O Lobo da Estepe - Christian Rocha
O Lobo da Estepe - Christian Rocha
O Lobo da Estepe - Christian Rocha
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
amistoso pareceu-me provável que tivesse algo a ver com Molly ser uma espécie de enviado<br />
seu, ou uma fera heráldi-m belo e perigoso animal <strong>da</strong> feminili<strong>da</strong>de e do pecado. Não poderia<br />
chamar-se por acaso Vúlpius? Mas neste mo-<br />
mento um criado abriu a porta, levantei-me e entrei. Lá estava o velho Goethe, baixo e muito<br />
ereto, trazendo neito clássico a enorme condecoração de alguma Ordem. Dava a impressão de<br />
que ain<strong>da</strong> governava, de que estava concedendo audiências, de que ain<strong>da</strong> controlava o mundo<br />
sentado em seu museu de Weimar. Pois mal olhou para mim, com um movimento de cabeça<br />
que lembrava um velho corvo, começou a falar pomposamente:<br />
— Com que então, vós, os jovens, não tendes grande apreço por nós e pelos nossos esforços?<br />
— Exatamente — disse eu, gelado pelo seu frio olhar ministerial. — Nós, os jovens, não<br />
estamos muito de acordo com Vossa Excelência. Sois demasiado solene para nós, demasiado<br />
vaidoso, demasiado auto-suficiente e pouco sincero Sem dúvi<strong>da</strong>, este é o ponto capital: pouco<br />
sincero.<br />
O homenzinho lançou a severa testa para a frente e enquanto sua boca dura e enruga<strong>da</strong> se<br />
distendia num leve sorriso e se tornava encantadoramente viva, o coração bateu-me com<br />
força, pois recordei a poesia "Desceu a tarde... " e que fora <strong>da</strong>quela boca e <strong>da</strong>quele homem<br />
que haviam brotado as palavras <strong>da</strong>quela poesia. Fiquei tão desarmado e vencido naquele<br />
instante que, sem dúvi<strong>da</strong>, teria preferido ajoelhar-me diante dele. Mas me mantive de pé e<br />
ouvi-o dizer com um sorriso:<br />
— Então o senhor me acusa de insinceri<strong>da</strong>de? Isso é coisa que se diga! Tenha a bon<strong>da</strong>de de<br />
fazer-se mais explícito!<br />
Eu estava contente em poder fazê-lo.<br />
-— Como todos os grandes espíritos, Exmo. Sr. Goethe, o senhor claramente reconheceu e<br />
sentiu a dúvi<strong>da</strong> e a desesperança <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana, com seus momentos de transcen-<br />
dência que vão afun<strong>da</strong>r-se de novo na miséria, a impossibili-<strong>da</strong>de de atingir-se a altura ideal<br />
dos sentimentos senão à custa<br />
99