19.04.2013 Views

Unica Zürn, a Alucinada Subtil - Saúde Mental

Unica Zürn, a Alucinada Subtil - Saúde Mental

Unica Zürn, a Alucinada Subtil - Saúde Mental

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Volume XI Nº2 Março/Abril 2009 Leituras / Readings<br />

custódia dos filhos, e passa a viver como jornalista e escritora,<br />

frequentando os círculos artísticos de Berlim. Para financiar a<br />

sua subsistência, escreveu cerca de 140 contos para a imprensa<br />

diária berlinesa e diversas peças radiofónicas.<br />

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1953, conhece o pintor e<br />

fotógrafo surrealista Hans Bellmer (1902-1975), artista inclassificável,<br />

famoso como criador de fetiches surrealistas, graças<br />

a sua famosa série de bonecas (Poupées). Apaixona-se por<br />

ele e, nesse mesmo ano, o casal parte para Paris.<br />

Fig. 2- <strong>Unica</strong> <strong>Zürn</strong> e Bellmer - desenho de Hans Bellmer.<br />

Na cidade das luzes, incitada por Bellmer, Única <strong>Zürn</strong> começa<br />

a desenhar e a escrever anagramas, uma espécie de jogo de<br />

palavras, que resulta do rearranjo das letras de uma palavra<br />

ou frase para produzir outras palavras. O anagrama foi uma<br />

das técnicas usadas pelos surrealistas – como a “escrita automática”<br />

ou os “cadáveres esquisitos” – para tentar reduzir<br />

ao mínimo o efeito das instâncias de controlo e repressão do<br />

subconsciente. Se as frases representam o mundo organizado<br />

e lógico, então a busca de outras frases numa frase significa<br />

a busca de outros mundos atrás do mundo do dia-a-dia. A<br />

escrita anagramática, assim como a cabala, tornaram-se para<br />

<strong>Zürn</strong> quase uma obsessão, com as quais se afastava cada vez<br />

mais do mundo real. Ela própria descreveu este comportamento.<br />

“Prazer inesgotável o de procurar uma frase dentro doutra<br />

frase. A concentração e o grande silêncio que este trabalho<br />

exige dão-lhe a oportunidade de poder isolar-se completa-<br />

mente do mundo que a Fig. 3- La poupée de Hans Bellmer.<br />

rodeia e até de esquecer<br />

a realidade – é isso o que<br />

ela quer.”<br />

Por intermédio de Bellmer,<br />

<strong>Zürn</strong> conhece os<br />

artistas do círculo surrealista<br />

parisiense: Man Ray,<br />

Marcel Duchamp, Max<br />

Ernst, Hans Arp e Henri<br />

Michaux. O primeiro<br />

deixou-nos dela um famoso<br />

retrato fotográfico<br />

em escorço. O encontro<br />

com Michaux, por quem<br />

se diz que esteve apaixonada,<br />

será decisivo para<br />

a sua obra posterior: ele tornar-se-á, na forma duma relação<br />

imaginada e sob as iniciais H.M., no protagonista do livro O<br />

Homem-Jasmim.<br />

A relação com Bellmer tinha, sem dúvida, muito na linha do<br />

transgressor mito surrealista do amour fou, um componente<br />

sadomasoquista, que ela teve a coragem de reconhecer: “O<br />

meu destino é ser uma vítima eterna”, escreveu. Nesse sentido<br />

é inevitável recordar a chocante série de fotografias que Bellmer<br />

fez, em 1958 - usando a perfomance própria dos rituais<br />

de bondage sadomasoquista - nas quais o corpo de Única<br />

<strong>Zürn</strong> aparece, em diferentes posições, atado com um cordel,<br />

como se fosse um pedaço de carne para assar. “Ela gostava<br />

de experienciar a dor com o prazer”, confessa <strong>Zürn</strong> num dos<br />

seus escritos. Bellmer, por sua vez, era um grande perverso<br />

que, sublimou, como outros artistas, as suas pulsões sádicas<br />

através da arte, mas também foi o seu companheiro, o seu<br />

principal apoio artístico e emocional e o fiel defensor dos seus<br />

direitos quando Única, já muito desequilibrada, demonstrava<br />

não ter capacidade para tratar com os marchantes. Única <strong>Zürn</strong><br />

tinha por ele sentimentos que oscilavam entre a admiração e a<br />

submissão. Talvez ela se tenha vingado dele no fim, quando em<br />

19 de Outubro de 1970, se atirou pela janela do apartamento<br />

de Bellmer em Paris. Ele, paralisado desde há alguns anos,<br />

nada pôde fazer para evitar o desenlace fatal, e não teve outra<br />

escolha senão contemplar impotente o gesto dela desde a sua<br />

cadeira de rodas. Bellmer morreu em 1974 e foi enterrado ao<br />

lado de Única no cemitério do Père-Lachaise, sob uma campa<br />

49

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!