O Lobo da Estepe - Christian Rocha
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pobre alma se busca compreendê-la numa imagem tão primitiva. Harry, embora seja um<br />
homem grandemente instruído procede talvez como um selvagem, que não sabe contar alérri<br />
de dois. Chama a uma parte de si mesmo de homem, à outra, de lobo, e com isso acredita<br />
haver chegado à meta e esgotado o assunto. No "homem'' encerra tudo o que há de espiritual,<br />
de sublime ou culto que encontra em si, e no "lobo" tudo o que há de instintivo, de selvagem e<br />
caótico. Mas as coisas não se passam na vi<strong>da</strong> de maneira tão simples como em nosso<br />
pensamento, nem tão rude como em nosso pobre idioma de idiotas, e Harry se engana<br />
duplamente ao empregar este método tacanho do lobo. Harry considera, o que é de temer-se,<br />
to<strong>da</strong>s as divisões de sua alma como parte do "homem, muitas <strong>da</strong>s quais já deixaram de ser<br />
homem, e qualifica partes de seu ser como lobo, partes que há muito já estão além do lobo.<br />
Como todos os homens, Harry crê saber muito bem o que é o homem, e não sabe<br />
absolutamente na<strong>da</strong>, embora o suspeite algumas vezes em sonho e em outros estados anímicos<br />
não sujeitos a controle. Quem dera não esquecesse esses pressentimentos, mas se<br />
apropriasse deles tanto quanto possível! O homem não é uma forma fixa e duradoura (tal era o<br />
ideal dos antigos, apesar do pensamento em contrário de alguns luminares <strong>da</strong> época); é antes<br />
um ensaio e uma transição, não é outra coisa senão a estreita e perigosa ponte entre a<br />
Natureza e o Espírito. Para o espírito, para Deus, ele é impulsionado por sua vocação mais<br />
íntima. Para a natureza, para a mãe, é atraído pelo mais íntimo desejo. Sua vi<strong>da</strong> oscila<br />
vacilando angustiosamente entre ambos os poderes. O que se compreende comumente pela<br />
palavra "homem" é sempre uma estipulação efêmera e burguesa. Certos impulsos mais crus<br />
estão afastados e proibidos nessa convenção; um grau de consciência e de cultura humana são<br />
reclamados à besta; uma pequena parcela de espírito não é somente permiti<strong>da</strong>, como também<br />
encoraja<strong>da</strong>. O homem desta convenção, como todos os outros ideais burgueses, é uma<br />
conciliação, um intento tímido, de ingênua astúcia com o intuito de enganar tanto a<br />
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