roupa quando surgia uma oportunidade... Mais do que desdém, era<br />

uma demonstração de inveja.<br />

΅<br />

Sem receio, Kär foi se aproximando da imagem que ia se distinguindo à medida que<br />

ele andava. Desceu a pequena elevação e, rapidamente, pôde contemplar melhor a vista<br />

exterior de uma casa grande e rústica.<br />

À sua esquerda, observou que algumas renas descansavam rodeadas por um cercado<br />

de madeira. Próximo a elas, havia um objeto enorme coberto completamente por um<br />

grande pano negro. Kär foi na direção do objeto e puxou o tecido, revelando um trenó<br />

vermelho de madeira trabalhada. Conferiu a cena mais uma vez, registrando tudo o que<br />

viu, e confirmou para si mesmo:<br />

― Tenho certeza de que é aqui.<br />

΅<br />

― Papai Noel, eu acho que já sei o que vou querer de presente neste ano ― Kär disse,<br />

enquanto a olhava passar.<br />

Era uma bela garota, a filha do peixeiro. Olhos em um azul vivo, quase pulsante, a<br />

pele alva e os cabelos loiros como os seus ― não era muito diferente de todas as outras<br />

garotas da Europa <strong>Sete</strong>ntrional, mas causava uma sensação especial nele. Pela primeira<br />

vez, ele sentia algo por alguém.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 47<br />

Kär, totalmente desprevenido, recebeu um empurrão e caiu da pilha de ripas na<br />

qual estava sentado.<br />

― Eu vi você olhando para ela, porco! ― o garoto esbravejou, dando um chute nas<br />

costas de Kär, enquanto ele ainda estava no chão gelado.<br />

Atrás dele, os meninos que sempre o seguiam. Aquele era o “grupinho” do qual o<br />

jovem Kär sempre quis participar.<br />

― O que é que você vai pedir de presente de Natal, hein? Minha irmã? É bom pedir<br />

logo, o Natal já é amanhã ― e o chutou mais uma vez, fazendo-o contorcer-se de dor.<br />

Os outros garotos riram. A crença no Papai Noel já havia rendido muitos momentos<br />

constrangedores para o garoto, e esse, para ele, seria apenas mais um. Kär ficou com um<br />

pouco mais de medo quando o irmão da moça foi até a pilha de madeira e pegou uma ripa<br />

quebrada.<br />

― Sem Natal para você este ano ― e ergueu a ripa no ar, direcionando a parte com<br />

ponta para o peito de Kär.<br />

A única dor que o invadiu, no entanto, foi por sentir que perderia algo muito importante,<br />

e tudo ficou escuro por um momento. Ele não sabia o que era: poderia ser o medo<br />

de perder a família, a garota dos sonhos ou a própria vida... Não houve muito tempo<br />

para pensar, pois, rapidamente, um novo desejo o controlou: o da sobrevivência.<br />

Poucos segundos depois, seu rival estava no chão, morto.<br />

Os garotos – inclusive Kär –, como sempre acontece nessas situações, ficaram estáticos<br />

por um momento, fitando, incrédulos, o corpo inerte do rapaz.<br />

― Como é que isso foi... ― um dos rapazes do bando começou a dizer.<br />

Antes que finalizasse a frase, alguém apontou para o loiro que estava sentado no<br />

chão; Kär tinha no rosto uma expressão quase caricata: ódio extremo. Ele fez questão de<br />

tornar sua respiração audível, e olhou diretamente para os garotos. Sem demora, fugiram<br />

gritando e tropeçando nos próprios pés.<br />

Kär, com dificuldade, levantou-se. As costas ainda doíam, mas era melhor que ele<br />

saísse dali antes que alguém os visse ― a ele e ao corpo. Não fazia ideia do que havia ocorrido<br />

naqueles poucos segundos, mas alguém observando de fora da cena só imaginaria<br />

o pior. Afinal, seu rival estava morto à sua frente, com sangue escorrendo pela boca, e uma<br />

ripa quebrada ao lado dele.<br />

“Pedir ajuda? Nunca”, o garoto pensou, enquanto corria de volta para casa.<br />

Ele imaginou que o Papai Noel descobriria algo se alguém lhe contasse, e decidiu<br />

que não iria, em hipótese alguma, fazer qualquer coisa que o atrapalhasse a ganhar o tão<br />

esperado presente de Natal daquele ano.<br />

΅<br />

Kär andou em torno da casa, procurando alguma entrada secundária, mas só encontrou<br />

a porta principal. Viu que alguém estava lá dentro, pois sombras em movimento<br />

se projetavam no vitral das janelas o tempo todo. Ele que não se atreveria a entrar ali pela<br />

porta da frente ― seria muito arriscado.<br />

Afastou-se um pouco da casa para ter uma visão mais ampla do local, quando se<br />

lembrou da chaminé. Por sorte, o trenó ficava próximo à casa e seria fácil empurrá-lo para<br />

depois usá-lo como “escada”. Enquanto retirava a neve acumulada no interior do trenó<br />

para depois empurrá-lo, ele zombou de si mesmo, rindo:<br />

― Quanta ironia. Olhe quem é que vai descer pela chaminé...


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 48<br />

΅<br />

Kär voltou para casa em silêncio. Como não era de seu feitio fazer muito alarde,<br />

principalmente nessa fase da adolescência, o pai não notou nada de diferente. Ele voltou<br />

no mesmo horário que voltava todas as tardes, entrou para o quarto e se deitou.<br />

Ele não quis comer, conversar ou trocar de roupa. Ficou rolando na cama, lembrando-se<br />

da cena do rapaz morto, sem entender o que havia acontecido. O que lhe restava era<br />

esperar o dia seguinte: talvez o presente que receberia conseguisse alegrá-lo. No entanto, o<br />

que aconteceu no outro dia só conseguiu piorar a situação.<br />

΅<br />

Kär olhou para dentro da chaminé, observando se não havia nada queimando na lareira.<br />

Seguro de que poderia descer, iniciou a árdua tarefa de firmar-se nos tijolos sem cair.<br />

Apoiou as pernas abertas e depois os braços ― para a sorte dele, a chaminé não era muito<br />

larga. A descida foi rápida, e o que viu foi impressionante.<br />

A casa era esplendorosa por dentro: filetes de ouro decoravam fitas verdes penduradas<br />

no teto, e um imponente pinheiro adornado de enormes pedras preciosas brilhava<br />

em um canto do salão. Havia mesas com papéis e pinturas na parede, mas o mais impressionante<br />

eram as centenas de pequenos seres marrons que andavam para todos os lados<br />

sem fazer um ruído sequer. Do lado esquerdo do salão, havia duas aberturas no chão: uma<br />

de onde os homenzinhos saíam, e outra pela qual eles entravam.<br />

― O subsolo é infinitamente maior do que essa pequena casa ― uma voz familiar<br />

falou ao seu lado.<br />

Quando Kär se virou para ver seu interlocutor, um homem gordo e vestido de vermelho,<br />

refestelado em uma poltrona igualmente rubra, ainda trazia um papel em frente ao<br />

seu rosto. “Estaria ele lendo uma carta de pedidos?”, o rapaz pensou. “Sim, se ele for o”...<br />

O velho abaixou a carta e o olhou, sorridente. Ainda com a visão focada no rapaz,<br />

disse:<br />

― Se você tivesse apenas batido na porta, eu teria pedido para que um dos duendes<br />

a abrisse. Você sabe o perigo que é descer por uma chaminé?<br />

Kär ainda não acreditava no que via.<br />

– Vovô?<br />

΅<br />

Mesmo tendo demorado a dormir, Kär acordou cedo, e nem esperou pelo chá quente<br />

que a mãe sempre fazia. A primeira coisa que fez ao levantar-se foi correr até a peixaria.<br />

Por algum tempo, parecia que nada havia acontecido no dia anterior: a única coisa que<br />

importava era que seu presente estaria ali.<br />

A barraca do peixeiro estava vazia, sem peixes ou instrumentos de corte; o dono<br />

também não estava lá.<br />

― Veio comprar peixe? ― uma senhora, que vendia ervas na barraca ao lado, perguntou.<br />

― O homem que trabalhava aí teve o filho morto ontem.<br />

Alguns pensamentos vieram como óleo fervendo na mente do rapaz.<br />

― Então, eles estão em casa?<br />

A velha acenou negativamente com a cabeça. Kär começou a preocupar-se.<br />

― Estão velando o corpo do filho? ― ele esperava por alguma resposta positiva.<br />

Mais uma vez, a mulher negou. Por fim, ela contou:<br />

― Ele foi embora com a família. Ninguém sabe para onde ele foi.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 49<br />

O garoto caiu em si. Esperava que tudo fosse diferente, e que algo acontecesse de<br />

bom naquele dia tão especial de Natal. Não lhe importava se toda a cidade repudiasse a<br />

data, o que ele queria era receber o presente que tanto desejou. Ele foi um garoto tão bom<br />

o tempo todo...<br />

Ou será que não foi?<br />

΅<br />

– Há quanto tempo, meu neto... Vem cá me dar um abraço! ― o velho, de braços estendidos,<br />

esperou sorrindo que Kär fosse até ele.<br />

O jovem não sabia se estava preparado para o Papai Noel, muito menos para o próprio<br />

avô. Querendo entender, indagou:<br />

― Então era por isso que vocês sempre me falaram sobre o Papai Noel?... ― sua expressão<br />

mudou, tomando um ar de revolta. ― E, se você é você, por que fez isso comigo?<br />

Eu... ― colocou as mãos na cabeça e olhou para baixo; definitivamente, não foi fácil processar<br />

tudo aquilo em tão pouco tempo.<br />

A expressão do velho se manteve serena. Ele viu que seria melhor dizer logo, pois<br />

talvez isso o ajudasse.<br />

― Desde que eu... Você sabe... Desde que eu me fui daquela vez, chamaram-me para<br />

substituir o Papai Noel vigente, visto que minha conduta naquela vida foi sempre correta<br />

e exemplar. Durante todo esse tempo, eu fiquei em <strong>treinamento</strong>, para assimilar tudo do<br />

Papai Noel anterior antes que o tempo dele acabasse ― o velho se levantou da poltrona, e<br />

foi calmamente até a lareira. ― Pois bem, esse foi meu primeiro ano de trabalho! ― olhou<br />

para Kär e sorriu. ― Ou você achava que os “Papais Noéis” eram seres eternos? É por isso,<br />

meu jovem, que existem tantas lendas com várias versões diferentes da mesma história:<br />

todas elas são reais. Algumas mais ilustres, algumas menos, mas todas realmente aconteceram.<br />

O rapaz ficou por um bom tempo olhando para baixo.<br />

― Então, você me culpa pela morte dele? ― Kär disse, em uma intensidade que<br />

somente ele e o Papai Noel conseguiriam entender.<br />

Os duendes ainda andavam para lá e para cá, como se nada acontecesse à sua volta.<br />

― Claro que não! ― Papai Noel disse, meneando o pescoço levemente para trás,<br />

parecendo zombar sutilmente daquela declaração. ― Você está dizendo que eu arbitrei<br />

injustamente e por isso dei um presente ruim?<br />

Kär levantou o rosto, furioso.<br />

― Não! O problema é que eu não ganhei presente algum! ― gritou, fazendo seu<br />

rosto ficar vermelho de ódio. ― Nem o que eu queria, nem qualquer outro!<br />

Os duendes continuavam andando, despreocupados.<br />

Papai Noel riu.<br />

― Você está dizendo, então, que veio até aqui para reclamar um presente nãorecebido?<br />

― perguntou, com naturalidade.<br />

Ele pegou uma bandeja de cima do console da lareira e estendeu ao rapaz. Kär não<br />

deu atenção: estava mergulhado em outros pensamentos.<br />

Não havia parado nenhum instante para refletir sobre a verdadeira causa de sua ida<br />

até ali. Tinha apenas resolvido encontrá-lo após conferir que a casa do peixeiro estava vazia.<br />

Não voltou à própria casa, nem pegou suprimentos, apenas seguiu o caminho que achava<br />

ser o certo ― como seu pai dissera um dia.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 50<br />

Mas o que ele ainda não conseguia entender era o motivo que o levara até lá. Que<br />

desejo tão forte era esse, que conseguiu guiá-lo até a casa do Papai Noel para obrigá-lo a<br />

entregar seu presente?<br />

― Então, foi isso, não foi? Eu o matei, e agora não sou digno de receber o presente<br />

― por mais que doesse, ele queria saber a resposta.<br />

O bom velhinho, ainda com a bandeja estendida e com um sorriso no rosto, disse:<br />

― Claro que não. Coma...<br />

― Então você admite que eu fui um garoto bom o ano todo?<br />

― Mas é claro que admito! Quando foi que eu neguei isso?<br />

A vontade de Kär era de destruir tudo. Ele não acreditava que o próprio avô se negaria<br />

a dar um presente de Natal para ele – e, ainda mais, confirmando o bom comportamento<br />

indelével do neto durante todo o ano.<br />

― Não vai comer os biscoitos? Estão quentinhos!<br />

Quando o cheiro alcançou seu nariz, Kär sentiu que algo estava errado. Mais uma<br />

vez, seu instinto de sobrevivência apitou. Ele tentou não pensar muito no assunto, mas a<br />

suposição que veio à sua mente foi inevitável.<br />

― Não, obrigado. Acho melhor o senhor comer primeiro ― Kär disse e aguardou a<br />

reação do velho.<br />

Ele apenas o fitou.<br />

― Kär, confie em mim...<br />

― Coma! ― o semblante do garoto mostrava-se mais perverso a cada instante. ―<br />

Quero que você coma primeiro.<br />

Papai Noel não chegou a exprimir espanto ou surpresa, apenas sorriu conformado.<br />

― Você sabe o que vai acontecer, não é?<br />

― Não. Mas não confio no senhor ― o rapaz respondeu, resoluto. ― Não mais.<br />

― Esses biscoitos foram feitos com um veneno letal. Nem mesmo seres mágicos escapam<br />

da morte se comerem. E, se eu comê-lo, todo o ciclo do Natal será interrompido<br />

para sempre, pois não haverá um Papai Noel preparado para me substituir. Então, Kär, eu<br />

irei perguntar somente uma vez: você deseja, do fundo de seu coração, que eu morra?<br />

Kär imaginou que essa fosse uma tentativa de redenção do avô por não ter lhe dado<br />

um presente, e resolveu não desperdiçar a oportunidade.<br />

― Já era pra você estar morto, mesmo ― desdenhou.<br />

O velho fechou os olhos e balançou a cabeça, conformado.<br />

O garoto desejava que ele comesse logo o biscoito, antes que desse tempo de se arrepender<br />

e voltar atrás com o pedido. Por mais que o avô tivesse feito mal a ele naquele<br />

dia, ele sempre fora sua referência, seu ponto de apoio quando precisava.<br />

O avô voltou a sentar-se na poltrona. Pegou um dos biscoitos e, prestes a levá-lo à<br />

boca, falou:<br />

― Estou fazendo isso por amor a você, querido ― e deu a primeira mordida.<br />

Kär o observou mastigando lentamente, até engolir todo o pedaço do biscoito. O velho<br />

respirou fundo, e olhou para o rapaz. Aparentemente, nada acontecera.<br />

― Antes que o veneno aja, eu tenho algo para lhe dizer, filho.<br />

O garoto só ouvia e respirava.<br />

― Você recebeu seu presente, Kär. Não foi o que você achava que queria, mas recebeu.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 51<br />

― O quê?! O presente de vê-lo morrendo pela segunda vez? ― alfinetou, com os<br />

braços cruzados para parecer desafiador.<br />

― Eu não entrego presentes no dia de Natal ― respondeu, consternado. ― Aliás,<br />

você recebeu o seu antes de todos os outros. Exatamente na hora que você mais precisou.<br />

Um Kär incrédulo descruzou os braços e fitou os olhos do velho.<br />

― Na hora que eu mais precisei?<br />

― Ontem à tarde, na pilha de madeira. Não se lembra?<br />

― Está falando da garota que eu olhava? Que eu me lembre, meu desejo não foi<br />

“que ela fosse embora para sempre”.<br />

― Não estou me referindo a ela, mas a ele.<br />

O garoto caiu de joelhos com o peso da informação, e o velho se divertiu ao ver a<br />

reação do neto.<br />

― Mas eu não desejei nada... Muito menos que ele morresse...<br />

― Acalme-se. Se o seu desejo fosse a morte alheia ― Papai Noel pausou nessa parte,<br />

tamanha era a ironia da situação ―, você não receberia um presente. A carta que recebi<br />

continha outro desejo ― o “bom velhinho” pôde ver a surpresa estampada na face do neto.<br />

― Eu não mandei carta nenhuma...<br />

― Você não escreveu carta nenhuma... Mas ela está aqui ― disse, pegando o papel<br />

que estava lendo no momento da aparição do garoto. ― O importante é você desejar; e o<br />

resto fica por conta da magia. E você desejou, Kär. Você desejou sobreviver, com todas as<br />

suas forças.<br />

― Mas era preciso matá-lo para realizar meu desejo?<br />

― Infelizmente, era. Ele não iria parar até destruir as chances de ver a irmã com você,<br />

o garoto mais idiota da cidade ― Papai Noel parou ao ver que Kär chorava.<br />

― Então... Foi por isso que eu cheguei até aqui? Mesmo com fome, sede, frio...<br />

― Sim ― Papai Noel estava feliz por ver que ele entendia. ― Agora, todas as vezes<br />

que você desejar sobreviver, você sobreviverá.<br />

Um largo sorriso do velho atingiu o garoto com força. Kär estava completamente<br />

arrependido.<br />

― Mas por que você não disse antes? ― Kär ainda chorava. ― Não há um jeito de<br />

impedir que esse veneno o mate?<br />

― Não mais, meu neto. Você fez a sua escolha. Eu não poderia dizer que esses biscoitos<br />

eram venenosos, porque você simplesmente não acreditaria em mim e nunca saberia<br />

a verdade, imaginando o pior e tornando-se um homem amargurado por ter sido “ludibriado”<br />

a vida toda. Não é fácil viver assim, acredite.<br />

Kär, paralisado, viu o avô se levantar da poltrona e acender a lareira utilizando um<br />

bastão vermelho que estava por ali. De pé, observou o fogo subindo e tomando força até<br />

chegar ao seu ápice. Virou-se para Kär, que naquele momento não teve coragem de retribuir<br />

o olhar, e beijou sua testa. Sem mais tempo a perder, lançou-se à lareira.<br />

Kär gritou algo ininteligível. Ele não sabia se suportaria ver o avô morrer pela segunda<br />

vez ― e tendo o corpo destruído da mesma forma de antes.<br />

Os duendes, que andavam freneticamente para todos os lados, pararam subitamente,<br />

para depois se reagruparem em uma fila. Kär não os notou entrando como loucos no<br />

subsolo, e só voltou a vê-los quando vários deles apareceram ao seu lado, com pedaços de<br />

madeira e metal na mão, olhando para a lareira.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 52<br />

A cena era assustadora. O corpo do avô parecia entrar facilmente em combustão, e,<br />

em pouco tempo, praticamente desapareceu na fogueira.<br />

“Será culpa do veneno?”, pensou. “Será que havia realmente algum veneno?”<br />

A possível verdade soou como uma punhalada em sua mente. Ele ainda pensava se<br />

o pressentimento que tivera não teria sido apenas uma sensação ruim alimentada pelo ódio.<br />

O que o torturava era que ele nunca saberia se os biscoitos “envenenados” foram apenas<br />

uma invenção do avô para testá-lo. Conforme o raciocínio dele, quem toma veneno<br />

não precisa se lançar ao fogo para morrer.<br />

O primeiro duende da fila, sem fazer barulho, lançou no fogo os objetos que tinha<br />

em mãos, para depois pular na lareira. E, em seguida, outro duende fez o mesmo.<br />

Kär viu mais duendes empilhando-se sobre o fogo, queimando como se fossem os<br />

bonecos de madeira com os quais ele brincava quando era criança. O fogo aumentava e<br />

expelia uma fumaça densa, que cheirava a carne queimada.<br />

Os duendes foram, um a um, morrendo na fogueira e subindo pela chaminé em<br />

forma de fumaça ― fazendo o trajeto inverso que Papai Noel fazia em todas as vésperas<br />

de Natal. E a “fila de espera” parecia interminável.<br />

Alguns homenzinhos saíram pelo buraco que originalmente era o de descer, e sumiram<br />

pela porta afora, deixando-a aberta. Mesmo com o vento gelado que entrou ali, o fogo<br />

da lareira não vacilou.<br />

Logo, os duendes voltaram carregando pedaços de madeira que Kär reconheceu: o<br />

cercado das renas. Fizeram outra fila em frente à lareira, e foram “acendendo” as pontas<br />

das ripas com o fogo. Quando a madeira começava a queimar, eles a deixavam em qualquer<br />

lugar da casa. Alguns duendes pareciam encarregar-se de levar alguns dos pedaços<br />

de madeira para queimar o cômodo no subsolo.<br />

Rapidamente, o fogo se alastrou pela casa. As paredes de madeira começaram a estalar<br />

com as chamas, e a decoração ia sendo consumida também.<br />

Kär, ainda atônito, parou de olhar para a lareira e sentou-se no chão, envolvendo as<br />

pernas dobradas com os braços.<br />

O garoto não chegou a ver o grande trenó sendo arrastado para dentro da casa, ou<br />

as renas que corriam sem rumo nos campos nevados, gratas pela liberdade. Quase instantaneamente,<br />

o fogo cobriu o trenó e o pano escuro depositado sobre ele.<br />

O calor se aproximou mais, e Kär refugiou os olhos entre as pernas para que eles<br />

não fossem derretidos pela claridade das labaredas. Ele estava inapto a tomar qualquer<br />

decisão naquele momento, e por isso sabia de seu destino. Todas as lembranças do Papai<br />

Noel iriam sumir, inclusive ele.<br />

Se ele bem se lembrava, a condição do “presente” era que ele desejasse viver. E não<br />

era bem o que ele desejava no momento. Seu coração, antes possuído pelo ódio, agora se<br />

desvanecia em arrependimento.<br />

Talvez, se ele tivesse desistido de prosseguir com seu plano improvisado... Mas não<br />

havia tempo para pensar nisso. Ele, simplesmente, não aceitaria viver após ter feito tudo<br />

aquilo com o homem que ele mais amava no mundo.<br />

O fogo foi se alastrando pelo teto, até que algo em cima dele se desprendeu. Sua hora<br />

havia chegado.<br />

Uma ripa quebrada, com a ponta voltada para o seu peito, desceu sem piedade ―<br />

uma situação bem familiar, por sinal.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 53<br />

Uma morte indigna? Provavelmente não. Afinal, ele não havia sido um garoto tão<br />

bonzinho naquele ano.


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O O O EVENTO EVENTO TUNGUSKA<br />

TUNGUSKA<br />

TUNGUSKA<br />

Alfer Medeiros<br />

Alfer Medeiros, pseudônimo de Alexandre J. F. Medeiros,<br />

Um analista de sistemas que adotou a vida literária por diversão, e está adorando.<br />

Há décadas atuando somente como leitor, decidiu se aventurar também na escrita, e neste curto espaço<br />

de tempo chegou a duas conclusões: o caminho é árduo para o escritor iniciante, e existe muita gente<br />

boa na literatura fantástica brasileira se esforçando muito para obter o merecido reconhecimento.<br />

Lançou Fúria Lupina Brasil em 2010 e no ano de 2011 participou das antologias Asgard (Jambô) e<br />

Cursed City (Editora Estronho). Em breve sairá seu mais novo trabalho solo, Livraria Limítrofe.


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“As pessoas com privilégios preferem arriscar a sua própria destruição a perderem um pouco da sua vantagem material.”<br />

(John Galbraith, economista estadunidense, nascido em 1908, mesmo ano do “Evento<br />

Tunguska”.)<br />

Sibéria, cinco horas da manhã, o sol começava a surgir no céu desse lugar do planeta.<br />

Por ser verão, a neve não dominava a paisagem, mas isso não significava que o clima fosse<br />

necessariamente quente. Alguns charcos marcavam presença em pontos espaçados do belo<br />

local, dominado principalmente por grandes pinheiros.<br />

Em meio a esse cenário aparentemente deserto, um ser humano caminhava, atento,<br />

indiferente ao meio ambiente e ao frio que passeava preguiçosamente pelo seu corpo. Um<br />

caçador que esperava poder levar uma grande rena para sua aldeia e, se não fosse possível,<br />

se contentaria com pequenos animais. Por ser experiente, sabia bem como proceder<br />

para evitar encontros indesejáveis com lobos e ursos.<br />

O homem nunca questionou a vida simples que levava, aceitava de bom grado o<br />

pouco que tinha. Porém, algo o incomodava naquele dia, e ele não sabia ao certo qual era a<br />

origem de sua inquietude. Estava parado no meio de um pequeno descampado, olhando<br />

ao redor. Tudo parecia anormalmente silencioso, como se o tempo tivesse parado. Um ruído<br />

longínquo começou a se insinuar discretamente. O homem apurou a audição e, estupefato,<br />

não conseguiu identificar a fonte de tal barulho, que ia aumentando de intensidade a<br />

cada segundo.<br />

Parecia um trovão atravessando o céu, o que era muito estranho, pois o tempo não<br />

era chuvoso, sequer estava nublado. Outro fator que causou estranheza foi a continuidade<br />

desse ruído, que não cessava seu reverberar. Apreensivo, o caçador notou um clarão no<br />

céu, na direção norte, que surgia como se fosse uma estrela comum, mas que vinha crescendo<br />

até mostrar-se na forma de um objeto incandescente singrando os céus.<br />

O som aumentou em intensidade, mostrando-se agora não só como um trovão retumbante,<br />

mas também um assovio estranho. O cilindro de fogo parecia desacelerar, passando<br />

de uma velocidade alucinante, superior à do som, para uma próxima à de um avião<br />

comum de pequeno porte. Quando passou sobre a cabeça do caçador, a três quilômetros<br />

de altura, estava quase flutuando no ar, o que demonstrava não se tratar de um meteoro,<br />

pois existia certo controle em sua trajetória.<br />

Atingiu o solo a aproximadamente um quilômetro do local onde a testemunha humana<br />

assistia, estupefata, à cena inacreditável. O impacto não foi tão violento quanto se<br />

possa imaginar pelo tamanho do objeto voador, que possuía um comprimento equivalente<br />

a três vagões de um trem de carga. O solo foi sulcado por trezentos metros, no caminho<br />

entre o primeiro impacto e o ponto em que finalmente o avanço do objeto foi interrompido.<br />

Efetivamente, tratava-se de uma nave extraterrestre. Uma trilha de fogo e destruição<br />

tomou conta das proximidades da queda. O cilindro incandescente começou a emitir sons


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estranhos, por baixo dos ruídos da fuselagem resfriando sob a atmosfera fria. Inesperadamente,<br />

jatos de gases neutros, desconhecidos nesta parte da galáxia, foram expelidos por<br />

toda a extensão da espaçonave, em diversas direções. Isso extinguiu todos os focos de incêndio<br />

existentes, ao mesmo tempo que resfriou a superfície do objeto voador.<br />

A fuselagem apresentava pequenas rachaduras, que surgiam em pontos distantes de<br />

sua superfície e começavam a se espalhar, como se fossem teias de aranha criando vida e<br />

unindo-se em uma rápida simbiose. Cada pequeno pedaço proveniente desse arranjo desprendia-se<br />

e flutuava no ar, exibindo um campo de força transparente e luminoso em uma<br />

camada imediatamente inferior. O campo de força expeliu essa espécie de casca, mostrando<br />

que aquilo não era realmente a fuselagem da nave, e sim um tipo de proteção térmica,<br />

utilizada no momento da queda para manter a integridade do grande aparelho.<br />

Após a expulsão da crosta protetora calcinada, o campo de força se extinguiu, pois<br />

não havia mais energia para mantê-lo em funcionamento. Todos os recursos da nave foram<br />

redirecionados para que pudesse pousar sem sofrer mais danos do que os já existentes,<br />

e que não eram pequenos, pois ficaram visíveis as avarias em toda a extensão do objeto<br />

voador. Ao que parecia, houve uma forte colisão no espaço.<br />

Uma porta lateral começou a se deslocar em movimento de abertura, mas acabou<br />

emperrando, deixando visível apenas uma pequena fresta, através da qual uma pessoa<br />

adulta não conseguiria passar. Porém, o ser que se esgueirou por essa abertura não era<br />

humano, e para ele esse espaço foi suficiente para deixar a espaçonave e pisar pela primeira<br />

vez no solo do planeta Terra.<br />

Com três metros de altura, o visitante espacial usava uma espécie de traje que se adaptava<br />

perfeitamente ao seu corpo magérrimo e continha diversos bolsos. Sua pele da<br />

face, a única parte do corpo exposta, insinuava a textura de escamas, não tão grossas como<br />

as dos répteis terráqueos, mas pequenas e formando um padrão incomum de cores, variando<br />

do cinza ao verde escuro. Suas grandes mãos possuíam apenas três dedos, que não<br />

apresentavam ossos e articulações, sendo mais parecidos com pequenos tentáculos.<br />

No topo da cabeça, uma proteção similar a uma carapaça, pontilhada com pequenas<br />

protuberâncias em forma de espinho. Seu rosto era longo e fino, as narinas eram dois pequenos<br />

furos acima da boca, também pequena e sem lábios. Por mais exótico que fosse<br />

esse ser, nenhuma de suas características citadas até então eram tão marcantes como o<br />

mais extraordinário componente de sua anatomia alienígena: os olhos.<br />

De forma oval, grandes a ponto de ocupar um terço da face, os olhos do alienígena<br />

ostentavam uma coloração esverdeada, tal qual duas esmeraldas ricamente lapidadas pelo<br />

mais hábil dos joalheiros. Um brilho irreal insinuava-se no âmago das joias que compunham<br />

o sistema de visão da criatura, como se fossem galáxias diminutas aprisionadas em<br />

gemas preciosas.<br />

O visitante espacial analisou o estado da fuselagem externa da nave, chegando à conclusão<br />

de que esta não apresentava condições de uso. Era chegada a hora de tomar as providências<br />

necessárias. Tirou de um de seus inúmeros bolsos um pequeno objeto translúci-


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do e retangular, com pontos luminosos piscando sobre sua superfície. Esse objeto era um<br />

mini painel de controle das funções básicas da nave, e o comando nele selecionado foi de<br />

inutilização desse meio de transporte.<br />

Ao contrário do que possa parecer, o que aconteceu a seguir não foi uma cena de total<br />

destruição. Por fazer parte de uma raça altamente evoluída e consciente da importância<br />

do habitat para as espécies, sua nave possuía um recurso de degradação adaptável. Isso<br />

fazia com que, em caso de abandono, a nave absorvesse as características do solo em que<br />

estivesse depositada, tornando-se parte dele. Em menos de uma hora, todas estas toneladas<br />

de material estranho ao planeta seriam convertidas em minerais perfeitamente degradáveis,<br />

não havendo desequilíbrio nesse local pela inserção de composições químicas desconhecidas.<br />

Caminhando enquanto retirava um pequeno objeto de um de seus bolsos, o alienígena<br />

digitou alguns comandos rápidos e efetuou a leitura do aparelho. Recebeu a informação<br />

de que a única forma de vida animal em atividade ali estava bem próxima, e prestes a<br />

ficar frente a frente com ele.<br />

Quando o curioso caçador irrompeu pela trilha aberta pela queda da nave, a dez metros<br />

de distância, os dois pararam completamente.<br />

Seres de galáxias completamente diferentes se encararam, atônitos. Estranheza, medo,<br />

fascinação e curiosidade rodopiavam entre eles, como um imenso redemoinho tragando<br />

duas frágeis embarcações, em meio a um oceano escuro e ameaçador. O homem decidiu<br />

utilizar a única comunicação universal que conhecia: a violência. Rapidamente, puxou<br />

uma flecha da algibeira e com ela retesou a corda do arco, com o máximo de força que<br />

conseguiu imprimir ao instrumento.<br />

O extraterrestre também utilizou a única forma universal de se comunicar que possuía:<br />

a plena compreensão. Em um milésimo de segundo, lançou um fio de sua consciência<br />

na direção do homem, tocando sua mente como se gentilmente colocasse uma coleira em<br />

um cachorro de estimação, e a trouxe para junto de si.<br />

Ao experimentar sensações diversas às quais estava costumado, o caçador tentou correr,<br />

mas não tinha mais pernas; tentou gritar, mas não possuía mais pulmões; tentou formular<br />

um modo de escapar, mas não tinha mais cérebro. Sua mente fundiu-se à do estranho<br />

ser que vigiava, e foi conduzida para dentro do corpo do alienígena. Somente é possível<br />

compreender as intenções de alguém em sua totalidade quem estiver sob sua pele. Foi<br />

exatamente isso que ocorreu naquele momento.<br />

O homem não podia exercer qualquer tipo de controle sobre aquele corpo, afinal era<br />

um simples visitante. Apesar disso, conseguia vivenciar tudo o que os sentidos do seu<br />

hospedeiro captavam. E isso era fascinante, uma experiência única, que nenhum terráqueo<br />

teve o privilégio de experimentar.<br />

O tato captava ondulações da atmosfera, pulsações da terra, emissões de ondas vindas<br />

das plantas, dos insetos e do seu próprio corpo, que acabava de abandonar involuntariamente.


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Conseguiu sentir o odor de cada componente do solo sob seus pés, da umidade que<br />

cobria o ar com gotículas microscópicas, da respiração da floresta de pinheiros e da rala<br />

vegetação rasteira que servia de tapete àquele cenário isolado e livre do nocivo progresso<br />

da humanidade.<br />

Através da audição diferenciada do ser de outro planeta, foi possível captar o som da<br />

terra resfriando-se nos trechos onde a nave rasgou o chão, do suave estalar de uma folha<br />

seca tocada pela brisa. Não era simplesmente ouvir sons baixos ou distantes, mas também<br />

conseguir separar cada ruído distinto como se viesse por um canal de áudio diferente dos<br />

outros.<br />

Apesar de tudo isso, foi a visão o que mais o fascinou. Ele conseguia enxergar não só<br />

os objetos com luz refletida sobre eles. Era possível visualizar a estrutura molecular de<br />

tudo, os rastros dos movimentos no ar e a aura de energia em cada item do ambiente ao<br />

redor. A luz forte não ofuscava, a escuridão não ocultava.<br />

Esses momentos de experimentação com os sentidos alheios só foram possíveis graças<br />

à bondade do hospedeiro, que permitiu ao terráqueo desfrutar dessas percepções. Mas<br />

havia chegado o momento de focar no real motivo de tê-lo trazido até ali. A mente do alienígena<br />

tocou a do homem, e uma fração da memória de um foi compartilhada com o outro.<br />

O caçador sentiu-se operando a espaçonave, que oferecia múltiplas visões e leituras<br />

da galáxia. A velocidade era alucinante, mas para ele tudo isso parecia corriqueiro. Um<br />

alarme soou e diversas imagens em três dimensões de uma nuvem de asteroides sobrepuseram-se<br />

à sua frente. Leituras e alertas informaram que existia a probabilidade de setenta<br />

e oito por cento de colisão com algum asteroide dessa nuvem, via piloto automático. Era<br />

chegada a hora de manobras manuais.<br />

Por um tempo que não conseguiu precisar ao certo, assumiu os controles da espaçonave<br />

e manobrou insanamente em meio à ameaça suspensa no espaço. Seu corpo estava<br />

tenso, o cansaço começava a ficar cada vez mais preocupante e, por fim, um milésimo de<br />

segundo de hesitação decretou o seu destino. Uma formação rochosa de grande extensão<br />

surgiu de maneira inesperada e o choque foi inevitável. A colisão avariou a nave de modo<br />

a permitir somente um pouso forçado no planeta mais próximo: a Terra.<br />

Com toda a destreza de piloto experiente, conseguiu fazer uma varredura na superfície<br />

do planeta, de maneira a pousar em um ponto que fosse o mais desabitado possível.<br />

Os acordos estelares são muito claros em relação a ocultar a vida inteligente da galáxia dos<br />

habitantes pouco evoluídos da Terra. Dadas as condições da nave, o máximo que conseguiria<br />

era pousar na Sibéria. O campo de força suportou bem a entrada na atmosfera, e foi<br />

possível com o resto da energia diminuir a aceleração antes de tocar o solo.<br />

Leituras finais da nave demonstraram que os danos no aparelho eram graves e o indicador<br />

de energia mostrava o esgotamento total das reservas. O tripulante sobreviveu à<br />

queda, apresentando apenas exaustão física. Em funcionamento, restaram apenas os aparelhos<br />

portáteis de leitura e comunicação, guardados adequadamente nos bolsos do uni-


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 59<br />

forme. Segundo um deles, a atmosfera não era tóxica para o seu organismo, apesar de não<br />

ter todos os componentes necessários ao seu pleno conforto durante a respiração.<br />

Os pensamentos finais passados do extraterrestre ao humano foram referentes à sua<br />

comunicação de emergência. Um dos equipamentos que ele carregava tinha a capacidade<br />

de enviar um pedido de ajuda ao seu povo, mas precisava de uma grande quantidade de<br />

energia. Com algumas adaptações, seria possível extrair essa energia da água, desde que<br />

fosse em grande quantidade. Ele solicitou ao habitante local que indicasse em qual ponto<br />

dali poderia encontrar esse recurso.<br />

O homem concordou em auxiliá-lo, e como as mentes estavam unidas, o visitante<br />

soube que estava sendo sincero. Uma sensação parecida com uma vertigem, seguida por<br />

um choque de sentidos, atingiu o caçador. Quando se deu conta, estava de volta ao seu<br />

corpo. O rio Tunguska distava pouco mais de um quilômetro do local de pouso da nave. O<br />

sol já iluminava todo o ambiente, e os animais despertavam para mais um dia de vida. O<br />

humano iniciou sua caminhada, gesticulando para que o extraterrestre o acompanhasse.<br />

No caminho, o caçador começou a retornar à sua realidade, após os momentos incomuns<br />

que vivenciou. Sua caçada do dia havia sido comprometida com esse tempo gasto<br />

com o visitante indesejado, e agora seria muito mais difícil obter carne para levar à sua<br />

aldeia, e tudo isso a troco de nada. O fascínio anterior deu lugar ao ressentimento, fazendo<br />

com que se arrependesse de ter concordado em ajudar o estranho ser vindo do espaço.<br />

Sua sobrevivência era cada vez mais difícil, os recursos disponíveis não tinham sido<br />

muito abundantes e ele sofria pressão constante dos líderes de sua aldeia, por não apresentar<br />

o mesmo vigor de outros tempos. A idade vinha pesando sobre suas costas, e ele precisava<br />

de algo que garantisse seu futuro, que o tirasse daquela rotina tão sofrida e carente de<br />

recompensas.<br />

Naquele momento, ele invejou o ser que caminhava ao seu lado, cheio de confortos<br />

tecnológicos e com uma maneira fabulosa de apreciar a realidade. Em breve, estaria novamente<br />

entre os seus, enquanto o pobre humano enfrentaria mais um dia de trabalho árduo<br />

e humilhação. Pela primeira vez na vida, o homem ressentiu-se por não ter bens e<br />

conforto. Como ele gostaria de ter aquelas qualidades, aquele maquinário, o porte físico,<br />

aqueles olhos...<br />

Os olhos...<br />

Olhos...<br />

A mente do homem entrou em um looping ensandecido, onde um único pensamento<br />

se sobrepôs a todo o resto: possuir aqueles olhos de esmeralda, gemas do universo, chaves<br />

para a felicidade transcendental. Seus ouvidos ensurdeceram, seu corpo ignorou o frio, a<br />

floresta sumiu de seu campo de visão. Quando a insanidade tomou conta de seus atos,<br />

somente aquele brilho esverdeado duplo existia para ele.<br />

Inconscientemente, pegou a machadinha que trazia pendurada no cinto. Em movimento<br />

vigoroso formando um amplo arco, aliado a um salto, acertou a lateral da cabeça do<br />

alienígena que, desequilibrado pelo ataque inesperado, caiu. Em segundos, dezenas de


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golpes de machado laceraram o rígido pescoço do ser, fazendo com que, enfim, sua cabeça<br />

fosse separada do corpo. Sangue de brilho esverdeado escorria em profusão sobre a terra,<br />

soltando vapores decorrentes do contato daquele líquido, repleto de componentes estranhos<br />

a este planeta, com a atmosfera terrestre.<br />

Exultante, o caçador segurou a cabeça decepada na frente do seu rosto, encarando os<br />

fabulosos olhos do viajante inocente assassinado. Sim, eles valeriam uma fortuna! Finalmente,<br />

teria a riqueza que tanto ambicionou e deixaria este lugar maldito, que só trouxe a<br />

ele cansaço e tédio. Nem voltaria para a aldeia, apenas seguiria em frente, até encontrar<br />

mercadores com os quais pudesse negociar as maravilhosas joias. Sem perder tempo, partiu<br />

para seu destino.<br />

Para trás, deixou o corpo inerte do viajante estelar. Um detalhe do metabolismo do<br />

extraterrestre, porém, não era do conhecimento do caçador. Quando os de sua espécie<br />

morrem, iniciam em seus corpos um acelerado processo de decomposição. No seu ambiente<br />

natural, o corpo do alienígena levaria um dia para virar pó, de modo inofensivo. Na atmosfera<br />

terrestre, porém, o efeito foi bem diferente.<br />

O caçador notou um chiado discreto, vindo da cabeça que carregava. Ao olhar para<br />

ela, percebeu que os olhos esmeraldinos, objetos de sua cobiça e da perda de seus princípios,<br />

emitiam um brilho cada vez mais forte, como se chamas sobrenaturais ganhassem<br />

cada vez mais força em seu interior. Ele largou a cabeça no chão e começou a correr. Para<br />

sua ruína, era tarde demais.<br />

Na cabeça caída, o brilho esverdeado era cegante. E então se deu a explosão. Uma<br />

imensa bola de energia nasceu, expandiu-se e deslocou-se na atmosfera, devastando tudo<br />

o que encontrou pelo caminho, até que a energia liberada pela decomposição do corpo<br />

extraterrestre fosse extinta. Simples palavras não são suficientemente grandiosas para descrever<br />

o estrago causado.<br />

A explosão de trinta megatons causou perturbações no campo magnético do planeta,<br />

e ondas de choque atmosférico circundaram a Terra duas vezes. Em um raio de mais de<br />

dois mil quilômetros quadrados, florestas inteiras foram devastadas, tendo suas árvores<br />

arrancadas com raiz como se fossem meros gravetos secos. Toda a fauna da região também<br />

tombou ante a fúria de tal evento, inclusive o caçador e sua aldeia. O impacto na região<br />

foi tão descomunal, que até hoje o meio ambiente dali não se recompôs plenamente.<br />

Não podemos culpar o visitante das estrelas pelo ocorrido. Em primeiro lugar, ele<br />

não planejou essa passagem pelo planeta. Os danos não foram causados pelo seu equipamento,<br />

que era totalmente inofensivo, tampouco por alguma ação desse ser. A devastação<br />

causada pelo que hoje é conhecido como “Evento Tunguska”, ocorrido às sete e quinze da<br />

manhã daquele trinta de junho de 1908, teve como agente causador um mal que aflige a<br />

humanidade desde os tempos mais remotos: a ambição.


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Pai e Filho<br />

Alec Silva, Alfer Medeiros,<br />

Diego Alves, Eduardo Oliveira,<br />

Isaac Guedes, Mary Aline<br />

e Tracy Anne<br />

Enfim, chegamos ao oitavo conto, no qual os sete escritores irão unir histórias tão distintas num<br />

único evento.<br />

A ordem dos contos comanda a ordem que cada autor deu a sua contribuição para que este<br />

conto pudesse ser agora lido por você, caro leitor.<br />

Agradecemos por sua atenção até agora.<br />

Desejamos uma leitura maravilhosa e até breve.<br />

17h00 a 18h00<br />

Era final de tarde. As enfermeiras do quarto de um velho homem rico que estava<br />

prestes a morrer saíam. No quarto ficaram apenas aquele ancião e seu filho.


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Os dois permaneceram mudos, olhando-se por alguns minutos. O silêncio do quarto<br />

não era total devido aos aparelhos nos quais o pobre velho estava ligado. Um tubo levava<br />

oxigênio aos seus pulmões delicados; vários sensores ficavam colados ao corpo para medir<br />

os batimentos de seu coração e o aumento de sua pressão. Um tubo lhe servia de banheiro.<br />

Seu filho o olhava rindo. Não o riso de um rebento quando encontra seu pai e sente<br />

alegria por ele estar vivo. O sorriso que ele possuía era o sorriso de um vilão, um psicopata<br />

que planeja um modo de matar sua vítima.<br />

Era isso que o filho daquele senhor queria: matá-lo e ficar com toda a fortuna que ele<br />

possuía. Bastava apenas ser discreto e fazer tudo parecer que a hora do moribundo havia<br />

finalmente chegado. Para isso, se utilizaria dos valiosos minutos da troca de turno dos<br />

funcionários, que acontecia à meia-noite.<br />

O jovem maldoso decidiu passar o resto da noite com o pai, aproveitando as últimas<br />

horas de vida do velho para mostrar a ele quem seria o vencedor. O velho senhor foi o<br />

primeiro a quebrar o silêncio, pois adivinhou as intenções do filho, ao encarar seus olhos<br />

assassinos, repletos de ódio e cobiça. Decidiu tocar a consciência do jovem através de uma<br />

fábula, visto que o simples diálogo nunca funcionou entre eles. Ao término da história, ele<br />

passou a falar com o filho.<br />

— Entende o que eu tentei lhe dizer com esse conto, meu filho? — perguntou o senhor,<br />

sem obter resposta do filho. — Por favor, meu filho, não torne essa conversa um<br />

monólogo — insistiu, sentindo-se incomodado com uma sensação de enjoo que surgiu repentinamente.<br />

O filho pegou a cadeira em que estava e colocou-a mais próxima da cama de seu pai.<br />

— Vai querer me ensinar lições de moral através de histórias? Não seja ridículo —<br />

disse ele.<br />

— Não, meu filho. Quero apenas conversar contigo. Há tempos que não nos falamos;<br />

essa é a primeira vez em muito tempo que você fica perto de mim além de alguns instantes.<br />

O filho olhou para o pai e nada disse. Então o pai continuou a falar sobre o conto do<br />

cavaleiro Eriot.<br />

— A ganância do rei não lhe trouxe nada. Perceba que apenas fez com que seu filho<br />

o matasse, não suportando sua tirania.<br />

— Agora que disse, essa é a única parte de sua história da qual me lembro — disse o<br />

filho, rindo novamente.<br />

O velho tossiu algumas vezes. Esse simples esforço foi o bastante para fazer com que<br />

os aparelhos apitassem mais aceleradamente.<br />

— Não, meu filho, não é nessa parte que quero que preste atenção. Veja o exemplo<br />

do cavaleiro. Sempre honrado, lutou pelo próximo até o fim de sua vida.<br />

— Viver lutando por causas perdidas até outro alguém chegar e lhe matar não me<br />

parece algo digno de ser vangloriado — disse o mais jovem, com ar arrogante.<br />

— A sua morte salvou toda uma terra de ser desolada. E mesmo morrendo ele recebeu<br />

uma recompensa dos céus. É isso que a honra e a benevolência nos traz; caímos nas<br />

boas graças de Deus.<br />

O rapaz se levantou da cadeira e passou a andar em círculos pelo quarto. Parava apenas<br />

para dirigir a palavra a seu pai.<br />

— Muito me admira um homem de seu intelecto e riqueza acreditar nesse ser mitológico<br />

que chamam de Deus!


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 64<br />

— Deus, meu filho, é o amor. É aquela voz da consciência que nos alerta sobre o certo<br />

e o errado. Aproximar-se de Deus, cair nas graças Dele, significa que você é uma pessoa<br />

confiável, que vão amá-lo pelo que é e não por seu dinheiro.<br />

— Quer saber o que é Deus para mim? — começou a indagar, já irritado, o filho. — É<br />

o que temos dentro de nosso cofre, nas nossas contas de banco. Elas estão cheias de Deus.<br />

O pai começou a derramar lágrimas esparsas, porém repletas de dor e decepção. Ele<br />

chegou à conclusão de que conversas sobre o divino não surtiriam efeito sobre seu rebento.<br />

— Temo que o exército do mal já tenha invadido as fronteiras do seu coração de vez,<br />

meu filho.<br />

Uma hora havia se passado durante essa conversa. O filho do senhor enfermo viroulhe<br />

as costas, acendeu um cigarro e estava prestes a sair, quando o pai o chamou novamente.<br />

Não queria que aquela conversa acabasse daquele jeito, e estava pronto a fazer<br />

mais um esforço para trazê-lo à razão.


18h00 a 19h00<br />

[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 65<br />

O filho retornou, soltando a fumaça de cigarro que tanto incomodava o pai, parecendo<br />

pensativo. Olhou o velho com desdém, e ao mesmo tempo com um ar meditativo. Pensava<br />

em sua maldita sorte: ter um pai assassino. Sim, assassino. Matara a esposa e um dos<br />

filhos — seu irmão gêmeo, do qual o rapaz ainda sente muita falta, como se metade de seu<br />

ser tivesse sido arrancada de si.<br />

— Eu tenho outra história para contar — disse o pai, com a voz denunciando uma<br />

ponta de desespero.<br />

Não havia escolha. Era melhor ouvir a nova tentativa. Ele talvez pudesse rir muito da<br />

situação quando chegasse à sua casa, com o testamento em mãos e a riqueza entregue somente<br />

a ele, e não para instituições beneficentes.<br />

O velho tolo contou uma história mais apimentada, com uma jovem seminua, seios<br />

expostos para um unicórnio tarado. Um caçador roubou um chifre, matando o animal idiota.<br />

Sorrindo de forma debochada, o rapaz pensou que, se fosse ele o protagonista dessa<br />

narrativa de fantasia, teria estuprado a camponesa também. Já havia feito isso na faculdade,<br />

poderia fazer de novo, quando quisesse.<br />

— Caçador idiota! — exclamou o ouvinte, no término da segunda história. — Perdeu<br />

o chifre valioso para um cara que nem sei quem é!<br />

— Você não entendeu, não é? — perguntou o pai, decepcionado.<br />

― Entender o quê? Que um caçador se ferrou tentando pegar um chifre de diamante?<br />

O velho arfou, parecendo tomado pela decepção de ter um filho tão materialista e de<br />

tão pequena visão. Uma dor de cabeça incômoda começou a fazer-se presente.<br />

— Para os personagens, o unicórnio, a donzela e o caçador, a ambição determinou o<br />

destino de cada um deles — explicou, calmamente.<br />

— Quer me dizer que uma rapariga...<br />

— Olha o linguajar, rapazinho!<br />

O pai era um homem educado e com inúmeros princípios, e mesmo sabendo que seu<br />

filho, seu único filho — sobrevivente de um acidente de carro que ceifara as vidas de seu<br />

outro filho e da esposa, entes tão estimados — iria matá-lo quando chegasse a meia-noite,<br />

não permitiria que ele falasse como um bandido, um marginal, alguém sem o mínimo de<br />

educação.<br />

— Você não manda em mim, velho! — gritou o filho, pondo-se em pé, furioso.<br />

— Eu sei disso — a tristeza do pai era clara no seu tom de voz —, e é isso que muito<br />

me preocupa.<br />

Após o acidente tudo mudou. O filho tinha apenas dez anos, uma criança cheia de<br />

sonhos, que de repente perdeu o seu maior companheiro. Uma infância marcada e nada,<br />

nenhum esforço do pai mudou aquilo. Ele se afastou, renegou a sua família. Pelo menos<br />

até saber da grave doença do seu genitor, e de enxergar no seu testamento uma forma de<br />

compensação pelo crime que estava certo que o pai havia cometido.<br />

— Lembre-se do caçador que não deu ouvidos à mãe, e foi morto pela sua ambição!<br />

— pediu o doente, tentando convencer o filho. — Lembre-se da donzela que, por mais que<br />

tenha tido boas intenções, matou uma criatura sagrada! Lembre-se do unicórnio que, tomado<br />

pelo desejo, pela inocência, pôs a vida em risco mortal!<br />

— Todos eles foram uns tolos! O caçador foi imbecil por querer rever a família!<br />

— Você não...


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 66<br />

O amor realmente havia abandonado o coração do jovem, que não se importava mais<br />

com o que quer que fosse, não queria ter lembrança alguma da família que outrora teve.<br />

— A donzela participa do massacre e depois se arrepende? Que coisa mais patética! E<br />

o unicórnio? Que animal mais tarado! Bem feito ter morrido!<br />

O resultado da segunda fábula havia sido pior do que o da primeira.<br />

— Eu vou comer alguma coisa com a sua enfermeira. Ela é muito... você sabe! Talvez<br />

eu até...<br />

O filho riu, saindo do quarto outra vez, deixando um pai muito pensativo. Ainda faltavam<br />

um pouco mais de cinco horas para a meia-noite. Se não conseguisse convencer logo<br />

o filho, tudo estaria perdido.<br />

O relógio na parede marca 18h32. O tempo passa sem parar, e a morte se aproximava<br />

cada vez mais. Aproveitaria o tempo para pensar numa terceira tentativa.<br />

Não queria perder o filho tão amado por causa de uma loucura. Isso nunca!


19h00 a 20h00<br />

[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 67<br />

Cruzou os braços, observando a enfermeira que revisava os equipamentos que mantinham<br />

seu velho pai vivo. Não fora uma boa ideia ir até a cozinha, pois a sua ida fez a<br />

enfermeira presumir que o senhor da casa precisava de ajuda. E ali estava ela no quarto<br />

novamente.<br />

A enfermeira deixou o local, dando um sorriso doce ao velho senhor, que agradecera<br />

a atenção.<br />

— Tenho mais uma história para lhe contar, filho.<br />

O filho soltou um longo suspiro. Aquelas histórias estavam começando a irritá-lo.<br />

— Conte! — resmungou, sentando-se na cadeira ao lado da cama.<br />

O pai narrara novamente outra fábula. Não poderia negar ao seu coração essa esperança<br />

de alcançar o coração do filho. Não, nunca perderia essa esperança.<br />

Essa nova fábula narrara a história de dois amigos que possuíam uma ambição de<br />

descobrir a verdade de um mito. Descobrir se lendas sobre vampiros eram apenas lendas,<br />

ou se de fato existia uma verdade que iniciou essa história fantasiosa. Os dois amigos<br />

queriam saber se vampiros existiam. Um deles descobriu e chamou a amiga para mostrar<br />

as provas que um dia prometera a ela.<br />

— A ambição pelo desejo da descoberta se tornou algo que os deixou completamente<br />

cegos, fazendo-os aceitar até mesmo se tornarem monstros — concluiu o velho homem,<br />

respirando mais rápido enquanto falava.<br />

O esforço de falar estava equivalendo a uma maratona, e o enfermo mostrava-se cada<br />

vez mais abatido, por conta de um esforço que não mostrava frutos. Seu filho parecia irredutível.<br />

— Eles alcançaram o objetivo que queriam — disse o jovem, parecendo ter gostado<br />

dessa história em particular.<br />

— Porém, deixaram de ser humanos.<br />

— Eles ganharam muito mais se tornando vampiros do que continuando humanos.<br />

— Eles se tornaram monstros, não entende isso?<br />

— Ora, eles conseguiram a vida eterna... poder! Por que não ter poder? É o que todos<br />

querem. Eles conseguiram, e o preço por isso foi justo.<br />

— Sem pensar duas vezes nas consequências que a vida traria.<br />

— Quais consequências?<br />

— Eles nunca teriam uma família de verdade — o tom do pai foi quase de súplica.<br />

As questões morais propostas não atingiam seu filho.<br />

— Eu sou humano e também não tenho. Nem por isso sinto falta — levantou-se, novamente<br />

irritado. — Vou dar uma volta no jardim. Escutar suas ladainhas enche o meu<br />

saco.<br />

Dessa vez, o pai não teve a chance de repreender o filho pelo linguajar, pois ele saiu<br />

do quarto a passos largos, sem abrir possibilidade para uma reprimenda.


20h00 a 21h00<br />

[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 68<br />

O homem doente abriu os olhos, cansado de fingir que estava dormindo. Como ele<br />

imaginava, o filho o encarava sentado na poltrona que ficava perto da cama.<br />

— Vai tentar me contar outra história? — ele perguntou, com certo ar de divertimento,<br />

assim que viu o pai abrir os olhos.<br />

Ironicamente, os olhos, que há muito tempo não eram calorosos ao encontrar com os<br />

do pai, encaravam o teto. O jovem parecia apreciar as tentativas de convencimento do pai,<br />

como se fosse uma criança malvada torturando um animalzinho indefeso.<br />

— Você negaria uma tentativa desesperada a um homem?<br />

A dor de cabeça piorava.<br />

— Desesperada... — o rapaz deu uma rápida risada debochada. — É bom ouvir isso<br />

de você. Queria saber o que você realmente está sentindo, a partir dessa atuação de contador<br />

de histórias, moribundo.<br />

Uma sombra de sorriso surgiu no rosto dele, embora tal expressão pudesse ser ainda<br />

mais aterradora que a anterior. Havia alguma coisa diferente naquele rapaz tão perturbado<br />

pelos fantasmas do passado.<br />

— Será possível que você, ao me contar essas histórias, acaba recordando-se da época<br />

em que eu era apenas um garoto? Você se sente jovem novamente?<br />

— Não me negue este último esforço, na tentativa de trazê-lo à luz da razão.<br />

— Pelo jeito, há muitas coisas que você não quer que eu lhe negue... Vamos, comece<br />

logo a contar a história! Esse monólogo está me cansando.<br />

Embora estivesse cansado e sua cabeça doesse, o senhor passou quase uma hora contando<br />

ao filho a história de um necromante que quis ser o Deus da Morte.<br />

O final da história foi acompanhado pela risada do rapaz.<br />

— De novo a ganância não traz bons resultados. Vamos, pai, me fale: por que é errado<br />

querer poder?<br />

O velho observou o filho mais uma vez, sentindo a garganta fechar de frustração.<br />

— Por que você geralmente causa dano aos outros quando busca o poder, meu filho.<br />

— Ora, essa é a tal última tentativa desesperada? — ele se levantou, aproximando-se<br />

da cama do pai. — Por que é errado causar dano aos outros? Uns perdem para outros poderem<br />

ganhar. O verdadeiro vencedor busca resultados, independentemente dos meios<br />

para alcançar esse objetivo final.<br />

O homem sentiu o coração acelerar quando resmungou arfante:<br />

— Não foi isso o que eu lhe ensinei.<br />

— Essa é a questão. Quem é você para me dizer o que eu devo fazer? — ele segurou o<br />

pulso do pai, apertando-o. — Por quanto tempo eu vivi guiado pelas suas verdades? Por<br />

quanto tempo eu segui pelos conceitos dos outros? Eu prometi a mim mesmo que nunca<br />

mais seria você. Portanto, não me venha com falso moralismo.<br />

As máquinas apitaram como loucas. A enfermeira entrou imediatamente no quarto,<br />

exaltada, pedindo para que o rapaz se retirasse até que ela conseguisse acalmar o senhor.<br />

Ele saiu, com um esgar de nervosismo no rosto e os olhos atormentados do pai acompanhando-o<br />

até que ele sumisse pelo vão da porta. Os dois estavam alcançando seus<br />

limites de tolerância àquele embate de conceitos morais contra o ímpeto assassino. O cansaço<br />

poderia trazer ações inesperadas de qualquer um dos lados, e o ancião estava ciente<br />

de que sua fragilidade o colocava em desvantagem nessa luta. A exaustão trouxe um peso<br />

à consciência do senhor doente.


21h00 a 22h00<br />

[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 69<br />

O pai sentia que seu fim estava próximo. Agora, além de combater os impulsos psicopatas<br />

do filho, deveria também travar uma batalha interna, contra todos os sentimentos<br />

de arrependimento e culpa, renascidos de lembranças que buscavam desesperadamente<br />

em quais pontos falhou como pai.<br />

Havia se arrependido de tudo o que fizera, da pouca atenção que dera a seu filho,<br />

embora sempre estivesse ao seu lado. Percebeu que havia perdido muito tempo e só agora,<br />

quando estava morrendo, entendia o real sentido de sua existência. Durante toda a sua<br />

vida foi um homem frio e calculista, não queria que seu filho fosse igual a ele, queria lhe<br />

ensinar algo de virtuoso.<br />

Mas como?<br />

O filho, quando criança, esperava dele carinho. Tinha tudo o que um garoto sonhava,<br />

entretanto o mais importante lhe faltava e ele se perguntava de que tudo aquilo adiantava<br />

se ele não tinha o amor do pai.<br />

Cresceu com uma grande amargura no coração, e aquilo que nas outras famílias se<br />

chamava amor, na dele era ódio e tristeza. O vazio do seu coração foi preenchido com rancor<br />

e desprezo, tornou-se um homem descrente e perverso.<br />

O jovem estava no jardim. Olhava as flores, pensava friamente no pai que não duraria<br />

muito tempo. Maquinava em sua mente uma forma de matá-lo mais depressa, ficando<br />

com toda a herança.<br />

A sua consciência estava mudada, fora do normal. Era a experiência que vivera por aí<br />

afora que o fizera ser o que era agora, alguém que o fazia ter orgulho.<br />

Entrou no quarto, sem que ninguém percebesse e viu que o pai ainda estava acordado.<br />

Encarou-o com um olhar fixo. Quis acabar de uma vez por todas com aquela história.<br />

— Filho, escuta-me, por favor! ― pediu o pai, que estava com dificuldade na fala.<br />

― Não me vai dizer que contará outra história ― respondeu rispidamente. — Estou<br />

ficando farto de toda essa conversa jogada fora.<br />

― A única coisa que posso fazer agora é tentar. Vai negar o pedido de um moribundo?<br />

Dê-me essa chance... — um acesso de tosse cortou a frase antes de sua conclusão.<br />

― Conte-me, então! — foi a resposta do filho, enquanto cruzava os braços e sentavase<br />

pesadamente na poltrona.<br />

O filho ouviu a história atentamente, entretanto parecia distante, ora olhava para o<br />

pai, ora olhava para o teto do quarto. Visivelmente, estava ficando farto de tudo aquilo.<br />

Amaldiçoava o tempo, que parecia parar, privando-o de finalmente encontrar sua tão esperada<br />

meia-noite.<br />

― Agora você compreende? Lancei mão de uma história mais simples, porém de igual<br />

importância para convencê-lo a desistir desse seu plano cruel — a voz do pai era basicamente<br />

um sussurro, entrecortado por sua respiração ofegante.<br />

― Suas histórias são chatas.<br />

― Você não entende ainda, não é?<br />

― Claro que entendo! <strong>Sete</strong> aventureiros em uma ilha em busca de um tesouro. Isso<br />

tudo é patético!<br />

― Lembre-se que os únicos que se salvaram foram os que não ambicionavam mais do<br />

que lhes era proposto.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 70<br />

― O que isso importa? Histórias, meu pai! São apenas histórias, lendas e nada mais.<br />

Na verdade, o bonzinho sempre se ferra. E dou minha palavra de que não sairei desta casa<br />

sem alcançar meus objetivos.<br />

― Só quero que você se liberte da caverna sombria antes que seja tarde de mais.<br />

― É você quem está no leito de morte — um sorriso insano rasgou o rosto do rapaz.<br />

― Então por que você não deixa as coisas seguirem seu rumo natural? — finalmente<br />

parecia que o velho senhor havia encontrado uma brecha na couraça do filho.<br />

— Porque você é um maldito teimoso, que se agarra a essa vida ridícula como um filhote<br />

de macaco à sua mãe! — ele se levantou, parecendo finalmente ter decidido dar um<br />

fim à vida do pai, atacando-o nesse instante. — Mas eu não abandonarei meus planos —<br />

disse em seguida, parecendo recobrar parte da frieza que o guiou até então.<br />

— Eu sei que não. Afinal, você herdou a minha teimosia – o velho lançou essa pequena<br />

farpa, pois não aguentava mais tanto desaforo.<br />

A única reação do filho foi virar-lhe as costas e olhar pela janela do quarto. Precisava<br />

aliviar a tensão que o consumia.


22h00 a 23h00<br />

[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 71<br />

Ao contrário do jovem, o ancião via os minutos sumirem diante de si, como folhas<br />

secas lançadas ao vento. O esforço para contar as histórias ao filho — e o tempo para<br />

construí-las de modo que surtissem algum efeito no coração do jovem ambicioso — o<br />

estavam exaurindo. O tempo era seu segundo inimigo.<br />

— Vamos lá, velho — o filho voltou para junto do leito, tirando de um bolso um<br />

papel cujo conteúdo o pai não conseguiu distinguir. — Estou pronto para mais uma<br />

história — ele sorriu com escárnio.<br />

— Está gostando de ouvir a...<br />

— Na verdade — o filho disse, fingindo estar pensativo —, quanto mais rápido você<br />

começar, mais rápido a história termina. E eu estou louco — ele ironizou — para saber<br />

como mais uma emocionante história irá se desenrolar.<br />

O velho retribuiu com uma risada sem graça. Tremeu ao puxar fôlego, fazendo<br />

nascer uma risada no canto da boca do filho, e emendou com o início da história.<br />

A história demorou mais que o tempo habitual. Porém, tomado pela resolução de<br />

que seria mais divertido aproveitar cada passagem do conto para depois zombar do velho,<br />

ouviu pacientemente toda a narração.<br />

— Agora sim — o rapaz comemorou, levantando as mãos. — Estou feliz, agora. Até<br />

que enfim!<br />

O velho deu um sorriso sincero.<br />

— E então, meu filho?<br />

Havia chegado o momento pelo qual o jovem esperou.<br />

— Você pode escolher a resposta: “Estou feliz porque essa história chata acabou”,<br />

“Não sei como você conseguiu chegar vivo até o final dessa história”, “Que lindo... Você<br />

até usou o Papai Noel dessa vez... No próximo conto teremos o quê? Pássaros e esquilos<br />

cantando? Princesas dançando ao ar livre?”, ou ainda “Estou me sentindo num maldito<br />

livro das Mil e Uma Noites”! — ele enumerou. — E então, decidiu com qual vai ficar?<br />

O sorriso do pai sumiu. Ele fez um gesto negativo e desaprovador com a cabeça.<br />

— Mas por que, hein? — o filho debochou. — Por que os ambiciosos das suas<br />

histórias sempre perdem no final?<br />

— Porque é assim, filho...<br />

— Não é, e você sabe! — o filho acusou, com razão, dessa vez. — Não sou eu quem<br />

vai ensinar que o mundo é injusto com todos, certos ou errados. O sol brilha para todos, e<br />

a chuva molha igualmente os santos e os pecadores.<br />

O velho estancou. Não queria ouvir do filho a realidade do mundo. Ele devia tomar<br />

as rédeas do momento e tentar passar, pela sexta vez naquela noite, uma lição de moral<br />

acerca do comportamento ambicioso do seu algoz.<br />

— Se me dá licença, pai — o jovem contorceu os lábios —, vou deixá-lo pensando...<br />

na última história que o senhor irá contar. Estou ficando de saco cheio disso tudo, e<br />

preciso de uma motivação adicional para aguentar até o horário de troca dos funcionários<br />

— abriu a porta do quarto e, antes de sair, voltou-se para o pai com um sorriso falso,<br />

tentando disfarçar sua exaustão. — Vou até ali “farejar” a disposição que preciso para<br />

aguentar sua última tentativa, se é que você me entende...


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 72<br />

Com profundo desgosto, o pai recebeu a confirmação de algo que o assombrava nos<br />

últimos tempos, uma dúvida que torcia que fosse infundada, mas que nesse instante, como<br />

um tapa na cara, foi lançado sobre si.<br />

— Mas você nem...<br />

— Não sei se o senhor percebeu — o filho disse já do lado de fora do quarto, apenas<br />

colocando a cabeça no campo de visão do pai. — Essa história demorou bem mais que as<br />

outras.<br />

O velho se assustou ao ouvir a porta se fechar violentamente, despertando uma<br />

imensa vontade de chorar. Pela primeira vez, o filho havia dito algo conciso — e real —<br />

acerca da ambição. Ele mesmo era o exemplo vivo de que a conquista de poder anda de<br />

mãos dadas com a ambição. Para suportar o desgaste de viver remoendo-se de ódio e<br />

cobiça, o filho abriu mão do uso de um veneno que somente piorava seu quadro psicótico.<br />

Isso explicava as alterações de humor, os pensamentos fora de nexo, o sarcasmo, as<br />

frases em tons de alguém entre a razão e a emoção extremas.<br />

O enfermo refletiu, tentando imaginar qual seria o melhor modo de aproveitar a<br />

última hora com o filho, e pôs-se a pensar na sétima história — provavelmente, sua última<br />

chance — e em como ela seria recebida pelo jovem entorpecido.


23h00 ao final de uma vida<br />

[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 73<br />

— Esta nova dose de medicação vai ajudar um pouco a aliviar sua dor de cabeça —<br />

diz a enfermeira, aplicando uma injeção ao tubo que leva o soro ao braço do enfermo. — O<br />

senhor tem certeza de que não quer dormir um pouco? Perece tão cansado...<br />

— Não se preocupe comigo. Agradeço sua ajuda, mas agora preciso ficar só. Meu<br />

filho retornará em breve ao quarto, e temos uma conversa importante. Caso precise, eu<br />

tocarei a campainha.<br />

— Tudo bem. Com licença.<br />

Por um segundo, o homem pensou em pedir ajuda à enfermeira, solicitando a ela que<br />

chamasse a polícia. Porém, ao pensar melhor, decidiu não fazê-lo. Preferia morrer a ver<br />

seu único filho na cadeia. Aquela pendência deveria ser resolvida somente entre os dois, e<br />

ele estava decidido a ir até o final desse embate, fosse qual fosse o seu desenlace.<br />

O remédio começou a fazer efeito, e a dor que tanto o atormentava diminuiu. Isso o<br />

deixou mais confiante de poder ter maior clareza de pensamento. Só temia o estado no<br />

qual o filho regressaria ao quarto, pois nunca o havia visto sob o efeito excessivo de<br />

drogas. Será que ele se tornaria ainda mais violento? Saberia avaliar as consequências de<br />

seus atos, ou se tornaria uma fera finalmente livre de amarras morais, pronta a saciar sua<br />

sede de sangue?<br />

A resposta veio rápida. Um esbarrão no batente da porta denunciou a chegada do<br />

rapaz. Ele estava visivelmente em um estado alterado. Suas mãos tremiam levemente e<br />

seus olhos estavam arregalados. Havia exagerado na dosagem desta vez. Andando<br />

rapidamente, aproximou-se do pai.<br />

— Ah, agora sim eu consigo encarar essa reta final!<br />

De perto, foi possível notar que suas pupilas estavam dilatadas. Ele suava e nos<br />

cantos da boca insinuava-se um leve traço de uma saliva de textura grossa.<br />

— Agora sou o dono do mundo! Se quiser contar mais uma historinha, que seja bem<br />

diferente dos contos de fadas que apresentou até então, pode contar!<br />

Inquieto, ele permaneceu andando pelo quarto, parecendo uma fera enjaulada.<br />

Alternava olhares de desafio e temor ao pai. Olhos insanos pareciam querer saltar das<br />

órbitas, enquanto giravam freneticamente. O pai notou que precisaria tocar fundo na<br />

mente do drogado, e para isso decidiu evocar uma lembrança de sua infância, uma<br />

história real que intrigou tanto a ele quanto a seu irmão. Quem sabe isso não o traria de<br />

volta à razão? Isso demandaria muita capacidade de improviso e criatividade da parte do<br />

velho, mas ele estava confiante, pois a dor que o incomodava dissipava-se cada vez mais.<br />

Foi então que citou o Evento Tunguska, um acontecimento da Sibéria que havia<br />

intrigado as crianças, quando elas tiveram contato com o artigo de uma revista científica<br />

que estudava as possíveis causas desse fenômeno ocorrido no início do século XX.<br />

No início, pareceu que a estratégia havia sido bem sucedida. O rapaz sentou-se na<br />

poltrona e passou a ouvir atentamente, quando percebeu que o assunto remetia a um<br />

momento que passou junto ao irmão falecido. Porém, logo no início da narrativa, ele<br />

voltou ao seu estado de inquietude, e o pai teve de apelar para a aparição de um ente das<br />

estrelas, algo incomum para amarrar a atenção do seu rebento enlouquecido.<br />

O filho levantava-se e sentava-se em um ritmo anormal, mas mesmo assim pareceu<br />

prestar atenção a toda a história. Ao final, ele encarava o pai, e sua respiração estava mais<br />

entrecortada. Suas roupas estavam empapadas de suor e ele espumava pela boca.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 74<br />

— Você foi buscar um homem das estrelas para me convencer, porque na Terra não<br />

há quem consiga, não é mesmo? — perguntou o rapaz, enrolando-se com as palavras.<br />

— Esqueça o extraterrestre. A importância de tudo está no caçador. Você é esse<br />

personagem — as forças pareciam retornar ao corpo fragilizado do velho senhor. — O seu<br />

estado deplorável permite que você entenda o que quero dizer, ou o veneno já deteriorou<br />

sua capacidade de raciocínio?<br />

Em um último esforço desesperado, o pai decidiu abandonar a postura defensiva que<br />

adotou até então, e partir para um ataque direto. O resultado disso era imprevisível, pois<br />

surpreender e desconcertar o filho àquela altura dos acontecimentos, vulnerável, porém<br />

fora de si, poderia conduzir a ações extremas. Mas não havia mais tempo para tentar rever<br />

conceitos, pois faltavam aproximadamente quinze minutos para a meia-noite. A flecha foi<br />

lançada, a palavra foi proferida, e não era possível voltar atrás.<br />

— Eu quero seus olhos de rubi, seu maldito! — gritou o filho, iniciando um choro<br />

descontrolado.<br />

— E quantos você pretende arrastar para o seu abismo de perdição? Você acha que<br />

pode sair impune desse seu plano maldoso? — a voz do pai recuperava aos poucos seu<br />

vigor.<br />

Assemelhava-se ao canto do cisne, o único som que essa bela ave emite, no momento<br />

próximo de sua morte.<br />

— A vida é regida pela lei de ação e reação. O que você joga no mundo, volta para<br />

você. Pode demorar uma semana, uma década ou uma vida inteira. Mas tenha a certeza de<br />

que não ficará impune!<br />

Isso foi mais do que o ambicioso rapaz pôde suportar. Aquela alteração na postura<br />

do pai o deixou confuso e fez ruir todas as muralhas de autoconfiança e sensação de poder<br />

que ele havia erigido por tanto tempo. O frágil velho, que era somente lamentações e<br />

súplicas, de repente o encarava, no alto de seu leito de morte. Seria uma alucinação<br />

causada pela droga? Pela primeira vez, ele se arrependeu de ter usado aquela dose imensa<br />

de entorpecente. Estava suportando tão bem aquela noite maldita com uma quantidade<br />

minúscula! Por que foi usar mais, usar uma dose acima da que estava acostumado? Logo<br />

na reta final de seu plano, colocou tudo a perder.<br />

Seu corpo seguiu a queda em espiral que sua mente iniciou. A euforia causou<br />

taquicardia; a ansiedade agravou seus tremores; e finalmente a paranoia fez com que<br />

perdesse o controle de seus atos, lançando-o em uma ação desesperada, tal qual um<br />

caminhão desgovernado.<br />

Os funcionários da casa, atraídos pelo barulho no cômodo, adentraram o quarto em<br />

estado de alerta. Todos temiam pela saúde do dono da propriedade, e o alarde causado ali<br />

denotava que algo poderia estar errado com ele.<br />

A grande surpresa foi encontrar o filho estirado no chão, com os olhos esbugalhados,<br />

a boca espumando e sem respirar. O pai o fitava com olhos surpresos, parecendo não<br />

acreditar no que via. Rapidamente, os profissionais de saúde presentes prestaram os<br />

primeiros socorros e providenciaram o transporte do rapaz até o hospital mais próximo.<br />

Porém, seus esforços foram em vão: ele havia sofrido um infarto fulminante, sem chances<br />

de mantê-lo ligado ao mundo dos vivos.<br />

Quando cessou toda a movimentação para salvar a vida do rapaz, a enfermeira foi<br />

checar se o patriarca precisava de algum tipo de calmante para tentar amenizar o estresse


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 75<br />

da situação pela qual havia passado. Por ironia do destino ou não, tomada de assombro,<br />

ela percebeu que o senhor enfermo já não respirava, e que seu corpo já esfriava.<br />

Pela segunda vez naquela noite, todo o esforço daquelas pessoas para salvar uma<br />

vida foi em vão. Pai e filho partiram deste mundo no mesmo dia. Mais uma vez, a ambição<br />

do caçador carregava inocentes em sua trilha destrutiva. Ironicamente, o relógio do quarto<br />

marcava meia-noite quando a enfermeira finalmente descobriu o corpo sem vida do seu<br />

contratante.


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 76<br />

Apêndice


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 77<br />

Finais Finais Alternativos Alternativos do do do conto<br />

conto<br />

Pai Pai e e e Filho<br />

Filho<br />

E aí? Curtiu o final do oitavo conto? Era o que esperava? Não?! Queria um final diferente?<br />

Pois bem, temos dois finais. Escolha o melhor e boa leitura!<br />

Final Alternativo 1:<br />

Os funcionários da casa, atraídos pelo barulho no cômodo, correram na direção do quarto,<br />

temendo que a algazarra fosse uma forma de alarme dada pelo filho, ao notar algum problema com<br />

o pai.<br />

Ao chegarem à porta do quarto, foram literalmente atropelados pelo jovem drogado, que<br />

disparou pela saída da casa, tomado de horror. Imediatamente, foram checar os sinais vitais do<br />

idoso, que parecia estar bem melhor do que no início daquela noite. Seu semblante era tomado por<br />

uma serenidade inesperada naquela situação, em contraponto ao desespero e desequilíbrio que o<br />

filho apresentou ao sair.<br />

Foram necessários poucos minutos para que a notícia chegasse à casa. O jovem havia sido<br />

atropelado na estrada próxima à propriedade, no meio da qual o rapaz corria e gritava<br />

alucinadamente. Era exatamente meia-noite quando o telefone da casa tocou, trazendo a trágica<br />

notícia de falecimento.<br />

Por anos e anos, o pai manteve-se agarrado à vida, sempre imerso em meditações nas quais<br />

buscava respostas para os acontecimentos catastróficos que envolveram sua família, e que agora o<br />

deixaram só.<br />

Este não foi um final de vida sereno para o pobre homem.<br />

Final Alternativo 2:<br />

Os funcionários da casa, atraídos pelo barulho no cômodo, correram na direção do quarto,<br />

temendo que a algazarra fosse uma forma de alarme dada pelo filho, ao notar algum problema com<br />

o pai.<br />

Ao chegarem à porta do quarto, foram literalmente atropelados pelo jovem drogado, que<br />

disparou pela saída da casa, tomado de horror. Imediatamente, foram checar os sinais vitais do<br />

idoso, que parecia estar bem melhor do que no início daquela noite. Seu semblante era tomado por<br />

uma serenidade inesperada naquela situação, em contraponto ao desespero e desequilíbrio que o<br />

filho apresentou ao sair.<br />

Foram necessários poucos minutos para que a notícia chegasse à casa. O jovem havia sido<br />

atropelado na estrada próxima à propriedade, no meio da qual o rapaz corria e gritava<br />

alucinadamente. Era exatamente meia-noite quando o telefone da casa tocou, trazendo a trágica<br />

notícia de falecimento.<br />

Por incrível que possa parecer, o velho enfermo faleceu duas semanas após a violenta morte<br />

do filho. Desconcertados, os funcionários lamentavam-se pela falta de sorte daquela família, que<br />

sempre se viu envolta pela fatalidade. Não havia mais herdeiros vivos para a fortuna da família, e<br />

ficaria nas mãos da justiça a decisão de quem ficaria com as propriedades. Os que trabalharam<br />

naquela casa ficaram com a seguinte certeza: eles não gostariam de permanecer ali, em um local tão<br />

impregnado de má sorte...


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 78<br />

Próximos Volumes, Participações<br />

e Esclarecimentos<br />

Muita gente, no decorrer da preparação deste volume, procurou-me interessado em<br />

participar e saber mais sobre o Projeto Se7e <strong>Visões</strong>, o que muito me animou a criar mais volumes.<br />

Para o segundo e o terceiro volumes, que serão organizados respectivamente por Alfer<br />

Medeiros e por mim, estamos preparando algumas coisas bem legais e interessantes, e<br />

já iniciamos a seleção de autores para esses próximos.<br />

Não recebemos textos para análise, como fazem outras antologias, mas estamos abertos<br />

a ler o seu estilo, escritor e/ou poeta, pois não queremos que você crie um texto visando<br />

participar da obra, mas sim que participe visando criar um texto.<br />

Não cobramos valores para ser um Visionário ou para qualquer outra coisa, afinal o<br />

sentido deste projeto existir é abrir uma oportunidade a quem precisa de uma, é unir autores<br />

de todas as idades, estilos, gêneros, etnias, lugares e credos, fazê-los compartilhar sonhos<br />

e visões sobre o mundo.<br />

Neste volume que se encerra, por trás dos 7 contos individuais e do coletivo, da capa,<br />

do prefácio gentilmente feito por Eric Musashi, um amigo e parceiro literário, de cada detalhe<br />

que poderá haver em edições futuras, tudo isso foi conseguido por meio de colaborações<br />

e doações – não em dinheiro, mas em ajuda voluntária e gratuita.<br />

É muito fácil reunir escritores sem conhecê-los e com textos prontos para formar um<br />

livro, mas a situação é muito diferente quando se reúne amigos e se troca horas de mensagens<br />

virtuais por várias redes socais até que se tenha um tema legal, uma estrutura diferenciada.<br />

Eu perdi horas e muito dinheiro indo à lan house para ler e revisar contos, responder<br />

recados e e-mails, reunir Visionários, correr atrás disso e aquilo. E o faria de novo só pelo<br />

prazer de no final do trabalho ter reunido amigos e ajudado a alguns a acreditarem em<br />

seus sonhos.<br />

Em nome de toda a equipe da Crazy Artística, que ainda engatinha, e dos membros<br />

iniciais do Projeto Se7e <strong>Visões</strong>, agradeço a você, leitor, escritor, poeta, amigo, que parou<br />

um pouco e leu esta antologia. Espero muito em breve poder trazer novamente mais contos<br />

e – quem sabe – poesias incríveis de autores que você conheça ou ainda não, mas que<br />

aprenderá a gostar afinal nosso país tem muitos talentos ainda ocultos.<br />

Para deixar um gostinho de quero mais e um ar de curiosidade, uma pista dos próximos<br />

lançamentos:<br />

Vol. 2<br />

Organizada por Alfer Medeiros, mais 7 Visionários. O tema tem a ver com o volume.<br />

Vol. 3<br />

Organizada por Alec Silva, mais 7 Visionários que vão realizar seus desejos em contos<br />

fantásticos.<br />

Tem mais ou menos alguma ideia de qual seja os temas?<br />

Alec Silva


[SE7E VISÕES - AMBIÇÃO] Página | 79<br />

Quer participar do Projeto, comentar, sugerir, criticar, contactar algum dos autores participantes?<br />

Acesse nosso blog:<br />

http://se7evisoes.blogspot.com<br />

Teremos o maior prazer em receber um feedback de nossos leitores.<br />

Este e-book no formato pdf foi produzido estritamente para divulgação, sob a licença creative commons.<br />

O material contido foi cedido sob autorização dos autores.<br />

Compartilhe este livro com todos os que gostam da literatura fantástica, pois ele foi produzido exatamente<br />

com essa razão!<br />

É expressamente proibida a venda e/ou reprodução parcial ou total em mídia impressa para fins comerciais.<br />

Contato com o autor da obra contida neste e-book:<br />

drakon.iung.tao@hotmail.com<br />

http://se7evisoes.blogspot.com<br />

http://www.twitter.com/AlecSilvaWriter<br />

Contato com o autor deste e-book:<br />

rochettsilva@yahoo.com.br<br />

http://tinyurl.com/3mhl8us<br />

http://www.twitter.com/MauriceLacroix<br />

Se7e <strong>Visões</strong> – <strong>Ambição</strong> faz parte do Projeto Livros Grátis!!! e objetiva apenas uma única coisa: ser lido e<br />

distribuído gratuitamente!

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